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LETRA DE CÂMBIO
ACEITE
PAGAMENTO
RECUSA
PROTESTO
DIREITO DE ACÇÃO
AVALISTA
Sumário
I - A recusa de aceite e de pagamento deve ser comprovada por um acto formal, que é o protesto por falta de aceite ou de pagamento – artº 44º da LULL. II - Depois de expirados os prazos fixados para se fazer o protesto por falta de aceite ou por falta de pagamento, o portador perde os seus direitos de acção contra os endossantes, contra o sacador e contra os outros co-obrigados, à excepção do aceitante – artº 53º da LULL. III - O citado artº 53º exceptua o aceitante, expressamente, da necessidade de protesto, mas na excepção está abrangido o avalista do aceitante. (sumário do Relator)
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa
I – RELATÓRIO
C …, executado nos autos de execução para pagamento de quantia certa em que é exequente L…- de B… A… e F…, Ldª, deduziu oposição à execução, alegando, em síntese, que desconhece se as letras dadas à execução foram apresentadas a pagamento nas datas dos vencimentos. Não tendo a exequente protestado as letras por falta de pagamento, não fica demonstrado que as mesmas tenham sido apresentadas a pagamento.
As letras não foram apresentadas a pagamento ao opoente/avalista.
A exequente deduziu contestação, alegando, em suma, que o protesto é desnecessário pois que, sendo o dador do aval responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada, não há razão para se exigir o protesto do título quando a lei o dispensa para a pessoa de quem se constitui garante. A prova da inobservância dos prazos de apresentação a pagamento incumbe àquele que dela se prevaleça contra o portador e o opoente nada alegou em concreto a esse respeito, limitando-se a alegar, sem mais, desconhecer se as letras foram apresentadas a pagamento nas datas dos respectivos vencimentos. A apresentação das letras a pagamento ao opoente/avalista é meramente facultativa. As datas de vencimento foram apostas nas letras dadas à execução pela aceitante D que as enviou totalmente preenchidas à exequente.
Termina pedindo a improcedência da oposição à execução.
Foi proferido saneador-sentença que julgou improcedente a oposição, ordenando o prosseguimento da execução.
Não se conformando com a douta sentença, dela recorreu o executado, tendo formulado as seguintes CONCLUSÕES:
1ª - O presente recurso de apelação recai sobre o saneador-sentença proferida pelo tribunal "a quo" na oposição à execução comum, em que foi opoente C …, na qualidade de avalista de quatro letras de câmbio, e oposta L…- de B… A… e F…, Ldª, enquanto sacadora das referidas letras de câmbio, e que julgou a oposição à execução improcedente.
2ª - O art. 510° n° 1, alínea b) do CPC dispõe que no despacho saneador se possa conhecer logo do mérito da causa, quando seja já possível decidir sem mais provas, significando quando que já se encontram no processo todos os elementos, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito.
3ª - O recorrente não se conforma com a douta sentença porquanto entende que não deveria ter havido lugar ao conhecimento imediato do mérito, uma vez que o processo não dispõe de todos os elementos que permitam a boa decisão da causa, designadamente, haveria que ser levado aos factos controvertidos, os factos alegados pelo opoente que a letra não fora apresentada a pagamento no seu vencimento.
4ª - Não provada a falta de apresentação das letras a pagamento, também não se pode julgar estabelecido ter sido feita essa apresentação e a cláusula mencionada no artº 46° da LULL não dispensa o portador da apresentação da letra dentro do prazo prescrito, nem tão pouco dos avisos.
5ª - O conhecimento da apresentação das letras a pagamento não era um facto pessoal do recorrente C …, o que já não se poderia dizer caso tivesse existido protesto por falta de pagamento das letras, o que não se verificou.
6ª - A garantia dada pelo recorrente, ao prestar o aval, que as letras seriam pagas no tempo do vencimento à apresentação do título extinguem-se se efectivamente as letras não tiverem sido apresentadas pela portadora ao pagamento da sacada no tempo e no lugar em que ela é pagável, pelo que se torna crucial o apuramento de quando e se as letras foram ou não apresentadas ao pagamento do aceitante e do avalista.
7ª - Sem que tivesse sido aberto o momento processual para a produção de prova quanto a estes factos, e visto que a prova é um direito das partes, estando o seu exercício submetido a regras e ao poder de direcção do tribunal, tendente a prosseguir o objecto da descoberta da verdade, ao proferir o despacho saneador, o Mº Juiz coarctou ao opoente este seu direito, impedindo assim a descoberta da verdade e a realização da justiça.
8ª - Inconformado com a decisão está ainda o recorrente por entender ter a sentença feito errada aplicação do direito quanto à questão da desnecessidade de protesto das letras para accionar o avalista do aceitante, sendo no caso necessário o protesto para accionar o recorrente, enquanto avalista do aceitante, que garantiu ao portador que a letra lhe seria paga no tempo e no lugar do pagamento pelo sacado aceitante à simples apresentação do título e, portanto, assumiu a responsabilidade por uma eventual recusa desse pagamento. Mas para uma tal responsabilidade existir é necessário que o portador possa prová-lo por meio de prova admitido na LULL, o protesto, o que não se verificou, perdendo assim o direito de acção contra o recorrente.
A parte contrária contra-alegou, pedindo que seja negado provimento ao recurso, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.
Dispensados os vistos legais, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
A) Fundamentação de facto Mostra-se assente a seguinte matéria de facto:
1º - A exequente intentou a acção executiva a que coube o n° .. contra D… C… H…P…F…, Ldá e C …, ora opoente, apresentando como título executivo quatro letras de câmbio das quais consta, além do mais que aqui se dá por reproduzido, o seguinte:
- "no seu vencimento pagará(ão) V.Ex a(s) por esta única via de letra a nós ou à nossa ordem a quantia de trinta e seis mil seiscentos e oitenta e oito euros e oitenta e cinco cêntimos”, a “importância” de 36.688,85 €, com data de “emissão” de 06-07-28 e com data de “vencimento” de 2006-11-29 (documento de fls. 11 dos autos de execução).
- “no seu vencimento pagará(ão) V. Ex.a(s) por esta única via de letra a nós ou à nossa ordem a quantia de vinte e cinco mil quatrocentos e quarenta e cinco euros e quarenta e quatro cêntimos”, a '”importância” de 25.445,44 €, com data de “emissão” de 06-09-29 e com data de “vencimento”de 2006-11-30 (documento de fls. 11 dos autos de execução);
- “ no seu vencimento pagará(ão) V Exa(s) por esta única via de letra a nós ou à nossa ordem a quantia de trinta e três mil e dezanove euros e noventa e sete cêntimos”, a `importância" de 33.019,97 €, com data de "emissão" de 06-12-11 e com data de "vencimento" de 2007-02-05 (documento de fls. 12 dos autos de execução);
- “no seu vencimento pagará(ão) V Ex. ª(s) por esta única via de letra a nós ou à nossa ordem a quantia de trinta e três mil e dezanove euros e noventa e sete cêntimos”, a importância" de 33.019,97 €, com data de “emissão” de 06-12-11 e com data de “vencimento” de 2007-01-26 (documento de fls. 12 dos autos de execução).
2º - Nas letras de câmbio referidas em 1º consta como sacador a exequente (documentos de fls. 11 e 12 dos autos de execução).
3º - As letras de câmbio referidas em 1º mostram-se assinadas pela executada D… C… H…P… F…, Ldª, no lugar destinado ao aceite (documentos de fls. 11 e 12 dos autos de execução).
4º - Em cada um dos versos das letras de câmbio referidas em 1º encontra-se aposta, transversalmente, a assinatura do ora opoente, encimada pelos dizeres escritos “Bom por aval ao aceitante” (documentos de fls. 11 e 12 16 dos autos de execução).
5º - Consta do verso de cada uma das letras de câmbio referidas em 1º a cláusula “sem despesas” e mostra-se aí aposto o carimbo da sacadora, seguido da assinatura da gerência.
6º - O opoente é sócio e gerente da executada D… C… H… P… F…, Ldª, aceitante das letras de câmbio referidas em 1º (documento de fls. 41/42).
B) Fundamentação de direito
Das conclusões do apelante – de que resulta delimitado o objecto do recurso, como decorre designadamente dos artigos 684º, nº 3 e 690º, nºs 1 e 4 do Código de Processo Civil – emergem as seguintes questões, que a este tribunal cumpre decidir:
- O conhecimento do mérito da causa no despacho saneador;
- A desnecessidade do protesto contra o avalista da aceitante.
O CONHECIMENTO DO MÉRITO DA CAUSA NO DESPACHO SANEADOR
Argumenta o apelante que o processo não dispunha de todos os elementos para se decidir do mérito no despacho saneador, pois haveria que ser levado aos factos controvertidos, os factos alegados pelo opoente de que a letra não fora apresentada a pagamento no seu vencimento.
Cumpre decidir.
Estamos perante quatro letras de câmbio avalizadas pelo opoente C …, avales esses que foram manifestados pela assinatura do opoente que não foi impugnada.
Consta do verso de cada uma das letras de câmbio referidas em 1º a cláusula “sem despesas” e mostra-se aí aposto o carimbo da sacadora, seguido da assinatura da gerência.
Além do mais, está provado que o opoente é sócio e gerente da executada D… C…H…P… F…, Ldª, aceitante das letras de câmbio referidas em 1º (documento de fls. 41/42).
A douta sentença recorrida decidiu e bem que, nos termos do artº 46º § 32º da LULL, a prova da inobservância de prazo incumbe àquele que dela se prevaleça contra o portador.
Nessa conformidade, decidiu que competia ao opoente alegar e provar que as letras dadas à execução não foram apresentadas a pagamento nas datas dos respectivos vencimentos. Mais decidiu a douta sentença que o opoente se limitou a dizer que desconhece se as letras dadas à execução foram apresentadas a pagamento nas datas dos respectivos vencimentos, nada alegando de concreto, o que é manifestamente insuficiente. Considerou ainda que mal se compreende que o opoente alegue desconhecer tal facto, uma vez que é sócio gerente da sociedade executada, aceitante das letras de câmbio em causa, pelo que tinha a obrigação de conhecer aquilo que alega desconhecer.
Por isso, face à clareza da matéria de facto, que não foi posta em causa, e à indiscutível aplicação do direito pelo tribunal recorrido, onde se explicam as razões pelas quais foi julgada improcedente a oposição, sendo certo que a matéria de facto assente é suficiente para se decidir com a necessária segurança no despacho saneador, entende-se que é de aplicar, neste caso, o disposto no artigo 713º, nº 5 do C.P.Civil, ou seja, julgar improcedente o recurso, remetendo para os fundamentos da decisão impugnada.
A DESNECESSIDADE DO PROTESTO CONTRA O AVALISTA DA ACEITANTE
O apelante alega ainda que é necessário o protesto das letras para accionar o avalista.
A questão jurídica posta no recurso é a de saber se o portador tem de munir-se de protesto por falta de pagamento do aceitante a fim de poder exercer o seu direito contra o avalista.
Nos termos do artº 53º da LULL, depois de expirado o prazo para se fazer o protesto por falta de pagamento, o portador perde os seus direitos de acção contra os endossantes, contra o sacador e contra os outros co-obrigados, à excepção do aceitante. Dado que o avalista não é aceitante, mas um co-obrigado, uma interpretação literal deste preceito poderia levar à conclusão de que na falta de protesto o avalista não poderia ser accionado. Simplesmente, nos termos do artº 32º § 1º o dador de aval é responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada.
Conjugando as duas referidas disposições da LULL tira-se a conclusão de que o accionamento do avalista do aceitante não está dependente do protesto.
Pensamos que não é possível outra leitura destas normas, sob pena de não se atender ao cânone interpretativo fundamental que consta do artº 9º nº 3 do Código Civil, segundo o qual na fixação do sentido e alcance da lei o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.
Se a formalidade do protesto não tem de ser cumprida para que o portador mantenha o direito de acção contra o aceitante, não há razão de fundo para exigi-la no caso de accionamento do avalista, quando este, como diz a lei, se obriga da mesma maneira que a pessoa do avalizado.
Aliás, pode dizer-se que a obrigação do avalista é substancialmente autónoma em relação à do avalizado: é o que resulta do § 2º do citado artº 32º, nos termos do qual a obrigação do dador de aval se mantém, mesmo no caso de ser nula por qualquer razão que não seja um vício de forma a obrigação que ele garante. E sendo ambos - aceitante e avalista - em termos rigorosos, devedores principais, o direito que contra eles se exerce não é um direito de regresso. Nesta medida, seria desnecessário (e até redundante) que o artº 53º viesse dizer de modo expresso que o avalista está incluído na excepção nele consignada.
A interpretação exposta é a largamente dominante na doutrina, como se dá conta no acórdão recorrido, e tem sido seguida uniformemente pelo Supremo Tribunal de Justiça.[1]
EM CONCLUSÃO
I - A recusa de aceite e de pagamento deve ser comprovada por um acto formal, que é o protesto por falta de aceite ou de pagamento – artº 44º da LULL.
II - Depois de expirados os prazos fixados para se fazer o protesto por falta de aceite ou por falta de pagamento, o portador perde os seus direitos de acção contra os endossantes, contra o sacador e contra os outros co-obrigados, à excepção do aceitante – artº 53º da LULL.
III - O citado artº 53º exceptua o aceitante, expressamente, da necessidade de protesto, mas na excepção está abrangido o avalista do aceitante.
III - DECISÃO
Pelo exposto, julga-se improcedente a apelação, confirmando-se a douta decisão recorrida.
Custas pelo apelante.
Lisboa, 09 de Dezembro de 2010
Ilídio Sacarrão Martins
Teresa Prazeres Pais
Carla Mendes
---------------------------------------------------------------------------------------- [1] Ac STJ de 20.11.2003 e de 09.09.2008, in www.dgsi.pt, de 29.09.94, in BMJ 436º-319, de 14.05.96, in BMJ 457º-387 e de 01.10. 98, in BMJ 480º-482.