EXECUÇÃO
PENHORA
INEXISTÊNCIA DE BENS
INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
EXTINÇÃO DA EXECUÇÃO
CUSTAS
Sumário

1. Verificando-se, no decurso da execução, não haver bens conhecidos ao executado para penhorar, o exequente pode pedir que se declare extinta a execução por inutilidade superveniente da lide.
2. Nessa situação as custas são da responsabilidade do executado (art. 450º do CPC).
(Sumário do Relator)

Texto Integral

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. Nos autos de execução n.º 1930-B/2000, para pagamento de quantia certa, em que é exequente “A”, S.A. e é executada “B”, aquela requereu a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, com custas a cargo da executada, por se desconhecer a existência de bens na esfera jurídica desta.
Sobre esse requerimento incidiu despacho de indeferimento, no qual se ordenou que os autos aguardassem o devido impulso processual, sem prejuízo do disposto no art. 51º, n.º 2, do C.C.J.
Inconformado com tal despacho, a exequente interpôs o presente recurso de agravo, tendo retirado as seguintes conclusões:
a) A exequente desde meados de 2000 que procura ver-se ressarcida do crédito concedido à Executada;
b) Resultam dos autos requeridas e frustradas diligências, como por exemplo: penhoras de bens móveis e diversas pesquisas com resultado negativo efectuadas à DGCI, CRA, SS, etc.
c) Não obstante todas as diligências promovidas e constantes nos autos de execução e todas as outras não constantes nos autos, não lograram a Exequente ver-se ressarcida;
d) Pelo contrário, acha-se a exequente prejudicada não só no financiamento concedido à executada, como ainda nas despesas necessárias e imprescindíveis à promoção dos autos de execução por si intentados, devido ao incumprimento da executada;
e) É na pendência dos autos de execução que se apura a inexistência de bens da Executada, susceptíveis de penhora para liquidação da quantia exequenda, juros de mora e demais custas judiciais;
f) Essa inexistência não é prévia à interposição da Execução.
g) Entende-se, assim, justificado a extinção da instância por inutilidade superveniente da presente lide, tudo com custas a cargo da Executada por à mesma ter dado causa, nos termos dos Artigos 919º, n.º 1, alínea c) do CPC, na redacção que lhe foi dada pelo DL n.º 226/2008, de 20 de Novembro, e 20º, n.º 6, desse mesmo DL.
Termina pedindo a revogação do despacho recorrido e a sua substituição por outro que defira a extinção da execução por inutilidade superveniente da lide com custas a suportar pela executada.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Foi proferido despacho tabelar de sustentação da decisão.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.

***

II. Nos termos dos art.ºs 684º, n.º 3, e 690º, n.º 1, do C.P.Civil, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo do disposto na última parte do n.º 2 do art.º 660º do mesmo Código.
A questão a decidir consiste essencialmente em saber se, verificando-se não haver bens conhecidos à executada para penhorar, a exequente pode pedir que se declare extinta a execução por inutilidade superveniente da lide, com custas a cargo daquela.

*

III. Da questão de mérito do agravo:

A presente execução foi instaurada no ano 2000.
Daí que a questão que se coloca no presente agravo deva ser abordada em face do regime do processo executivo anterior ao resultante das alterações introduzidas pelo D. Lei n.º 38/2003, de 8/3.
Antes, porém, importa fazer uma resenha da evolução legislativa nesta matéria.

No regime actualmente vigente, decorrente da reforma (a reforma da reforma) da acção executiva, operada pelo Dec. Lei n.º 226/2008, de 20/11, a lei passou expressamente a prever a extinção da execução por inutilidade superveniente da lide, advinda, justamente, do facto de não terem sido encontrados bens ao executado.
Assim:
Prescreve o art. 833º-B, do CPC, que:
1 - Após as consultas efectuadas nos termos do artigo anterior, o agente de execução notifica o exequente, preferencialmente por via electrónica, do resultado da consulta ao registo informático das execuções e dos bens penhoráveis identificados ou do facto de não ter identificado quaisquer bens penhoráveis.
2 - No caso de terem sido identificados bens penhoráveis, a execução prossegue, sem prejuízo do disposto no n.º 1 do artigo 834.º, com a penhora desses bens excepto se, no prazo de 5 dias a contar da notificação do número anterior, o exequente:
a) Declarar que não pretende a penhora de determinados bens imóveis ou móveis não sujeitos a registo identificados; ou
b) Desistir da execução.
3 - Não tendo sido encontrados bens penhoráveis, o exequente deve indicar bens à penhora no prazo de 10 dias, sendo penhorados os bens que ele indique.
4 - No caso referido no número anterior, se o exequente não indicar bens penhoráveis, o executado é citado para, ainda que se oponha à execução, pagar ou indicar bens para penhora, no prazo de 10 dias, com a advertência das consequências de uma declaração falsa ou da falta de declaração, nos termos do n.º 7, e a indicação de que pode, no mesmo prazo, opor-se à execução.
5 - A citação referida no número anterior é substituída por notificação quando tenha tido lugar a citação prévia.
6 - Se o executado não pagar nem indicar bens para penhora, extingue-se a execução.
7 - Quando, após a extinção da execução, se renove a execução, nos termos do n.º 5 do artigo 920.º e se verifique que o executado tinha bens penhoráveis, fica este sujeito a sanção pecuniária compulsória, no montante de 5 % da dívida ao mês, com o limite mínimo global de mil euros, desde a data da omissão até à descoberta dos bens, quando:
a)Não tenha feito qualquer declaração; ou
b) Haja feito declaração falsa de que tenha resultado o não apuramento de bens suficientes para satisfação da obrigação.
E estatui o art. 919º, n.º 1, al. c) que a execução extingue-se nos casos referidos no n.º 3 do artigo 832.º, no n.º 6 do artigo 833.º-B e no n.º 6 do artigo 875.º, por inutilidade superveniente da lide.

No regime imediatamente anterior, decorrente da reforma operada pelo Dec. Lei n.º 38/2003, de 8/03, a circunstância de não se encontrarem bens ao executado implicava que a execução ficasse suspensa.
Efectivamente, estabelecia o art. 833º, n.º 6, que se o executado não pagar nem indicar bens para penhora, suspende-se a instância, enquanto o exequente não requerer algum acto de que dependa o andamento do processo.

E no regime vigente na data da instauração da presente execução?
Desde logo, importa ter presente as disposições transitórias constantes do D.L. 226/2008.
Assim, estabelece o art. 22º, n.º 1, desse diploma legal que:
As alterações ao Código de Processo Civil aplicam-se apenas aos processos iniciados após a sua entrada em vigor, salvo o disposto no n.º 6 do artigo 833.º-B, na alínea c) do n.º 1 do artigo 919.º e no n.º 5 do artigo 920.º, que se aplica aos processos pendentes à data da sua entrada em vigor, nos termos do n.º 5 do artigo 20.º
E estipula esta última disposição que:
Os processos de execução pendentes à data de entrada em vigor do presente decreto-lei e que estejam suspensos ou que se venham a suspender ao abrigo do n.º 6 do artigo 833.º do Código de Processo Civil extinguem-se por força da aplicação do n.º 6 do artigo 833.º-B excepto se, no prazo de 30 dias contados a partir da data de entrada em vigor do presente decreto-lei ou da notificação da suspensão, se posterior, o exequente declarar por via electrónica que o processo se mantém suspenso.
Deste modo, o art. 833º-B, n.º 6, do CPC apenas se aplica aos processos pendentes na data da entrada em vigor do D.L. 226/2008 que estejam suspensos ou que se venham a suspender ao abrigo do n.º 6 do art. 833º (disposição introduzida pelo D.L. 38/2003), ou seja, apenas aos processos a que se aplica o regime decorrente deste último diploma legal.
Ora, não é esse o caso dos autos, pois que a execução foi instaurada no ano 2000 e as alterações ao CPC operada pelo D.L. 38/2003, com excepção de algumas normas que aqui não relevam, apenas se aplicam aos processos instaurados após a entrada em vigor deste diploma legal, ou seja, aos processos instaurados a partir do dia 15 de Setembro de 2003.

Como já referimos, no regime anterior ao Dec. Lei 38/2003 inexistia norma expressa a determinar a extinção da instância.
Daí a divergência doutrinária quanto a esta questão, não admitindo a doutrina tradicional a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide (cfr. Lopes Cardoso, Manual da Acção Executiva, 3º ed., pag. 673).
Porém, mais recentemente, após a revisão do CPC introduzida pelo D.L. 329-A/95, de 12/12 (este alterou a redacção do n.º 1, do art. 919º, acrescentando-lhe a expressão “ou ainda quando ocorra outra causa de extinção da instância executiva”), essa causa de extinção da execução começou a ser admitida (cfr. Lebre de Freitas, CPC Anotado, vol. III pag. 633).
Também na jurisprudência desta Relação se regista alguma divergência quanto à possibilidade da extinção da execução em situações como a dos autos, embora se descortine uma corrente largamente maioritária no sentido da sua admissibilidade - vide, entre outros, os Acs. desta Relação de 20/05/2007, 16/07/2009 e 3/11/2009, relatados pelos Des. Fernanda Isabel, Antas de Barros e Maria José Simões, respectivamente; em sentido contrário, vide o Ac. de 7-05-2009, relatado pela Des. Teresa Albuquerque (esses acórdãos poderão ser consultados in www.dgsi.pt).

A situação em apreciação possui contornos factuais simples e prende-se com a circunstância de, no decurso da execução, a exequente se ter confrontado com o desconhecimento da existência de bens penhoráveis à executada.
Em decorrência de tal, solicitou a extinção da execução, por inutilidade superveniente da lide, com custas pela executada.
Nesta sede não se apurou ter a exequente tido conhecimento, antes da instauração dessa acção, da inexistência daqueles bens.
De resto, relativamente a alguns bens (vide a situação dos depósitos bancários, atenta a regra do sigilo bancário) é impossível ao exequente proceder a uma prévia averiguação sobre a sua existência no património do executado.
Daí que a inexistência de bens que possam ser penhorados, constatada no decurso da execução, não possa deixar de ser valorada como um facto novo e superveniente.
E, na linha do decidido no Ac. do STJ de 17/06/2010 (em que foi relator o Cons. Azevedo Ramos), perante essa demonstração, deixa de fazer sentido o prosseguimento da acção executiva, que tem por objecto o cumprimento de uma obrigação pecuniária, através da execução do património do executado.
Ora, como é sabido, o interesse que se procura satisfazer no processo executivo é o do exequente.
Se a opção deste for, como no caso em análise, a de por fim à execução, por inexistirem bens conhecidos no património do executado, não se vislumbra à luz de que interesse o processo deva manter-se pendente, tanto mais que, não existindo negligência do exequente em promover os seus termos, não haveria sequer fundamento para futuramente declarar a interrupção da instância, nos termos do art. 285º do CPC.
Assim, deverá a instância ser julgada extinta porque se tornou impossível a obtenção de bens para a cobrança do crédito e, consequentemente, inútil a sua continuação (art. 287º al. e) do CPC).

As custas da execução são da responsabilidade da executada, pois que foi esta quem, ao não pagar o seu débito para com a exequente, deu causa à execução, sendo que não ocorre qualquer um dos casos de repartição das custas previstos na lei, na medida em que se não demonstrou que no decurso da execução o património da executada se tivesse dissipado por facto não imputável a esta – vide art. 450º, n.ºs 2, al. d) e 3, do CPC (disposição introduzida pelo DL 34/2008, de 26/2, aplicável aos processos pendentes).

*
Sumário:
1. Verificando-se, no decurso da execução, não haver bens conhecidos ao executado para penhorar, o exequente pode pedir que se declare extinta a execução por inutilidade superveniente da lide.
2. Nessa situação as custas são da responsabilidade do executado (art. 450º do CPC).

***
V. Decisão:
Pelo exposto decide-se dar provimento ao agravo, revogando-se a decisão recorrida, declarando-se, em consequência, extinta a execução, por inutilidade superveniente da lide, sendo as custas da execução da responsabilidade da executada.
Sem custas nesta Relação.
Notifique.

Lisboa, 30 de Novembro de 2010

Manuel Ribeiro Marques - Relator
Pedro Brigton - 1º Adjunto
Anabela Calafate – 2ª Adjunta