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FURTO FORMIGUEIRO
CRIME PARTICULAR
UTILIZAÇÃO IMEDIATA DA COISA
INDISPENSABILIDADE
VALOR DIMINUTO
LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Sumário
I – A natureza particular do crime de furto depende: (i) do valor diminuto da coisa furtada; (ii) da imediatidade: ser a coisa destinada a utilização imediata; e (iii) da indispensabilidade: mostrar-se a coisa indispensável à satisfação de uma necessidade do agente ou do seu cônjuge, ascendente, descendente, adoptante, adoptado, parente ou afim até ao 2.º grau ou de pessoa que com ele conviva em condições análogas às dos cônjuges [art. 207.º , alínea b) do CP]. II – Mostra-se indispensável à satisfação de necessidades básicas e vitais da arguida e de seus 3 filhos menores o consumo de água que a arguida subtraiu à rede pública para manter o abastecimento de água à habitação onde com eles vive, numa situação económica muito precária. III – A imediatidade da utilização da água resulta da própria natureza das coisas: quando se abre a torneira, a água então subtraída é imediatamente utilizada para satisfazer necessidades de dessedentação ou de higiene, assim devendo considerar-se mesmo que, por um período temporal limitado, a água seja armazenada em garrafas ou noutros recipientes. IV – Não resultando da matéria de facto apurada qual o valor da água furtada e não podendo a dúvida quanto a tal valor ser valorada em desfavor da arguida, deve ter-se como verificado o requisito do valor diminuto (inferior a 1 UC) da coisa furtada. V – A legitimidade do Ministério Público constitui um pressuposto processual que se mantém em aberto ao longo de toda a tramitação do processo penal. VI – Se a ofendida não assumiu a posição de assistente nem deduziu acusação particular previamente à acusação do Ministério Público, deve o tribunal de recurso declarar a falta de legitimidade do Ministério Público para o exercício da acção penal e abster-se de conhecer de mérito.
Texto Integral
Acordam, em Conferência, na 3.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:
1. Relatório
1.1. Nos presentes autos de processo comum que correram termos no 2.º Juízo Criminal do B..., e na sequência da acusação deduzida pelo Ministério Público contra a arguida A…, foi proferida em 21 de Dezembro de 2009 sentença que decidiu nos seguintes termos: «Face ao exposto, atentos os dispositivos legais supra mencionados, tudo visto e ponderado: A) Condeno a arguida A…, como instigadora pela prática de um crime de furto simples p. e p. pelo Artigo 203º, nº 1 do C.P. na redacção anterior à Lei nº 59/2007 de 04/09, na pena de 150 (cento e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de 3 (três) euros, num total de 450 (quatrocentos e cinquenta) euros, absolvendo-a dos diversos crimes de furto simples de que vinha acusada, ainda que unificados sob a figura do crime continuado. B) Mais condeno a arguida nas custas do processo, com taxa de justiça que fixo em 1 UC (Artigo 85º, nº 1, al. c) do C.C.J. e 513º e 514º ambos do C.P.P.).»
1.2. A arguida interpôs recurso desta decisão, tendo formulado, a terminar a respectiva motivação, as seguintes conclusões:
“I. A recorrente foi condenada pela instigação á pratica de um crime de furto simples p. e p. pelo artº 203º, nº 1 do Código Penal.
II. O Tribunal a quo considerou provado que
• A recorrente tinha decidido não pagar a água,
• A recorrente tinha mandado instalar bichas metálicas e outros meios no lugar do contador,
• A recorrente tinha agido consciente e livremente.
III. Formando a sua convicção nos Autos de noticia e nas declarações das testemunhas, funcionários da Câmara Municipal do ....
IV. Ora pela prova produzida, nomeadamente pelas declarações das testemunhas, nenhuma delas declarou que a recorrente tivesse instalado ou mandado instalar, ou que tivessem conhecimento, directo ou indirecto desse facto.
V. Pelo que não foi produzida prova desse facto !
VI. Muito menos que tenha decidido não pagar de forma livre e consciente.
VII. Aliás contraditória com o facto que dá como provado que "A arguida agiu da forma supra descrita por dificuldades financeiras"
VIII. Pois, o ter decidido a não pagar, implica uma vontade, consciente e livre, que não se verificava, pois
IX. A recorrente não podia, conforme se reconhece pelos factos provados na própria sentença,
X. Assim pelos factos considerados provados na sentença, julgou incorrectamente os mesmos porquanto, nestes termos, a Recorrente face a um perigo eminente e actual para a sua saúde e das suas filhas menores, pondo em perigo o Bem jurídico da Vida e da Integridade Física, teria-o removido, para salvaguardar estas.
XI. Pelo que só se poderia concluir pela exclusão da Culpa, artº 352 do Código Penal, e logo pela absolvição da recorrente.
XII. Mais sendo o consumo ao longo de todo esse período, de valor diminuto, € 157,57, conjugado com o estado de necessidade da recorrente, estaríamos no âmbito da al.b) do art 207º do Código Penal, pelo que deveria ter sido proferida Acusação Particular,
XIII. Nesse sentido a acusação pelo Ministério Publico viola os art°s 285º e 50º do Código Processo Penal, constituindo uma nulidade insanável, nos termos da al. b), do artº 119º, do mesmo diploma.
[...]”
1.3. Respondeu o Ministério Público, pugnando pela improcedência do recurso e manutenção do acórdão recorrido.
Terminou a sua motivação com o seguinte núcleo conclusivo:
1. A recorrente A... foi condenada, como instigadora, pela prática de um crime de furto simples, previsto e punido pelo art.º 203º, nº 1 do Código Penal, na pena de 150 dias de multa, à taxa diária de 3€, perfazendo o montante global de 450€;
2. Pese embora a recorrente impugne matéria de facto, a verdade é que não deu cumprimento ao disposto no art.º 412º, nº 3 als. a), b) e c), e 4, do Código de Processo Penal, nem na sua motivação de recurso, nem nas suas conclusões, na medida em que se limitou a remeter, genericamente, para os depoimentos das testemunhas e para as suas próprias declarações, sendo certo que tais meios de prova foram gravados em sede de audiência de discussão e julgamento, o que permitiria a sua apreciação pelo Tribunal Superior;
3. Por isso, o recurso deverá ser rejeitado, nesta parte, nos termos do disposto no art.º 417º, nº 3 do Código de Processo Penal), não havendo lugar a convite ao recorrente para aperfeiçoar a sua motivação, conforme ensina a jurisprudência vertida no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 259/2002 e, bem assim, nos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 31 de Outubro de 2007, de 23 de Janeiro de 2008 e 5 de Junho de 2008;
4. A recorrente não agiu em estado de necessidade desculpante, previsto no art.º 35º do Código Penal, porque lhe era razoavelmente exigido comportamento distinto daquele que assumiu e que ficou dado como provado em sede de audiência de discussão e julgamento;
5. Na verdade, a sua modesta condição económica, da qual estamos cientes, não pode justificar a sua actuação, sendo-lhe exigível que diligenciasse junto da Segurança Social por outras ajudas e subsídios do Estado, como por exemplo, o rendimento social de inserção;
6. Contudo, a recorrente não o fez, limitando-se a enveredar pelo caminho mais fácil, qual seja, o de se apropriar indevidamente da água que lhe era fornecida pela Câmara Municipal do …, mesmo depois de os fiscais da Câmara Municipal do … se deslocarem, por seis vezes, à habitação da arguida, e constatarem, sempre, a existência das “bichas metálicas” e do tubo PVC no contador da água;
7. Por isso, por não estar preenchido um dos pressupostos para a verificação do estado de necessidade desculpante, deve o recurso da recorrente improceder, nesta parte;
8. A actuação da recorrente não se subsume na previsão do art.º 207º al. b) do Código Penal, desde logo porque não se verifica o valor diminuto que o mesmo exige;
9. Valor diminuto é aquele não exceder a unidade de conta avaliada no momento da prática do facto, ou seja, 89€ ou 96€ (tendo em conta que a data da prática dos factos em apreço oscila entre Setembro/Outubro de 2006 e Novembro de 2007), e não, como pretende a recorrente, o valor de € 157, 57;
10. Por outro lado, a satisfação imediata e indispensável à satisfação de uma necessidade ocorre segundos ou minutos depois da subtracção, não se aplicando à satisfação de necessidades de consumo prolongadas no tempo, como é o caso do consumo de água;
11. A nulidade que a recorrente defende que a acusação do Ministério Público padece integra a previsão do art.º 120º, nº 2 al. d) do Código de Processo Penal, e não a prevista no artigo 119º al. b) do mesmo Código;
12. De facto, enquanto a primeira tem em vista a insuficiência de inquérito ou da instrução, por não terem sido praticados actos legalmente obrigatórios (como é o caso do cumprimento do disposto no art.º 285º do Código de Processo Penal), a segunda tem em vista a falta de acusação pelo Ministério Público em relação a crimes de natureza pública ou semi-pública, a falta de requerimento para aplicação de uma pena em processo sumaríssimo ou a falta da promoção da execução da pena e da medida de segurança;
13. Por isso, se se verificasse a nulidade que a recorrente defende, a mesma seria sanável e, por conseguinte deveria ter sido arguida até ao encerramento do debate instrutório ou, não havendo lugar a instrução, até cinco dias após a notificação do despacho que tiver encerrado o inquérito, nos termos do disposto no art.º 120º, nº 3 al. c) do Código de Processo Penal;
14. Deve, por isso, ser mantida, na íntegra, a sentença recorrida, por não ter sido violado o disposto no art.º 207º al. b) do Código Penal e nos art.ºs 50º e 285º, ambos do Código de Processo Penal.”
1.4. O recurso foi admitido por despacho de fls. 238.
1.5. Uma vez remetido o mesmo a este Tribunal, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto Parecer no sentido da confirmação do decidido.
Colhidos os “vistos” e realizada a Conferência, cumpre decidir.
* 2. Objecto do recurso
Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões da motivação que o recorrente produziu para fundamentar a sua impugnação - artigos 403.º e 412.º, n.º 1 do Código de Processo Penal -, sem prejuízo das matérias de conhecimento oficioso, as questões que fundamentalmente se colocam à apreciação deste Tribunal são, pela ordem lógica da sua apreciação, as seguintes:
1.ª – Da falta de legitimidade do Ministério Público por integrarem os factos a hipótese do artigo 207.º, alínea b) do Código Penal e não ter sido deduzida acusação particular (conclusões XII e XII);
2.ª – Da impugnação da matéria de facto (conclusões II a VIII);
3.ª – Da verificação do estado de necessidade desculpante (conclusões IX a XI);
3. Fundamentação
3.1. O acórdão recorrido
Os factos materiais relevantes para a decisão da causa foram fixados pelo acórdão recorrido nos seguintes termos [colocaram-se os mesmos por alíneas para uma melhor localização e compreensão]: «a) A arguida reside na Rua…., … desde 1 de Outubro de 2004; b) Em data não concretamente apurada, mas, pelo menos, após Setembro ou Outubro de 2006, a arguida decidiu não proceder ao pagamento da água que consumia na sua habitação e que era fornecida pelo Município do …, mediante o sistema de canalização existente naquele imóvel, destinado a servir a rede de abastecimento de água para consumo doméstico; c) Para tanto, em data não concretamente apurada, a arguida mandou realizar uma ligação directa, o que foi efectuado, por sua ordem, conta e interesse, a partir do terminal da canalização que abastecia a sua residência, utilizando, para o efeito, um tubo de PVC (policloreto de vinila); d) Deste modo, logrou manter o abastecimento de água à sua habitação, que continuou a consumir, diariamente; e) Assim, no dia 6 de Fevereiro de 2007, pelas 09h30m, no âmbito de acção de fiscalização realizada por fiscais de leituras da aludida edilidade, veio a ser descoberto o referido tubo de PVC, colocado no lugar onde habitualmente se instala o contador correspondente à fracção autónoma onde a arguida reside; f) Nesse mesmo dia, aquele mecanismo foi removido por funcionários camarários; g) Porém, a arguida voltou a mandar colocar outro mecanismo em sua substituição; h) Com efeito, no dia 13 de Fevereiro de 2007, pelas 11h15m, foi detectada por fiscais de leitura da Câmara Municipal do …, uma “bicha metálica” no lugar onde habitualmente se coloca o contador, correspondente à fracção autónoma onde a arguida habita; i) No dia 22 de Fevereiro de 2007, pelas 09h30m, os fiscais camarários constataram igualmente que naquele local continuava colocada a aludida “bicha metálica”, a qual foi removida; j) Não obstante, a arguida mandou repor outra “bicha metálica”, no mesmo local; l) Deste modo, no passado dia 19 de Abril de 2007, pelas 09h30m, no âmbito de nova acção de fiscalização, os fiscais de leituras da Câmara Municipal do … localizaram outra “bicha metálica” colocada no mesmo local que, acto contínuo, foi retirada; m) Contudo, a arguida mandou de novo restabelecer o abastecimento de água à sua residência, através da reposição de nova “bicha metálica”; n) Efectivamente, no dia 17 de Maio de 2007, pelas 10h, funcionários camarários constataram a existência daquele mecanismo, no local onde habitualmente se instala o contador, correspondente à habitação da arguida; o) Também no dia 5 de Novembro de 2007, pelas 10h, fiscais de leitura da Câmara Municipal do … verificaram que a arguida continuava a consumir água através da “bicha metálica” que mandara colocar, que foi retirada; p) A arguida não desconhecia que a água que consumia era fornecida pela Câmara Municipal do … mediante pagamento do respectivo preço, e que o seu comportamento impedia aquela edilidade de facturar e contabilizar o valor dos seus consumos; q) A colocação das “bichas metálicas” e do tubo PVC foram-no a mando da arguida, que determinou alguém a tanto, tendo sido tais colocações realizadas por conta e no interesse da arguida, que mandou igualmente colocar um “olho de boi”, por a torneira não funcionar devidamente; r) Actuou com o propósito de se apoderar de um bem que sabia que não lhe pertencia, fazendo-o contra a vontade da entidade responsável pelo seu fornecimento através da rede pública, mediante a contrapartida do pagamento do respectivo preço; s) A arguida tinha fácil acesso ao local onde habitualmente se instalava o contador; t) Agiu de forma livre, deliberada e conscientemente, sabendo que as suas condutas eram punidas por proibidas; u) A arguida agiu da forma supra descrita por dificuldades financeiras; v) Tem, actualmente, os seus bens móveis penhorados; x) De quando a quando, recebe ajuda financeira da irmã e filhos, um dos quais encontra-se em Inglaterra a residir e a trabalhar; z) O seu agregado familiar é constituído pela própria e por três filhos menores de idade, actualmente, não pagando renda actualmente e desde há um ano, por dificuldades financeiras; aa) À data dos factos, encontrava-se desempregada, tendo trabalhado durante anos em casas de particulares, a tratar de pessoa idosa, acamada, mas sem efectuar descontos para a Segurança Social; ab) Não aufere o RSI, mas somente os abonos dos menores, no valor mensal de 152 euros; ac) Recebe ajuda do Banco Alimentar e dos vizinhos, em géneros alimentícios e compra a crédito na mercearia do bairro; ad) Encontra-se a pagar a prestações o valor dos consumos da água, vencidos, tendo efectuado acordo nesse sentido com a Câmara Municipal do …; ae) Tem, como grau de escolaridade, a 4ª classe II. FACTOS NÃO PROVADOS: a) Não apurado em que data a arguida decidiu consumir água potável canalizadas, não a pagando. b) Não provado que a arguida aproveitou-se de ter acesso fácil ao local onde habitualmente se encontra instalado o contador e assim substitui-lo por tubo PVC ou bicha metálica, para manter o seu comportamento durante período não concretamente determinado. c) Não provado que tenha sido pessoalmente a arguida a colocar as bichas metálicas e o tubo de PVC, no lugar onde habitualmente se coloca o contador. d) Não provado que a arguida retirou o contador de água correspondente à aludida casa de habitação e dessa forma impediu o controlo e fiscalização do valor do consumo, por parte dos fiscais camarários, para posterior pagamento Câmara Municipal do …. e) Não provado que, cada vez que os técnicos camarárias se deslocavam à mencionada casa de habitação, a arguida renovava a sua intenção de consumir água, sem a pagar. f) Não provado que as bichas metálicas e o tubo de PVC substituíam o contador.».
*
3.2. Da falta de legitimidade do Ministério Público
*
3.2.1. A recorrente alega que sendo de valor diminuto o consumo de água ao longo do período em causa, e visando atender, de forma imediata e indispensável, à satisfação das suas próprias necessidades, bem como as do seu agregado familiar, o crime praticado cai no âmbito da alínea b) do artigo 207.º do Código Penal, pelo que deveria ter sido deduzida acusação particular, o que não sucedeu.
E sustenta que, nesse sentido, a acusação do Ministério Público viola os artigos 285.º e 50.º do Código de Processo Penal, o que preenche uma nulidade insanável nos termos da alínea b) do artigo 119.º do mesmo diploma.
Junta, com a motivação do recurso, um documento emitido pela Câmara Municipal do … em que se alude a um “acordo” de pagamento e no qual está inscrito ser de “€ 157,57” “o valor de água que foi consumido ilegalmente” pela arguida, “11 meses de 2007” e “1 mês de 2008” (vide fls. 199).
O Digno Magistrado do Ministério Público, por seu turno, alega que a actuação da recorrente não se subsume na previsão do art.º 207º al. b) do Código Penal, porque não se verifica o valor diminuto que a mesma exige, porque ela não se aplica à satisfação de necessidades de consumo prolongadas no tempo, como é o caso do consumo de água, e porque a nulidade que a recorrente defende ocorrer, integra a previsão do art.º 120º, nº 2 al. d) do Código de Processo Penal, e deveria ter sido arguida até cinco dias após a notificação do despacho que tiver encerrado o inquérito, o que não aconteceu.
Porque esta questão assume a natureza de questão prévia, podendo obstar à apreciação do mérito da causa, deve a sua análise preceder a das demais questões suscitadas nos autos. Por essa razão se enfrenta desde já.
*
3.2.2. A recorrente foi condenada em 1.ª instância pela prática de um crime de furto simples, previsto e punido pelo art.º 203º, nº 1 do Código Penal, o qual, atento o disposto no n.º 3 do artigo 203º, tem, em geral, natureza semi-pública, mas pode assumir a natureza de crime particular caso se verifiquem os pressupostos enunciados na alínea) do artigo 207.º do mesmo diploma.
A previsão do denominado “furto formigueiro” consta do artigo 207.º do Código Penal, que tem o seguinte teor: “No caso do artigo 203º e do nº 1 do artigo 205º, o procedimento criminal depende de acusação particular se: a) (…); b) A coisa furtada ou ilegitimamente apropriada for de valor diminuto e destinada a utilização imediata e indispensável à satisfação de uma necessidade do agente ou de outra pessoa mencionada na alínea a)”.
A natureza particular do crime de furto, “colocando-se nas mãos da vítima o privilégio de acusar ou não o infractor”[1] depende, assim, da verificação de um tríplice condicionalismo:
- o valor diminuto da coisa furtada;
- a imediatidade: ser a coisa destinada a utilização imediata;
- a indispensabilidade: mostrar-se a coisa indispensável à satisfação de uma necessidade do agente ou do seu cônjuge, ascendente, descendente, adoptante, adoptado, parente ou afim até ao 2.° grau ou de pessoa que com ele conviva em condições análogas às dos cônjuges.
*
3.2.3. Comecemos por este último requisito.
Ficou provado na 1.ª instância que a arguida cometeu os factos descritos sob as alíneas b) a t), por dificuldades financeiras e para manter o abastecimento de água à sua habitação, cuja renda também não paga desde há um ano por força das mesmas dificuldades, sendo que o seu agregado familiar é constituído pela própria e por 3 filhos menores de idade [alíneas d) e v)].
Ou seja, os factos ilícitos foram cometidos com o propósito de satisfazer uma necessidade básica e vital, que é a do consumo de água.
Como bem refere a recorrente, e constitui facto notório, sem água não poderia matar a sede a seus filhos, confeccionar os seus alimentos e mantê-los limpos.
Tendo em consideração que a figura do furto formigueiro está ainda ligada à ideia da inexigibilidade, deve também atentar-se em que a situação económica da recorrente, à data da prática dos factos, era muito precária. Como ficou provado, a recorrente encontrava-se desempregada à data dos factos, não aufere RSI, mas somente o abono dos menores no valor mensal de € 152,00 e recebia ajuda do Banco Alimentar e dos vizinhos em géneros alimentícios, comprando a crédito na mercearia do bairro [alíneas ab) a ad)].
Na verdade, a previsão do artigo 207º, alínea b) do Código Penal propõe-se uma finalidade que como que complementa a justificação do facto assente no direito de necessidade ou a exclusão da culpa com base no estado de necessidade e destina-se a dar um tratamento benévolo aos casos em que, embora sem os pressupostos de facto e de direito para neles se enquadrarem, estão próximos destas figuras jurídicas[2].
No caso em análise, apesar de (podemos adiantá-lo) não se verificarem os pressupostos do estado de necessidade prevista no artigo 35.º do Código Penal[3], é uma evidência que a água subtraída era indispensável à satisfação de necessidades básicas e vitais da recorrente e de seus filhos.
*
3.2.4. Quanto à utilização imediata da água subtraída, afigura-se-nos evidente que, no caso do consumo de água, a imediatez da utilização resulta da própria natureza das coisas. Quando se abre a torneira, a água então subtraída é imediatamente utilizada para satisfazer necessidades de dessedentação ou de higiene, assim devendo considerar-se mesmo que, por um período temporal limitado, a água seja armazenada em garrafas ou noutros recipientes.
Como se referiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 25 de Outubro de 2007 “a imediatez da utilização não pode deixar de se relacionar com a premência e actualidade da necessidade a satisfazer. Essa satisfação ocorrerá, as mais das vezes, segundos ou minutos depois da subtracção, sem que porém se possa estabelecer á partida, em abstracto, um tempo limite, passado o qual já não se possa falar de utilização imediata. Tudo depende obviamente do condicionalismo do caso”[4].
Ao invés do que foi dito na resposta do Ministério Público em 1.ª instância, cremos que deste aresto não resulta o ensinamento de que o artigo 207.º, alínea b) não se aplica à satisfação de necessidades de consumo prolongadas no tempo, como é o caso do consumo de água.
Pelo contrário, nele é feita uma prudente alusão à impossibilidade de se estabelecer um tempo limite passado o qual já não se possa falar de utilização imediata, bem como um sábio apelo à ponderação do condicionalismo concreto do caso.
No caso sub judice, a água destinou-se a ser consumida na habitação da arguida, consumo este que, pela natureza das coisas, ocorria no exacto momento, ou nos momentos imediatamente subsequentes, em que a água saía da rede pública de abastecimento e era conduzida aquela habitação.
*
3.2.5. Quanto ao requisito do valor diminuto, cabe dizer que, como bem refere o Ministério Público na sua resposta, é imprescindível lançar mão da definição legal constante da alínea c) do artigo 202º do Código Penal, nos termos do qual, para efeito do disposto nos artigos seguintes (entre os quais, o art.º 207º, que agora nos ocupa) considera-se “[v]alor diminuto: aquele que não exceder uma unidade de conta avaliada no momento da prática do facto”.
Os factos ocorreram entre Setembro/Outubro de 2006 e Novembro de 2007, mas apenas podemos afirmar com segurança estar estabelecida a ligação directa que possibilitava o abastecimento de água à habitação da arguida no período compreendido entre 6 de Fevereiro e 5 de Novembro de 2007, com interregnos de duração não apurada entre as datas em que, nesse período, a ligação foi cortada pelos funcionários da Câmara e foi ulteriormente restabelecida a mando da arguida [vide os factos c) a o)].
Em 2006, o valor da unidade de conta processual era de € 89,00 – cfr. o disposto nos artigos 5.º e 6.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 212/89, de 30 de Junho e o Decreto-Lei n.º 238/2005, de 30 de Dezembro, que fixou o valor do salário mínimo nacional em € 385,90 (385, 90 : 4 = 89).
Em 2007 o valor da UC era de € 96,00 – cfr. o Decreto-Lei n.º 2/2007, de 3 de Janeiro, que fixou o salário mínimo nacional em € 403 (403 : 4 = 96).
Mas como só em 2007 é que foi constatada a ligação indevida efectuada a mando da arguida e o inerente consumo, no caso sub judice o valor diminuto é aquele que não exceder o valor de € 96,00.
Ora, a propósito do valor da água furtada a factualidade apurada é absolutamente omissa.
Sabe-se apenas que, naquele período entre 6 de Fevereiro e 5 de Novembro de 2007, a recorrente beneficiou na sua habitação de uma ligação directa através de um tubo de PVC ou de uma “bicha metálica” que mandara fazer de modo a abastecer de água a sua habitação, sendo que, neste mesmo período, por 4 vezes os fiscais de leitura da C.M. … removeram aqueles mecanismos [factos c) a o)]. Embora esteja apurado que a água que a recorrente consumia era fornecida pela C.M. … mediante o pagamento de um preço [facto p)], nada ficou a constar do elenco fáctico provado (nem tão pouco constava da acusação pública) no sentido de indicar o valor da água efectivamente consumida naquela habitação por força da instalação dos aludidos mecanismos.
Dos factos provados não consta o valor, sequer aproximado, da água furtada.
É certo que a arguida, já em sede de recurso, vem dizer que o consumo ao longo de todo esse período foi de € 152, 57, juntando cópia de um e-mail que diz ter-lhe sido enviado pelos Serviços da Câmara Municipal do ….
Simplesmente, não pode este Tribunal da Relação afirmar ser aquele o montante correspondente ao valor da água indevidamente consumida na habitação da recorrente no período em causa.
Com efeito, e em primeiro lugar, mostra-se claramente excedido o momento da produção da prova em 1.ª instância, sendo certo que, mesmo em sede de impugnação da matéria de facto, esta instância terá sempre que se mover dentro dos limites da reapreciação da prova produzida em 1.ª instância (cfr. o artigo 412.º, n.º 6 do Código de Processo Penal) ou, quanto muito, da renovação dessa mesma prova (cfr. o artigo 423.º, n.º 2 do Código de Processo Penal), mas não no âmbito de provas novas. Tal contrariaria a função dos recursos, que é a de proceder ao reexame das decisões da instância a quo e não a de criar decisões sobre matéria nova, não ponderada pelo tribunal recorrido.
Em segundo lugar, mesmo que pudesse nesta sede atender-se aquele documento enquanto elemento de prova, a verdade é que o mesmo apenas demonstraria que a recorrente deve o valor nele inscrito à Câmara Municipal do …, não podendo afirmar-se com absoluta segurança que o referido valor corresponde ao valor da água que foi objecto de furto no período em causa. Além de o documento se referir a um período que excede o resultante da matéria de facto, pode a dívida da recorrente que o mesmo tem inscrita dizer respeito, também, a valores adicionais (p. ex. cláusula penal, como nele se refere relativamente ao mês de Novembro, sem que se indique o ano, ou mesmos juros, outras sanções camarárias, taxas de ligação e de corte do abastecimento, custo de deslocação de funcionários, etc., tudo hipóteses que são plausíveis e o documento não esclarece), sendo certo que não constitui um documento autêntico.
Ou seja, sabe-se, por um lado, que aquele valor de € 152,27 se reporta a um período temporal que excede o período em causa, e não se sabe, por outro, se o aludido montante se reporta só a água consumida, circunstâncias estas que, mesmo a poder atender-se nesta instância ao documento junto com a motivação do recurso, sempre limitariam claramente a sua eficácia probatória quanto ao real valor da água furtada.
Assim, não estando estabelecido qual o valor da água que foi objecto de furto por parte da arguida, não pode este tribunal ter como certo que o mesmo é superior ao valor de uma unidade de conta, avaliada no momento da prática do facto.
O elenco dos factos provados é omisso a este propósito, devendo este non liquet na questão da prova, atento o princípio constitucional expresso no artigo 32.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, ser valorado em favor da arguida.
Na verdade, se existe um estado de dúvida insuperável quanto aos elementos fundamentadores da incriminação – como ocorre, aliás, quanto aos seus elementos agravantes, às causas de exclusão da ilicitude e da culpa, às condições objectivas de punibilidade, às circunstâncias modificativas atenuantes e, em geral, a todas as circunstâncias relevantes em matéria de determinação da medida da pena que tenham por efeito a não aplicação da pena ao arguido ou o agravamento ou diminuição da pena concreta –, há que optar por um entendimento decisório favorável ao arguido.
Como escreve o Prof. Figueiredo Dias, em todos estes casos, “a persistência de dúvida razoável após a produção da prova tem de actuar em sentido favorável ao arguido e, por conseguinte, conduzir à consequência imposta no caso de se ter logrado a prova completa da circunstância favorável ao arguido”[5].
Assim, estando o Tribunal da Relação vinculado à matéria de facto apurada na 1.ª instância neste aspecto, não resultando desta qual o valor da água furtada e não podendo a dúvida quanto a tal valor ser valorada em desfavor da recorrente, devemos ter como verificado, também, o requisito do valor diminuto da coisa furtada enunciado na alínea b) do artigo 207.º do Código Penal.
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3.2.6. Em suma, estamos perante um valor diminuto, uma utilização imediata da coisa subtraída (à medida que a água ía sendo consumida na residência da recorrente), e uma subtracção indispensável á satisfação de uma necessidade da recorrente e dos três filhos menores que integram o seu agregado familiar.
Pelo que o comportamento apurado da arguida se enquadra no crime previsto nas disposições conjugadas dos artigos 203.º, n.º 1 e 207.º, alínea b), ambos do Código Penal.
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3.2.7. Aqui chegados, uma conclusão surge como evidente: em face da factualidade apurada, o crime praticado pela recorrente reveste-se de natureza particular e o procedimento por tal crime depende de acusação particular nos termos prescritos no artigo 50.º do Código de Processo Penal.
Não se tendo a ofendida constituído assistente e deduzido a necessária acusação particular, inexiste uma condição que legitime a intervenção do Ministério Público: sem a dedução de acusação particular, o Ministério Público carece de legitimidade para prosseguir a acção penal, nos termos conjugados dos mencionados artigos 203.º, n.º 1 e 207.º, alínea b) do Código Penal e 50.º do Código de Processo Penal.
Como perspectivar processualmente esta circunstância?
Embora o tribunal não esteja adstrito à qualificação jurídica efectuada pelos demais sujeitos processuais, impõe-se salientar que a questão da falta de legitimidade do Ministério Público para deduzir acusação em caso de crime particular não se enquadra na hipótese de nulidade insanável prevista no artigo 119.º, n.º 1, alínea b) do Código de Processo Penal (aplicável à “falta de falta de promoção do processo pelo Ministério Público, nos termos do artigo 48.º, bem como a sua ausência a actos relativamente aos quais a lei exigir a respectiva comparência”), como defende a recorrente.
Na hipótese do artigo 119.º, n.º 1, alínea b), o que se sanciona é a inércia do Ministério Público quando se impunha a sua actuação, e não o contrário, como sucede in casu. Não desconhecemos haver na doutrina quem defenda que a falta de legitimidade do Ministério Público implica a nulidade insanável do processo nos termos deste preceito[6]. Mas, como se refere no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2003.11.05[7], com pertinência também para esta situação, a alegação de que o Ministério Público não tem legitimidade para exercer a acção penal em crime semi-público em que houve desistência da queixa não integra a hipótese prevista no artigo 119.º, alínea b), do Código de Processo Penal, já que não se trata de um caso de «falta de promoção do processo pelo Ministério Público». A questão é, na verdade, não de «falta», mas de «excesso» de promoção.
Mas a assinalada falta de legitimidade do Ministério Público não se enquadra, também, na hipótese de nulidade sanável prevista na alínea d) do n.º 2, do artigo 120.º (aplicável à “insuficiência do inquérito ou da instrução, por não terem sido praticados actos legalmente obrigatórios, e a omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade”) como defende o Ministério Público na resposta ao recurso, daí retirando a consequência da intempestividade da sua arguição pela recorrente.
Na hipótese do artigo 120.º, n.º 2, alínea d), o que se sanciona é a insuficiência do inquérito ou instrução e a omissão da prática de actos legalmente obrigatórios, o que traduz realidade diversa da dedução de acusação sem legitimidade para o efeito. Embora se não desconheça, igualmente aqui, haver quem defenda que a dedução de acusação por crime particular pelo Ministério Público integra a nulidade sanável prevista no artigo 120.º, n.º 2, alínea d)[8], cremos que este acto positivo não pode configurar aquelas insuficiência ou omissão (já integrará aquela nulidade processual, p. ex., a falta de notificação do assistente para deduzir acusação particular nos termos do artigo 285.º, n.º 1 do Código de Processo Penal).
Para o enquadramento do problema que temos por correcto, afigura-se-nos dever atentar-se em que a legitimidade dos sujeitos processuais constitui um pressuposto processual[9]. Com o acto da dedução de acusação por crime particular pelo Ministério Público, sem as necessárias condições de procedibilidade[10], o que se verifica é a inexistência de um pressuposto processual: o Ministério Público carece de legitimidade para a promoção do processo penal.
Ora o conhecimento dos pressupostos processuais obedece a um regime próprio, distinto do regime das nulidades, com excepção da violação do pressuposto da competência do tribunal e da propriedade da espécie do processo, que se enquadram no regime taxativo das nulidades, por estarem expressamente referenciados nas alíneas e) e f) do artigo 119.º.
Como diz Paulo Pinto de Albuquerque, os pressupostos processuais (em que inclui genericamente a legitimidade dos sujeitos processuais) “podem ser conhecidos oficiosamente ou a requerimento”, não sendo relevante a manifestação de vontade dos sujeitos processuais para efeito de sanação do vício da falta de um pressuposto processual, dada a sua “natureza pública”, e “devem ser conhecidos a todo o tempo”, ressalvado o caso julgado formal[11].
Também Germano Marques da Silva refere que, desde que a lei não disponha de modo diverso, a falta de qualquer pressuposto processual “pode ser conhecida a todo o tempo, ainda que a lei, por uma razão de ordem, obrigue à verificação da sua presença ou da sua falta em determinados momentos processuais”[12].
Devem, pois, ser oficiosamente conhecidos pela autoridade judiciária, consoante a fase em que o processo se encontre[13].
Deve aliás notar-se que, especificamente a propósito da legitimidade do Ministério Público, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 2/95 (Acórdão de 95.05.16, in DR I-A de 95.06.12), fixou jurisprudência no sentido de que «a decisão judicial genérica transitada e proferida ao abrigo do artigo 311º, n.º 1, do Código de Processo Penal, sobre a legitimidade do Ministério Público, não tem o valor de caso julgado formal, podendo até à decisão final ser dela tomado conhecimento».
O que denota ser este um pressuposto processual que se mantém em aberto ao longo de toda a tramitação do processo penal, o que bem se compreende, maxime quando a questão da legitimidade surge com nova configuração em virtude de um distinto enquadramento jurídico da conduta imputada ao arguido no processo, em julgamento ou, mesmo, já em via de recurso, como sucedeu “in casu”.
Estando o presente procedimento afectado deste vício genético, na medida em que a ofendida não assumiu a posição de assistente nem deduziu acusação particular previamente à acusação do Ministério Público, deverá este tribunal declarar a falta de legitimidade do Ministério Público para o exercício da acção penal e abster-se de conhecer de mérito.
Procede, pois, a questão prévia suscitada pela recorrente.
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3.2.8. Em consequência da solução dada à questão da falta de legitimidade do Ministério Público para deduzir acusação no caso em análise, mostra-se prejudicado o conhecimento das restantes questões suscitadas no recurso, relacionadas com a impugnação da matéria de facto e com a existência de uma causa de exclusão da culpa (cfr o art. 660.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto nos art. 713.º, n.º 2 do mesmo diploma legal e ambos ex vi do art. 4.º do Código de Processo Penal).
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3.2.9. Uma vez que a recorrente obteve vencimento no recurso, não há lugar a custas.
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* 4. Decisão
Em face do exposto, decide-se julgar procedente o recurso e, em consequência, atenta a natureza particular do crime imputado à arguida e a inexistência da necessária constituição de assistente, bem como da dedução da competente acusação particular, julga-se verificada a falta de legitimidade do Ministério Público para deduzir a acusação pública e, em conformidade, declara-se extinto o procedimento criminal, nos termos conjugados dos art. 203º, nº 1, 207, al. b) e 50º, do CPP, determinando-se o oportuno arquivamento dos autos.
Sem custas.
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(Documento elaborado pela relatora e integralmente revisto por quem o subscreve – artigo 94.º, n.º 2 do CPP)
Lisboa, 29 de Novembro de 2010
Maria José Costa Pinto
Maria Teresa Féria Gonçalves de Almeida
----------------------------------------------------------------------------------------- [1] Vide Faria Costa in Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo II, Coimbra , 1999, p. 130 [2] Vide o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1997.05.22, in CJ, Acs. do S.T.J., tomo II, p. 226 [3] Se nos factos relacionados com o primeiro acto de ligação directa à rede de abastecimento doméstico podia colocar-se a questão, afigura-se-nos que nos seguintes, todos praticados após sucessivas intervenções dos fiscais da Câmara, dificilmente poderia formular-se o raciocínio de desrazoabilidade da exigência de um comportamento diferente por parte da arguida que constitui pressuposto do estado de necessidade enquanto causa de exclusão da culpa prevista no artigo 35.º do Código Penal. [4] Proferido no processo n.º 1946/06 - 5ª secção, sumariado in www.stj.pt . No caso sobre que versou tal aresto eram mais de 23h, quando o arguido comprou os bens alimentares com o dinheiro furtado e desconhecia-se se no local do furto se vendiam alimentos ou bebidas, bem como se desconhecia o tempo preciso que mediou entre a subtracção e a ingestão dos alimentos. Mas, como ali também se nota, “sabe-se porém que este défice de elementos factuais não pode ser usado em desfavor do arguido, tendo em conta, entre o mais, a situação (não “estado”), de necessidade, que se deu como provada”. [5] In Direito Processual Penal, volume I, reimpressão, Coimbra 1984, p. 215. [6] Germano Marques da Silva, (in Curso de Processo Penal, III volume, 3.ª edição, Lisboa, 2009, pp. 36-37 e mesmo “Curso…”, I volume, 5.ª edição, Lisboa, 2008, p. 44). [7] Processo n.º 3201/03, sumariado in www.stj.pt. [8] Vide Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código de Processo Penal à Luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 3.ª edição actualizada, Lisboa 2009, p. 305. [9] Segundo Germano Marques da Silva, pressupostos processuais são, “na perspectiva funcional, requisitos de admissibilidade, condições prévias para a tramitação de uma relação processual e, na estrutural, são elementos constitutivos da relação jurídica processual que devem verificar-se para que possa proferir-se no processo uma decisão sobre o seu objecto” (in Curso de Processo Penal, III volume, cit., p. 33). [10] Segundo Maia Gonçalves, “a queixa, a constituição de assistente e a acusação particular” são “condições de procedibilidade”, pois sem elas o Ministério Público não tem legitimidade (in Código de Processo Penal Anotado e Comentado, 15.ª edição, Coimbra, 2005, p. 153). [11] In Comentário… cit., p. 716. [12] In Curso de Processo Penal, III volume, cit., p. 35. [13] Na fase do julgamento a competência para controlar os pressupostos processuais pertence ao juiz do julgamento [artigos 311.º, n.º 1, 338.º, n.º 1 e 368.º, n.º 1 do Código de Processo Penal] e, na fase de recurso, ao relator ou à conferência [artigos 417.º, n.º 6, alínea c), 417.º, n.º 8 e 419.º, n.º 3, alínea a) do Código de Processo Penal], devendo atender-se a que cabe sempre no âmbito do recurso a apreciação das questões de conhecimento oficioso.