CESSÃO DE CRÉDITO
PRIVILÉGIO CREDITÓRIO
DÍVIDA FISCAL
Sumário

A cessão de créditos importa a transmissão, para o cessionário, das garantias e outros acessórios do direito transmitido, que não sejam inseparáveis da pessoa do cedente.
O privilégio creditório de que goza o crédito sub-rogado, porque ligado à origem e natureza do crédito transmite-se ao cessionário.
Nos casos em que um terceiro proceda ao pagamento de dívida fiscal, a dívida paga pelo sub-rogado conserva as garantias e privilégios do crédito originário.
(sumário da Relatora)

Texto Integral

Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

1. Nos presentes autos de reclamação de créditos, por despacho de fls. 605, foi indeferida a reclamação apresentada por M e outros, no montante de Esc. 4.101.580$00 (EUR 20.507,90), correspondente aos impostos que pagaram no âmbito de uma execução fiscal em que era executada a sociedade “J”.

2. Inconformados, os reclamantes agravam da decisão e, em conclusão, dizem:

Conforme certidão junta de fls. 517 e 538, o crédito da Fazenda Pública teve origem em impostos que recaíram sobre os prédios da Urbanização, mais concretamente, lotes 14, 15, 16, 17 e 18, no total de 4.101.580$00 (EUR 20.507,90).

Tal crédito não mereceu oposição da executada “J, S.A.”.

Para pagamento desse crédito, a Repartição de Finanças moveu processo de execução fiscal onde penhorou todas as fracções dos prédios correspondentes aos lotes 14, 15, 16, 17 e 18 da Urbanização Bairro....

Os agravantes tinham prometido comprar à “J” e esta prometido vender aos agravantes fracções dos prédios penhorados pela Repartição de Finanças.

Para evitar a venda em hasta pública das fracções que lhe foram prometidas vender, os agravantes pagaram a dívida da executada J. às Finanças – Doc.1 da reclamação.

Em virtude desse pagamento, a Repartição de Finanças subrogou os agravantes no seu crédito de EUR 20.507,90 e respectivos juros.

O crédito sub-rogado teve origem e fundamento em impostos que recaíram sobre os imóveis penhorados, conforme certidões juntas a fls. 517 a 535, logo garantido por privilégio imobiliário – art. 744 CC.

Tal crédito foi transmitido com as garantias inerentes designadamente direito a juros e privilégios imobiliário, que lhe são inerentes.

O despacho recorrido que indeferiu a reclamação violou o disposto no art. 590º do Código Civil e ao negar as garantias que estão inerentes ao crédito subrogado, violou o disposto nos artigos 593°, 582°, 733° e 744°, todos do Código Civil.

3. Não foram apresentadas contra-alegações.

4. Cumpre decidir, sendo os elementos a ter em conta os constantes do relatório.

5. A única questão de que cumpre conhecer consiste em saber se a cessão do crédito da Administração Fiscal aos cessionários importa a transmissão para o cessionário (os ora agravantes) das garantias e outros acessórios do direito transmitido.

Por outras palavras:

O privilégio de que goza o crédito cedido, para efeitos do que se dispõe no art. 582º, nº1, do CC, é inseparável da pessoa do cedente?

6. Vejamos, pois.

A Administração Fiscal moveu uma execução fiscal contra a sociedade “J.” por dívida de impostos (contribuição predial, sisa e selo), no total de Euros 20.507,90.

Para evitar a venda das fracções penhoradas naquele processo, as quais foram prometidas vender pela dita executada aos ora agravantes, estes decidiram pagar a quantia em dívida (Esc. 4.101.580$00/EUR 20.507,90), conforme consta da certidão junta com a reclamação de créditos apresentada (cf. fls. 250-252).

Face a este pagamento, a Fazenda Pública emitiu declaração de sub-rogação – cf. certidão de fls. 250-252.

Ora, nos termos do artigo 593° do C. Civil, os sub-rogados adquirem, na medida da satisfação dada ao direito do credor, os poderes que a este competiam.

E, nos termos do disposto no art. 582º, do CC, «a cessão do crédito importa a transmissão, para o cessionário, das garantias e outros acessórios do direito transmitido, que não sejam inseparáveis da pessoa do cedente».

É que se passa no caso que apreciamos.

O privilégio creditório de que goza o crédito sub-rogado, porque ligado à origem e natureza do crédito (cf. art. 733° C.C), transmite-se ao cessionário (neste sentido, A. Varela, e Pires de Lima, CC anotado, pag. 522), tanto mais que o crédito resultou de impostos que incidiam sobre os prédios penhorados pelas Finanças, e que agora objecto da presente execução.

Acresce que:

A própria Lei prevê a sub-rogação nos casos em que um terceiro proceda ao pagamento da dívida, na pendência de execução fiscal – cf. arts. 21 e 25º, do Código de Processo das Contribuições e Impostos que entrou em vigor em 1/7/1963 (e que vigorava à data dos factos).

O Código de Processo das Contribuições e Impostos foi, entretanto, revogado pelo DL nº 154/91, de 23 de Abril que aprovou o Código de Processo Tributário.

No art. 112º, do CPT continua a prever-se expressamente que a Ora, nos termos do artigo 593° do C. Civil, os sub-rogados adquirem, na medida da satisfação dada ao direito do credor, os poderes que a este competiam.

E, nos termos do disposto no art. 582º, do CC, «a cessão do crédito importa a transmissão, para o cessionário, das garantias e outros acessórios do direito transmitido, que não sejam inseparáveis da pessoa do cedente».

É que se passa no caso que apreciamos.

O privilégio creditório de que goza o crédito sub-rogado, porque ligado à origem e natureza do crédito (cf. art. 733° C.C), transmite-se ao cessionário (neste sentido, A. Varela, e Pires de Lima, CC anotado, pag. 522), tanto mais que o crédito resultou de impostos que incidiam sobre os prédios penhorados pelas Finanças, e que agora objecto da presente execução.

Acresce que:

A própria Lei prevê a sub-rogação nos casos em que um terceiro proceda ao pagamento da dívida, na pendência de execução fiscal – cf. arts. 21 e 25º, do Código de Processo das Contribuições e Impostos que entrou em vigor em 1/7/1963 (e que vigorava à data dos factos).

O Código de Processo das Contribuições e Impostos foi, entretanto, revogado pelo DL nº 154/91, de 23 de Abril que aprovou o Código de Processo Tributário.

Esta solução legal mantém-se no actual Código de Procedimento e de Processo Tributário (aprovado pelo DL n.º 433/99, de 26 de Outubro), em cujo art. 92º se estabelece que «a dívida paga pelo sub-rogado conserva as garantias, privilégios e processo de cobrança e vencerá juros pela taxa fixada na lei civil, se o sub-rogado o requerer.

Procede, pois, o agravo.

7. Nestes termos, concedendo provimento ao agravo, acorda-se em revogar a decisão recorrida que será substituída por outra que admita e mande seguir a reclamação de créditos apresentada.

Sem custas.

Lisboa, 30 de Novembro de 2010

Maria do Rosário Morgado
Rosa Ribeiro Coelho
Maria Amélia Ribeiro