DEFESA POR EXCEPÇÃO
IMPUGNAÇÃO MOTIVADA
AMPLIAÇÃO DO PEDIDO
Sumário

1. Não constitui defesa por excepção a apresentação pelo réu de uma versão diferenciada dos acontecimentos, com a alegação de factos opostos aos invocados na p.i. e a negação da maior parte dos factos constitutivos do direito do autor.
2. Um pedido constitui a ampliação do pedido primitivo quando se contém virtualmente neste.
(Sumário da autoria do Relator)

Texto Integral

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

Nos autos de acção declarativa de condenação, com processo sumário, que A e mulher B move a C e marido D, vieram os autores apresentar articulado de resposta à contestação, no qual deduziram a ampliação do pedido.
Notificados desse articulado, os réus vieram requerer que se declarasse nula e de nenhum efeito a resposta à contestação, por não ser a mesma admissível, requerendo o seu desentranhamento, alegando não ter sido deduzida na contestação defesa por excepção, e não ser admissível a ampliação do pedido.
Posteriormente, após os autores se terem pronunciado sobre essa arguição, foi proferido despacho, no qual se decidiu julgar não escrita a matéria constante dos artigos 2º a 33º e 40º a 68º da resposta à contestação e indeferir a ampliação do pedido.
Inconformados, vieram os autores, interpor o presente recurso de apelação, cujas alegações terminaram com a formulação das seguintes conclusões:
1ª Questão: Decidir se a contestação dos Réus contem matéria de excepção que permita a dedução do articulado de resposta à contestação apresentado pelos AA e a articulação da matéria constante dos art. Os 2° a 33° e 40° a 68° da resposta à contestação (fls. 100 e seguintes);
a) O direito a que os AA se arrogam baseia-se no disposto nos art.ºs 1403° e seguintes do Cód. Civil, maxime no art.º 1406° do Cód. Civil, por serem com proprietários das parcelas F) e G) e por estarem em desacordo que os Réus utilizem aquelas parcelas F) e G) para fim diferente dos que se destinam, privando os AA do uso a que igualmente têm direito por serem comproprietários daquelas parcelas de terreno. Os AA invocam, ainda, os seus direitos de personalidade (vizinhança e ambiente) que estão a ser violados em consequência da actuação dos Réus.
b) Os Réus defendem-se por excepção, quando invocam o direito de propriedade das parcelas F) e G), direito que opõem ao direito de com propriedade e aos direitos de personalidade dos AA, pois sendo proprietários daquelas parcelas de terreno, na sua tese podiam utilizá-las, como bem entendessem.
c) Os A.A propõem a presente acção, alegando a com propriedade de duas parcelas de terreno e são surpreendidos pelos Réus que, na sua contestação, alegam o direito de propriedade sobre aquelas parcelas de terreno, direito de propriedade que os Réus opõem contra os AA, escudando-se no registo predial.
d) Os Réus defendem-se, ainda, por excepção, ao invocarem que os AA não têm legitimidade para o peticionado na petição inicial, porque as parcelas F) e G) estão inscritas na matriz rústica sob o artigo ... Secção O, em nome de J, alegação que constitui matéria de excepção dilatória.
e) Os AA formulam, como comproprietários, os pedidos de reconhecimento do seu direito de compropriedade sobre os logradouros em causa e a restituição dos mesmos.
f) Os Réus defendem-se, atacando o pedido de reconhecimento do direito de com propriedade a que os AA se arrogam, alegando que os logradouros pertencem aos próprios Réus, com a invocação da excepção peremptória do direito de propriedade.
g) Neste tipo de acção, cabe aos AA provar a invocada com propriedade e a detenção dos bens por parte dos Réus, cabendo aos Réus invocar e provar o facto impeditivo da entrega ou restituição.
h) Ao alegarem a propriedade da parcela de terreno F), que os AA pretendem ser declarados comproprietários, os Réus dirigem ao Tribunal implicitamente o pedido de apreciação dos factos em que sustentam a alegação do direito de propriedade, o pedido de reconhecimento desse direito, o qual não tendo sido formulado via reconvencional, deverá qualificar-se como matéria de excepção.
i) A irregularidade não existe, na nossa perspectiva, na apresentação da resposta à contestação, mas sim na forma em que é apresentada a contestação que não contém reconvenção, mas em que, implicitamente, os Réus a deduzem.
j) Justificava-se que fosse permitido aos AA defenderem-se da questão nova trazida pelos Réus à instância - a propriedade que se arrogam sobre as parcelas F) e G) opondo o registo e a descrição predial, à qual, no ano de 2002, os Réus anexaram parte daquele logradouro comum.
k) Os Réus arrogam-se à propriedade de parte da parcela F), alegando que tal parcela de terreno integra o logradouro do seu prédio onde armazenam a lenha e os lixos, parcela de terreno de que os AA se arrogam à com propriedade, tal defesa constitui matéria de excepção peremptória. Os Réus opõem a alegação desses factos e desse alegado direito como impeditivo do direito de com propriedade e da pretensão formulada pelos A.A ..
I) Ora, perante tal alegação e pretensão dos Réus, deveria ter-se qualificado a defesa dos Réus, como defesa por excepção e permitir-se aos AA pronunciar-se sobre a mesma.
m) Embora não deduzam reconvenção, a defesa dos Réus deveria ter revestido a forma jurídica de reconvenção, pois pretendem obter em seu beneficio o mesmo efeito jurídico que os AA pretendem obter. Embora os Réus não formulem expressamente o pedido de reconhecimento do seu direito de propriedade, os Réus pretendem que o Tribunal aprecie os factos em que os Réus sustentam a alegação da propriedade das parcelas de terreno em causa e pretendem que o Tribunal julgue que as parcelas de terreno em causa, afinal fazem parte integrante do prédio cuja propriedade os Réus invocam e pretendem ver reconhecida, porque as anexaram ao prédio que adquiriram.
n) Os Réus defendem, ainda, por excepção, que o pedido formulado no art. ° 86° da petição inicial não é sustentado em quaisquer factos, o que constitui matéria de excepção dilatória por obstar ao conhecimento do mérito desse pedido.
o) Ao decidir como decidiu, o douto despacho recorrido interpretou e aplicou erradamente ao caso sub judice o disposto nos art.ºs 493° e 785° ambos do C.P.C., que deveriam ter sido interpretados e aplicados no sentido de se considerar que a defesa apresentada pelos Réus na sua contestação é defesa por excepção. Por natureza, a defesa dos Réus deveria ter sido inserida em reconvenção, uma vez que os Réus pretendem que o Tribunal aprecie factos e implicitamente deduzem um pedido contra os AA, pois pretendem conseguir em seu beneficio o mesmo efeito jurídico que os AA se propõem obter, embora os AA como com proprietários e os Réus como proprietários singulares das parcelas de terreno cuja propriedade está em discussão nos autos.
p) Pelo que o douto despacho recorrido deve ser revogado e substituído por douta decisão que julgue que é admissível a resposta à contestação, mantendo nos autos a matéria constante dos art.ºs 2° a 33°, 40° a 58° da resposta à contestação, com eventual decisão no sentido de os Réus aperfeiçoarem a contestação, revestindo a forma de reconvenção os factos que os Réus pretendem que o Tribunal aprecie e o pedido que deduzem de reconhecimento do direito de propriedade singular das parcelas de terreno, cuja propriedade está em discussão nos autos.
23 Questão: Decidir se é admissível a ampliação do pedido requerida pelos AA na resposta à contestação.
q) Na presente acção os AA invocam o direito de com propriedade sobre duas parcelas de terreno, que os Réus ocupam, impedindo os AA e os restantes com proprietários de as usar e fruir, e formulam os pedido a) e h).
r) Os Réus defendem-se, atacando o pedido de reconhecimento do direito de compropriedade a que os AA se arrogam, alegando que os logradouros pertencem aos próprios Réus, com a invocação da excepção peremptória do direito de propriedade.
s) Neste tipo de acção, cabe aos AA provar a invocada com propriedade e a detenção dos bens por parte dos Réus, cabendo aos Réus invocar e provar o facto impeditivo da entrega ou restituição.
t) Os AA ampliaram os pedidos formulados na petição inicial com vista a ser ordenada a rectificação da descrição …. da freguesia de …., no sentido de passar a constar que o prédio dos Réus não abrange a parcela de terreno de que os AA são com proprietários e pedem que se ordene a consequente rectificação do artigo ... da matriz urbana da freguesia de …...
u) Os AA impugnam o facto registado e deduzem, simultaneamente, o pedido de rectificação da descrição ….. da freguesia de …. com fundamento no facto registado ser inexacto por a descrição predial abranger, em consequência da declaração dos Réus, uma parcela de logradouro comum de que os AA se arrogam à com propriedade.
v) Ora tais pedidos contêm-se dentro da causa de pedir, dentro do complexo de factos articulados na petição inicial, de reconhecimento do direito de com propriedade de tais parcelas de terreno, atacando a pretensão dos Réus de reconhecimento do direito de propriedade e a presunção resultante do registo.
w) Contra a pretensão dos Réus de reconhecimento pelo Tribunal que o seu prédio abrange aquelas parcelas de terreno e que tal direito está abrangido pela presunção derivada do registo, os AA ampliaram o seu pedido, pedindo a rectificação da descrição predial do prédio dos Réus de modo a considerar-se que não abrange aquelas parcelas de terreno.
x) O pedido de reconhecimento pelos Réus do direito de com propriedade dos AA sobre as parcelas F) e G) admite que se considere desenvolvimento ou consequência os pedidos formulados na petição inicial o pedido de rectificação da descrição ... da freguesia de ..., no sentido de passar a constar que o prédio dos Réus não abrange a parcela de terreno de que os AA são com proprietários e a consequente rectificação do artigo ... da matriz urbana da freguesia de …... Pelo que tal ampliação é admissível.
y) Os novos pedidos formulados pelos AA são consequência e desenvolvimento dos primitivos pedidos, não importando uma alteração factual da causa de pedir, constituindo ampliação válida dos mesmos, nos termos do no 2 do art.o 2730 do C.P.C., e, consequentemente, deve ser admitida a requerida ampliação do pedido.
z) Existe uma relação directa entre os pedidos iniciais e os pedidos formulados a posteriori, pois são desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo e, por conseguinte, têm, essencialmente, origem e causa de pedir comum, integrados no mesmo complexo de factos.
aa) Ao decidir como decidiu, o douto despacho recorrido interpretou e aplicou erradamente ao caso sub judice o disposto no art.o 2730 do C.P.C., que devia ser interpretado no sentido de admitir a ampliação do pedido formulado pelos A. A. , pelo que deverá ser revogado e substituído por douta decisão que admita a ampliação do pedido formulado pelos A.A..
Os réus apresentaram contra-alegações, nas quais formularam as seguintes conclusões:
Quanto à primeira questão recorrida:
a) Os Réus, aqui apelados, defenderam-se por impugnação motivada, negando frontalmente os factos e motivando a sua negação.
b) Não invocaram nenhuma excepção, quer dilatória quer peremptória.
c) A defesa por impugnação motivada distingue-se da defesa por excepção porque esta pressupõe e aceita os factos constitutivos alegados pelo autor, acrescentando algo que obsta a que os mesmos produzam o efeito jurídico que lhe seria próprio.
d) Os aqui apelados não reconvieram implícita ou explicitamente.
e) Não pode o Tribunal decidir questão que não lhe foi colocada à apreciação.
f) Não pode a parte contrária ou o Tribunal substituir-se aos apelados, decidindo causa que não lhe foi suscitada.
g) Não assistia motivo aos Autores, aqui apelantes, a apresentação do articulado previsto no artigo 785.° do Código de Processo Civil.
h) Não sofre o Douto Despacho recorrido qualquer censura, no que à inadmissibilidade de tal articulado diz respeito.
Quanto à segunda questão recorrida:
i) O presente processo judicial corre termos sob a forma sumária, não sendo admissível ampliação do pedido, porquanto não existe no mesmo lugar à réplica.
j) Os pedidos formulados pelos apelantes na resposta à contestação são pedidos novos, não sendo consequência ou desenvolvimento do pedido primitivo e que cumulam, com os anteriormente efectuados.
k) Os referidos pedidos podiam ter sido peticionados na petição inicial, uma vez que os factos em que assentam – registo de propriedade - são anteriores à propositura da acção.
l) Tais factos deveriam ser do conhecimento dos apelantes uma vez que são públicos.
m) A Douta Decisão recorrida julgou com acerto e plena observância da lei ao julgar nos termos em que o fez.
Nestes termos e nos melhores de Direitos que Vossas Excelências doutamente suprirão deverá ser negado provimento ao recurso, mantendo-se "in totum" a Douta Decisão recorrida.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

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III. Nos termos dos art.ºs 684º, n.º 3, e 685-Aº, n.º 1, do C.P.Civil, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo do disposto na última parte do n.º 2 do art.º 660º do mesmo Código.
As questões a decidir resumem-se a saber:
- se na contestação os réus se defenderam por excepção;
-se os pedidos formulados pelos autores na resposta à contestação constitui uma mera ampliação dos inicialmente formulados.
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IV. Da questão de mérito:

Quanto à questão da qualificação da defesa dos réus deduzida na contestação:
A questão reconduz-se a saber se na contestação os réus se defenderam por excepção ou por impugnação motivada, sabido que só é admissível a resposta à matéria da contestação se nesta tiver sido deduzida alguma excepção – art. 785º do CPC.
“O réu defende-se por impugnação quando contradiz os factos articulados na petição ou quando afirma que esses factos não podem produzir o efeito jurídico pretendido pelo autor; defende-se por excepção quando alega factos que obstam à apreciação do mérito da acção ou que, servindo de causa impeditiva, modificativa ou extintiva do direito invocado pelo autor, determinam a improcedência total ou parcial do pedido” – art. 487º, n.º 2, do CPC.
“Trata-se da defesa que, sem negar propriamente a realidade dos factos articulados na petição, nem atacar isoladamente o efeito jurídico que deles se pretende extrair, assenta na alegação de factos novos tendentes a repelir a pretensão do autor” – cfr. Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª edição, pág. 291.
Como refere Anselmo de Castro (in Direito Processual Civil Declaratório, Vol. III, págs. 213 e 215), em todos os casos a negação motivada, ainda que contenha a aceitação de parte dos factos alegados, envolve sempre a negação do facto constitutivo da acção como um todo. Na defesa por excepção material entrarão todos os factos que possam conduzir a que o direito do autor que poderia ter nascido, efectivamente não nasceu – factos impeditivos –, ou que modificaram as condições desse nascimento ou o extinguiram – factos modificativos e extintivos.
“A directriz geral será a seguinte: na negação motivada, como se disse, ainda que haja aceitação parcial dos factos, nega-se sempre a realidade do facto constitutivo, visto se afirmar que o facto jurídico ocorrido foi um facto diverso e com diversas consequências jurídicas. Na defesa por excepção, o facto constitutivo não é negado, e tão só (reportamo-nos, é óbvio, aos factos impeditivos), se alegam outros que, segundo a lei, infirmam os seus efeitos no próprio acto do nascimento, ou seja, na sua raiz” (pág. 216).

Na decisão recorrida o Sr. Juiz entendeu que “a defesa apresentada pelos RR. na sua contestação é uma defesa por impugnação, uma vez que negam os factos articulados pelos AA. e apresentam uma versão diferente da que consta na petição. Não se trata pois de uma defesa por excepção, tal como alegam os AA., uma vez que os RR. não se serviram de um facto novo que inutilizasse a instância (excepção dilatória) ou de um facto novo que inutilizasse o pedido (excepção peremptória), isto é, não se trata de defesa que sem negar propriamente a realidade dos factos articulados na petição, assente na alegação de factos novos tendentes a repelir, por via indirecta a pretensão dos AA. “.

Para avaliar a correcção deste raciocínio importa analisar as posições que as partes assumiram nos articulados (petição e contestação).
Ora, na p.i. os autores alegaram que:
- são proprietários de um prédio misto, localizado no sítio ………….., composto por casa de habitação, casa que serve de adega e logradouro, o qual confronta a norte com herdeiros de ..., a sul com ... e ..., a nascente com ... e a poente com estrada e ..., descrito na CRP de C... sob o n.º ….., inscrito na matriz, a parte urbana sob os artigos … e …, e a parte rústica sob o artigo .. Secção ..;
- esse prédio encontra-se inscrito em seu nome no registo predial;
- os réus são proprietários de um prédio urbano, sito no lugar de ….., composto de casa de habitação, casa de forno, casa de arrecadação e logradouro, descrito na CRP de ….. sob o n.º …., e inscrito na matriz urbana sob os artigos …. e ….;
- estes prédios, conjuntamente com outros cinco, faziam parte de um único prédio, o qual foi dividido em sete novos prédios pelos respectivos herdeiros, ficando duas parcelas (identificadas sob as letras F e G da planta junta como doc. 3) em comum, como logradouro dos sete novos prédios, as quais confinam com o prédio dos autores;
- na parcela F, anteriormente com relva, era estendida a roupa;
- na parcela G existia e existe um poço e tanque, presentemente danificado;
- no dia 24 de Maio de 2007, quando um trabalhador contratado pelos autores procedia à limpeza de uma parcela do seu prédio, e que consistia em cortar as silvas que se encontravam no interior do prédio e aparar os ramos de uma figueira plantada na parcela G que se introduziram no prédio dos autores, a ré dirigiu-se ao mesmo e proibiu-o de cortar os aludidos ramos, invocando que a figueira lhe pertencia;
- os réus depositaram nas parcelas F e G quantidades substanciais de lenha e lixo (latas, cimentos, bidons, electrodomésticos sem utilidade), contra a vontade dos autores e restantes proprietários dessas parcelas;
- os lixos, por vezes, são arrastados pelo vento para o prédio dos autores;
- os lixos e as grandes quantidades de lenha são abrigo para cobras, ratos e outros animais e representam um risco para a saúde e bem estar dos autores, constituindo ainda a lenha depositada na parcela F risco de incêndio;
- os réus plantaram um pinheiro e um pessegueiro na parcela F contra a vontade dos autores e restantes proprietários;
- o lixo, a lenha e as referidas árvores estão colocados em frente das janelas da empena principal da casa dos autores, impedindo-os de avistarem e observarem a maravilhosa paisagem da Serra de ...;
- os autores sentem-se desgostosos e incomodados com a referida actuação dos réus;
- a motosserra trabalha, por vezes, durante horas seguidas, produzindo um ruído de elevado nível sonoro, o que perturba o sossego e bem estar dos autores;
- os autores passavam fins de semana e férias no prédio em apreço e costumavam receber amigos e familiares no mesmo, o que actualmente têm evitado fazer;
- nos termos dos arts. 1405º e 1406º, do CC, os autores têm direito à restituição da coisa (parcelas F e G) ao estado anterior à prática dos actos pelos réus;
- face ao estatuído nos arts. 1346º, 1347º, 335º e 70º do CC, e 24º, 25º e 66º da Constituição, os autores têm direito à saúde, bem-estar, repouso, sossego, sono e a um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado, prevalecendo esses direitos sobre os de índole económica.

Na contestação os réus impugnaram vários dos factos articulados pelos autores e alegaram, em suma, que:
- as confrontações do prédio dos autores indicadas na p.i. encontram-se desactualizadas, sendo que estes confrontam a sul, entre outros, com a ré, bem como a nascente (arts. 1º e 4º);
- o prédio da ré encontra-se inscrito na matriz urbana sob o artigo …. (art. 5º);
- o prédio inicial foi dividido em sete, tendo a ré adquirido o seu por herança de sua mãe L (arts. 7º a 17º);
- Aquele prédio inicial foi na sua totalidade dividido e adjudicado aos herdeiros, não ficando nenhuma parte de terreno deste prédio em comum (art. 18º e 20º);
- O que sucedeu foi que uma fonte, hoje mina e um poço, ficaram em comum pertencendo aos herdeiros, não só aos que ficaram com o prédio, mas também ficou pertencendo a M e marido N e a O e marido P, por serem terceiros outorgantes na escritura (art. 19º);
- nem os réus, nem os autores são donos desse local (arts. 40º e 41º);
- a ré apenas impediu que um trabalhador a mando dos autores cortasse a figueira, que se encontra junto ao poço, para além do limite da propriedade dos autores (art. 24º);
- Os réus, apesar de não serem donos da figueira, mas sim do poço, têm cuidado de ambos, o que fazem há mais de 20 anos (art. 25º);
- A parcela de terreno onde se encontra a figueira e o poço encontra-se inscrita na matriz rústica sob o artigo ... a favor de Q (art. 32º);
- em qualquer zona rural existem ratos (art. 33º);
- os réus armazenam lenha na área descoberta do seu prédio urbano e não em qualquer logradouro comum, que não existe (art. 35º);
- o logradouro dos réus é adjacente à sua habitação e faz parte integrante do seu artigo urbano (art. 42º);
- desde tempos imemoriais que todos os habitantes de zonas rurais guardam lenha nos seus quintais e logradouros (arts. 44º e 45º);
- a Protecção Civil e os Bombeiros estiveram no local e não registaram qualquer perigo de incêndio (art. 47º);
-os réus não acumulam lixo no seu quintal (art. 37º).

Nas conclusões de recurso os autores sustentam que os réus se defenderam por excepção ao:
- deduzirem implicitamente pedido reconvencional de reconhecimento da sua propriedade sobre parte do terreno em causa nos autos;
- invocarem que o logradouro adjacente à sua casa, com a área de 97,46 m2, integra o prédio inscrito sob o art. …. (arts. 35º, 37º e 42º da contestação) e beneficiarem da presunção decorrente do registo predial;
- invocarem que os autores não tinham legitimidade para formularem os pedidos em referência porque as parcelas F e G estão inscritas na matriz rústica sob o artigo ... Secção O, em nome de Q (excepção dilatória);
- invocarem que o pedido indemnizatório formulado no art. 86º da p.i. não é sustentado em quaisquer factos.

Da transcrição supra decorre que na p.i. os autores fundamentam os pedidos deduzidos no facto de, alegadamente, os réus utilizarem as parcelas F e G – de que, quer uns, quer outros, são comproprietários – para fim diferente daquele a que as mesmas se destinam, ao nelas depositarem lixo, lenha e outros objectos, ao serrarem lenhas, bem como ao plantarem um pinheiro e um pessegueiro, violando assim os direitos dos autores enquanto comproprietários, bem como o direito destes (direito à saúde, bem-estar, repouso, sossego, sono e a um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado), enquanto proprietários de um prédio vizinho.
Fundaram ainda a sua pretensão na circunstância da ré os ter impedido de cortar silvas e ramos de uma figueira que invadem o seu prédio e de, em consequência da actuação dos réus, o autor se sentir desgostoso e incomodado, o que perturba o seu sono, sossego e bem-estar.
Ora, na contestação os réus limitaram-se a impugnar vários dos factos alegados na p.i., nomeadamente a invocada compropriedade, e a apresentarem uma versão diferenciada dos acontecimentos, contrariando assim a verificação dos factos constitutivos do direito dos autores.
Para além de não aceitarem a verificação da maior parte desses factos constitutivos, os réus alegaram factos opostos àqueles (e não factos impeditivos, extintivos ou modificativos do direito invocado pelos autores), tendo, em essência, negado serem os autores comproprietários do terreno, opondo a sua propriedade (relativamente a parte do terreno) e a propriedade de um terceiro (relativamente a outra parte do terreno).
Não alegaram assim factos novos impeditivos do nascimento do direito dos autores ou que modificassem as condições desse nascimento ou ainda que tal direito se encontre extinto, sendo sintomático de tal a circunstância dos factos alegados pelos réus serem na sua maior parte inconciliáveis com os articulados pelos autores.
Os factos novos apenas foram invocados na resposta à contestação, na parte em que os autores alegaram que os réus, no ano de 2002, quando participaram na matriz a anexação dos artigos matriciais 206 e 745 ampliaram a área do seu prédio em mais 97,46m2 (dando origem ao artigo matricial ...).

Por outra via, os réus, contrariamente ao invocado pelos apelantes, também não arguíram qualquer excepção de ilegitimidade activa, tendo apenas alegado que não existe qualquer logradouro comum e que a parcela de terreno onde se encontra o poço e a figueira se mostra inscrita sob o artigo ... Secção O da freguesia de ….. a favor de Q, sendo o terreno onde se encontra a figueira pertença de um terceiro.
De igual modo, não arguíram qualquer excepção relativamente ao pedido indemnizatório (ineptidão da p.i.?), tendo-se limitado a invocar que esse pedido não tem qualquer razão de existir, já que não foram articulados quaisquer factos pelos autores que dêem azo a tal pedido.
Entende-se, pois, que na contestação não foi deduzida qualquer defesa por excepção, mas mera impugnação motivada, pelo que não era admissível aos autores responderem à factualidade alegada na contestação.

Nesse articulado os réus também não deduziram qualquer pedido reconvencional, pois que não peticionaram a condenação dos autores no reconhecimento do seu direito de propriedade sobre o prédio descrito na CRP de C... sob o n.º 0....
Refira-se ainda carecer de sentido a afirmação dos apelantes expressa nas alegações quando referem que só tiveram conhecimento do novo artigo matricial (o ...) após a dedução da contestação, pois que na notificação judicial avulsa de 18 de Março de 2008, junta com a p.i., os mesmos aludiam a esse artigo matricial.

Concorda-se, por isso, com o decidido em 1ª instância.


Quanto à questão da ampliação do pedido:
Em causa no recurso está a questão de saber se nos encontramos perante uma cumulação de pedidos ou se perante uma mera ampliação dos inicialmente formulados.
Essa ampliação será admissível se for o desenvolvimento e a consequência do pedido primitivo - art. 273º, n.º 1 e 2 do CPC.

Na p.i. os autores peticionaram a condenação dos réus a:
a) Reconhecerem que as parcelas de terreno identificadas com as letras F) e G) se destinam a logradouros comuns e que os Réus não as podem utilizar para um fim diferente dos fins a que aquelas parcelas se destinam;
b) Permitirem que os AA e os demais proprietários, que têm direito de as usar e fruir as parcelas de terreno identificadas com as letras F) e G), usem e fruam aquelas parcelas de terreno;
c) Procederem à limpeza e à retirada da lenha e do lixo, designadamente, latas, cimentos, tijolos, diverso entulho, paletes, bidons, electrodomésticos sem utilidade e sem funcionamento e caixotes partidos que os Réus depositaram nas parcelas de terreno identificadas com as letras F) e G);
d) Absterem-se de depositar lixo, lenhas e outros quaisquer objectos nas parcelas de terreno identificadas com as letras F) e G), mantendo-as limpas e utilizáveis pelos AA e pelos restantes proprietários, que têm direito de as utilizar;
e) Retirarem o pinheiro e o pessegueiro que plantaram na parcela de terreno identificada com a letra F);
f) Absterem-se de produzir ruído e de serrar lenha nas parcelas de terreno identificadas com as letras F) e G) com motosserra industrial;
g) Absterem-se de efectuar fogueiras e queimadas nas parcelas de terreno identificadas com as letras F) e G);
h) Absterem-se de praticar quaisquer actos que perturbem os direitos de uso e fruição que os AA e os restantes proprietários têm sobre as parcelas de terreno identificadas com as letras F) e G) destinadas a logradouros comuns; e
i) Permitirem o corte quer das silvas, quer dos ramos da figueira que invadam e penetrem pelo interior do prédio dos AA, abstendo-se da prática de quaisquer actos que coloquem em causa o direito de propriedade dos AA sobre o seu prédio identificado no art° 1°.
Pediram ainda que os réus fossem condenados:
- a pagar aos A.A. a quantia de 2.500,00 € a título de indemnização por danos morais sofridos, acrescida de juros, à taxa legal, a contar da citação até efectivo pagamento.
E, na resposta à contestação, os autores peticionaram:
“ii Mais deve ser ordenada a rectificação do artigo ... da matriz urbana da freguesia de …. no sentido de passar a constar que o prédio confronta do lado nascente com Travessa das …, tem a área total de 227,54m2 e tem a configuração assinalada com a letra E) na planta topográfica junta como doc. n.º 3 com a petição inicial.
11I. Deve ser ordenada a notificação ao Serviço de Finanças de … para rectificar o artigo …. da matriz urbana da freguesia de …. no sentido de passar a constar que o prédio confronta do lado nascente com Travessa das ….., tem a área total de 227,54m2 e tem a configuração assinalada com a letra E) na planta topográfica junta como doc. n.º 3 com a petição inicial.
IV. Deve ser ordenada a rectificação da descrição ... da freguesia de ... no sentido de passar a constar que o prédio dos Réus tem a área total de 227,54m2 e confronta do lado nascente com Travessa das …..
V. Deve ser ordenada a notificação à Conservatória de Registo Predial de …. no sentido de passar a constar que o prédio dos Réus que constitui a descrição ... da freguesia de ….. tem a área total de 227,54m2 e confronta do lado nascente com Travessa das …..”.
Serão estes últimos pedidos uma consequência ou o desenvolvimento dos inicialmente formulados?
Tal ocorrerá se os mesmos se contiverem virtualmente nos pedidos iniciais – cfr. neste sentido A. Reis, Comentário, III vol. pág. 93.
Vejamos.
Liminarmente, importa registar que não nos encontramos em presença de uma acção de reivindicação, pois que não foram formulados pedidos de reconhecimento do direito de compropriedade, nem de restituição das parcelas F e G identificadas na p.i., tanto mais que, alegadamente, os réus também são comproprietários, tendo, nessa medida, direito de uso e detenção das mesmas.
Na acção está, fundamentalmente, em causa o exercício dos poderes de uso daquelas parcelas por parte dos réus, enquanto consortes, visando os pedidos formulados na p.i. (com excepção do pedido indemnizatório e do pedido descrito sob a alínea i)) a restituição da coisa comum ao estado anterior ao uso efectuado pelos réus, bem como a condenação destes a absterem-se da prática de diversos actos que, alegadamente, afectam o fim a que as parcelas se destinam e o seu uso pelos demais consortes.
A condenação dos réus na restituição da coisa comum ao estado anterior ao uso efectuado pelos réus, pressupõe o reconhecimento pelo tribunal de que os autores e réus são comproprietários do terreno que constitui as parcelas F e G referenciadas na p.i.
E, a reconhecer-se que as parcelas F e G constituem logradouros comuns, daí decorre, logicamente, que o prédio dos réus (o descrito sob o n.º ...) não abrangerá o terreno daquelas parcelas (ou parte delas).
Foi isso que os autores alegaram na p.i..
Com efeito, estes, apesar de não terem (directamente) posto em causa a descrição predial do prédio dos réus (da qual tinham conhecimento), ao alegarem na p.i. que a faixa de terreno controvertida nos autos (na qual, alegadamente, se encontra depositada lenha) não integrava esse prédio, impugnaram aquela descrição, com o alcance que os réus lhe deram na contestação (como abrangendo aquela faixa de terreno).
Ora, os pedidos agora formulados (de rectificação do artigo matricial …., quanto à sua área e confrontações, com a consequente rectificação da respectiva descrição predial) partem de um pressuposto contrário ao alegado na p.i.: o de que a faixa de terreno controvertida integra o prédio descrito sob o n.º …., matriciado sob o artigo …. (por virtude da indevida ampliação da sua área aquando da anexação dos artigos matriciais … e ….).
A admissibilidade desses pedidos dependia, pois, da modificação (ainda que parcial) da causa de pedir, a qual não é permitida por lei – art. 273º, n.º 1, do CPC..
Sendo assim, os novos pedidos não são uma consequência ou o desenvolvimento dos inicialmente formulados, pelo que é inadmissível a ampliação do pedido.
Improcede, assim, a apelação.
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Sumariando o presente acórdão (da responsabilidade do relator - art. 713º, n.º 7, do CPC, na redacção que lhe foi dada pelo Dec. Lei n.º 303/2007, de 24/08):
1. Não constitui defesa por excepção a apresentação pelo réu de uma versão diferenciada dos acontecimentos, com a alegação de factos opostos aos invocados na p.i. e a negação da maior parte dos factos constitutivos do direito do autor.
2. Um pedido constitui a ampliação do pedido primitivo quando se contém virtualmente neste.

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V. Decisão:
Pelo acima exposto, julga-se a apelação improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pelos apelantes.
Notifique.

Lisboa, 18 de Janeiro de 2011

Manuel Ribeiro Marques - Relator
Pedro Brighton - 1º Adjunto
Anabela Calafate – 2ª Adjunta