VENDA DE COISA DEFEITUOSA
CONSUMIDOR
PERÍODO DE GARANTIA
Sumário

1. O regime previsto no Código Civil não é o único que rege a venda de coisas defeituosas. A Directiva 1994/44/CE, veio regular determinados aspectos e garantias dos consumidores, vindo a ser transposta para o direito interno pelo DL n.º 67/2003, de 8 de Abril.
2 – A Directiva apenas se reporta à venda de bens de consumo, aplicando-se apenas quando o comprador seja consumidor, ficando excluídos todos os consumidores que sejam pessoas jurídicas bem como as pessoas singulares que actuem no âmbito da sua actividade profissional.
3 – O vendedor responde pelo “defeito” existente no momento em que entrega o bem ao consumidor, presumindo-se que as faltas de conformidade que se manifestem no período da garantia já existiam no momento da entrega, salvo quando tal for incompatível com a natureza da coisa ou com as características da falta de conformidade.
4. A biela não podia estar partida quando o carro foi vendido tal defeito era incompatível com a possibilidade de o veículo circular mais 180.000Km.
(sumário da Relatora)

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

I – A instaurou a acção declarativa, com processo sumário, contra J Lda., pedindo a condenação da ré no pagamento da quantia de €9.148,69 (nove mil cento e quarenta e oito euros e sessenta e nove cêntimos), acrescida dos juros, à taxa legal, desde a citação.
O autor alegou que comprou um veículo usado, houve uma avaria no motor do veículo, no período de garantia, provocada por deficiência do material, a ré recusou-se a reparar.
Citada, a ré defendeu-se por excepção e por impugnação. Alegou que o negócio de compra e venda foi celebrado com terceiro, que o veículo em causa encontrava-se, à data do negócio, em boas condições de utilização, incluindo o motor e demais componentes, não apresentando qualquer deficiência de material, que a garantia ajustada foi de um ano, e que à data em que foi comunicada a avaria, já os prazos de garantia eventualmente aplicáveis se mostravam esgotados.
O autor respondeu, pugnando pela improcedência das excepções invocadas pela ré e concluiu pela condenação da ré como litigante de má fé, por alterar a verdade dos factos.Dispensada a audiência preliminar foi proferido despacho que julgou pela improcedência da excepção dilatória de ilegitimidade invocada pela ré, não houve selecção da matéria de facto assente e controvertida.
Procedeu-se a julgamento e a acção foi julgada improcedente.
Não se conformando com a decisão interpôs recurso o autor e nas suas alegações concluiu:
- na factualidade provada o item 20) da mesma deverá antes ter a seguinte redacção:
"O Autor suportou a referida importância, na dita aquisição, em virtude da "T" – oficina que reparou o JM – lhe ter comunicado que, desse modo, o custo da reparação do JM seria inferior";
- na mesma factualidade provada, deverá ser aditado um item 17-A) com o seguinte facto, alegado em 17 da p.i.: "A avaria teve origem na deficiência do material";
- estas alterações fundam-se na circunstância do apelante entender que face à credibilidade que lhe merecer a testemunha F, o M° Juiz "a quo" deveria ter dado como provado o que consta das conclusões B) e C);
- o depoimento no suporte áudio da audiência de discussão e julgamento, sessão do dia 7 de Maio de 2009, pelas 15:00 horas, pelo sistema Habilus Media Studio, do minuto 54:13 ao minuto 122:17;
- declarou aos minutos 11:08, 15:43 e 19:37 das suas declarações (minutos estes respeitantes apenas à gravação do seu depoimento e inseridos nos que se indicaram na Conclusão E)).
-o quadro legal vigente, o caso destes autos, enquadra-se no âmbito de aplicação do Decreto-Lei nº 67/2003, de 8 de Abril;
- sendo aplicáveis as previsões dos artigos 2°, 3°, 4° e 5° desse mesmo diploma;
- perante a falta de conformidade que o JM revelou o apelante pretendeu que a Ré procedesse à sua reparação;
- o que esta se negou-se a efectuar, só por isso o apelante teve de suportar os custos da reparação do JM, quando lhe assistia o direito àquela reparação (artigo 4°, nº 1 do D.L. nº 67/2003);
- atempadamente comunicou à Ré a falta de conformidade revelada dentro dos 2 anos seguintes à entrega que esta lhe fez do JM (artigos 5°, n.º 1 e 4°, nºs 1 e 4 do D.L. n.º 67/2003);
- a falta de conformidade em causa nos autos (motor partido) por uma biela se ter partido), presume-se existente à data em que a Ré entregou o JM ao apelante (artigo 3°, n° 2 do D.L. nº 67/2003);
- a Ré não logrou provar o contrário;
- quando entregou o JM ao apelante não procedeu à abertura do motor do mesmo a fim de apurar do seu estado de conservação e manutenção e para assegurar a sua conformidade;
- já que o JM aparentava estar em boas condições, fez a Ré, concerteza um bom negócio;
- Só que a falta de conformidade que já antes tinha veio a revelar-se passados 1,5 anos;
- a lei atribui um prazo tão dilatado para assegurar ao comprador, o consumidor, a possibilidade de não ter de suportar custos com faltas de conformidade do que está a comprar;
- há bens que não carecem de tanto tempo para revelarem os seus defeitos, mas o JM não obstante ter sido devidamente utilizado veio a revelar essa falta de conformidade, que com 180.000 km não é vulgar, nem esperável – motor partido causado por biela partida;
- não é acertado interpretar-se o contrário, sob pena de violação do disposto no artigo 3°, nº 2 do D.L. nº 67/2003;
- a falta de conformidade estava como que escondida, mas acabou com mais uso e com o tempo, por transparecer e tornar-se patente;
- não há nos autos qualquer facto que leva a afastar a presunção consignada no nº 2 do artigo 3° do D.L. nº 67/2003;
- um defeito, que se revela nos dois anos seguintes à entrega, presume-se existir naquela data. Factos
1) Em finais de Maio de 2005, o autor comprou à ré, que lho vendeu, o veículo automóvel marca do ano de 1994, matrícula JM.
2) Na altura, autora e ré limitaram-se a acertar o valor do negócio sem estabelecerem qualquer período de garantia.
3) O autor assinou e entregou a M, à ordem deste, um cheque, datado de 28 de Maio de 2005, no valor de €15.000,00 (quinze mil euros), para pagamento de parte do preço ajustado pela compra e venda do JM.
4) Naquela ocasião, o JM estava em boas condições de utilização.
5) Na mesma ocasião, M comunicou ao autor que era sócio-gerente da ré e poderia proceder a todas as revisões do JM nas instalações da ré.
6) O autor foi fazendo um uso cuidado e prudente do JM.
7) Decorridos cerca de dois meses, após a data referida em 1), quando o JM completou 180.000 (cento e oitenta mil) quilómetros, o autor levou-o às instalações da ré, onde foi feita uma revisão do veículo.
8) Nesta revisão foram aplicados filtros e óleos com as seguintes designações e códigos: "Filtro (gasóleo Mercedes "FT5055A". "Filtro Óleo", "FB1526": "filtro AR2" “FBO” 'Pré Filtro", “ FB235”.
9) O autor não levou o JM às instalações da ré para que ali fosse feita outra revisão, a qual veio a ser realizada nas instalações da oficina denominada "T em data não concretamente apurada, mas anterior a 25 de Novembro de 2006.
10) No dia 25 de Novembro de 2006, surgiu uma avaria no motor do JM, o que levou a que o mesmo deixasse de poder circular pelos seus próprios meios.
11) Nessa sequência, o JM foi transportado, por reboque, para as instalações da ré.
12) O autor solicitou, então, à ré, que averiguasse o que se passava com o JM.
13) Em 29 de Novembro de 2006, o autor enviou à ré uma carta com o seguinte conteúdo: "No passado dia 25 o veículo automóvel da M, com a matrícula JM, que comprei à vossa firma em Junho de 2005, surgiu com uma avaria no motor (deficiência deste, não decorrente da utilização cuidada e prudente que tenho efectuado), e deixou de poder circular. Encontrando-se nesta altura nas vossas instalações, desde o dia 25, na Rua…. Precisa a avaria no motor de ser reparada, sendo certo que a responsabilidade na execução da mesa é/ou o suportar do seu custo é da vossa inteira responsabilidade, uma vez que ainda não decorreram 2 (dois) anos sobre a aquisição do mesmo. O veículo está imobilizado e ele impedido de com ele circular e de o poder desfrutar. Isto é inaceitável e os prejuízos que estou a sofrer não podem continuar a verificar-se. Deste modo, venho face ao que deixo escrito anteriormente e na sua sequência, por este meio, notificá-los para, até ao dia 12 de Dezembro de 2006, procederem à reparação do veículo que me venderam (ou seja da avaria do motor) ou, não o podendo fazer, o levaram a oficina da vossa confiança para, à vossa conta, a reparação que se mostrar necessária seja levada a efeito”.
14) A ré enviou ao autor uma carta, datada de 4 de Dezembro de 2006, com o seguinte teor: "Em resposta à sua carta recebida a 29 de Novembro de 2006 reclamando uma garantia de dois anos do veículo M com a matrícula JM adquirido por V. Ex.ª no dia 30 de Maio de 2005, tenho a dizer sobre a mesma que o veículo era usado à data da compra pelo que não beneficia de uma garantia de dois anos mas sim de um ano, de acordo com o Decreto-lei nº 67/2003 de Abril. De acordo com este Decreto-lei a garantia dos bens usados pode ser reduzida para um ano, até porque foi essa a garantia que acordamos a quando da venda do veiculo, como V. Ex.ª. bem sabe. Mais informo V. Exa. que de acordo com o Código Civil. artigo 921 o prazo de garantia expira seis meses após a entrega da coisa, se os usos não estabelecerem prazo maior. Agradecemos que proceda ao levantamento da viatura das nossas instalações no prazo máximo de 10 dias úteis a contar da presente data, findo esse prazo será cobrado parqueamento conforme afixado no nosso estabelecimento.
15) Nesta sequência, o autor foi levantar o JM às instalações da ré e levou-o para a oficina denominada "T”, onde mandou que fosse reparado.
16) Ao ser inspeccionado, verificou-se que o bloco do motor do JM estava partido.
17) Na origem deste facto esteve uma biela que se partiu.
18) Em 23 de Fevereiro de 2007, o autor suportou a quantia de € 7.260.00 (sete mil duzentos e sessenta euros), na compra de um motor e das peças necessárias para substituir o motor do JM.
19) O autor só suportou a referida importância, naquela data, em virtude de não ter disponibilidade económico-financeira em data anterior.
20) O autor suportou a referida importância, na dita aquisição, em virtude de lhe ter sido comunicado que, desse modo, o custo da reparação do JM seria inferior.
21) O JM foi reparado na oficina acima referida, com o motor e as peças supra mencionadas.
22) O autor suportou a quantia de (1.888,69 mil oitocentos e oitenta e oito euros e sessenta e nove cêntimos) com a reparação do JM.
23) Em 4 de Abril de 2007, a reparação do JM já se encontrava concluída.
24) O autor levantou o JM da oficina acima referida, já reparado, no dia 17 de Agosto de 2008, data a partir da qual voltou a utilizá-lo normalmente.
25) No dia 9 de Junho de 2007. o autor levou o JM à inspecção técnica periódica, voltando a entrega-1º, logo a seguir, na referida oficina.
26) O autor só levantou o JM na data acima referida em 24), Em virtude de não ter disponibilidade económico-financeira para suportar o custo da reparação em data anterior.
Houve contra alegações defendendo a manutenção da decisão
Corridos os vistos legais, nada obsta ao conhecimento
II – Apreciando
O recurso é balizado pelas conclusões das alegações, estando vedado ao tribunal apreciar e conhecer de matérias que naquelas não se encontrem incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso (art. 684º, nº 3 e 690º, nºs 1 e 3 do CPC), acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido.
Não se verifica a invocada extemporaneidade do recurso, em face do conteúdo das alegações, como se apreciou no recebimento do recurso.
Como se sabe, a Relação pode reapreciar o julgamento da matéria de facto e alterar (e, portanto, substituir) a decisão da 1ª instância em três situações: - se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 690º-A com base neles proferida; - se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas; - se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou.
No caso vertente constam do processo todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa, pelo que pode a Relação proceder à sua reapreciação.
Vejamos então.
Pretende o apelante a alteração da redacção do art. 20 e também defende que devia ser acrescentado o art. 17-A
Para o 20 defendeu a seguinte redacção:
O Autor suportou a referida importância, na dita aquisição, em virtude da "T – oficina que reparou o JM – lhe ter comunicado que, desse modo, o custo da reparação do JM seria inferior"?
17-A) A avaria teve origem na deficiência do material?
Analisando a prova não resulta o que pretende o apelante. Nem sequer como afirma do depoimento da testemunha F. Foi ele que procedeu à reparação depois da avaria. E, como referiu as deficiências podem ter origem no desgaste normal dos materiais e dos quilómetros feitos. No caso vertente o veículo estava a circular e parou. O que acontece sempre que surge esta avaria. A biela partiu e havia buraco no motor do lado esquerdo, partiu o bloco. Além disso confirmou que não podia existir outra causa para tal ocorrência. Como referiu o motor desalvorou mas não sabe a razão, sendo certo que tal avaria por norma surge quando partem as bielas. A testemunha A, mecânico que inspeccionou o motor do JM, descreveu a avaria e a origem da mesma e também a testemunha J. E explicaram que se não fosse substituído o motor a reparação ficava mais cara e não era possível. Como referiram as testemunhas que percebem de mecânica não era possível ter uma biela partida e circular. A avaria é imediata o carro para de circular. Ora, seria ilógico e contraditório dar como provado que esta avaria existia na data da venda, já que era impossível ter circulado 180.000Km como consta da matéria de facto, desde que o autor comprou o veículo.
Quanto ao pretendido art. 17-A também não se apurou como afirmou que a avaria resultou da deficiência do material. Como referiram as testemunhas, por vezes aparece em carros mais novos e a consequência desta avaria é sempre rebentar com o bloco do motor e o carro para.
As testemunhas A e P nada sabiam. J sabia que resultou da biela se ter partido. Estes artigos estão bem respondidos e nada há para alterar nas respostas dadas.
O regime previsto no Código Civil não é o único que rege a venda de coisas defeituosas. A Directiva 1994/44/CE, de 25 de Maio, veio regular determinados aspectos da venda de bens de consumo e das garantias dos consumidores, vindo a ser transposta para o direito interno pelo DL n.º 67/2003, de 8 de Abril.

Esta Directiva, enquadra-se na contribuição para a realização e defesa dos consumidores na União Europeia, da criação de regras comuns de Direito do Consumo, procura proteger os consumidores relativamente à aquisição de bens defeituosos, independentemente do país da União Europeia em que estes sejam adquiridos, e de evitar distorções na concorrência entre os vendedores em resultado das disparidades das legislações dos Estados – Membros respeitantes às vendas de bens de consumo.
A Directiva apenas se reporta à venda de bens de consumo, aplicando-se apenas quando o comprador seja consumidor. E é considerado consumidor qualquer pessoa singular que actue com objectivos não respeitantes à sua actividade comercial ou profissional, tendo sido acolhido o conceito de consumidor stricto sensu. Excluídos ficam, assim, todos os consumidores que sejam pessoas jurídicas (sociedades e pessoas colectivas), bem como as pessoas singulares que actuem no âmbito da sua actividade profissional. O n.º 1 do artigo 1º do DL n.º 67/2003 remete para o conceito de consumidor, previsto na Lei 24/96, de 31 de Julho, a qual considera consumidor todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados ao uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios.

Estabelece-se, no artigo 2º, n.º 1, do DL 67/2003, a regra de que os bens devem ser conformes com o contrato de compra e venda, enunciando o n.º 2 do mesmo preceito os casos em que se presume que os bens de consumo não são conformes com o contrato.

De acordo com o n.º 1 do artigo 3º da Directiva (reproduzido no DL 67/2003), o vendedor responde perante o consumidor por qualquer falta de conformidade que exista no momento em que o bem lhe é entregue. O n.º 2 do artigo 3º do citado DL refere que as faltas de conformidade que se manifestem num prazo de dois ou de cinco anos a contar da data de entrega de coisa móvel corpórea ou de coisa imóvel, respectivamente, presumem-se existentes já nessa data, salvo quando tal for incompatível com a natureza da coisa ou com as características da falta de conformidade. Ou seja, se o vendedor responde pelo “defeito” existente no momento em que entrega o bem ao consumidor, estabelece-se a presunção de que os “defeitos” (faltas de conformidade) manifestados nos aludidos prazos a partir da entrega já existiam nessa data. A não ser assim, o consumidor suportaria um duplo ónus: por um lado teria de alegar e provar a falta de conformidade e, por outro lado, teria de alegar e provar que o defeito, embora manifestado ou exteriorizado em momento ulterior, já se verificava aquando da entrega do bem. Esta presunção legal de que o defeito já se verificava à data da entrega do bem não é aplicável quando tal for incompatível com a natureza da coisa ou com as características da falta de conformidade (artigo 3º, n.º 2, in fine, do DL n.º 67/2003). Aqui o legislador terá tido, sobretudo, em consideração os casos em que o bem esteja sujeito a um prazo de validade ou de consumo mais curto.
Os direitos do consumidor também são tutelados em caso de venda de coisas móveis usadas. Neste caso, o prazo mínimo de protecção pode, no entanto, ser reduzido a um ano, havendo acordo das partes (n.º 2 do artigo 5º do DL n.º 67/2003).
O DL n.º 67/2003, veio também regular as chamadas “garantias voluntárias” ou de bom funcionamento, ou seja, a declaração pela qual o vendedor, o fabricante ou qualquer intermediário promete reembolsar o preço pago, substituir, reparar ou ocupar-se, de qualquer modo, da coisa defeituosa vincula o seu autor nas condições constantes dela e da correspondente publicidade (artigo 9º).

A garantia voluntária é aplicável em tudo o que possa conferir mais e melhor protecção ao consumidor, mas não afasta, nem pode afastar o conteúdo (mínimo) da garantia legal.
Um dos meios de tutela do consumidor é a resolução do contrato (artigo 4º, n.º 1, do DL n.º 67/2003), que pode ser exercido mesmo que a coisa tenha perecido ou se tenha deteriorado por motivo não imputável ao comprador (n.º 4 do artigo 4º do DL 67/2003). Mas o consumidor não terá direito à rescisão do contrato se a falta de conformidade for insignificante (n.º 6 do artigo 3º da Directiva), regra esta que resultaria já dos princípios gerais do direito (nomeadamente, da boa fé) e da proibição do abuso de direito (artigo 334º do Código Civil e n.º 5 do artigo 4º do DL 67/2003).

A par dos meios de tutela enunciados na Directiva e no DL 67/2003, o consumidor goza também do direito a ser indemnizado, podendo esta faculdade ser usada isoladamente ou em conjunto com outros direitos, de acordo com as circunstâncias do caso concreto. É que, apesar de não ser previsto na Directiva, o direito a indemnização deve considerar-se aplicável por recurso às regras gerais, nomeadamente, conforme previsão expressa do n.º 1 do artigo 12º da Lei 24/96, de 31/07, uma vez que a Directiva tem por objectivos a definição de um conteúdo mínimo de protecção do consumidor e a fixação
de regras uniformes da União Europeia Armando Braga, A Venda de Bens de Consumo, 71. Aliás, é o próprio n.º 1 do artigo 8 da Directiva que prescreve que “o exercício dos direitos resultantes da presente directiva não prejudica o exercício de outros direitos que o consumidor possa invocar ao abrigo de outras disposições nacionais relativas à responsabilidade contratual ou extracontratual”.

Reportando-nos, então, ao caso em apreço, comprovam os factos que a recorrida vendeu ao recorrente, em 30 de Maio de 2005, um bem de consumo, isto é, o automóvel usado marca “M” ano 1994, com a matrícula JM pelo preço de 15.000 €,
Como não se provou o acordo em reduzir, até um ano o prazo de garantia da vendedora, é aplicável o prazo de dois anos, a contar da data da entrega.
Neste período a biela partiu-se e o carro sofreu uma avaria no motor que vem descrita e está provada. Mas, como referiram as testemunhas esta avaria não era detectável, porém só quando ela ocorre é que se abre o motor. E, não pode existir durante muito tempo, o veículo circula e partindo a biela leva também ao colapso do bloco do motor e o carro para.
Ora, se após a venda o veículo foi sujeito a duas revisões, a primeira cerca de dois meses após a conclusão do negócio e quatro meses antes da avariar em causa e, o veículo circulou normalmente sem qualquer avaria, a conclusão a tirar tem de ser que a avaria não é nem podia ser contemporânea da data em que o veículo foi vendido. O veículo foi vendido em 2ª mão com alguns anos e após a compra ainda circulou, pelo menos mais 180.000Km, sem qualquer problema.
A responsabilidade da vendedora fica restringida ao facto de se presumir que o defeito existia na data da venda, pois apareceu dentro do prazo de garantia ou que resultou de deficiência existente nessa altura.
Provou-se que ao carro nesse espaço de tempo foram feitas duas revisões. A primeira dois meses após a venda e a segunda sem que nada tivesse sido detectado circulando normalmente.
A avaria como explicou uma testemunha ocorre a andar e não é detectável. Foi o que aconteceu o carro estava a circular e o carro parou. Sendo um veículo usado com mais de dez anos e cerca de cento e oitenta mil, não á um motivo específico para que aconteça podia até ter ocorrido antes. Por vezes, ocorre em veículos mais novos esta avaria com as mesmas consequências.
Como se viu dispõe o artigo 3.º quanto à entrega do bem:
1 - O vendedor responde perante o consumidor por qualquer falta de conformidade que exista no momento em que o bem lhe é entregue.
2 - As faltas de conformidade que se manifestem num prazo de dois ou de cinco anos a contar da data de entrega de coisa móvel corpórea ou de coisa imóvel, respectivamente, presumem-se existentes já nessa data, salvo quando tal for incompatível com a natureza da coisa ou com as características da falta de conformidade.
Temos de concluir que esta avaria era incompatível com a natureza do veículo, na data de venda, caso contrário não circulava tantos quilómetros, não pode de modo algum considerar-se tal resultado da deficiência resultasse da prova e também da forma como circulou. Ou seja, não se provou que o “defeito” no momento de entrega ao consumidor existisse, pois se assim fosse o veículo não circulava e ao aparecer o veículo não pode circular mais.
Por outro lado, a garantia que é dada e como se viu a lei prevê não é de modo algum garantida a reparação de qualquer avaria seja ela qual for, desde que surja durante o período da mesma. Ela é assegurada e apenas para os defeitos que existiam na data da entrega do bem, para prevenir condutas menos sérias e que levem a induzir em erro quem compra.


Ora quem compra um veículo em segunda mão e circula sem problemas mais 180.000 km, não se pode concluir que já estava partida a biela quando foi vendido e essa avaria levasse àquelas sequelas que os autos relatam de partir o bloco do motor. Esta é uma avaria que acontece até em carros mais novos e a consequência da avaria é imediata e tem como efeito a paragem do veículo. Assim, não se podia presumir que já existia tal defeito, pois seria incompatível com a sua natureza e com as características da falta de conformidade.
Em suma, não podem proceder as conclusões do recurso.
Conclusões
1. O regime previsto no Código Civil não é o único que rege a venda de coisas defeituosas. A Directiva 1994/44/CE, veio regular determinados aspectos e garantias dos consumidores, vindo a ser transposta para o direito interno pelo DL n.º 67/2003, de 8 de Abril.
2 – A Directiva apenas se reporta à venda de bens de consumo, aplicando-se apenas quando o comprador seja consumidor, ficando excluídos todos os consumidores que sejam pessoas jurídicas bem como as pessoas singulares que actuem no âmbito da sua actividade profissional.
3 – O vendedor responde pelo “defeito” existente no momento em que entrega o bem ao consumidor, presumindo-se que as faltas de conformidade que se manifestem no período da garantia já existiam no momento da entrega, salvo quando tal for incompatível com a natureza da coisa ou com as características da falta de conformidade.
4. A biela não podia estar partida quando o carro foi vendido tal defeito era incompatível com a possibilidade de o veículo circular mais 180.000Km.


III – Decisão: em face do exposto, julga-se improcedente a apelação, mantendo-se a decisão impugnada.
Custas pelo apelante

Lisboa, 18 de Novembro de 2010

Maria Catarina Manso
António Valente
Ilídio S. Martins