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EMPREITADA
SUBEMPREITADA
FISCALIZAÇÃO DA OBRA
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
DANOS MORAIS
Sumário
I – Quer a empreitada, quer a subempreitada, derivada daquela, são contratos de resultado, agindo o empreiteiro com completa autonomia no desenvolvimento da actividade conducente à obra combinada; II – A faculdade de fiscalização, que o artigo 1209º do Código Civil concede ao dono da obra, é meramente facultativa e sempre encargo deste, ainda que venha a ser exercitada apenas numa fase de incumprimento contratual do empreiteiro; III – Pode haver lugar a indemnização por danos morais em sede de responsabilidade contratual e dela pode ser credora uma sociedade comercial; mas, para tanto, torna-se necessária a prova de factos concludentes que mostrem verificada a existência desses danos na esfera jurídica da credora e gerados pelo incumprimento contratual. (sumário do Relator)
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:
I – Relatório
1.
1.1.R propôs acção declarativa, de processo sumário, contra S pedindo a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de 7.499,38 € e juros desde a citação.
Alega, em síntese, ter sido subempreiteira da empresa C para fornecimento de aparelhos de ventilação e ar condicionado no Auditório da Câmara Municipal e que subcontratou na ré parte do fornecimento; em conformidade com exigências da C, a ré comprometeu-se com a autora em ter os aparelhos em funcionamento a 27 de Setembro de 2005, o que só veio a acontecer em 17 de Janeiro de 2006 por problemas técnicos da responsabilidade da ré; no entretanto, esta fizera deslocar à obra, por cinco vezes, técnicos seus com vista à resolução das anomalias; e a autora, como responsável perante a C, também um técnico seu, em vista do acompanhamento dos trabalhos de diagnóstico e reparação e como direito de fiscalização da correcta execução da obra; aliás, foi a própria ré a solicitar a presença do técnico da autora. Em conse-quência, o dispêndio de tempo e mão-de-obra deste, tudo por causa do sucessivo incumprimento da ré, teve para a autora o custo de 1.669,80 €; por outro lado, en-quanto duraram as anomalias no equipamento a autora não recebeu da C o pagamento do serviço adjudicado, no valor de 25.386,31 €, com vencimento a 21 de Abril e 26 de Setembro de 2005, e só pago a 6 de Fevereiro de 2006, tendo este atraso – da única responsabilidade da ré – representado um prejuízo, com expressão nos juros vencidos, de 829,58 €; finalmente, a título de lucros cessantes, os atrasos da ré acarretaram prejuízos de imagem da autora, em particular, a C não mais contratou os seus serviços, perdas que se estimam em 5.000,00 €.
1.2. A ré, que foi citada no dia 10 de Outubro de 2008 (fls. 59), con-testou a acção e, além do mais, pediu a respectiva improcedência e a absolvição do pedido. Em síntese, alega que, como fornecedora do equipamento, lhe coube inspeccioná-lo e corrigir as anomalias detectadas, e que a autora houve por bem fazer vigiar essas reparações por um quadro seu, nada tendo a ré solicitado; nada foi estipulado a este respeito; nenhuma assistência deu o dito quadro aos trabalhadores da ré; a sua presença foi aliás desnecessária e decidida em exclusivo pela autora; donde, é a própria autora que deverá suportar as despesas originadas pela presença do seu empregado. Em sede de juros, é alheia ao contratado com a C e nem conhecia as condições respectivas, certo que o lapso de tempo do pagamento é o da prática normal no âmbito das empreitadas; e nem sabe se as factura são conexas com o seu fornecimento. Finalmente, quanto aos lucros cessantes, desconhece o que a autora alega.
2. A instância declaratória desenvolveu-se e, a final, veio a ser proferi-da sentença que, considerando que os custos de fiscalização da obra são encargos da autora, que foi o incumprimento contratual da ré que ocasionou os atrasos nos pagamentos de que aquela foi credora, e ainda que se não provaram os danos de imagem alegados, veio a condenar «a ré a pagar à autora a quantia de 829,58 € … bem como os juros de mora … desde a data da citação até efectivo e integral pagamento» e, no mais, a absolver a ré do pedido.
3.
3.1. A autora, inconformada, interpôs recurso de apelação.
E, nas alegações do recurso, formulou conclusões que se podem, ao que importa, assim sintetizar:
a) Os factos considerados provados são bastantes para enquadrar a responsabilidade contratual da apelada;
b) O primeiro dos pedidos visa o reembolso das despesas que a apelante se viu forçada a despender em consequência do acompanhamento das tarefas de reparação dos equipamentos;
c) O direito de fiscalização do dono da obra, que o artigo 1209º, nº 1, do Código Civil estabelece, tem em vista a execução da mesma no decurso dos trabalhos, não quando os trabalhos já estão concluídos, em particular, situações relacionadas com deficiências / vícios da coisa ou equipamento;
d) O acompanhamento da apelante não pode ser visto no âmbito do dever de fiscalização da execução dos trabalhos de subempreitada, uma vez que a resolução de anomalias não é uma fase de execução dos trabalhos, mas sim uma ulterior fase já relacionada com a própria garantia de obra e incumprimento contratual;
e) É ao empreiteiro que compete custear todas as despesas de um acompanhamento do dono da obra a que o seu incumprimento tenha dado causa;
f) A matéria considerada provada, em especial, o atraso nos pagamentos da C enquanto os aparelhos fornecidos não funcionassem e a circunstância de esta empresa não voltar a contratar os seus serviços, mostram que a imagem da apelante ficou prejudicada;
g) E foi por causa dos trabalhos subcontratados à apelada que essa má imagem se gerou.
Em suma, deve a apelada ser condenada no peticionado custo do a-companhamento dos trabalhos e, ainda, numa indemnização por danos não patrimoniais, se necessário, podendo o julgador recorrer à equidade nos termos do disposto no artigo 496º do Código Civil.
3.2. A apelada não respondeu.
4. Delimitação do objecto do recurso.
São as conclusões do apelante que delimitam, em primeira linha, o objecto do recurso (artigos 660º, nº 2, 684º, nº 3, e 685º-A, nº 1, do CPC).
Como se aponta na bem estruturada sentença recorrida são três os itens em que subdivide o pedido indemnizatório da agora apelante – os custos de fiscalização da obra; os juros do atraso no pagamento de que foi credora; a repa-ração da má imagem gerada. A sentença condenou no extracto dos juros, fun-dada em responsabilidade contratual da agora apelada; decisão favorável e não posta em crise no presente recurso; portanto, com trânsito em julgado.
As questões a apreciar são apenas reportadas aos dois restantes extractos do peticionado na acção; e, assim, a saber: 1ªSobre se os encargos com a fiscalização da obra da apelada, re-alizada pela apelante e com o custo de 1.669,80 €, devem onerar a esfera jurídica daquela; 2ª Sobre se, por causa do incumprimento da apelada, a apelante suportou uma má imagem que lhe faculta o direito a ser indemnizada pela quantia de 5.000,00 €.
II – Fundamentos
1. É a seguinte a matéria de facto que vem dada como provada da primeira instância:[1]
i. A autora é uma sociedade comercial que se dedica, entre outras actividades, à comercialização e instalação de aparelhos de ventilação e ar condicionado – alínea a) matéria assente.
ii. No âmbito da sua actividade comercial, a autora foi contratada, em regime de subempreitada, pela C SA, para o fornecimento, co-locação e montagem de aparelhos de ventilação e ar condicionado na obra que se encontrava em curso no Auditório da Câmara Municipal– alínea b) matéria assente.
iii. Do contrato celebrado entre a autora e a C SA constam, entre outras, as seguintes cláusulas: “CLÁUSULA 3ª (DURAÇÃO) 1- Os trabalhos objecto deste contrato decorrerão previsivelmente no período compreendido entre 14 de Fevereiro e 17 de Junho de 2005 (...). CLÁUSULA 13ª (MULTAS) 1- Se o subempreiteiro não concluir os trabalhos no prazo final ou nos prazos parciais contratualmente estabelecidos, ser-lhe-ão aplicadas até ao fim dos trabalhos totais ou parciais, conforme o caso, ou à rescisão do contrato, as seguintes multas: (…)”
(doc fls. 17 a 34) – alínea c) matéria assente.
iv. A autora, subcontratou a ré, em regime de subempreitada, com vista ao fornecimento e instalação de parte daqueles aparelhos na referida obra – alínea d) matéria assente.
v. A autora facturou à C SA, 25.386,31 €, através das facturas com os nºs 138 e 367, que tinham data de vencimento para os dias 21 de Abril e 26 de Setembro de 2005 – resposta ao quesito 6º da base instrutória.
vi. Os fornecimentos e serviços contratados entre a ré e a autora foram pagos por esta – alínea e) matéria assente.
vii. A autora acordou com a C ter os aparelhos de ar condicionado em funcionamento no dia 27 de Setembro de 2005 – resposta ao quesito 1º da base instrutória.
viii. A ré acordou com a autora ter os aparelhos em funcionamento no dia 27 de Setembro de 2005 – resposta ao quesito 2º da base instrutória.
ix. Os aparelhos de ar condicionado fornecidos e instalados pela ré não entraram em funcionamento em 27 de Setembro de 2005, o que se ficou a dever a problemas técnicos relacionados com o equipamento, cuja responsabilidade foi inteiramente assumida pela ré – alínea f) matéria assente.
x. Nos dias 27.09.2005, 14.11.2005, 30.11.2005, 12.12.2005 e 17.01.2006 a ré fez deslocar à obra os seus técnicos, com vista à resolução das anomalias verificadas – alínea g) matéria assente.
xi. Durante as visitas referidas na alínea g) da matéria assente (facto x.), a autora fez deslocar à obra um técnico, com vista ao acompanhamento dos trabalhos de diagnóstico e reparação das anomalias – resposta ao quesito 3º da base instrutória.
xii. O acompanhamento dos trabalhos de reparação da ré pelo técnico da autora teve para esta um custo de 1.669,80 €, a título de tempo, mão-de-obra e despesas de deslocação – resposta ao quesito 5º da base instrutória.
xiii. As máquinas entraram em funcionamento em 17 de Janeiro de 2006 – alínea h) matéria assente.
xiv. A C não pagou as facturas referidas na resposta ao quesito 6º (facto v.) enquanto os aparelhos de ar condicionado não entraram em funcionamento – resposta ao quesito 8º da base instrutória.
xv. A C pagou à autora as facturas referidas na resposta ao quesito 6º (facto v.) no dia 6 de Fevereiro de 2006 – resposta ao quesito 7º da base instrutória.
xvi. A C SA, não voltou a contratar os serviços da autora – resposta ao quesito 10º da base instrutória.
2. O mérito do recurso.
2.1. Enquadramento preliminar – o contrato celebrado.
A apelante, subempreiteira da empresa C SA, para instalação de equipamentos de ventilação e ar condicionado, subcontratou a apelada, em regime de subempreitada, em vista a instalar uma parte daqueles (factos ii. e iv.).
O artigo 1207º do Código Civil define contrato de empreitada; é o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra mediante um preço. Como requisito essencial, este negócio tem portanto a realização de uma obra por uma das partes – o empreiteiro – sob a sua própria direcção, com autonomia, e mediante o pagamento de um preço por outra das partes – o dono da obra ou comitente –. A obrigação do empreiteiro é, em essência, uma obrigação de resultado; o que o dono da obra, por força do contrato, tem o direito subjectivo a exigir é que o empreiteiro, no prazo que haja sido acordado, lhe entregue um concreto tipo de resultado final, realizado nos moldes convencionados.[2] Por outro lado, esta natureza da obrigação mostra que o trabalho do empreiteiro é autónomo, não subordinado e independente, re-lativamente a quaisquer ditâmes do dono da obra; aquele actua sob sua própria orientação e inteira responsabilidade.[3]
O artigo 1213º, nº 1, do Código Civil define contrato de subempreitada; é o contrato pelo qual um terceiro se obriga para com o empreiteiro a realizar a obra a que este se encontra vinculado ou uma parte dela. Trata-se agora de um contrato derivado; quer dizer, que tem como pressuposto a existência de um contrato prévio de empreitada, a que se encontra subordinado, é um contrato de empreitada em segunda mão, um subcontrato, que permite criar novas relações obrigacionais entre o empreiteiro e o subempreiteiro.[4] Por este subcontrato o empreiteiro passa a ser o dono da obra no contrato de subempreitada, continuando adstrito para com o dono da obra principal em todas as obrigações emergentes do contrato de empreitada, e o subempreiteiro passa a apresentar-se como o empreiteiro do empreiteiro, e obriga-se perante o empreiteiro principal a uma obrigação de resultado, prestação esta que se relaciona com a obra, dita principal.[5] O regime jurídico da subempreitada é transportado do que está previsto para a empreitada; àquela aplicam-se, em princípio, as mesmas regras a que esta está sujeita; e assim, no fundamental, aquilo que se diga para uma, há-de também servir para a outra.[6]
2.2. Execução do contrato – os custos de fiscalização.
A apelada comprometera-se com a apelante – até em função do compromisso desta para com a sua dona de obra – a ter o equipamento combina-do funcional a 27 de Setembro de 2005 (factos vii. e viii.); o que não aconteceu por problemas técnicos, de que a apelada assumiu responsabilidade (facto ix.). Assim, diligenciou esta, na veste de empreiteira da apelante, no sentido de corrigir aquelas anomalias (facto x.); tendo a apelante, na veste de dona da obra da apelada, feito acompanhar os trabalhos de diagnóstico e reparação, por um técnico seu (facto xi.).
Ora, é neste quadro que a apelante vem dizer que o acompanhamento desses trabalhos se justificou pelo deficiente cumprimento da obrigação da apelada; ao não apresentar o resultado, como convencionado, esta teria dado causa à necessidade do dito acompanhamento, que já não pode ser visto no âmbito do dever de fiscalização mas, antes, de uma fase ulterior, já depois da execução da obra e relacionada com a própria garantia e com o incumprimento do contrato. E, por isso, com custos a cargo da empreiteira, aqui apelada. Será viável este raciocínio? Vejamos, em primeiro lugar, que o tribunal a quo respondeu negativamente ao quesito 4º da base instrutória, obtido do alegado no artigo 15º da petição inicial, e onde se perguntava se fôra a apelada a solicitar à apelante a presença de um técnico desta. Por outro lado, não vemos que outro enquadramento jurídico-normativo possa ser dado à factualidade que se provou, que não aquele próprio da faculdade de fiscaliza- ção, pelo dono da obra, a que se reporta o artigo 1209º, nº 1, do Código Civil.
Estabelece este artigo que o dono da obra pode fiscalizar, à sua cus-ta, a execução dela, desde que não perturbe o andamento orinário da empreitada.[7] Esta fiscalização, que é uma mera faculdade do dono da obra, que a pode ou não exercer, consoante o seu livre critério e decisão, tem como fim principal impedir que o empreiteiro oculte vícios de dificil verificação no momento da entrega da obra;[8] por outro lado, sendo exercitada naquelas livres condições, e no interesse imediato do dono da obra, por sua iniciativa, é razoável que tenha de ser este a custear as despesas dela.[9] Do que se trata é apenas de constatar se a obra está a ser realizada conforme as previsões contratuais e as regras da arte, sem poder prejudicar minimamente a autonomia do empreiteiro, tudo se resumindo a observar o modo como se desenvolvem os trabalhos.[10]
Diz a apelante que a apelada não cumpriu a obrigação que a vinculava; e que foi por causa disso que nasceu a necessidade da sua fiscalização.
É verdade que a apelada não terá cumprido (facto ix.); mas por isso mesmo é que se prolongaram os trabalhos de execução, precisamente no sentido de obter este cumprimento, não se podendo enquadrar os trabalhos de diagnóstico e correcção já fora da própria execução da subempreitada. É que, como dissemos e lembramos agora, a obrigação a cargo da subempreiteira era de estrito resultado, agindo ela com completa autonomia e independência relativamente a qualquer orientação da empreiteira.[11] O direito desta era apenas que lhe fosse presente a obra, o resultado material que fôra convencionado e nos exactos termos em que o fôra. E a faculdade de fiscalização pode ser feita em qualquer momento da execução sempre e quando o dono da obra julgue oportuno fazê-la.[12] Isto significa que mesmo naquela fase, já de incumprimento, o direito de fiscalizar a execução da obra continua a justificar-se pelo interesse do respectivo dono, não se lhe impondo, nem se mostrando para ele vinculante.
Como resulta do artigo 406º, nº 1, do Código Civil, o contrato deve ser pontualmente cumprido, e se diz no artigo 762º, nº 1, do Código Civil, o devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado.
Ora, no caso, aquele cumprimento pontual e esta prestação debitória haviam de se traduzir na instalação correcta e funcional da ventilação e ar condicionado convencionados. E, não o sendo, desencadeando-se, então, os direitos próprios juridicamente estabelecidos para tais casos, em particular, o direito de exigir a eliminação das anomalias técnicas verificadas no equipamento, na medida em que a sua supressão se revelasse – como era o caso – possível (artigo 1221º, nº 1, do Código Civil).[13] Estando em causa uma obrigação de resultado, em que ao credor apenas é lícito exigir o efeito útil convencionado, e não cabendo àquele poder interferir na actividade desenvolvida pelo devedor para o conseguir atin-gir, não se vê como imputar a este outro o custo do acompanhamento que aquele primeiro opte, por sua livre iniciativa, de fazer, dos trabalhos de execução pontual da empreitada que sejam desenvolvidos.
Tudo isto surge, aliás, confirmado pela circunstância de a fiscalização que se efectue no decurso dos trabalhos não impedir nem substituir a verificação que haja de realizar a final.[14] Quer dizer que haja, ou não, fiscalização pode sempre o dono da obra, findo o contrato e em regra, fazer valer os seu direitos contra o empreiteiro, ainda que aparentes os vícios ou notória a má execução do contrato (artigo 1209º, nº 2, do Código Civil). Com o oferecimento da obra o dono fará a sua verificação (artigo 1218º do Código Civil); aceitá-la-á se nela encontrar o rigoroso cumprimento do combinado, ficando então o contrato executado; mas não a aceitará se assim não fôr, caso em que o contrato se não poderá ter por findo e executado. Mas tudo independentemente da facultativa e meramente preventiva possibilidade de fiscalização; que, também assim, se não concebe razoavelmente poder ser imputada, no custo que envolva, ao empreiteiro.
Ademais, e mesmo fora disso, nem se veria como conseguir vislumbrar no custo do acompanhamento, pela apelante, um prejuízo indemnizável, a cargo da apelada. O devedor que falte, com culpa, ao cumprimento da obrigação só é responsável pelos prejuízos que cause ao credor (artigo 798º do Código Civil). O incumprimento foi contratual e traduziu-se na omissão de apresentação da obra na data combinada; os danos indemnizáveis são apenas aqueles que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão (artigo 563º do Código Civil). Ora, pelas regras correntes da vida, segundo o curso normal das coisas, não se vê que aquele incumprimento fosse de molde a fazer esperar que se lhe seguisse a suportação de um custo inerente a um acompanhamento de trabalhos por técnico próprio da credora. Ao que, por aí também, se não pode reconhecer razão na pretensão que é formulada.
O custo do acompanhamento, pela apelante, foi de 1.669,80 € (facto xii.); como estamos no enquadramento jurídico do artigo 1209º, nº 1, do Código Civil, esse custo terá de ser assumido por ela mesma, como concluiu a sentença.
2.3. Execução do contrato – os danos não patrimoniais.
O equipamento instalado, que a apelada comprometera para 27 de Setembro de 2005, apenas ficou funcional em 17 de Janeiro de 2006 (facto xiii.). Ora, a apelante comprometera-se, com a sua dona de obra, àquela data (facto vii.); e, por isso, esta não pagou o facturado, o que só veio a fazer após os equipamentos entrarem em funcionamento (factos xiv. e xv.). Para além disso, a-quela dona de obra não mais voltou a contratar serviços da apelante (facto xvi.).
Conclui esta que tais factos são suficientes para revelar o prejuízo que da sua imagem se gerou, por causa do incumprimento da apelada; e que, por is-so, é credora de uma indemnização a cargo desta. Será assim? Convém notar, aqui também e antes do mais, que o tribunal a quo respondeu negativamente ao quesito 9º da base instrutória, obtido do alegado no artigo 22º da petição inicial, e onde se perguntava se os atrasos nos equipamentos instalados pela apelada haviam prejudicado a imagem da apelante no mercado. Isto dito; parecem estar em causa danos não patrimo- niais, aqueles a que o artigo 496º, nº 1, do Código Civil, se reporta; que pela suagravidade mereçam a tutela do direito.
Vejamos então. E em primeiro lugar sobre se os danos não patrimoniais são indemnizáveis em sede de responsabilidade contratual. Temos hoje por pacífico o entendimento da ressarcibilidade dos danos morais no campo contratual. De facto, e após algumas dúvidas iniciais, principalmente geradas pela oposição de Pires de Lima e Antunes Varela,[15] vemos agora a opinião francamente maioritária, quer na doutrina,[16] quer na jurisprudência,[17] que naturalmente acompanhamos. Importante notar porém, como resulta aliás do normativo aplicável, que os danos hão-de sempre ter uma dimensão ou grau de gravidade tal que se imponha realmente a atribuição de indemnização ao lesado.
Em segundo lugar sobre se as sociedades comerciais podem suportar tais danos e, por conseguinte, serem credoras de uma indemnização de tal natureza. Se bem que de resposta mais controversa, tendemos também aqui a considerar que as sociedades comerciais podem, de facto, sofrer danos não patrimoniais. Evidente que tais danos não podem reportar-se a dores físicas ou morais; mas serão atendíveis se em causa estiver a perda de prestígio ou a quebra de uma boa reputação que antes haja sido conseguida.[18]
O simples incumprimento contratual, por si só, não tem virtualidade de gerar danos morais; como os não revelam a excepção de não pagamento que foi exercitada pela dona de obra da apelante, ou até, o facto de aquela não mais ter contratado os serviços desta. A emergência de danos morais exige factos concludentes que permitam efectivamente reconhecer algum tipo de perda ou de ofensa de algum interesse que tenha dimensão insusceptível de poder ser avaliado pecuniariamente.[19] No fundo do que se trata é de ver apurado, com consistência, a condição essencial de toda a obrigação de indemnizar – a verifi-cação do dano ou prejuízo.[20] E essa demonstração havia de se ter afirmado, co-mo não aconteceu, em factos, cujo ónus de prova incumbia à apelante, e a quem por isso desaproveita a respectiva dúvida (artigos 342º, nº 1, do CC, e 516º do CPC).
Em suma, também nesta parte a apelação não pode proceder.
2.4. Conclusão – decisão final do recurso.
Resta, então, concluir.
Por um lado, que o custo de fiscalização, que a apelante como dona de obra, decidiu empreender junto da apelada, sua empreiteira, é encargo daquela.
Por outro lado, que os factos provados não permitem reconhecer, na esfera da apelante, qualquer tipo de carência ou frustração de cariz moral.
Por conseguinte, e nestes aspectos, a sentença recorrida decidiu bem.
2.5. As custas da apelação são da responsabilidade da apelante, que decaiu (artigo 446º, nº 1 e nº 2, do Código de Processo Civil).
2.6. Síntese conclusiva.
É a seguinte a síntese conclusiva que pode ser feita, a propósito do que fica de essencial quanto ao mérito do presente recurso:
I – Quer a empreitada, quer a subempreitada, derivada daquela, são contratos de resultado, agindo o empreiteiro com completa autonomia no desenvolvimento da actividade conducente à obra combinada;
II – A faculdade de fiscalização, que o artigo 1209º do Código Civil concede ao dono da obra, é meramente facultativa e sempre encargo deste, ainda que venha a ser exercitada apenas numa fase de incumprimento contratual do empreiteiro;
III – Pode haver lugar a indemnização por danos morais em sede de responsabilidade contratual e dela pode ser credora uma sociedade comercial; mas, para tanto, torna-se necessária a prova de factos concludentes que mostrem verificada a existência desses danos na esfera jurídica da credora e gerados pelo incumprimento contratual.
III – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente e em confirmar inteiramente a sentença recorrida.
Custas a cargo da apelante.
Lisboa, 23 de Novembro de 2010
Luís Filipe Brites Lameiras
Jorge Manuel Roque Nogueira
António Santos Abrantes Geraldes
----------------------------------------------------------------------------------------- [1] Procede-se à reordenação do elenco dos factos, por uma ordem lógica e cronológica, de maneira a conseguir uma melhor percepção da realidade empírico-sociológica sobre que incumbe fazer incidir a apreciação jurídico-normativa. [2] António Pereira de Almeida, “Direito Privado II (contrato de empreitada)”, 1983, página 8; Pedro Romano Martinez, “Contrato de Empreitada”, 1994, página 74; João Cura Mariano, “Responsabilidade contratual do empreiteiro pelos defeitos da obra”, 3ª edição, páginas 54 a 61. [3] Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil anotado”, volume II, 3ª edição, página 788; Jacinto Rodrigues Bastos, “Notas ao Código Civil”, volume IV, 1995, página 308. [4] Pedro Romano Martinez, “O subcontrato”, páginas 36 a 42. Ainda sobre a subempreitada, António Menezes Cordeiro, “Direito das Obrigações, Contratos em especial”, 3º volume, 1991, páginas 434 a 442. [5] Acórdão da Relação de Guimarães de 15 de Janeiro de 2003, proc.º nº 813/02-1, in www.dgsi.pt. [6] Pedro Romano Martinez, “O subcontrato”, páginas 37 a 38, e “Contrato de empreitada”, páginas 124 a 128; Adriano Vaz Serra, “Empreitada”, citado, página 72. Ainda, Acórdão da Relação de Coimbra de 6 de Novembro de 2007, proc.º nº 292/2002.C1, in www.dgsi.pt. [7] Sobre o direito do dono da obra à sua fiscalização, Luís Manuel Menezes Leitão, “Direito das Obrigações”, volume III, 6ª edição, páginas 519 a 520; Pedro Romano Martinez, “Direito das Obrigações (parte especial), Contratos”, 2000, páginas 340 a 343; António Menezes Cordeiro, obra citada, páginas 444 a 448. [8] Acórdão da Relação de Lisboa de 9 de Julho de 2003, proc.º nº 2345/2003-2, in www.dgsi.pt. [9]Não pode, portanto, o dono ocupar pessoal pago pelo empreiteiro, nem deduzir quaisquer despesas de fiscalização no custo da obra (Pires de Lima e Antunes Varela, obra citada, página 793). [10] Jacinto Rodrigues Bastos, obra citada, página 309. [11] No contrato de empreitada o empreiteiro age sob a sua própria direcção, com autonomia, e está apenas sujeito à fiscalização do dono da obra; aquele promete o mero resultado do trabalho, é ele que, livre de toda a direcção alheia sobre o modo de realização da actividade como meio, a orienta por si, de maneira a alcançar os fins esperados (Adriano Vaz Serra, “Empreitada” in Boletim do Ministério da Justiça nº 145, página 44). Vejam-se, ainda, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2 de Dezembro de 2004, proc.º nº 05B1396, da Relação de Évora de 18 de Março de 2004, proc.º nº 2590/03-3, e da Relação do Porto de 20 de Setembro de 2005, proc.º nº 0523836, todos in www.dgsi.pt. [12] Jacinto Rodrigues Bastos, obra citada, página 309. [13] Acórdão da Relação do Porto de 16 de Outubro de 2001, proc.º nº 0121025, in www.dgsi.pt. Com a possibilidade da eliminação dos defeitos permite-se realizar, com efectividade, os objectivos do contrato firmado; assim, ao empreiteiro faculta-se auferir efectivamente as vantagens esperadas da coisa entregue (da obra), na medida em que fica satisfeito o seu interesse primário. Acresce que à obrigação de eliminar os defeitos são aplicáveis as regras gerais do cumprimento (artigos 762º e seguintes do Código Civil). Veja-se Pedro Romano Martinez, “Cumprimento defeituoso, em especial na compra e venda e na empreitada”, páginas 380 e 382. Sobre o direito à eliminação dos defeitos veja-se ainda, e em especial, João Cura Mariano, obra citada, páginas 121 a 127. [14] António Pereira de Almeida, obra citada, página 44. [15] “Código Civil anotado”, volume I, 4ª edição, páginas 501 a 502. [16] Inocêncio Galvão Telles, “Direito das Obrigações”, 6ª edição, páginas 383 a 385; António Pinto Monteiro, “Cláusula penal e indemnização”, páginas 31 a 34, nota 77; Luís Menezes Leitão, “Direito das Obrigações”, volume I, 8ª edição, página 339. [17] Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de Março de 1995, proc.º nº 086835, de 14 de Dezembro de 2004, proc.º nº 05B1256, e de 23 de Janeiro de 2007, proc.º nº 06A4001, da Relação de Lisboa de 8 de Maio de 2003, proc.º nº 2611/2003-6, de 15 de Maio de 2003, proc.º nº 3081/2003-6, da Relação de Évora de 4 de Novembro de 2004, proc.º nº 1873/04-2, e da Relação do Porto de 20 de Abril de 2009, proc.º nº 232/08.3TBVNG.P1, todos em www.dgsi.pt. [18] Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Novembro de 1996 e de 17 de Outubro de 2000 in Colectânea de Jurisprudência (STJ) IV-3-90 e (STJ) VIII-3-78; ainda Acórdãos da Relação de Lisboa de 21 de Setembro de 2006, proc.º nº 4621/2006-8, de 23 de Setembro de 2007, proc.º nº 8509/2006-7, e de 3 de Novembro de 2009, proc.º nº 1448/05.0TCLRS.L1-1, todos em www.dgsi.pt. Relativamente à referida controvérsia, se encontramos jurisprudência a aceitar a ressarcibilidade das sociedades, outra há que faz reflectir a ofensa do bom-nome, reputação e imagem comercial apenas no que chama de dano patrimonial indirecto, isto é, no reflexo negativo que, na respectiva potencialidade de lucro, opere aquela ofensa (por via, por exemplo, do afastamento da clientela, insucesso de negócios ou perda de créditos). Nesta perspectiva, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Junho de 2005, proc.º nº 05B1616, da Relação de Lisboa de 20 de Novembro de 2008, proc.º nº 8676/2008-6, e da Relação de Guimarães de 11 de Maio de 2010, proc.º nº 474/08.1TBFLG.G1, todos in www.dgsi.pt. [19] Sobre a noção de dano não patrimonial, Delfim Maya de Lucena, “Danos não patrimoniais”, 1985, pá-ginas 15 a 19. [20] Luís Menezes Leitão define, em geral, dano como a frustração de uma utilidade que era objecto de tutela jurídica e, em particular, dano não patrimonial como frustração de uma utilidade não susceptível de avaliação pecuniária; escrevendo que o dano apresenta-se … como condição essencial da responsabilidade (obra citada, páginas 333, 334 e 336 a 337).