CONTRATO DE LOCAÇÃO FINANCEIRA
CLÁUSULA CONTRATUAL GERAL
NULIDADE
CLÁUSULA PROIBIDA
LOCAÇÃO FINANCEIRA
ALUGUER DE LONGA DURAÇÃO
ALUGUER
Sumário

São proibidas, e portanto, nulas – por violação dos artºs 18 c) e f), 21 f), 19 c) e 19 g) - as cláusulas contratuais gerais, insertas em contrato de aluguer de veículos automóvel, nas quais se convencione que, em caso de imobilização temporária do bem locado, por avaria mecânica, acidente ou outra causa, o locador fica desvinculado da obrigação de substituir o bem mas não o locatário de pagar o aluguer, que, no caso de caducidade do contrato, por perda do bem, o locador tem direito a uma indemnização igual a 80% da diferença entre a indemnização recebida do segurador e o valor das rendas vincendas, que, no caso de resolução do contrato, por incumprimento do locatário, este fica vinculado ao pagamento de uma indemnização igual a 80% das rendas vencidas, acrescida das rendas vencidas, dos juros e do custo da reparação dos danos apresentados pelo bem locado, e que o tribunal competente para a resolução de qualquer litigio emergente do contrato é o da Comarca de Lisboa, respectivamente.
Apesar de sucumbir no recurso, o recorrente não deverá satisfazer as respectivas custas, dado que o processo está objectivamente delas isento (artº 29 nº 1, in fine, da LCCG).
(Sumário do Relator)

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

1. Relatório.

Banque “A” (Sucursal em Portugal) impugna, por recurso ordinário de apelação, a sentença da Sra. Juíza de Direito do 9º Juízo Cível, 2ª Secção, da Comarca de Lisboa que julgando parcialmente a acção declarativa de condenação, com processo sumário, que contra ele foi interposta pelo Ministério Público:
1. Declarou proibidas as seguintes cláusulas constantes do contrato de aluguer elaborado pelo primeiro:
a) Cláusula 3.ª Condições de pagamento
“2. Simultaneamente com o pagamento da primeira renda, o Locatário entrega ao Locador uma caução no valor indicado nas Condições Particulares, que este poderá, sem prejuízo dos direitos que para ele decorrem da lei e do presente contrato, fazer sua ocorrendo incumprimento por parte do Locatário, e que lhe será devolvida no termo do contrato no caso de este ter sido pontualmente cumprido e de não ser devida qualquer quantia ao Locatário, nos termos, nomeadamente, do disposto na cláusula 17.ª das condições gerais”.
     b) Cláusula 12.ª Imobilização temporária
“A imobilização do veículo locado, por avaria mecânica, acidente ou outra causa, não obriga o Locador à sua substituição nem exime o Locatário à obrigação de pagar pontualmente as rendas de aluguer, com excepção de imobilização que decorra de acidentes de que resulte perda total do veículo, situação em que está aplicável, nomeadamente, o disposto na cláusula 14.ª e 15.ª”.
     c) Cláusula 16.ª Efeitos da caducidade
     “No caso de extinção por caducidade do presente contrato nos termos da alínea a) do artigo anterior, é devida pelo Locatário ao Locador uma indemnização igual a 80% da diferença entre o valor indemnizatório recebido da seguradora do veículo e o valor das rendas vincendas no momento da caducidade do contrato.”
     d) Cláusula 17.ª Rescisão por incumprimento n.º 2, 2ª parte: “No caso de rescisão por incumprimento, deverá o Locatário pagar ao Locador uma indemnização igual a 80% do valor das rendas vincendas e as rendas vencidas e não pagas, acrescidas de juros de mora à taxa legal, devendo ainda suportar integralmente o custo da reparação de qualquer avaria ou dano que o veículo locado apresente”.
     e) Cláusula 18.ª Restituição do veículo
“1- Findo o contrato, por qualquer causa, incluindo a rescisão por incumprimento do Locatário, e com excepção da perda ou destruição total, o veículo locado deverá ser restituído no local e perante a entidade identificada na Cláusula 4ª das Condições Particulares”
     2- A não restituição do veículo locado no prazo de 24 horas a contar da data do final do contrato ou da data em que produzir efeito a rescisão por incumprimento fará incorrer o locatário na prática do crime de “Furto de Uso de Veículo” ou outro que por lei venha a ser tipificado, presumindo-se que a detenção do veículo para além daquela se processa contra a vontade do Locador.”
     f) Cláusula 22.ª Foro
“Qualquer litígio emergente do presente contrato será definitivamente dirimido pelo Foro da Comarca de Lisboa, com expressa exclusão de qualquer outro.”
     2. Condenou o recorrente:
2.1. A abster-se do uso, em qualquer contrato, das cláusulas supra mencionadas;
2.1. A dar publicidade à parte decisória da presente sentença, no prazo de 20 dias, desde o trânsito em julgado, através de anúncio de dimensão não inferior a ¼ de página, a publicar em dois jornais diários de maior tiragem, que sejam editados em Lisboa e Porto, em 3 (três) dias consecutivos, comprovando o acto nos presentes autos, até 10 (dez) dias após a última publicação.
     O recorrente pede, no recurso, a revogação da sentença impugnada, tendo extraído da sua larga alegação, com o propósito de mostrar a falta de bondade da decisão nela contida, estas pródigas conclusões:
a) O presente recurso vem interposto da decisão proferida pelo Meritíssimo Juiz de Direito do 9º Juízo Cível, 2ª secção do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, processo n.º 1320/08.1YXLSB que julgou parcialmente procedente a acção declarativa de condenação de processo sumário que lhe move o Ministério Público ao abrigo dos artigos 25º e seguintes do Dec-Lei nº 446/85 de 25 de Outubro, tendo declarado proibidas as cláusulas 3ª; 12ª; 16ª; 17ª nº 2, 2ª parte, 18ª e 22ª das condições gerais do contrato de aluguer celebrado pela recorrente.
b) A recorrente, com todo o respeito e apesar de a decisão recorrida ir de encontro à maioria das decisões jurisprudências, não se pode conformar com tal decisão, já que dos argumentos apresentados resulta que é desvalorizada a componente financeira do contrato celebrado pela ré e consequentemente se erra na aplicação das normas da locação civil para apreciação de validade das cláusulas contratuais, violando o disposto nos artº 9º, 10º, 236º e 238º do C.C.
     c) Com efeito, interpretar e aplicar ao contrato de aluguer celebrado pela recorrente as normas do Código Civil para a locação é absolutamente redutor e desajustado quer às circunstâncias em que é celebrado o contrato e à vontade real e concordante das partes.
     d) De facto, estamos perante um contrato de adesão, em que as cláusulas se encontram pré-estabelecidas pela recorrente enquanto locadora, duma forma geral e abstracta, com redução a escrito em impressos disponíveis aos aderentes locatários, concluindo-se o contrato em concreto com o ajuste e preenchimento das cláusulas particulares, respeitantes à identificação do locatário, à identificação do veículo, duração, ao montante das rendas, ao tempo dos pagamentos, às garantias a prestar pelo locatário, estas condições supra referidas, indicadas nas condições particulares, resultam sempre da prévia negociação com os aderentes, pois dependem do veículo que escolhem e da disponibilidade financeira mensal de cada um.
     e) O artigo 10º do Decreto-Lei n.º 446/85 de 25 de Outubro consagra como principio geral de interpretação que: “As cláusulas contratuais gerais são interpretadas e integradas de harmonia com as regras relativas à interpretação e integração dos negócios jurídicos, mas sempre dentro do contexto de cada contrato singular em que se incluam.”
     f) Ou seja, a natureza e o fim do contrato assumem relevância na interpretação das cláusulas gerais inseridas no mesmo.
     g) Várias têm sido as teses doutrinais acerca da natureza do contrato de aluguer, todas concluindo que não se pode aplicar o regime da locação civil por absoluta falta de identidade.
     h) Destacamos duas posições por nos parecerem bastante esclarecedores da realidade em análise:
     i) “Os contratos vulgarmente designados de aluguer de veículo automóveis de longa duração, ALD, não são de mera locação, nem de compra e venda com reserva de propriedade, mas antes um contrato misto, indirecto.” cfr. Ac. RP de 19/04/1999 in Col. Jur. 1999,2º, 204.
     ii) “(…) O contrato de “aluguer de longa duração” de automóveis novos é um contrato indirecto em que o tipo de referência é o aluguer e o fim indirecto é o da venda a prestações com reserva de propriedade. Qualificar este contrato simplesmente como contrato de aluguer de automóveis ou como contrato de venda a prestações com reserva de propriedade resulta, em qualquer dos casos, no desrespeito pela vontade contratual.
     A concorrência do contrato de venda a prestações com reserva de propriedade com o contrato de aluguer de longa duração para satisfação do mesmo fim das partes não tem nada de reprovável ou de nocivo. Pelo contrário, resulta num enriquecimento importante da liberdade contratual, da capacidade de escolha pelas partes dos meios jurídicos para a satisfação dos seus interesses, e num aumento dos meios jurídicos disponíveis no comércio.” Cfr. Pedro Pais de Vasconcelos, contratos atípicos, Almedina, 1995, pág. 245 e 246.
     i) Do texto do contrato de aluguer junto aos autos e dos factos provados resulta de forma inequívoca que se trata de um contrato financeiro e não se trata de um aluguer puro e simples de um veículo automóvel:
i) “Sendo certo que as condições particulares dizem respeito ao número e valor das rendas, ao valor da caução, valor residual e valor total do contrato, local de pagamento e à data e local de entrega do veículo, bem como identificam o veículo. (art. 9.º da petição inicial e 2.º da contestação); Estas condições resultam de negociação com os aderentes, pois dependem do veículo e da disponibilidade financeira mensal de cada um. (art. 4.º da contestação);” Cfr. pontos 7. e 8. dos factos assentes.
     ii) “ Das condições particulares consta um espaço relativo a “valor residual”, nos celebrados tal espaço tem de seguida um valor em euros. (artigo 20.º da contestação); Que corresponde, em regra ao valor de uma renda. (artigo 23.º da contestação);” cfr. pontos 14. e 15. dos factos assentes.
j) Ora, valor residual é um termo que define o montante que o contraente tem a pagar no final do contrato para aquisição da viatura.
     Também, o valor de cálculo das rendas é efectuado para que durante o prazo de pagamento seja amortizado o valor de aquisição do veículo e pagas as rendas o locatário venha a adquirir a viatura mediante o pagamento da quantia indicada a seguir a “Valor Residual”. Essa quantia em regra corresponde sensivelmente ao valor de uma renda, conforme ficou demonstrado nos autos.
k)Resulta que os contratos de aluguer celebrados pela recorrente correspondem no seu fim a um financiamento da aquisição de uma viatura automóvel, sendo que todos os locatários pretendem no final do contrato adquirir a propriedade da mesma. “Nos casos de cumprimento integral do contrato os locatários pretendem no final adquirir a viatura automóvel. (artigo 25.º e 26.º da contestação);” Cfr. ponto 16. dos factos assentes.
l) Esta é de facto a vontade real dos contraentes – locadora e locatários – e tem correspondência na letra do contrato.
     m) Assim, delineado o contexto e circunstâncias em que a recorrente celebra os denominados contratos de aluguer, cuja cópia das condições particulares e gerais se encontram junto aos autos, será de concluir que na interpretação da validade das suas cláusulas não é legítimo o recurso ao regime da locação civil.
     n) Pois, na interpretação dos negócios dispõe o artigo 236º do C.C: “1. Nos negócios formais não pode a declaração valer com um sentido que não tenha o mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso.
     2. Esse sentido pode, todavia, valer, se corresponder à vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio se não opuserem a essa validade.”
     o) Ora, na douta sentença recorrida considera-se que a cláusula 12ª das condições gerais do contrato é nula por violação da alínea c) do artigo 18º do Dec-Lei nº 446/85 de 25 de Outubro,
     p) Da análise efectuada ao contrato de aluguer celebrado pela ré, verifica-se que no plano funcional dos interesses, o contrato constitui uma operação de natureza similar e com resultados económicos equivalentes à locação financeira, trata-se de uma “actividade que poderá ser tida como modalidade de leasing financeiro”, cfr. Rui Pinto Duarte, Aspectos contratuais do Aluguer, da locação financeira e de outros contratos afins à face da lei portuguesa, in Fisco, nº 51/52, 1993, pag.67.
q) Tal como na locação financeira também nestes contratos de aluguer o locador se obriga a adquirir o bem a um terceiro, sob a indicação do locatário para lhe proporcionar o respectivo gozo, as rendas devidas não são o correspectivo do valor de uso do bem locado, mas, parcelas de execução da obrigação de reembolso dos fundos adiantados pelo locador na sua aquisição e o locatário tem a expectativa de aquisição do bem no final do período acordado para o aluguer. E embora não conste do clausulado das condições gerais do contrato, a existência da promessa de venda da viatura no final do contrato, ela está subjacente à vontade de ambas as partes e resulta clara das condições particulares quando é preenchido o campo relativo ao “valor residual”.
r) Esta realidade nada tem de comum com o regime da locação prevista nos artigos 1022º e seguintes do C.C., não sendo por essa razão aplicável o regime do artº 1032º do C.C.
     s) O bem objecto da locação é sempre escolhido pelo locatário, facto que ficou demonstrado nos autos: “19. O bem objecto da locação é escolhido pelo locatário. (artº 79º da contestação)”. Cfr. ponto 19. dos factos assentes. A locadora não tem qualquer contacto com o bem, o qual é entregue ao locatário no local de venda, também por si escolhido, cfr. cláusula 6ª das condições gerais do contrato.
     t) Face ao paralelismo entre o contrato de aluguer em causa e o contrato de locação financeira, consideramos ser de encontrar a solução no que expressamente está previsto para este último.
     u) O que é perfeitamente legítimo ao abrigo do disposto no artº 10º do C.C., que permite “estender analogicamente a hipótese normativa que prevê um tipo particular de casos a outros casos particulares do mesmo tipo e perfeitamente paralelos ou análogos aos casos previstos na sua própria particularidade” Cfr. J. Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 1983, pag.327.
v) Aliás, a aplicação do regime de locação financeira aos contratos de aluguer já é contemplado e algumas situações: Dec-lei nº 285/2001 de 03 de Novembro veio consagrar legalmente essa identidade, referindo no preâmbulo: “Por outro lado, o presente diploma, indo ao encontro do que se monstra já plenamente consagrado na maioria dos países da União Europeia e que vem sendo reclamado quer pelas sociedades de locação financeira quer pela respectiva associação profissional, visa dotar as referidas instituições da possibilidade de realizar operações de aluguer simples (também denominada «locação operacional») de bens móveis, fora dos casos em que os bens lhes hajam sido restituídos no termo do contrato de locação financeira.” E a nível fiscal o veículo automóvel dado de aluguer é registado como um activo imobilizado do locatário, tal e qual no caso de contrato de locação financeira.
w) Assim, o artigo 12º do Dec-lei nº 149/95 de 24 de Junho dispõe: “O locador não responde pelos vícios do bem locado ou pela sua inadequação face aos fins do contrato, salvo o disposto no artigo 1034º do Código Civil.” Este regime é compreensível atenta a função principal do locador de intermediário financeiro e o locatário ter a iniciativa de escolher no mercado quer o fornecedor quer o bem. O locador não chega a ter qualquer contacto físico com o bem. Valendo o mesmo raciocínio para o contrato de aluguer celebrado pela recorrente.
     x) Ora, no caso da responsabilidade contratual prevista na al. c) do artº 18º do Dec-lei nº 446/85 de 25 de Outubro, as restrições dizem apenas respeito a situações de dolo ou de culpa grave. Ora, o veiculo objecto do contrato é escolhido pelo locatário – cfr. ponto 19. da matéria de facto provada -, sem qualquer intervenção da locadora, é recebido pelo locatário directamente do vendedor, sem que a locadora em algum momento tenha a posse material do veículo, pelo que não se pode sequer hipoteticamente configurar uma situação em que haja dolo ou culpa grave por parte da locadora.
     y) Pelo que não se pode considerar a cláusula 12ª das condições particulares do contrato de aluguer nula.
     z) Seguindo o mesmo raciocínio e face ao exposto, consideramos que não tem aplicação ao regime do contrato sub Júdice, o disposto no artigo 1044º do C.C.
     aa) E, mais uma vez, face ao paralelismo de regimes, chamamos à colação o artigo 15º do Dec-lei nº 149/95 de 24 de Junho: “Salvo estipulação em contrário, o risco de perda ou deterioração do bem corre por conta do locatário.” Esta norma assenta na circunstância de o locatário ser o proprietário económico do bem, gozando-o na vigência do contrato e suportando os custos da sua manutenção e conservação, assim como todos os encargos. Já o direito de propriedade que o locador mantém sobre o bem visa, por um lado, servir de garantia ao risco económico de incumprimento do locatário, assegurando o capital adiantado.
bb) “A orientação maioritária defende linearmente que o locatário permanece responsável ainda que a causa da perda lhe não seja imputável. A justificação da posição tomada assenta na mesma linha de pensamento: é o locatário quem tem a guarda do bem locado, sendo o locador apenas o seu proprietário jurídico. Seguimos esta tese. Textualmente, a lei (aliás supletiva) não restringe o risco do locatário a factos que lhe sejam imputáveis (ainda que contratualmente seja possível realizar tal limitação). Por outro lado, a ratio legis é a de fazer com que o locador financeiro permaneça à margem de qualquer vicissitude que afecte a coisa, transferindo para o locatário qualquer responsabilidade não decorrente de facto do locador. Acrescente-se que o gozo da coisa concedido ao locatário
tem um alcance amplo, distinto do gozo da coisa imposto ao mero locador, pelo que não cabe aplicar a parte final do art. 1044º do C.C.” Cfr. Fernando de Gravato Morais, Manuel de Locação Financeira, Almedina, 2006, pág. 164 e 165.
cc) Não podendo as cláusulas 15ª e 16ª das condições gerais do contrato serem consideradas nulas nos termos da al. f) do artº 21º do Dec-lei nº 446/85 de 25 de Outubro, conforme se conclui na douta sentença recorrida, com recurso ao regime do artº 1044º do C.C., será de por analogia e nos termos do artº 10º do C.C., recorrer à previsão do artº 15º do Dec-lei nº 149/95 de 24 de Junho e na linha de exposição de Fernando de Gravato Morais supra citada, considerar válidas as cláusulas 15ª e 16ª das condições gerais do contrato.
     dd) Na douta sentença recorrida foi, também, considerada nula a cláusula 17ª, nº 2 , 2ª parte, por violar o artigo 19º do Dec-lei nº 446/85 de 25 de Outubro.
     ee) Ora, o artº 810º do C.C. estipula: “1. As partes podem, porém, fixar por acordo o montante da indemnização exigível: é o que se chama cláusula penal.”
     ff) O art. 19º, al. c), do Dec-lei nº 446/85 de 25 de Outubro proíbe, consoante o quadro negocial padronizado, as cláusulas gerais desproporcionadas aos danos a ressarcir. Esta norma quando alude ao conteúdo das cláusulas e aos danos indemnizáveis, não visa a desproporção em concreto, face aos prejuízos efectivamente sofridos, mas a desproporção em abstracto. Ou seja, a análise a fazer respeita ao tipo de contrato celebrado, daí que ao formularem-se as diversas proibições relativas, se tenha recorrido a conceitos indeterminados, carecidos de concretização, no caso da al. c) “cláusulas penais desproporcionadas”. Assim, “o qualificativo “desproporcionado” não aponta para uma pura e simples superioridade das penas pré-estabelecidas em relação ao montante dos danos. Pelo contrário, deve entender-se, de harmonia com as exigências do tráfico e segundo um juízo de razoabilidade, que a hipótese em análise só ficará preenchida quando se detectar uma desproporção sensível.” Cfr. Mário Júlio de Almeida Costa e António Menezes Cordeiro, Cláusulas Contratuais Gerais, Anotação ao Decreto-Lei nº 446/85 de 25 de Outubro, Livraria Almedina, Coimbra – 1993, pag. 47.
     gg) Sobre o quadro contratual, importa referir que os contratos de aluguer comportam manifestas vantagens para os locatários, que podem usufruir das utilidades do veículo automóvel novos durante o período da sua duração útil, através do pagamento fraccionado, sem terem de proceder à sua aquisição.
     hh) Em contrapartida, a actividade exercida pela locadora/ré só pode funcionar de forma eficaz se os locatários cumprirem pontualmente as suas obrigações. Quando ocorre o incumprimento, o cenário contratual sofre considerável perturbação, pois determina, sem mais, custos financeiros acrescidos. Trata-se de actividade económica com riscos elevados para as locadoras, resultantes, do próprio desgaste dos veículos e da vultosa mobilização de capitais que a sua aquisição implica. E, para além do referido desgaste, a própria evolução da técnica torna os veículos obsoletos quando se atinge o termo contratual, ou estão em condições de manutenção irrecuperáveis, já que o locatário quando incumpre com o contrato não entrega de imediato a viatura e torna-se relapso nos seus cuidados. São raras ou nenhumas as situações em que a locadora recebe a viatura com todas as reparações feitas e em perfeito estado de conservação. E importará não olvidar o tempo que necessariamente decorre entre a comunicação da resolução contratual e a efectiva recuperação dos veículos e o recebimento das quantias em dívida, durante o qual a locadora está desembolsada das rendas, enquanto o locatário continua a utilizar o veículo. Ademais, nada garante que a locadora possa alienar o veículo ou dar-lhe, em tempo útil, uma outra utilização.
     ii) Perante o exposto, e atento o quadro negocial, concluímos que a cláusula 16ª e 17ª das condições gerais do contrato não se revela em abstracto desproporcionada aos danos que visa ressarcir, mostrando-se a sua inclusão contratual perfeitamente justificada à luz do princípio da autonomia da vontade – art. 405º e 801º e seguintes do C.C.
jj) Declara-se, ainda, a nulidade da clausula 22ª das condições gerais do contrato,
     kk) O artigo 19º do Dec-Lei nº 446/85 de 25 de Outubro sobre a epígrafe (Cláusulas relativamente proibidas) diz: “São proibidas, consoante o quadro negocial padronizado, designadamente, as clausulas contratuais gerais que: (…) g)) “Estabeleçam um foro competente que envolva graves inconvenientes para uma das partes, sem que os interesses da outra o justifiquem;”
     Trata-se de cláusula relativamente proibidas, ou seja, são cláusulas que funcionam em determinados contextos, valendo aqui tudo o que acima se expôs acerca da valoração para a sua concretização. Sendo que neste caso os conceitos indeterminados são “graves inconvenientes” e “os interesses”.
     ll) A lei não considera nula a cláusula só porque dela podem resultar desvantagens para uma das partes: na previsão legal admite-se a possibilidade dessa desvantagem face a interesses relevantes da outra parte. Fala-se em “graves inconvenientes”, o que significa que não pode ser um simples transtorno ou desvantagem, antes algo de relevantemente penoso para a generalidade das pessoas.
     mm) Ora, in casu, nada ficou provado que demonstre os “graves inconvenientes” para os locatários, limitando-se a douta sentença a referir o superior poder económico da recorrente em contraposição com a generalidade dos consumidores e a invocar o valor constitucional da defesa do consumidor perante os grandes litigantes.
     nn) Desde logo, os locatários podem sempre alegar a insuficiência económica, beneficiando de apoio judiciário, sendo as respectivas despesas suportadas pelo estado.
     oo) Por outro lado, a recorrente é uma sucursal em Portugal de uma sociedade comercial e desenvolve a sua actividade com objectivos de lucro, empregando várias pessoas e contribuindo para o desenvolvimento económico do país. Anualmente tem de apresentar as suas contas aos accionistas e ficar sujeita à respectiva avaliação de manutenção ou não da representação no país. Pelo que na sua estrutura organizacional tem uma gestão e controlo de custos. Todos os seus serviços, incluindo os jurídicos, estão centralizados em Lisboa, local onde se situa a sua sede, não tendo quaisquer outros serviços em qualquer outra parte do país, conforme ficou provado nos autos – ponto 27 dos factos provados. Sendo inequívoco o seu interesse em instaurar as acções emergentes de contratos que celebra no tribunal da comarca de Lisboa.
     pp) Para a recorrente litigar em todos e cada um dos casos judiciais em diferentes comarcas do país causa-lhe obviamente inconvenientes quer financeiros quer estruturais. Inconvenientes que justificam o interesse da recorrente na estipulação de um foro, o qual não é aleatório e que não demonstra qualquer intenção de prejudicar os aderentes ao contrato, mas corresponde ao da sua sede. E este é um interesse sério, objectivo e ponderável dentro do quadro negocial padronizado, ou seja, neste contexto não se poderá julgar tal cláusula como proibida.
     qq) Sendo certo que os prejuízos que existem para os aderentes ao contrato não se podem ter como graves, ou pelo menos são tão graves como os da generalidade dos casos em que as partes residem em comarcas diferentes daquelas em que correm os processos judiciais. Aliás, tais inconvenientes estão cada vez mais atenuados, por via dos meios tecnológicos e informáticos de que os tribunais dispõem – fax, Internet,
     rr) Daí que sendo recíprocos os inconvenientes e não exclusivos dos locatários e sérios e atendíveis os interesses da recorrente na manutenção da cláusula 22ª, não se pode considerar verificada a situação de “graves inconvenientes para uma das partes, sem que os interesses da outra o justifiquem”.
     ss) “Em acção inibitória também não é proibida nos termos da al. g) do artº 19º do mesmo decreto-lei, a cláusula contratual geral que fixa a competência exclusiva do tribunal da comarca de Lisboa para os litígios emergentes da execução do contrato em causa” Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19/09/206, proc. 06ª2616 in www.dgsi.pt.
     tt) Improcede em absoluto a declaração de nulidade da cláusula 22ª das condições gerais do contrato de aluguer nos termos da al. g) do artº 19º do Dec-lei nº 446/85 de 25 de Outubro.
     uu) Face ao exposto, a douta sentença ao decidir como decidiu faz uma interpretação errada da natureza do contrato de aluguer celebrado pela recorrente, aplicando-lhe as regras do Código Civil para a matéria da locação o que se apresenta como desajustado à vontade real das partes expressa no contrato e violando as regras de interpretação, nomeadamente os artigos 9º e 10º, 236º e 238º do C.C.
     Na resposta, o Ministério Público pronunciou-se naturalmente pela improcedência do recurso.
     2. Factos provados.
     O tribunal de que provém o recurso julgou provados os factos – ou que qualificou como tal – seguintes:
1. A Ré encontra-se matriculada sob o nº ... e com a sua constituição inscrita na 1ª Secção da Conservatória do Registo Comercial de Lisboa e tem por objecto social “Operações bancárias bem como todas as operações conexas e nomeadamente o financiamento de vendas de veículos automóveis e de todos os bens às redes comerciais construtores automóveis, bem como a toda outra clientela de acordo com qualquer outra modalidade, todas as prestações de serviços a título acessório” -cfr., doc. de fls. 21/27. (artigo 2.º e 3.º da petição inicial).
     2. No exercício de tal actividade, a Ré procede à celebração do “contrato de aluguer” que tem por objecto o aluguer, sem condutor, de veículo automóvel. – cfr. doc. de fls. 28/30. (art. 4.º da petição inicial).
     3. Para tanto, a Ré apresenta aos interessados que com ela pretendam contratar um clausulado já impresso, previamente elaborado, com o título “Contrato de aluguer - Condições Gerais”. (art. 5.º da petição inicial).
     4. O referido clausulado não contém quaisquer espaços em branco para serem preenchidos pelos contratantes que em concreto se apresentem, com excepção do reservado à data e às assinaturas do locatário e do fiador. (art. 6.º da petição inicial).
     5. Estabelece o artigo 1º: “É objecto deste contrato o aluguer, sem condutor, do veículo automóvel identificado nas Condições Particulares”. (art. 7.º da petição inicial).
     6. Juntamente com a entrega do clausulado, os interessados assinam um impresso onde se encontra identificada a Ré como “locador”, e contém um espaço reservado à identificação do locatário e do eventual fiador e consta que entre as partes: “É ajustado e reciprocamente aceite o seguinte CONTRATO DE ALUGUER, que se rege pelos termos e condições constantes das condições gerais e particulares adiante transcritas”. (art. 8.º da petição inicial).
7. Sendo certo que as condições particulares dizem respeito ao número e valor das rendas, ao valor da caução, valor residual e valor total do contrato, local de pagamento e à data e local de entrega do veículo, bem como identificam o veículo. (art. 9.º da petição inicial e 2.º da contestação).
     8. Estas condições resultam de negociação com os aderentes, pois dependem do veículo e da disponibilidade financeira mensal de cada um (art. 4.º da contestação).
     9. As condições gerais correspondem a proposições pré-elaboradas que os destinatários se limitam a aceitar. (artigo 5.º da contestação).
     10. A cláusula 3ª sob a epígrafe condições de pagamento estabelece, no seu nº 2 que: “Simultaneamente com o pagamento da primeira renda, o Locatário entrega ao Locador uma caução no valor indicado nas Condições Particulares, que este poderá, sem prejuízo dos direitos que para ele decorrem da lei e do presente contrato, fazer sua ocorrendo incumprimento por parte do Locatário, e que lhe será devolvida no termo do contrato no caso de este ter sido pontualmente cumprido e de não ser devida qualquer quantia ao Locatário, nos termos, nomeadamente, do disposto na cláusula 17ª das Condições Gerais”. (art. 12.º da petição inicial).
     11... O contrato estabelece, na cláusula 17ª, uma cláusula penal para o caso de rescisão por incumprimento por parte do locatário. (art.16.º da petição inicial).
     12. Cumular no mesmo contrato cláusulas com o teor da constante da cláusula 3.ª, n.º 2 e da 17.ª, n.º 2 é manifestamente excessivo. (art. 17.º, da petição inicial e 41.º da contestação).
     13. Nos contratos celebrados e em que foi prestada caução, a Ré usava-a como antecipação de pagamento para aquisição, pagas as rendas o valor caução era imputado e transferida a propriedade da viatura e nos casos de incumprimento o valor era imputado na conta corrente. (artigos 43.º a 45.º da contestação).
     14. Das condições particulares consta um espaço relativo a “valor residual”, nos celebrados tal espaço tem de seguida um valor em euros. (artigo 20.º da contestação).
15. Que corresponde, em regra ao valor de uma renda. (artigo 23.º da
contestação).
16. Nos casos de cumprimento integral do contrato os locatários pretendem no final adquirir a viatura automóvel. (artigo 25.º e 26.º da contestação)
     17. A cláusula 4ª. sob a epígrafe impostos, estabelece: “1.O montante das rendas inclui todos os impostos e taxas que incidem sobre a locação automóvel. 2. São da responsabilidade do locatário, sendo automaticamente incluídos no valor das rendas devidas, quaisquer impostos que venham a ser criados e que incidam sobre a locação automóvel. O Locatário é igualmente responsável pelos impostos devidos pela circulação do veículo locado, cujo selo nele deverá afixar, nos termos da lei. 3. O Locatário pode contratar o fraccionamento do custo do Imposto de Selo Municipal ou de Circulação pelo prazo do contrato”.
     18. A cláusula 12.ª sob a epígrafe “imobilização temporária” estabelece: “A imobilização do veículo locado, por avaria mecânica, acidente ou outra causa, não obriga o Locador à sua substituição nem exime o Locatário à obrigação de pagar pontualmente as rendas de aluguer, com excepção de imobilização que decorra de acidentes de que resulte perda total do veículo, situação em que está aplicável, nomeadamente, o disposto na cláusula 14.ª e 15.ª”.
19. O bem objecto da locação é escolhido pelo locatário. (artigo 79.ºda contestação)
     20. A cláusula 15ª sob a epígrafe caducidade do contrato, estabelece, na aliena a): “O presente contrato caduca, sem necessidade de qualquer formalidade Pela perda ou destruição total do veículo locado.”.
     21. E a cláusula 16ª sob a epígrafe efeitos da caducidade, determina que: “No caso de extinção por caducidade do presente contrato nos termos da alínea a) do artigo anterior, é devida pelo Locatário ao Locador uma indemnização igual a 80% da diferença entre o valor indemnizatório recebido da seguradora do veículo e o valor das rendas vincendas no momento da caducidade do contrato.”
22. A cláusula 17.ª sob a epígrafe rescisão por incumprimento, estabelece, no n.º 2, 2ª parte: “No caso de rescisão por incumprimento, deverá o Locatário pagar ao Locador uma indemnização igual a 80% do valor das rendas vincendas e as rendas vencidas e não pagas, acrescidas de juros de mora à taxa legal, devendo ainda suportar integralmente o custo da reparação de qualquer avaria ou dano que o veículo locado apresente”.
     23. Na clª 13.ª pode ler-se :“O Locatário reconhece que o valor das rendas do presente aluguer foi calculado pelo Locador tendo em conta a sua duração prolongada, no caso de essa indicação constar das condições particulares, um certo valor máximo de quilómetros a percorrer”. No caso de nas Condições se indicar um número máximo de quilómetros a percorrer pelo Locatário, fica este obrigado a pagar ao locador, e independentemente da causa da cessação da vigência do presente contrato, um montante suplementar correspondente aos quilómetros percorridos em excesso …”.
24. A cláusula 18.ª sob a epígrafe restituição do veículo determina, nos seus nºs 1 e 2: “1-Findo o contrato, por qualquer causa, incluindo a rescisão por incumprimento do Locatário, e com excepção da perda ou destruição total, o veículo locado deverá ser restituído no local e perante a entidade identificada na Cláusula 4ª das Condições Particulares”
2-A não restituição do veículo locado no prazo de 24 horas a contar da data do final do contrato ou da data em que produzir efeito a rescisão por incumprimento fará incorrer o locatário na prática do crime de “Furto de Uso de Veículo” ou outro que por lei venha a ser tipificado, presumindo-se que a detenção do veículo para além daquela se processa contra a vontade do Locador.”
25. Tal cláusula viola disposições legais de carácter imperativo. (art. 121.º da contestação)
     26. A Cláusula 22.ª sob a epígrafe foro, determina “Qualquer litígio emergente do presente contrato será definitivamente dirimido pelo Foro da Comarca de Lisboa, com expressa exclusão de qualquer outro.”
     27. Os serviços da Ré, incluindo os jurídicos, estão centralizados em Lisboa. (art. 137.º, da contestação)
     28. Os clientes da Ré – os locatários, são dos mais variados pontos do país. (art. 143.º da contestação)
     29. Nos processos judiciais a Ré indica como testemunhas os seus funcionários e colaboradores do departamento de contencioso. (art. 139.º da contestação)
     3. Fundamentos.
     3.1. Delimitação objectiva do âmbito do recurso.
Além de delimitado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na instância recorrida e pela parte dispositiva da decisão impugnada que for desfavorável ao impugnante, o âmbito, subjectivo ou objectivo, do recurso pode ser limitado pelo próprio recorrente. Essa restrição pode ser realizada no requerimento de interposição ou nas conclusões da alegação (artº 684 nºs 2, 1ª parte, e 3 do CPC).
Nas conclusões da sua alegação, é lícito ao recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso (artº 684 nº 2 do CPC). Porém, se tiver restringido o objecto do recurso no requerimento de interposição, não pode ampliá-lo nas conclusões[1].
O objecto do recurso é constituído por um pedido – que consiste na revogação da decisão impugnada – e por um fundamento – que se resolve na invocação de um vício de procedimento ou de julgamento.
O recorrente pede, no recurso a revogação da decisão impugnada, e, naturalmente, como corolário que não pode ser recusado, a sua substituição por outra que julgue a acção totalmente improcedente. Contudo, a extensão com que se mostra formulado o pedido não é inteiramente harmónica com as conclusões nas quais condensa o fundamento do recurso.
A sentença apelada concluiu pela nulidade e declarou proibidas as cláusulas 3ª, 12ª, 16ª, 17ª, 18ª e 22ª.
Tanto na sua farta alegação como nas conclusões que, com larga liberalidade, dela extraiu, todo o inverno do descontentamento do apelante se dirige contra a nulidade e a proibição do uso das cláusulas 12ª, 16º, 17º e 22ª. Uma leitura ainda que meramente oblíqua tanto daquela alegação como destas conclusões, mostra que o apelante não gastou uma só palavra no tocante às cláusulas 3ª e 18ª.
Quer dizer: a parte dispositiva da sentença contém decisões distintas sobre vários objectos; o recorrente, porém, restringiu tacitamente o recurso a algumas delas (artº 684 nº 3 do CPC).
Nestas condições, a conclusão a tirar é a de que o recorrente renunciou parcial e tacitamente à impugnação, limitando-a apenas ao problema da nulidade e da proibição das cláusulas 12º, 16ª, 17ª e 22ª, restringindo correspondente e objectivamente a essa condenação o âmbito do recurso (artº 684 nº 3, 2ª parte, do CPC e 317 do Código Civil)[2].
De resto, atitude diversa resolver-se-ia num manifesto venire contra facta propria. É que, na contestação, o recorrente foi terminante na admissão de que cumular no mesmo contrato cláusulas com o teor constante da cláusula 3º, nº 2º das condições gerais do contrato e cláusula 17º, nº 2º é manifestamente excessivo – artº 41º - e de que a cláusula 18º nº 2º nos termos em que está redigida viola disposições legais de carácter imperativo[3].
De, resto – obiter dicta – é patente, embora mais num caso que noutro – a nulidade de ambas as cláusulas.
A intervenção penal está sujeita a um rigoroso princípio da legalidade cujo conteúdo essencial se traduz em não poder haver crime nem pena que não resultem de uma lei prévia, estrita escrita e certa – nullum crimen, nulla poena sine lege.
Entre os fundamentos externos do princípio da legalidade penal, avultam os princípios democráticos e da separação de poderes, de acordo com os quais para a intervenção penal, só se encontra legitimada a instância que represente o Povo como titular último do ius puniendi; donde a exigência, uma vez mais, de lei, e na verdade, entre nós, de lei formal emanada do Parlamento ou por ele competentemente autorizada (artº 165 nº 1 c) da Constituição da República Portuguesa).
As sanções criminais são sanções jurídico-públicas, nas quais o sancionado se apresenta perante o poder sancionatório numa relação de sujeição ou de infra-ordenação. Diferentemente, o direito privado conhece sanções, a muitos outros títulos análogas às sanções criminais, baseadas numa relação igualitária ou paritária: são as sanções privadas, fundadas na submissão voluntária dos interessados ao poder sancionatório e de que é exemplo primeiro a cláusula penal (artº 810 nº 1 do Código Civil). Qualquer que seja a exacta natureza jurídico-civil desta medida – indemnizatória, punitiva, mista – e a sua verdadeira extensão – dado que parece que o conceito de cláusula penal abrange, entre nós, a generalidade, se não a maioria das penas privadas – a sua distinção relativamente às penas criminais torna-se segura por força daquela circunstância.
No caso, o recorrente inclui, nos contratos com que prossegue o seu objecto social – que ele mesmo crisma com o nomen contrato de aluguer – uma cláusula – a 18ª nº 2 – de harmonia com a qual a não restituição do veículo, findo, por qualquer causa o contrato, no prazo de 24 horas a contar da data final do contrato ou da data em que produzir efeito a rescisão fará incorrer o locatário na prática do crime de “Furto de Uso de Veículo” ou outro que por lei venha a ser tipificado, presumindo-se que a detenção do veículo para além daquela data se processa contra a vontade do locador.
Esta cláusula constrói, por via convencional, um tipo incriminador – individualizando um tipo de ilícito penal, uma espécie de delito para uma violação de uma obrigação contratual - e, portanto, é notoriamente desconforme com o princípio fundamental de direito representado pelo princípio da legalidade. Além disso, a estipulação tem uma finalidade intimidatória, visando iludir e perturbar a liberdade de determinação da contraparte de modo a que esta, ainda que se julgue com bom direito à não restituição do bem alugado, seja levado a optar pela sua devolução, impressionada pela possibilidade de a não restituição do veículo, por força daquela convenção, a fazer incorrer na comissão de um crime e de atrair para a sua pessoa ou para o seu património uma das consequências jurídicas correspondentes: a aplicação de uma pena criminal.
Trata-se, notoriamente, de cláusula ofensiva da boa fé e, portanto, inelutavelmente proibida e, correspondentemente, irremissivelmente nula (artºs 12, 15 e 16, corpo, da LCCG - DL nº 446/85, de 25 de Outubro, sucessivamente alterado pelos DL nºs 220/95, de 31 de Agosto, 249/99, de 7 de Julho e 323/2001, de 17 de Dezembro)[4].
A caução mais não representa, em princípio, do que a garantia, para o credor, de que a indemnização a que eventualmente tenha direito, lhe será efectivamente satisfeita[5]. Ao contrário do que sucede com a cláusula penal, não dispensa o recurso ao cálculo da indemnização, nos termos gerais, nem lhe acrescenta qualquer outra quantia para além da que se mostrar necessária em face dos danos suportados pelo credor.
A prestação da caução limita-se a assegurar o cumprimento de uma eventual obrigação de indemnizar, mas não substitui, nem acresce, em princípio, a essa obrigação. Em regra, portanto, terminado o contrato, a parte que prestou a caução, terá o direito de reaver a quantia entregue, incluindo os juros que ela tenha vencido. Se, porém, tiverem ocorrido danos por que a caução deva responder, o valor dos mesmos ser-lhe-á deduzido; inversamente, se o valor do dano for superior, a parte a favor de quem a caução foi prestada, terá direito a uma indemnização integral. Só não será assim se a partes atribuírem à caução, além da sua função específica, também uma função limitativa da indemnização – o que sucede quando a caução signifique, ao mesmo tempo, o limite máximo a que a indemnização deverá ascender ou traduzir, ne varietur, a indemnização do credor - ou, ao invés, uma função penal, convertendo-a numa figura híbrida ou mista. Decerto que, na medida em que a cláusula penal envolve uma promessa a cumprir no futuro e, no caso considerado a pena é antecipadamente entregue ao credor, parece mais exacto configurar o depósito como prestação de caução (artºs 623 nº 1 e 666 nº 2 do Código Civil). Mas essa circunstância – o facto de a soma estar já na posse do credor e, portanto, de o devedor não prometer qualquer prestação acessória ou suplementar – não obsta, decisivamente, ao reconhecimento de que a caução possa ter ínsita uma função penal – dado que sobre a parte que a prestou paira a ameaça de uma sanção em caso de não cumprimento - e, portanto, a sua submissão ao regime da cláusula penal, dada a patente afinidade substancial entre ambas, designadamente para este fundamental efeito: o seu controlo pela LCCG.
Na espécie, o recorrente predispõe, nos contratos de aluguer que se propõe concluir na prossecução da sua actividade social, uma cláusula – a 3ª nº 2 – de harmonia com a qual o locatário, com o pagamento da primeira renda, entrega ao locador uma caução no valor indicado nas condições particulares, que este poderá, sem prejuízo dos direitos que para ele decorrem da lei e do presente contrato, fazer sua ocorrendo incumprimento por parte do locatário, e que lhe será devolvida no termo do contrato no caso de este ter sido pontualmente cumprido e de não ser devida qualquer quantia ao locatário nos termos, nomeadamente, do disposto na cláusula 17ª das condições gerais.
Tal como esta convenção a constrói, a caução perde a sua função de garantia e assume uma marcada nítida feição penal, dado que, em caso de incumprimento, o dador perde o direito de reaver a quantia entregue, ainda que o valor do dano seja infinitamente inferior, e o seu valor não é descontado no valor da indemnização devida, antes é cumulado com o valor da – verdadeira - estipulatio poena – que mesmo só considerada de per se é também nitidamente desproporcionada - estabelecida para o mesmo facto em vista do qual se depositou a caução: o incumprimento.
Que aquela cláusula – mesmo no contexto abstracto de um qualquer quadro negocial padronizado – redunda numa cláusula penal absolutamente contrária a qualquer princípio regulativo de proporcionalidade, sempre deveria ter-se por proibida, ainda que só relativamente, e como tal, nula, é coisa que se compreende por si (artº 19 c) da LCCG)[6].
Seja como for, tais cláusulas devem, pela razão indicada, considerar-se excluídas do universo das nossas preocupações.
Patentemente, estamos face a acção de natureza inibitória, que se resolve, adjectivamente numa acção de condenação de prestação de facto negativo: a não utilização ou a não recomendação de cláusulas contratuais gerais, absoluta ou só relativamente, proibidas (artº 25 da LCCG).
 A acção inibitória actua de modo definitivo, mas como tem por objecto a imposição de um comportamento, a sua eficácia apenas se projecta, essencialmente, para o futuro[7].
A procedência, por decisão passada em julgado, da acção, tem por efeito a proibição de inserção ou de recomendação, nos contratos que o demandado venha a celebrar, das cláusulas julgadas proibidas ou doutras que, substancialmente, se lhe equiparem (artº 32 nº 1 da LCCG).
A decisão apelada concluiu pela nulidade das cláusulas 12ª, 16ª, 17ª e 22ª – relativas à responsabilidade por não cumprimento, ao risco, á pena convencional e ao pacto de competência - insertas em contratos nominados pelas partes como contrato de aluguer, por violação dos artºs 18 c), 18 f) 21 f), 19 c) e 19 g), respectivamente, da LCCG.
 O recorrente discorda deste julgamento, insistindo, longa e veementemente, no erro na qualificação da sentença apelada, ao escolher para enquadrar o caso concreto, as normas do contrato de locação civil, rectius, do aluguer, em vez de aplicar, por se tratar de aluguer de longa duração, das dispostas na lei para o contrato de locação financeira, na proporcionalidade da pena convencional e na atendibilidade dos interesses, sem inconveniência grave para os da contraparte, que a levaram a predispor o pactum de forum prorrogando.
Maneira que o problema que o acórdão deve resolver é o de saber se as cláusulas apontadas são proibidas, e, portanto, nulas, designadamente por ofenderem a boa fé.
A resolução deste problema vincula que se toquem, ainda que só levemente, o regime jurídico a que está sujeito o contrato que o recorrente se propõe concluir com base naquelas cláusulas, a cláusula penal, a função, âmbito de incidência e requisitos dos pactos de competência e a noção e as características das cláusulas contratuais gerais e o sistema de controlo do conteúdo dos contratos celebrados por recurso a estipulações dessa natureza.
Os elementos assim obtidos permitirão, depois, regressar à espécie do recurso de modo a concretizar a declaração do direito do caso.
3.2. Regime jurídico do contrato que o recorrente se propõe concluir com base nas cláusulas contratuais gerais declaradas proibidas e nulas.
A natureza de um contrato não é necessariamente a correspondente à designação que as partes lhe atribuíram e, portanto, à qualificação que dele fizeram. O nome atribuído pelas partes, sendo um indício relevante, nem sempre decide da índole jurídica do contrato, porque, por vezes, a designação serve justamente para ocultar a sua verdadeira natureza. A qualificação que releva é que o intérprete venha a fazer, sobre que o tribunal se pode pronunciar livremente, sem estar vinculado à denominação que os contraentes tenham adoptado. Nada garante, portanto, que a interpretação a que se chegue seja conforme com o nomen usado pelas partes: muitas vezes sucede o contrário.
A qualificação de um contrato como pertencendo a esta ou àquela espécie, a este ou aquele tipo, necessária para se determinar, pelo menos nos seus traços essenciais, o regime jurídico aplicável, é uma operação lógica subsequente à interpretação das declarações das partes e dela dependente. Interpretação – mais ou menos difícil conforme os casos - que tem forçosamente de preceder a qualificação, que não se pode fazer sem saber o que as partes efectivamente quiseram, qual o significado das suas palavras ou expressões.
Um exame ainda que pouco detido da sentença apelada mostra que não foi terminante quanto à qualificação do contrato que o recorrente se propõe concluir com base nas cláusulas contratuais gerais que declarou proibidas. Todavia, é claro que aquela sentença teve sempre os olhos postos no contrato de locação civil, rectior, no contrato de aluguer civil, dado que as valorações a que procedeu para proceder à concretização das proibições relativas tiveram nitidamente como referente o quadro negocial padronizado ou o standart daquela espécie contratual.
O recorrente, porém, sustenta que aquele contrato não é, pura e simplesmente um contrato de locação civil – mas um contrato de aluguer de longa duração, indelevelmente marcado pela sua função financeira. Desta qualificação extrai, entre outras, esta conclusão expressiva: a aplicação, designadamente quanto ao problema do risco, do regime jurídico definido na lei para o contrato de locação financeira.
Interessa, portanto, para a resolução do problema que nos ocupa, a caracterização, ainda que por traços deliberadamente largos, do contrato de locação, do contrato de locação financeira e finalmente, do contrato de aluguer de longa duração.
Os elementos da velha locação e, correspondentemente, do contrato de aluguer são três: a obrigação, por parte do locador, de proporcionar o gozo de uma coisa móvel à outra parte – o locatário; o carácter temporário desse gozo; a retribuição, pelo locatário, do gozo dessa coisa que lhe foi concedido (artºs 1022 e 1023 do Código Civil).
Estas obrigações, tanto do locador como do locatário, não são devidas se, por qualquer razão, for impossível o seu cumprimento. Em tal conjuntura, importa saber quem suporta o risco. Este problema obtém da lei uma resposta expressa que, de resto, nada acrescenta à regra geral: o risco quanto à coisa locada corre por conta do locador (artºs 796 e 1044 do Código Civil).
Portanto, o locador corre o risco de perda ou de deterioração da coisa e, por isso, se esta se deteriorar por causa não imputável a nenhuma das partes, o locador deverá proceder às necessárias reparações. Em caso de perda, porém, não recai sobre o locador o dever de reconstituir ou substituir a coisa. Em contrapartida, o locatário só responde pela perda ou deterioração da coisa se lhe for imputável ou se tiver sido causada por terceiro a quem tenha permitido a utilização dela (artº 1044 do Código Civil)[8]. Apesar de a lei não o referir, neste caso, o locatário suporta o risco de perda do gozo que tinha sobre a coisa, não tendo o direito a qualquer indemnização, dado que o contrato caduca pela perda da coisa locada (artº 1051 nº 1 e) do Código Civil).
Na locação, e, portanto, no aluguer, o programa da prestação do locador reconduz-se a este núcleo fundamental: o locador deve proporcionar ao locatário o gozo do bem no âmbito e para os fins do contrato, não lhe sendo licito praticar actos que impeçam ou diminuam esse gozo (artºs 1034 nº 2 e 1037 nº 1 do Código Civil).
O locador está, pois, investido numa obrigação de manutenção do gozo que, que, nalguns aspectos é uma obrigação positiva, de facere, e noutros, é uma obrigação negativa, de non facere.
O locador deve assegurar o gozo do bem ao locatário e, por isso, deve fazer as reparações necessárias para que o gozo do locatário não seja, segundo um princípio de boa fé, significativamente diminuído, as que forem indispensáveis para manter a coisa em estado de corresponder ao seu destino (artºs 762 nº 2 e 1031 b) do Código Civil). Quanto às deteriorações inerentes a uma prudente utilização, em conformidade com os fins do contrato, a obrigação de as reparar não está a cargo do locatário, mas do locador (artº 1043 nº 1 do Código Civil).
O locador deve, imperativamente abster-se de actos que impeçam ou diminuam o gozo da coisa pelo locatário, embora não seja obrigado a assegurar a este aquele gozo contra actos de terceiro (artº 1037 nº 1 do Código Civil)
Desenvolvimento particular da obrigação de assegurar o gozo da coisa que vincula o locador – não se tratando, assim, de outra obrigação deste - é o da sua responsabilidade pelos vícios da coisa ou do direito: o locador é responsável pela frustração, quer dizer, pela privação ou diminuição do gozo da coisa pelo locatário, quando a coisa locada ou o direito do locador apresentem vícios (artºs 1031 b), 1032 e 1034 do Código Civil).
Quer se trate de vícios propriamente ditos da coisa locada, que não permita, que ela cumpra o seu fim natural, quer da falta das qualidades necessárias para que a coisa realize o fim a que se destina, de harmonia com o contrato, quer, enfim, da falta de qualidades que o locador assegurou ao locatário, o contrato considera-se, por parte daquele, como não cumprido (artº 1032 do Código Civil). Responsabilidade que se lhe impõe quer os defeitos anteriores ou contemporâneos da entrega da coisa ou posteriores a esta entrega (artº 1032 a) e b) do Código Civil). De resto, quanto aos primeiros, a lei presume que o locador conhecia o defeito, pelo que a sua responsabilidade apenas é excluída se provar que o desconhecia se culpa. Mas o mesmo sucede no tocante aos defeitos posteriores à entrega do bem locado. O regime da responsabilidade do locador enquadra-se na figura geral do cumprimento defeituoso ou do mau cumprimento das obrigações: vale, por isso, a fundamental presunção de culpa do devedor, presumindo-se, por isso, que o locador tem culpa sempre que a coisa locada apresente vícios de direito ou defeitos da coisa (artº 799 nº 1 do Código Civil).
 No tocante aos vícios do direito do locador, o contrato considera-se igualmente não cumprido, desde que sejam determinantes da privação definitiva ou temporária do gozo da coisa ou a diminuição dele por parte do locatário (artº 1034 nºs 1 e 2 do Código Civil).
Se a coisa locada ou o direito do locador se encontrar ferida com qualquer destes vícios – e não se verifique nenhum dos casos de irresponsabilidade dele - ao locatário e lícito, conforme melhor entender, pedir àquele uma indemnização pelo não cumprimento do contrato ou pedir a anulação deste, nos termos gerais, por erro ou dolo, desde que, claro está, se verifiquem os pressupostos correspondentes (artºs 798, 1033 e 1035 do Código Civil).
     Em face deste enunciado do contrato de locação, é nítida alteralidade, relativamente a ele, do contrato de locação financeira.
     Designa-se locação financeira[9] o contrato – comercial – pelo qual uma das partes – locador – se obriga, mediante a remuneração, a ceder à outra – locatário – o gozo temporário de uma coisa, móvel ou imóvel, adquirido para o efeito a um terceiro – fornecedor – ficando o segundo investido no direito de a adquirir em prazo e por preço determinados (artº 1 do DL nº 149/95, de 24 de Junho).
     Através deste contrato típico e nominado, uma entidade, o locador financeiro – adquire o bem para o ceder em locação a outra entidade – o locatário financeiro – mediante uma renda, por um determinado período, findo o qual cabe ao locatário, se o entender, adquirir o bem por um valor residual[10].
     A locação financeira é um instrumento de financiamento bancário, com evidentes vantagens, para o locador, para o locatário e para o fornecedor: para o locador, dado que este conservando a propriedade da coisa durante a vigência do contrato, beneficia de uma garantia superior àquelas que usufruiu, por regra, nas demais operações creditícias   ; para o locatário, já que representa uma forma de financiamento integral da coisa locada, sem endividamento directo, além de diversas vantagens contabilísticas e fiscais; para o fornecedor, porque se traduz numa forma suplementar particularmente eficaz de escoamento dos bens que produz ou comercializa.
     Mas é claro que a locação tem inconvenientes, entre os quais se salienta o seu custo, mais elevado em face de outras modalidades alternativas de crédito e financiamento bancário, maxime, o empréstimo bancário.
     Na locação financeira, uma das partes – o locador financeiro concede a outra – o locatário financeiro - o gozo temporário duma coisa corpórea, adquirida, para o efeito, pelo próprio locador, a um terceiro, por indicação do locatário.
     A locação financeira postula uma intervenção de três sujeitos: o fornecedor, o locador e o locatário[11]. Infere-se, daí, que ela surge em união com – pelo menos – um contrato de compra e venda. A própria locação financeira consigna, em regra, uma opção de compra a favor do locatário[12].
A locação financeira é, essencialmente, um negócio de crédito, ainda que enquadrado, nalguns pontos, pela locação.
No plano da facilidade de concessão de crédito, as vantagens da locação financeira são claras: o financiador ficará a dispor da titularidade do bem: este é a garantia por excelência. A garantia do financiador reside, tal como na cláusula da reserva de propriedade, na manutenção do direito de propriedade em relação ao bem usado pelo locatário (artº 21 nº 1 do DL nº 149/95, de 24 de Junho)[13].
E é justamente em vista da sua particular aptidão para proporcionar ou servir de veículo à concessão de crédito que a lei é imperativa e terminante em vedar, a quaisquer entidades, a realização, de forma habitual, de operações similares ao leasing ou com resultados económicos equivalente (artº 23 do DL nº 194/95, de 24 de Junho).
     O problema do risco é regulado de forma supletiva: o risco de perda ou de deterioração do bem corre, salvo convenção contrária, por conta do locatário (artº 15 do DL nº 194/95, de 24 de Junho).
     Relativamente aos vícios do bem locado, o locador financeiro apenas é responsável pelos vícios do direito – ilegitimidade ou deficiência – e não também pelos vícios da coisa (artº 12 do DL nº 194/95, de 24 de Junho).
Mais espinhosa é, decerto, a exacta caracterização da natureza do aluguer de longa duração - vulgarmente conhecido pela sigla ALD – ponto de que depende, em última extremidade, a determinação do seu regime jurídico. Importa, portanto, precisar, com a finalidade última de determinar esse regime, o que se deve entender por contrato de aluguer de longa duração.
     A doutrina, tal como a jurisprudência, não são inteiramente acordes sobre a natureza jurídica do contrato de aluguer de longa duração.
Assim, para alguma doutrina o contrato de aluguer de longa duração é um contrato indirecto em que o tipo de referência é o aluguer e o fim indirecto é o da venda a prestações com reserva de propriedade[14]. Para outra, o contrato de aluguer de longa duração decompor-se-ia numa locação a que se mostra acoplada uma promessa unilateral de uma proposta irrevogável de venda[15].
Diversamente, não falta, porém, quem negue tratar-se de um contrato misto ou de um contrato indirecto, sublinhando, de um aspecto a sua estreita afinidade – no plano funcional dos interesses - com o contrato de leasing, e de outro, a sua dissemelhança relativamente ao contrato de locação, já que a obrigação de pagamento da renda a que o locatário se vincula, não é a contrapartida da cedência do gozo temporário, antes visa a amortização do preço da coisa[16].
     Seja como for, do ponto de vista do seu regime, a jurisprudência sustenta, quase nemine discrepanti, que a tal contrato são aplicáveis as disposições gerais do DL nº 354/86, de 23 de Outubro – com as alterações que sucessivamente lhe foram introduzidas pelos DL nºs 373/90, de 27 de Novembro, 44/92, de 31 de Março e 77/2009, de 1 de Abril – as normas gerais do contrato de locação, as regras comuns sobre os contratos e, por último, as convenções das partes, desde que, naturalmente, não se mostrem desconformes com preceitos legais imperativos[17].
O ALD é um instrumento que permite a um operador económico alienar um bem a crédito, mantendo-se proprietário como forma de garantir a sua posição. As instituições de crédito recorrem com frequência a este instrumento de concessão de crédito, adquirindo a terceiros os bens que depois cedem em ALD aos creditados.
A sua estrutura jurídica básica assenta nisto: um contrato, qualificado, pelas partes, como aluguer, mas modificado de forma muito semelhante às alterações introduzidas na velha locação pelo regime da locação financeira, a que se associa uma promessa unilateral de venda ou um pacto de opção de compra, decorrido o prazo contratualmente fixado, que tem com beneficiário o locatário.
O desenvolvimento deste tipo contratual explica-se por diversas razões, designadamente de natureza fiscal, entre as quais se destaca a vontade de criação de um instrumento jurídico muito semelhante à locação financeira para determinados bens – veículo automóveis – que não constituam originariamente objecto admissível da locação financeira. Eliminado este obstáculo, recorria-se ao ALD, entre outros motivos, para concluir contratos muito semelhantes à locação financeira, mas por períodos mais reduzidos dos que eram permitidos pelo regime daquela, restrição que, entretanto, a lei também eliminou (DL nº 285/2001, de 3 de Novembro).
Este tipo contratual coloca dúvidas sérias quanto à sua validade dado que, ainda que não deva ser qualificado como leasing, a verdade é que celebração deste negócio atípico colide, abertamente, com a proibição de realização, de forma habitual, de operações de natureza similar ou com resultados económicos equivalentes à locação financeira (artº 25 do DL nº 194/95, de 24 de Junho).
Seja como for, exacto é em todo o caso que se trata de um negócio jurídico atípico, de natureza mista, que desempenha uma função idêntica à da venda com reserva de propriedade e entrega do bem, da locação venda e da locação financeira com a qual, de resto, tem, em termos estruturais mais semelhanças. Distingue-se da locação venda, porque a aquisição do bem pelo locatário não é automática com o pagamento do último aluguer e, por regra, as partes não pretenderem que o locador assegure o gozo da coisa (artº 936 nºs 1 e 2 do Código Civil).
Semelhante é a figura do aluguer com opção de compra ou com promessa unilateral de venda. O caso é de locação, com as especificidades que a caracterizam, mas a que se liga uma opção de compra ou uma promessa unilateral de venda, de modo a permitir ao locatário, decorrido o prazo convencionado, a aquisição do bem locado, pagando o respectivo preço, tendo em conta, naturalmente, que se trata de uma coisa usada. O contrato não é, em princípio, finalisticamente orientado para a aquisição do bem, pelo que o valor dos alugueres não compreende uma parcela destinada ao pagamento do preço por parte do locatário: a contrapartida dessa aquisição, caso aquele se decida pela compra, consiste no preço. Não há igualmente qualquer aquisição automática que depende, sempre, de um juízo posterior por parte do locatário.
Como quer que seja, para que o ALD se aproxime da locação financeira e se confunda com ela – com a consequente aplicação ao primeiro daqueles contratos do regime jurídico do segundo - há, à certeza, uma coisa que de cuja presença no contrato se não pode, de todo, prescindir: a convenção, expressa ou tácita, a opção de compra ou a promessa, ainda que só monovinculante, de venda, a favor do locatário. Na falta, ab initio, deste elemento, o centro de gravidade do contrato desloca-se para o lado do aluguer, afastando-se definitivamente do contrato de financiamento[18].
Na espécie, se voltarmos os olhos para o instrumento, escrito em letra dolosamente miúda, em que a recorrente cristaliza as cláusulas contratuais com base nos quais se propõe concluir os contratos de aluguer em lado nenhum encontramos a estipulação a favor do locatário da opção de compra ou da promessa de venda.
E à mesma conclusão se chega a partir da leitura dos factos que na instância recorrida se declararam provados. É exacto que o decisor de facto do tribunal a quo julgou provado que são os locatários que escolhem o veículo automóvel objecto mediato do contrato e que, no final do contrato, os locatários pretendem adquirir o bem locado. Mas estes pontos são, para a finalidade da impressão ao contrato de aluguer de uma feição marcadamente financeira, inteiramente assépticos.
Nestas condições, a regulamentação de interesses contida nas cláusulas contratuais gerais de que o recorrente se socorre no seu comércio jurídico deve ser enquadrada na moldura geral da boa e velha locação: trata-se simplesmente, de um contrato de aluguer de automóvel sem condutor, a que são aplicáveis, designadamente quanto aos pontos nevrálgicos do risco de perda ou de deterioração do bem locado e da responsabilidade do locador pelos vícios da coisa locada, as regras da locação: aquele risco corre, por inteiro, pelo locador.
De resto, o recorrente dispõe de meio ágil e seguro de fechar negócios a que são aplicáveis, para além de toda a dúvida que deva ter-se por razoável, as normas da locação financeira: a conclusão de – verdadeiros - contratos de locação financeira para a qual, aliás, a lei lhe reconhece a necessária capacidade jurídica (artº 4 nº 1 q) do RGIC, aprovado pelo DL nº 298/92, de 31 de Dezembro).
Note-se, em todo o caso, que a submissão do contrato que a recorrente se propõe concluir com recurso a cláusulas contratuais a – algumas – regras da locação financeira, apenas permitiria subtrair à proibição da utilização – e á nulidade correspondente – as cláusulas relativas à inversão do risco de deterioração ou perda do bem locado e à irresponsabilidade pelos vícios da coisa locada: todas as demais cláusulas, mesmo no contexto do tipo contratual da locação financeira, sempre deveriam estigmatizar-se com a proibição e com a nulidade correspondente dado que todas as razões que justificam a sua proibição do seu uso no âmbito de um contrato de aluguer são inteiramente transponíveis para o contrato de locação financeira[19].
De tudo isto, pode, portanto, retirar-se esta proposição conclusiva: o tipo contratual que deve ter-se, para o efeito da qualificação de algumas das cláusulas contratuais como relativamente proibidas, como quadro negocial padronizado, é o da locação, rectius, do aluguer civil.
3.3. A cláusula penal.
     Qualquer cessação do contrato, e salvo determinadas excepções legais, acarreta a extinção das obrigações dele emergentes, o mais das vezes complexas. A figura que deve ser isolada, dado o problema que o acórdão deve resolver, é a da resolução.
     A resolução é uma forma condicionada, vinculada e retroactiva de extinção dos contratos: condicionada por só ser possível quando fundada em lei ou convenção; vinculada por requerer que se alegue e demonstre determinado fundamento e retroactiva por operar desde o início do contrato (artº 433 do Código Civil). Fala-se também por vezes em rescisão: esta equivale à resolução, sendo utilizada, preferencialmente, para designar a resolução fundada na lei.
     Este esquema é meramente tendencial: a própria lei introduz algumas variantes, sendo certo que as partes, dentro de certos limites, podem também incluir adaptações. Assim, por exemplo, a resolução pode ser não retroactiva (artº 434 nº 2 do Código Civil). É o que sucede nos contratos de execução continuada e com trato sucessivo – v.g., os contratos de locação, de fornecimento e de seguro – em que a resolução não afecta as prestações já efectuadas, a não ser que a sua interligação com a causa resolutiva legitime uma resolução plena.
     A resolução pode operar em casos previstos pelo contrato ou pela lei (artº 432 nº 1 do Código Civil).
     O caso mais evidente de resolução com base legal é o que ocorre perante o incumprimento definitivo do contrato: quando uma das partes não cumpra um contrato bivinculante - ou na expressão da lei, bilateral – tem a outra direito à resolução.
     O Código Civil fala na resolução por incumprimento a propósito da impossibilidade culposa imputável ao devedor (artº 801 nº 1 do Código Civil). A ideia é a de que perante o incumprimento definitivo, o interesse do credor desvanece-se e o contrato é, juridicamente, impossível. Em qualquer caso, dúvida não resta de a lei visa, com aquela disposição, permitir a um contraente livrar-se de um contrato que o outro incumpriu.
     A resolução por incumprimento implica o chamado incumprimento definitivo (artº 801 nº 1 do Código Civil). O não cumprimento simples apenas levaria à mora; só quando fosse ultrapassado o prazo razoavelmente fixado pelo credor ou, quando objectivamente, desaparecesse o interesse deste na prestação, se poderiam transcender as consequências da mora. O credor poderia, então, resolver o contrato, entre outras medidas, com relevo para a indemnização.
     Há mora do devedor quando, por acto ilícito e culposo deste, se verifique um cumprimento retardado (artº 804 nº 2 do Código Civil). A mora é, portanto, o atraso ilícito e culposo no cumprimento da obrigação: existe mora do devedor, quando, continuando a prestação a ser possível, este não a realiza no tempo devido. Para se concluir que há mora do devedor, não basta, portanto, dizer que, no momento do cumprimento, aquele não efectuou a prestação devida; é ainda necessário que sobre ele recaia um juízo de censura ou de reprovação. Exige-se, portanto, a ilicitude e a culpa do devedor, embora, tratando-se de responsabilidade obrigacional, qualquer retardamento na efectivação da prestação seja, por presunção, atribuído a ilícito cometido com culpa pelo devedor (artº 799 nº 1 do Código Civil). Da mora do devedor emerge, como primeira consequência, uma imputação dos danos, constituindo-se aquele no dever na obrigação de reparar todos os prejuízos que, com o atraso, tenha causado ao credor (artº 804 nº 1 do Código Civil).
     A regra estabelecida na lei é, portanto, a de que a mora do devedor não faculta imediatamente ao credor a resolução do contrato do qual emerge a obrigação que não foi pontualmente cumprida. Tendo a obrigação não cumprida por fonte um contrato bivinculante para que o credor possa resolvê-lo, libertando-se do seu dever de prestar, é necessário, em princípio, que a prestação da contraparte se tenha tornado impossível por causa imputável ao devedor (artº 801 nº 1 do Código Civil).
     Só assim não será, acrescenta o mesmo Código, se, em consequência da mora, o credor perder o interesse que tinha na prestação, ou o devedor não a realizar dentro do prazo que razoavelmente lhe for fixado pelo credor. Em qualquer destes casos, considera-se, também, para todos os efeitos, a obrigação não cumprida (artº 808 nº 1)[20]. Quando isso ocorre, a mora é equiparada, para todos os efeitos, ao não cumprimento definitivo culposo, e, consequentemente, abre ao credor a porta da resolução do contrato (artºs 802 nº 2 e 801 do Código Civil).
     No domínio da locação há, porém, neste plano, particularidades relevantes, designadamente a desnecessidade do estabelecimento de um prazo admonitório e, por outro lado, a possibilidade de, não obstante o decurso do prazo admonitório, o locatário poder pagar o aluguer em falta, acrescido da indemnização, até ao momento da contestação da acção declarativa de resolução ou da oposição à execução, procedendo deste modo a uma sui generis purgação da mora (artºs 1041 nº 2 e 1048 nº 1 do Código Civil).
     O esquema de resolução do contrato, fundado na lei, é, particularmente complexo. Não é, por isso, de estranhar a frequência com que as partes, na conclusão dos contratos, fazendo uso da faculdade legal, introduzem fundamentos de resolução mais expeditos, como, por exemplo, a resolução baseada na ultrapassagem do prazo convencional peremptório (artº 432 nº 1 do Código Civil).
     A resolução, com o perfil sumariamente delineado, tem inteira aplicação no domínio do contrato de aluguer de veículo automóvel.
     No entanto, a aplicação, no aluguer, do puro esquema da resolução, torna-se, na prática, insuficiente. Efectivamente, a resolução tem eficácia retroactiva. A sua aplicação em termos puros levaria a que o locador tivesse de restituir ao locatário as rendas recebidas, recebendo aquele o bem. Este bem, porém, não tem interesse para o locador que, quando muito, poderia aspirar à devolução do valor proporcionado ao locatário. Trata-se, como é claro, de uma magra compensação para o dispêndio feito, tanto mais que o bem, entretanto, já teria perdido muito do seu valor.
     Compreende-se, por isso, que as partes tendam a coadjuvar o esquema puro da resolução com outros dispositivos que têm por fundamento final o reforço da posição do locador.
     Normalmente, os contratos de locação de veículos automóveis, em paralelo com a faculdade de resolução conferida, o direito deste às rendas vencidas e aos juros de mora e o direito do locador a outras indemnizações. Estas cláusulas têm a feição de cláusula penal.
     A cláusula penal, em sentido amplo ou lato, consiste na convenção por que o devedor promete ao seu credor uma prestação para o caso de não cumprir, ou de não cumprir perfeitamente, a obrigação[21].
     A doutrina tradicional construía a cláusula penal como um instituto unitário e com uma dupla função: de fixar antecipadamente a indemnização; de incentivar ou compelir o devedor ao cumprimento.
     A doutrina e jurisprudência mais recentes quebraram a unidade do conceito, separando as cláusulas penais em indemnizatórias e compulsórias: nas primeiras, a convenção das partes tem por finalidade liquidar a indemnização devida em caso de não cumprimento definitivo, de mora ou de cumprimento defeituoso; nas segundas, aquele acordo tem por escopo compelir o devedor ao cumprimento ou sancionar o não cumprimento[22]. Portanto, ao lado da pena convencional tradicional ou da cláusula penal estrita, às partes é lícito estabelecer uma pura e simples liquidação antecipada da indemnização a que, eventualmente, em face de uma patologia contratualmente identificada, haja lugar (artº 810 nº 1 do Código Civil).
     Uma experiência velha de séculos, torna patente que as partes, quando convencionam uma cláusula penal, não estão a pensar na hipótese de vir a sofrê-la, fiadas em que, em qualquer caso, cumprirão o contrato. Isto explica que aceitem subscrever cláusulas penais exorbitantes ou excessivas que, no momento em que são chamadas a actuar, colocam delicados problemas de justiça[23].
     Neste plano, assumem, evidentemente, particular relevância os mecanismos de controlo jurisdicional das cláusulas penais, de que constitui claro exemplo, a reductio ad aequitatem, disposta na lei civil geral (artº 812 do Código Civil).
     Todavia, as apertadas cautelas com a que lei rodeia a redução equitativa das cláusulas penais restringem naturalmente o âmbito da tutela que disponibiliza. Esta pode, porém, ser alargada através do esquema referente às cláusulas contratuais gerais (artº 19 c) da LCCG).
     À semelhança do que sucede com a reductio ad aequitatem, a nulidade cominada na LCCG, tem um alcance geral, reprimindo todos os excessos e abusos decorrentes do exercício da liberdade contratual no plano da fixação contratual dos direitos do credor e, portanto, a proibição relativa apontada compreende a cláusula penal puramente coercitiva; ainda que esta conclusão se tenha por discutível, seguro é, porém, que se dirige à cláusula de fixação antecipada da indemnização.
     O contrato de locação de veículo é claramente compatível com a convenção de cláusulas penais.
     Resta, porém, saber que consequências podem as partes associar, no contrato de locação de veículo automóvel, à sua resolução por incumprimento.
     Deve admitir-se como lícita a exigência de restituição do bem locado e o pedido de pagamento de rendas vencidas e não pagas acrescidas de juros de mora. Em contrapartida deve entender-se, de um modo geral, que não é legítima a cobrança de prestações vincendas.
     No tocante especificamente às cláusulas penais, designadamente à cláusula que prevê uma indemnização correspondente a uma parte das prestações vincendas, deve, por princípio, admitir-se a sua validade. O problema, porém, não admite uma resposta universal ne varietur, antes exige uma ponderação casuística: a importância equivalente, por exemplo, a 20% dos alugueres vincendos, a título de indemnização, poderá revelar-se excessiva, sobretudo quando a resolução ocorra numa fase inicial do contrato.
     Em contrapartida, deve recusar terminantemente a admissibilidade de cláusulas penais que permitem ao locador cumular a restituição do bem locado com o recebimento da totalidade ou da quase totalidade das prestações vincendas, ou seja, ganhar mais ou quase mesmo com o incumprimento do que com o normal cumprimento do locatário. Está nessas condições, por exemplo, a cláusula em que se prevê, como indemnização complementar, o pagamento de todas ou de quase todas as prestações vincendas. Entende-se que tal conjunção não é possível: resolvido o contrato, não faz sentido pedir o pagamento de prestações vincendas, como se a resolução não tivesse tido lugar: se o bem é restituído ao locador, não há razão material que funde o seu direito a receber as rendas subsequentes a essa resolução, dado que a resolução é incompatível com a cláusula penal de recepção dos alugueres vincendos.
3.4. Função, âmbito e requisitos do pacto de competência.
Através do pacto de competência – pactum de foro prorrogando – é possível determinar a competência convencional interna, i.e., a medida de jurisdição de um tribunal no que respeita a questões, que, na perspectiva do Estado do foro, não apresentam qualquer elemento de conexão com uma ordem jurídica estrangeira.
O pacto de competência só é admissível no tocante à competência em razão do território e envolve, evidentemente, uma renúncia implícita antecipada – i.e., anterior à proposição da acção – à arguição da excepção da incompetência relativa, dado que é atribuída competência territorial a um tribunal que, sem esse contrato processual, não seria o competente (artº 108 do CPC).
Entre os requisitos do pacto contam-se, além da designação das questões submetidas à apreciação do tribunal, o critério de determinação do tribunal ao qual é atribuída competência (artº 100 nº 2, 2ª parte, do CPC). Essa indicação deve ser directa, embora se considere igualmente satisfeita se forem indicados vários tribunais e se o tribunal designado depender de certos factores, como sucede, quando, por exemplo, o tribunal indicado é o do domicílio do réu.
O que não é suficiente, para o efeito considerado é uma qualquer forma de designação puramente genérica ou de referência indirecta: a indicação do tribunal escolhido deve ser precisa e concreta[24]. Nestas condições, será nula a cláusula pela qual um dos contraentes se vincula aceitar o tribunal escolhido pelo outro, ou a cláusula que produza um efeito equivalente, quer dizer, que permita a outro contraente, a escolha, arbitrária ou atrabiliária, do tribunal que fica sendo territorialmente competente. A lei é, portanto, nitidamente avessa a que uma das partes fique sujeita ao arbítrio da outra, que abdique do foro do seu domicílio em benefício dum foro absolutamente indeterminado ou que à outra – com inteira desconsideração dos interesses da contraparte – apeteça escolher[25].
O pactum de forum prorrogando exige, igualmente, como requisito de validade, a designação das questões submetidas à apreciação do tribunal escolhido.
Se a cláusula não tiver por objecto um litígio já existente, uma controvérsia já produzida, mas um litígio simplesmente potencial, um conflito que ainda não eclodiu mas que pode surgir em consequência dum contrato que vão celebrar, a convenção há-de, ao menos, especificar o acto ou facto jurídico de que aquele conflito deve emergir.
Sempre que o litígio é recortado em termos mais ou menos amplos – como sucede, justamente, quando o conflito é individualizado por referência ao acto ou facto de que ele pode nascer – e, portanto, em termos genéricos, o primeiro problema que a convenção coloca é o de saber que questões estão abrangidas pelo pacto. Mas isso é um puro problema de interpretação do negócio jurídico, de determinação da vontade das partes, que há-de resolver-se em conformidade com os princípios gerais aplicáveis (artº 236 do Código Civil). Por aplicação desses parâmetros interpretativos, tem de apurar-se qual foi a vontade comum das partes ao celebrarem a convenção: conhecida essa vontade, o foro contratual há-de considerar-se competente para as causas que as partes tiveram em vista submeter ao juízo designado, não podendo estender-se a causas semelhantes ou a outras derivadas do mesmo acto jurídico.
A competência convencional interna – cuja admissibilidade é expressão da relevância atribuída, na determinação do tribunal competente, aos interesses das partes e à sua autónoma na escolha desse tribunal (forum planning) - é vinculativa para as partes (artº 100 nº 3 do CPC). São, porém, várias as acções em relação às quais não é admissível a celebração de qualquer pacto de competência. São elas, entre outras, as acções destinadas a exigir o cumprimento de obrigações, a indemnização pelo não cumprimento ou pelo cumprimento defeituoso e a resolução do contrato por falta de cumprimento, para as quais é competente, ratione loci, o tribunal do domicilio do réu, podendo, porém, o credor optar pelo tribunal do lugar em que a obrigação deveria ser cumprida, quando o réu seja uma pessoa colectiva ou quando situando-se o domicílio do credor na área metropolitana de Lisboa ou do Porto, o réu tenha domicílio na mesma área metropolitana (artºs 74, nº 1, 1ª parte, 100 nº 1, in fine, e 110 nº 1 a) do CPC)[26].
A inadmissibilidade da celebração de pactos de competência, no tocante às acções que tenham aquele objecto, resultou da modificação da redacção artº 74 nº 1 do CPC pelo artº 1 da Lei nº 14/2006, de 26 de Abril – que entrou em vigor no dia 5 de Janeiro de 2006 – alteração que obedeceu declaradamente a um duplo propósito: evitar a concentração da litigância de massa nos principais centros urbanos de Lisboa e do Porto; promover a proximidade entre o cidadão e a justiça (artº 2 nº 2 da Lei nº 75/98, de 11 de Novembro).
De harmonia com o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 12/2007 – DR, I Série, de 6 de Dezembro de 2007 – a redacção dada aos artºs 74 nº 1 e 110 nº 1 a) pelo artº 1 da Lei nº 14/2006, de 26 de Abril, aplica-se às acções instauradas após a sua entrada em vigor, ainda que reportadas a litígios derivados de contratos celebrados antes desse início de vigência com cláusula de convenção de foro de sentido diverso[27].
A lei é terminante em declarar nula a competência estabelecida através de uma cláusula contratual geral, quando o foro convencional envolve graves inconvenientes para uma das partes (artºs 12 e 19 g) da LCCG). Todavia, a lei admite que essas desvantagens não impliquem nulidade da convenção se forem correlativas de um interesse da contraparte, ou seja se os inconvenientes para uma das partes forem justificados por um interesse atendível da outra (artº 19 g), in fine, da LCCG)
Como é patente, o alargamento da inadmissibilidade da celebração de pactos de competência – designadamente às acções destinadas a exigir o cumprimento de obrigações, a indemnização pelo não cumprimento ou pelo cumprimento defeituoso e a resolução do contrato por falta de cumprimento – comprimiu consideravelmente a amplitude da proibição da competência estabelecida através de cláusula contratual geral. Restringiu, mas não eliminou o alcance útil da proibição, dado que esta continua a aplicar-se a todas as convenções de competência referidas às acções que tenham por objecto a resolução do contrato de aluguer, desde que o seu fundamento não consista no não cumprimento, a modificação dele, ou a sua ineficácia, designadamente a sua anulabilidade ou nulidade, dado que as acções com um tal objecto se não compreendem no perímetro da inadmissibilidade da convenção de competência[28].
3.5. Características das cláusulas contratuais e sistema de controlo do conteúdo dos contratos concluídos com base em cláusulas deste tipo.
As cláusulas a que a decisão recorrida estigmatizou com o valor negativo da nulidade mostram-se incluídas em contratos de aluguer de veículo automóvel sem condutor.
Lê-se, a dado passo da petição inicial e das alegações do recorrente, que o contrato de aluguer que o apelante se propõe celebrar é um contrato de adesão.
Esta designação – de resto, muito comum - é tecnicamente insatisfatória ou imprópria visto que inculca um problema de conteúdo e não de modo de celebração. Mais adequado seria, portanto, a expressão contrato por adesão. Mas esta também não corresponde à fórmula da lei portuguesa: cláusulas contratuais gerais.
Cláusulas contratuais gerais são um conjunto de proposições pré-elaboradas que proponentes ou destinatários indeterminados se limitam a propor ou a aceitar (artº 1 nº 1 da LCCG).
Esta noção básica - que não constitui uma definição mas antes a delimitação ou demarcação do âmbito de aplicação daquele diploma legal – mostra que as cláusulas contratuais gerais se caracterizam pela generalidade e pela rigidez: generalidade, dado que se destinam a ser propostas a destinatários indeterminados ou a ser subscritas por proponentes indeterminados; rigidez, porque são elaboradas sem prévia negociação individual, sendo recebidas em bloco por quem as subscreve ou aceite, e, portanto, os intervenientes não têm a faculdade de modelar ou modificar o seu conteúdo, introduzindo-lhes alterações.
Se faltar a generalidade, a cláusula contratual geral resolve-se numa simples proposta negocial que não admite contraproposta; faltando a rigidez, o caso é de comum exercício da liberdade negocial.
A primeira daquelas características das cláusulas contratuais gerais permite distingui-las do contrato pré-formulado. Diz-se pré-formulado o contrato que uma das partes proponha a outra sem admitir contra proposta ou negociações. O contrato pré-formulado aproxima-se das cláusulas contratuais gerais pela rigidez, mas afasta-se delas pela ausência de generalidade. Dado que coloca problemas muito semelhantes aos das cláusulas contratuais, a lei determina a aplicação aos contratos concluídos por esse modo o regime das primeiras (artº 1 nº 2 da LCCG).
As cláusulas contratuais gerais excluem a liberdade de estipulação - mas não a liberdade de celebração. Elas incluem-se, por isso, no momento da conclusão, nos contratos singulares ou individualizados, desde que tenham sido aceites. Não tendo havido aceitação, não se verifica a sua precipitação no contrato singular considerado (artº 4 da LCCG). Desde que se exige sempre o acordo de vontades, os contratos singulares nos quais se utilizem cláusulas contratuais gerais devem continuar a ser valorados à luz das regras gerais de perfeição das declarações negociais. Institutos como o do erro, da falta de consciência da declaração ou da incapacidade acidental são-lhes, portanto, inteiramente aplicáveis (artºs 246, 247 e 251 do Código Civil).
As cláusulas contratuais gerais constituem um modo específico de formação dos contratos. Contudo, o poder que o seu recurso coloca nas mãos de quem as utiliza é considerável, podendo revelar-se danosas para os particulares e, em especial, para o consumidor. Pela sua feição e generalidade, algumas dessas cláusulas são intrinsecamente injustas ou inconvenientes e, por isso, a lei admite, dadas certas condições, o seu bloqueamento. A ordem jurídica não podia, na verdade, ficar indiferente aos riscos e abusos que as cláusulas gerais encerram, atendendo à situação de precariedade e de vulnerabilidade em que colocam frequentemente os contraentes aderentes. Essa tutela desenvolve-se, não apenas na fase da formação do contrato, mas igualmente ao nível do conteúdo do negócio concluído na base de cláusulas contratuais gerais.
O plano do controlo do conteúdo dos contratos celebrados por recurso a cláusulas contratuais gerais desenvolve-se em dois níveis: num princípio geral de controlo – centrado no mandamento da boa fé – e num extenso catálogo – verdadeiramente uma lista negra - de cláusulas proibidas concretas (artºs 15, 16 e 17 a 22 da LCCG). O sistema é, portanto, o seguinte: a articulação entre o princípio geral da boa fé e uma enunciação – que se deve ter por meramente exemplificativa[29] – de proibições concretas dessa intencionalidade normativa geral.
O princípio geral de controlo assenta na boa fé, ao qual se acrescenta, como directiva concretizadora, a ponderação dos valores fundamentais do direito em face da situação considerada, designadamente a confiança suscitada pelas partes, e os objectivos negociais pretendidos (artº 16 da LCCG)[30].
O problema específico das cláusulas contratuais gerais reside na circunstância de reclamarem a fixação de limites à autonomia privada na conformação do seu conteúdo, restritivos da válida constituição de direitos ou de outras posições jurídicas a favor do utilizador. Abstraindo do controlo na fase de formação contratual, a tutela do aderente é realizada no plano do conteúdo das cláusulas contratuais gerais e - não no domínio do seu exercício.
Na verdade, a incompatibilidade com a boa fé não resulta, no campo das cláusulas contratuais gerais, das circunstâncias especiais da relação em que a cláusula é invocada, mas directamente da natureza e do conteúdo dessa mesma cláusula.
Sendo as cláusulas pré-formuladas, em abstracto, com vista à sua inserção numa generalidade de contratos a celebrar no futuro, os limites do seu conteúdo não pressupõem uma relação especial de que resultem, antes de fazem previamente sentir, condicionando, em geral, a sua válida constituição. De outro aspecto, tratando-se de uma aplicação uniforme das cláusulas a uma multiplicidade de contratos, dando corpo, na sua configuração mais saliente, a um fenómeno de massificação negocial, impõe-se, como mais ajustado, uma perspectiva niveladora, de consideração preferencial dos traços comuns e padronizados.
Os interesses a ponderar, para a fixação dos limites gerais da validade das cláusulas contratuais gerais, são os interesses típicos dos aderentes por elas normalmente afectados – não os interesses particulares dos sujeitos concretamente envolvidos numa dada relação.
A boa fé tem, portanto, neste domínio uma dimensão aplicativa específica: em vez de actuar - como norma basicamente comportamental – no interior de uma relação já constituída, modelando integrativa e restritivamente os procedimentos que as partes devem adoptar na fase da sua execução, neste plano, a boa fé incide directamente sobre as estipulações que se propõem determinar o conteúdo contratual. No domínio das cláusulas contratuais gerais, a boa fé traça, em abstracto, independentemente da conduta do utilizador, limites objectivos que ele tem imperativamente que observar como condição de eficácia das cláusulas por si introduzidas no contrato.
Quem predispõe condições gerais de contratos, reivindica para si, em exclusivo, no que respeita à conformação do conteúdo do contrato, a liberdade contratual; está, por isso, obrigado, segundo a boa fé, já na redacção das cláusulas, a considerar devidamente os interesses dos seus futuros parceiros contratuais; se fizer valer apenas os seus interesses abusa daquela liberdade.
Autonomizando-se, por completo, das condições concretas de inserção das cláusulas no contrato e das que, na fase executiva, rodeiam a sua invocação, o princípio da boa fé impõe, pela simples consideração objectiva da natureza intrínseca das cláusulas contratuais gerais, uma obrigação de atendimento, na formulação dos termos contratuais, dos interesses da contraparte, oferecendo-se, em simultâneo, como critério de valoração da sua observância: o dever de conter a prossecução das vantagens próprias nos limites do razoável, não resulta das especiais circunstâncias do contrato – mas, pura e simplesmente, de ter sido concluído por remissão para cláusulas contratuais gerais.
O vínculo da boa fé às cláusulas contratuais gerais justifica-se, portanto, pelas peculiaridades deste modo de contratar. Por força dele, os interesses dos aderentes ficam à mercê do utilizador pelo que, segundo a boa fé, deve tê-los minimamente em conta ao estipular termos negociais: o controlo do conteúdo é, justamente, a apreciação do modo como esse imperativo foi acatado, da forma como foram observados especiais limites de conformação decorrentes de uma especial situação de risco e de potencial danosidade para interesses dignos de tutela.
Assente a premissa de que a boa fé se opõe a uma conformação desmesuradamente desequilibrada dos termos das cláusulas contratuais gerais, há, necessariamente, que proceder à ponderação de interesses. Só que esta ponderação é levada a cabo de forma puramente objectiva, colocando em confronto a cláusula pré-disposta com um modelo normativo de uma justa composição de interesses, que dá a exacta medida da extensão e do significado do desvio.
Assim, o que se julga – numa perspectiva generalizadora, tendo em conta os interesses tipicamente envolvidos – é da razoabilidade, em termos objectivos, de estipulações que, em favorecimento de uma parte, se afastam do que corresponderia a uma equilibrada repartição de direitos e deveres. Assim, há que decidir, em primeiro lugar, se há razões plausíveis, do ponto de vista do interesses do utilizador, que justifiquem os termos clausulados; de seguida, há que apreciar o eventual impacto negativo desses termos na esfera da contraparte: os limites da tolerância ou do razoável são ultrapassados quando a disposição é de molde a causar, sem justificação atendível, prejuízos graves e desproporcionados ao aderente.
Esta ponderação e justificação relativa de vantagens e prejuízos, está, de resto, bem expressa, por exemplo, na al. g) do artº 19 da LCCG que, estabelecida para uma hipótese particular – justamente o pacto de competência – reflecte, afinal, um critério de alcance geral.
Se as cláusulas contratuais gerais, a partir da adesão, se constituem como componentes do conteúdo de um contrato, nem por isso perdem inteiramente o seu significado próprio de regras destinas a um emprego reiterado, com intuitos uniformizadores: na apreciação da sua validade devem, por essa razão, ser tratadas conforme o seu alcance generalizador. Transcendendo o quadro concreto de uma dada relação é neste horizonte alargado que devem ser contempladas e valoradas.
A valoração das cláusulas, a aferição da sua desarmonia com o princípio da boa fé e do seu carácter proibido deve ser endógena – i.e., é nas próprias cláusulas, nos riscos tipicamente conexos às suas características essenciais que se deve procurar a chave explicativa para a necessidade de protecção do aderente – e não exógena, quer dizer, a partir da prática exercida pelo seu utilizador numa ocasião específica.
A boa fé, enquanto instrumento e critério de controlo do conteúdo das cláusulas contratuais gerais, que dá corpo a autênticas normais gerais de proibição de conteúdos, não regula o modo de exercício do direito, e genericamente, a conduta relacional do utilizador – antes é chamada como instrumento operativo e meio auxiliar da própria fixação do conteúdo admissível de cláusulas contratuais gerais, ou seja, directamente, como norma de limitação da liberdade contratual – e não do exercício dos direitos que dela resultam.
O imediato ponto de incidência da boa fé – repete-se - é a estipulação contratual, em si mesma, tendo em conta as suas potencialidades aplicativas em abstracto – e não o uso que, no caso concreto, dela tenha efectivamente sido feito pelo utilizador: a conduta regulada pela boa fé, neste plano, é a própria formulação das cláusulas contratuais gerais.
É esta razão que explica que, por exemplo, uma cláusula formulada em termos demasiado amplos, excedendo os limites legais, é nula, ainda que o utilizador faça dela um uso limitado, que caberia dentro do admissível. O que conta, na repartição dos riscos, são os danos potenciados, não os prejuízos concretamente realizados. Assim, uma cláusula com um conteúdo excessivamente indeterminado, facultando aproveitamentos arbitrários, é proibida, sendo irrelevante que, no caso em espécie, tal se não verifique.
Realmente, se se deve atender apenas à conformação objectiva do conteúdo da cláusula então é meramente consequencial a irrelevância, neste plano, a conduta contratual concreta do utilizador.
Todas as contas feitas, pode, portanto, assentar-se nisto: a boa fé é chamada, no plano das cláusulas contratuais gerais, como instrumento operativo e meio auxiliar da própria fixação do conteúdo admissível das cláusulas contratuais gerais. O seu imediato ponto de incidência é a estipulação contratual, em si mesma, tendo em conta as suas potencialidades aplicativas em abstracto – e não o uso que, no caso concreto, dela tenha efectivamente sido feito pelo utilizador: a conduta regulada pela boa fé, neste plano, é a própria formulação das cláusulas contratuais gerais, impondo limites de validade a respeitar, em função da tutela dos interesses dos aderentes[31]. Vinca-se, justamente, este ponto, dado que ele torna irrelevantes todas as alegações do recorrente que têm por finalidade demonstrar o uso razoável que, na contratação concreta, tenha feito ou se proponha fazer das cláusulas que predispôs.
A primeira grande categoria de cláusulas proibidas relevantes diz respeito aos contratos de adesão, bilateral e subjectivamente mercantis – rectius, aos contratos celebrados entre empresários (artºs 17 a 19 da LCCG). Estas proibições aplicam-se igualmente nas relações com consumidores finais (artº 17 da LCCG).
As cláusulas proibidas repartem-se em duas classes ou tipos: as cláusulas absolutamente proibidas e as cláusulas relativamente proibidas (artºs 18 e 21 e 19 e 22, respectivamente, da LCG).
As cláusulas absolutamente proibidas, previstas no artº 18 da LCCG podem separar-se, de harmonia com a sua natureza ou finalidades subjacentes, em três grupos essenciais: cláusulas relativas à exclusão ou limitação de responsabilidade; cláusulas relativas ao cumprimento de obrigações contratuais e cláusulas de finalidade heterogénea. As cláusulas absolutamente proibidas, enumeradas no artº 21 da LCG podem obedecem a duas categorias: cláusulas relativas aos direitos e deveres contratuais e cláusulas relativas às garantias do consumidor
Incluem-se no grupo das cláusulas absolutamente proibidas, relativas à exclusão ou limitação de responsabilidade, nomeadamente, as que excluam ou limitem, de modo directo ou indirecto, a responsabilidade por não cumprimento definitivo, mora ou cumprimento defeituoso, em caso de dolo ou de culpa grave; entre as cláusulas absolutamente proibidas, relativas a garantias do consumidor, contam-se as que alterem as regras respeitantes à distribuição do risco (artºs 18 c) e 21 f) da LCCG).
 As cláusulas relativamente proibidas, elencadas no artº 19 da LCCG, podem, por sua vez, ordenar-se funcionalmente em três grupos fundamentais: cláusulas relativas a prazos; cláusulas relativas à formação e efeitos contratuais e cláusulas relativas à atribuição de poderes jurídicos.
Entre as cláusulas relativamente proibidas relativas à atribuição de poderes jurídicos conta-se, designadamente as que estabeleçam um foro competente que envolva graves inconvenientes para uma das partes, sem que os interesses da outra o justifiquem; o grupo das cláusulas relativas à formação e efeitos do contrato compreende, nomeadamente, as que consagrem cláusulas penais desproporcionadas aos danos a ressarcir (artº 19 g) e c) da LCCG).
Todavia, dado o carácter meramente relativo da proibição, a valoração necessária à concretização da proibição, ainda que surja a propósito de contratos singulares, não deve ser efectuada de forma casuística – mas abstracta. O juízo valorativo é realizado em face das próprias cláusulas em si, consideradas no seu conjunto - e não a partir dos negócios concretos – e de acordo com os padrões considerados. Assim, em face de um formulário de contrato de seguro deve ponderar-se se a cláusula é abusiva, tendo em conta este tipo de contrato e não aquele contrato concreto[32].
Dito doutro modo: a concretização da proibição deve operar, tendo como referente, não o contrato ou contratos singulares, mas o tipo de negócio em causa e os elementos que normativamente o concretizam, no interior do todo do regulamento contratual genericamente predisposto[33]. É este, patentemente, o sentido da referência legal ao quadro negocial padronizado (artº 19, corpo, da LCCG).
Nestas condições, para que se conclua pelo carácter proibido da cláusula, há que contrapor o interesse que por ela é assegurado ao predisponente ao interesse do aderente tipicamente afectado por ela: se a composição dos interesses resultantes da conformação do contrato, considerado no seu todo, e tendo em conta o tipo contratual em causa, não obedecer a uma regra de concordância prática, dada pelo princípio regulativo da proporcionalidade, antes evidenciando, em detrimento da contraparte do utilizador, um desequilíbrio desrazoável, deve assentar-se na violação do escopo da norma de proibição.
À luz destes parâmetros, deve ter-se por nula, por violação da proibição apontada, por exemplo, a cláusula de convenção de competência, incluída em contrato de locação financeira, predisposta por um banco, em que atribui competência ao tribunal da Comarca de Lisboa para apreciar as questões sobre as quais as partes celebraram a convenção, por perturbar, de forma desrazoável, o equilíbrio de interesses, em prejuízo da contraparte do utilizador[34].
Na espécie sujeita, não oferece dúvida que os contratos de aluguer, através dos quais a recorrida prossegue o seu objecto social, são concluídos – como, aliás, é comum - na base de cláusulas contratuais gerais e que neles se incluem as cláusulas que a sentença impugnada foi terminante em declarar proibidas e, consequentemente, nulas.
Resta saber – por recurso ao pecúlio das considerações expostas – se um tal julgamento é juridicamente exacto.
3.5. Concretização.
3.5.1. Cláusula 12ª.
Esta cláusula regula a imobilização temporária do veículo objecto mediato do contrato de aluguer, por avaria mecânica ou acidente ou qualquer causa, desvinculando o locador da obrigação de substituir o bem mas não o locatário de pagar o aluguer.
Na sua configuração objectiva, a cláusula liberta, por inteiro, o locador da sua obrigação de proporcionar o gozo da coisa ao locatário e da sua responsabilidade pelos vícios do bem locado ou do direito - maxime nos casos em que o facto que impede o gozo do bem proceda de dolo ou culpa grave sua – e exclui o direito do locatário a opor a exceptio do não cumprimento e a promover resolução do contrato por não cumprimento ou por mau cumprimento ou cumprimento defeituoso.
Tal cláusula deve, por isso, ter-se por absolutamente proibida e, portanto, por nula (artºs 18 c) e f) da LCCG)[35].
3.5.2. Cláusula 16ª.
Esta cláusula tem por objecto o direito do locador no caso de extinção, por caducidade, com fundamento na perda ou destruição total do veículo locado, do contrato de aluguer. Por força da convenção correspondente, o locador tem o direito de exigir do locatário, naquele caso, uma indemnização igual a 80% do valor da indemnização recebida do segurador do veículo e do valor das rendas vincendas, no momento que em que se dá a caducidade, com aquele fundamento, do contrato.
Esta cláusula produz este efeito material fundamental: inverte a regra de distribuição do risco que, em vez de correr por conta do locador, proprietário da coisa locada, passa a correr, por inteiro, por conta do locatário, sem ressalvar o direito deste a demonstrar que a perda ou destruição total do bem locado não lhe é imputável, não procede de culpa sua.
Esta cláusula, ainda que só por essa razão, deve ter-se por absolutamente proibida e, como tal nula (artº 21 f) da LCCG)[36].
3.5.3. Cláusula 17ª.
Esta cláusula regula os direitos do locador no caso de rescisão, rectius, de resolução do contrato de aluguer com fundamento no seu não cumprimento pelo locatário, reconhecendo-lhe o direito a exigir uma indemnização igual a 80% das rendas vincendas, as rendas vencidas e não pagas, acrescidas de juros de mora à taxa legal, e o custo da reparação das avarias ou danos apresentados pelo veículo locado.
A cláusula tem, nitidamente, a natureza de cláusula penal.
Já se fez notar que a locação de veículo automóvel não tem, no caso, uma vincada natureza financeira, embora seja por esse prisma que ele é encarado pelo locador, o que explica que o bem cujo gozo cede ao locatário lhe interesse pela sua capacidade de realização pecuniária.
     Do mesmo modo, já se sublinhou a licitude da estipulação de cláusulas penais para o caso de resolução, por incumprimento, da locação. Todavia, tais cláusulas não podem conduzir a impossibilidades jurídicas como sucede quando se pretende cumular a resolução com o imediato cumprimento do contrato - supostamente extinto por essa mesma resolução. O problema não se resolve, evidentemente, com uma remodelação vocabular: chamar indemnização ao cumprimento.
     Na sua actuação, aquela cláusula excluiu a existência de uma resolução em sentido técnico. A resolução pressupõe uma destruição retroactiva do contrato, ainda que, eventualmente, com ressalva de alguns efeitos já produzidos. Não faz sentido exigir o pagamento de rendas correspondentes a um gozo locativo que não mais pode ter lugar. Resolvido o contrato é possível computar indemnizações – mas não a própria prestação contratual vincenda. Ora, o pagamento de prestações vincendas só no próprio contrato resolvido podia ter a sua fonte. Este não foi, pois, resolvido, antes subsiste ainda que com outro conteúdo.
     Através da cláusula discutida, o locador obtém um efeito quase igual àquele que obteria com o simples cumprimento do contrato. Do ponto de vista do locatário, aquela cláusula força-o a esforço económico quase igual àquele que despenderia com o cumprimento do contrato, sem que lhe seja disponibilizado o gozo da coisa. O locador fica com quase tudo: com o bem locado – embora deva reconhecer-se que a restituição deste bem não tem uma finalidade ressarcitória - com os alugueres vencidos, pagos e não pagos, e com 80% do valor dos vincendos; a tudo isto acresce ainda o custo da reparação de qualquer avaria ou dano patenteado pelo veículo, ainda que essa deterioração seja inerente a uma prudente utilização do bem locado, em conformidade com o fim do contrato – e o valor da caução prestada pelo locatário na fase inicial da execução do contrato.
     Esta cláusula, tendo em conta o quadro contratual padronizado – portanto, independentemente do contrato concreto em que se insere – é nitidamente desproporcionada em relação aos danos a ressarcir. De facto, por definição, ela não atende à situação patrimonial do locador, antes e depois do incumprimento, procurando colmatar a diferença, como actua uma simples obrigação de indemnizar, antes se limita a atribuir, ad nutum, um valor locativo, que não encontra qualquer justificação numa concessão de gozo. A cláusula será tanto mais desproporcionada quanto mais cedo, na execução do contrato, se verificar a extinção dele por resolução.
Note-se que o problema do pagamento dos alugueres vincendos, após a resolução do contrato, não deve ser assimilado à questão do ressarcimento, depois da resolução, do chamado interesse positivo ou de cumprimento.
     Ao credor é lícito cumular, com a resolução do contrato bivinculante, o pedido de indemnização, sendo-lhe ainda autorizado, se já tiver realizado a sua prestação, exigir a restituição dela por inteiro (artºs 798 e 801 nº 2 do Código Civil).
      Problema particularmente espinhoso é o de saber se o ressarcimento pós-resolutório, compreende o chamado interesse positivo ou de cumprimento ou se limita ao denominado interesse negativo, i.e., aos danos que o credor não teria sofrido se não tivesse celebrado o contrato. Na verdade, uma orientação tradicional entende que, resolvido o contrato, a parte lesada apenas tem direito a ser indemnizada do dano da confiança – quer o credor tenha ou não efectuado a sua prestação: uma vez que o credor não quer mais o contrato, a indemnização deve compensá-lo apenas das desvantagens sofridas com a conclusão do contrato. Uma orientação mais recente entende, contudo, que a parte lesada é confrontada com a resolução não por livre opção, mas pelo incumprimento da outra parte: a indemnização deveria, por isso, ser calculada nos termos gerais, abrangendo danos emergentes e lucros cessantes. A indemnização teria por escopo colocar o credor resolvente na situação em que estaria se o contrato tivesse sido cumprido e, portanto, deve atender a todos os danos; o interesse positivo seria, também, contemplado[37].
      No caso da locação, também assim seria: o locador confrontado com o incumprimento, ficaria na situação de poder resolver o contrato e, resolvendo-o, teria direito a uma indemnização que atendesse a todos os danos: a indemnização compreenderia, por isso, o interesse positivo.
      Todavia, o vencimento de alugueres depois da resolução do contrato e, portanto, a obrigação do locatário de pagar os alugueres vincendos é coisa inteiramente diferente: a exigência dos alugueres vincendos postula o funcionamento do contrato, indo muito para além dos danos sofridos pelo locador. Numa palavra: pretender o pagamento de alugueres vincendos transcende mesmo o interesse contratual positivo.
      Admitindo-se uma indemnização pelo interesse contratual positivo, ainda assim não há razão material que justifique o pagamento de alugueres vincendos. O pagamento destes só faz sentido enquanto o locatário tiver o gozo da coisa - e enquanto o tiver. Tendo a resolução posto termo a esse gozo, não há fundamento para lhe exigir o pagamento de alugueres vincendos.
      A indemnização pelo interesse contratual positivo exige, no seu cálculo, o recurso às regras específicas da responsabilidade civil, designadamente à teoria da diferença (artº 566 nº 2 do Código Civil). A indemnização assim calculada ficaria sempre aquém dos alugueres vincendos, uma vez que estes são descontados do valor locativo da coisa.
      Também esta cláusula se deve ter por proibida e, correspondentemente, por nula (artº 19 c) da LCCG)[38].
      3.5.4. Cláusula 22ª.
      Esta cláusula tem por objecto o pacto de competência ou pactum de foro prorrogando e elege como tribunal competente, ratione loci, para a resolução dos conflitos conexos com o contrato, o da comarca de Lisboa.
No tocante à designação da questão ou questões a que se refere, a convenção é puramente genérica, dado que é feita pela simples referência ao acto jurídico de que as questões emergem: o contrato de aluguer, de que o pacto constitui parte integrante.
Em face do seu teor literal – qualquer litígio emergente do contrato – é claro e cristalino que o foro convencional compreende e toda e qualquer questão, todo e qualquer litígio que emirja do contrato, e, portanto, tanto os conflitos decorrentes da sua celebração como os da sua execução e da sua cessação.
Como é comum, o critério que presidiu à escolha do tribunal competente é evidente e assenta no facto de o recorrente ter centralizados, na circunscrição territorial daquele tribunal, os seus serviços, designadamente os de carácter jurídico.
É claro que a convenção serve os seus interesses – mas só os seus interesses e nunca os da contraparte – os locatários – que, como se diz na matéria de facto, são dos mais variados pontos do país. A cláusula, na sua configuração objectiva, é de todo insensível aos interesses dos futuros parceiros contratuais. A convenção permite uma prossecução maximalista dos interesses do recorrente, com desconsideração dos interesses do aderente – que serão sempre forçados a litigar no tribunal seleccionado pelo apelante – segundo um critério escolhido, de forma inteiramente egoística, pelo apelante.
Os termos da cláusula, na sua conformação objectiva, provocam um impacto negativo na esfera da contraparte, causando-lhe, sem justificação atendível – i.e., sem razões plausíveis do ponto de vista do utilizador - prejuízos graves e desproporcionados. Por força daquela cláusula – e tendo em conta as suas potencialidades aplicativas em abstracto – a apelante fica em posição de utilizar em seu benefício exclusivo, a paridade aparente da convenção de competência, dado que, em última extremidade, lhe permite, sempre, litigar no tribunal que lhe é mais conveniente, e portanto, importa uma lesão desproporcionada dos interesses dos parceiros com quem vai entrar em relação.
Nem vale a pena argumentar, como faz o recorrente, com o propósito de minimizar os patentes inconvenientes para o aderente da convenção, com o instituto do apoio judiciário e com a generalização dos meios telemáticos electrónicos de comunicação em tempo real. De um aspecto, porque o apoio judiciário não compreende todas as despesas que ao aderente se vê forçado a realizar por litigar no tribunal escolhido pelo recorrente – v.g., com as suas despesas de deslocação, alojamento, alimentação, etc. Aliás, recaindo os encargos com o apoio judiciário sobre a comunidade, por que razão deverão ser os contribuintes a suportar as despesas determinadas, em última extremidade, pela escolha pelo recorrente – orientada por um evidente escopo de lucro – de um tribunal que só serve os seus interesses? De outro, porque o argumento é, por inteiro, reversível. Pela sua natureza, pela sua clara superioridade económica e organizativa e pelo seu mais fácil acesso a novas tecnologias de comunicação, é o recorrente que dispõe de melhores condições para litigar em tribunal sediado em local diverso daquele em que centralizou os seus serviços. É claro que isso lhe trará um aumento de custos, mas também é evidente que em última análise quem os suportará são os aderentes em cujo património o recorrente não deixará, decerto, de os repercutir.
De resto, seria deveras desrazoável que a sofisticação dos meios financeiros, humanos e técnicos lhe servisse apenas para, como predisponente, assegurar uma regulamentação contratual exaustiva e adequada exclusivamente aos seus próprios interesses, desconsiderando os do aderente que se encontra amiúde numa situação de desprotecção e de desigualdade fáctica e que é colocado diante de modelos ou formulários contratuais supinamente minuciosos e técnicos – escritos, as mais das vezes, em letras de cor e caracteres de leitura difícil – para que, frequentemente, não dispõe do tempo, da vontade ou até das competências técnicas para se aperceber do significado e do alcance de boa parte desse clausulado.
A cláusula favorece, portanto, justamente a parte que dispõe de melhores condições de litigância, tornando ainda mais vulnerável a posição da contraparte aderente que, de resto, normalmente, não prefigura os aspectos patológicos da relação contratual, fiado em que tanto ele como o predisponente cumprirão, em qualquer caso, as obrigações emergentes do contrato.
A cláusula viola, por isso, a boa fé e, portanto, é irremissivelmente nula (artºs 15 e 19 g) da LCCG)[39].
Nestas condições, ao declarar tal nulidade das cláusulas apontadas e ao impor ao recorrente a proibição de as utilizar em contratos futuros e, bem assim, o dever de dar publicidade, a expensas suas, a essa proibição[40], a sentença apelada mostra-se juridicamente exacta (artº 30 nº 2 da LCCG e 11 nº 3 da Lei de Defesa do Consumidor – Lei nº 24/96, de 31 de Julho, alterada, por último, pelo DL nº 67/2003, de 8 de Abril).
Aquela publicidade não prejudica, naturalmente, a do registo das cláusulas contratuais abusivas no serviço público adequado (artº 35 nºs 1 e 2 da LCCG e Portaria nº 1093/95, de 6 de Setembro).
Não é necessário prodigalizar mais considerações para mostrar que, realmente, o recurso não merece provimento.
Duas palavras mais para dar cumprimento ao ingrato e insólito dever de sumariar o acórdão que a lei impõe ao juiz relator (artº 713 nº 7 do CPC)[41].
A retórica argumentativa do acórdão, de que se extrai a solução de improcedência do recurso, pode sintetizar-se nesta proposição simples: são proibidas, e portanto, nulas – por violação dos artºs 18 c) e f), 21 f), 19 c) e 19 g) - as cláusulas contratuais gerais, insertas em contrato de aluguer de veículos automóvel, nas quais se convencione que, em caso de imobilização temporária do bem locado, por avaria mecânica, acidente ou outra causa, o locador fica desvinculado da obrigação de substituir o bem mas não o locatário de pagar o aluguer, que, no caso de caducidade do contrato, por perda do bem, o locador tem direito a uma indemnização igual a 80% da diferença entre a indemnização recebida do segurador e o valor das rendas vincendas, que, no caso de resolução do contrato, por incumprimento do locatário, este fica vinculado ao pagamento de uma indemnização igual a 80% das rendas vencidas, acrescida das rendas vencidas, dos juros e do custo da reparação dos danos apresentados pelo bem locado, e que o tribunal competente para a resolução de qualquer litigio emergente do contrato é o da Comarca de Lisboa, respectivamente.
Apesar de sucumbir no recurso, o recorrente não deverá satisfazer as respectivas custas, dado que o processo está objectivamente delas isento (artº 29 nº 1, in fine, da LCCG).


4. Decisão.
Pelos fundamentos expostos, nega-se provimento ao recurso.
Sem custas.

Lisboa, 20 de Janeiro de 2011

Henrique Antunes
Ondina Carmo Alves
Maria da Luz Borrero Figueiredo
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[1] Acs. do STJ de 16.10.86, BMJ nº 360, pág. 534 e da RC de 23.3.96, CJ, 96, II, pág.24.
[2] Cfr. Ac. do STJ de 22.2.94, CJ STJ, 94, I, pág. 124.
[3] Conduta que, de resto, tolheria, no tocante à impugnação do julgamento que teve por objecto aquelas cláusulas, a legitimidade ad recursum do recorrente (artº 680 nº 1 do CPC). Apesar de, como regra aquele pressuposto específico de admissibilidade do recurso dever ser apreciado segundo um critério material – de harmonia com o qual tem legitimidade para recorrer a parte para a qual a decisão foi desfavorável ou não foi a mais favorável que podia ser, qualquer que tenha sido o seu comportamento na instância recorrida e independentemente dos pedidos que nela formulou – há casos em que é pelo critério puramente formal que tal legitimidade deve ser aferida. É o que sucede quando esta legitimidade não pode abstrair dos pedidos formulados ou da conduta da parte, sendo totalmente irrelevante o prejuízo que a decisão lhe provoque. Isto ocorre, justamente, quando a decisão recorrida é coincidente com a conduta da parte na instância recorrida. Na espécie sujeita, tendo o recorrente confessado abertamente a nulidade das cláusulas apontadas – o que fez com que a sentença impugnada cumprisse com maior leveza o ónus da fundamentação que a vinculava – não deveria reconhecer-se-lhe, em homenagem à relevância que é concedida à autonomia privada em processo civil e à responsabilidade que lhe está inextrincavelmente associada, legitimidade para recorrer.
[4] Acs. da RL de 02.07.09 e de 10.04.08 e do STJ de 20.01.10, www.dgsi.pt.
[5] Almeida Costa, Noções de Direito Civil, 2ª edição, Coimbra, 1985, pág. 213.
[6] Acs. da RL de 01.04.04 e 06.12.07, www.dgsi.pt.
[7] Trata-se, assim, de um processo abstracto de controlo, que por efeito directo a proibição do utilizar incluir em futuros contratos singulares as cláusulas objecto da proibição, de modo a que futuros parceiros contratuais do utilizador não cheguem a ser confrontados com cláusulas aparentemente válidas: Cfr. Almeno de Sá, Cláusulas Contratuais Gerais e Directiva sobre Cláusulas Abusivas, 2ª edição (Reimpressão), Almedina, Coimbra, 2005, págs. 78 e 79.
[8] Não parece, porém, que haja aqui uma responsabilidade objectiva, visto que o locatário, visto que este responde em caso de culpa na sua actuação ou por acto de terceiro a quem ele permitiu a utilização da coisa, ou seja, por culpa in eligendo ou in vigilando. Neste sentido, Pedro Romano Martinez, Direito das Obrigações (Parte Especial), Contratos, Compra e Venda, Locação Empreitada, 2ª edição, Livraria Almedina, Coimbra, 2003, pág. 204 nota (1); contra Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, volume II, 4ª edição, Coimbra Editora, 1997, págs. 381.
[9] A locação financeira também é vulgarmente conhecida como leasing. Tais expressões são muitas vezes utilizadas indistintamente, muito embora descrevam, em bom rigor, operações jusmercantis apenas parcialmente coincidentes: relembre-se que, na prática dos negócios, o leasing pode ser financeiro ou operacional. Cfr. Morais F. Gravato, Manual de Locação Financeira, Almedina, Coimbra, 2006, págs. 44 e ss.
[10] A locação financeira é de origem anglo-saxónica (Norte-americana), sendo conhecida como leasing. Ela expandiu-se na Europa a partir dos anos 60, seja na base da pura prática, desenvolvida ao abrigo da autonomia privada, seja apoiada em diplomas legais específicos. Em Portugal, foi consagrada pelo DL nº 171/79, de 6 de Junho. A locação financeira constitui um exemplo acabado da multifuncionalidade dos instrumentos jurídicos clássicos. Na verdade, no leasing, verifica-se que o velho tipo contratual da locatio-conductio é utilizado com puros fins de financiamento: proporcionar ao locatário financeiro um bem que ele ainda não pagou, mas que irá pagando à medida que ele for produzindo. A locação financeira funciona, assim, como alternativa ao mútuo bancário. Cfr. Diogo Leite de Campos, A Locação Financeira, 1994, pág. 25 e ss., José Maria Pires, Direito Bancário, II vol., págs. 251 e ss., Romano Martinez, Fuzeta da Ponte, Garantias do Cumprimento, 1994, págs. 82 e ss., Pedro Romano Martinez, Contratos Comerciais, págs. 60 a 63, Rui Pinto Duarte, Escritos Sobre Leasing e Factoring, págs. 28 a 30.
[11] Esta trilateralidade da locação financeira só se verifica na sua modalidade normal e não, claro, na locação financeira restitutiva, em que o bem é adquirido não a um fornecedor, mas ao próprio locatário. A locação financeira restitutiva – comummente designada por lease-back – consiste justamente na operação através da qual o proprietário de um bem o vende a uma instituição creditícia ou financeira a qual, seguidamente, mediante um contrato de locação financeira, cede o respectivo gozo ao vendedor. Cfr. A. Morais Antunes, O Contrato de Locação Financeira Restitutiva, UCE, 2008.
[12] Muitas vezes a locação financeira obriga a celebrar outros contratos – v.g. seguros e garantias. Neste sentido, a locação financeira é como um núcleo apto a suportar os fenómenos da união de contratos e dos contratos mistos. Tomando-a na sua globalidade, a locação financeira é um contrato oneroso, sinalagmático, bivinculante, temporário - mas originando relações duradouras, e de feição financeira. Cfr. António Menezes Cordeiro, Manual de Direito Bancário, 1998, págs. 551 a 557.
[13] Pedro Romano Martinez, Contratos Comerciais, cit., pág. 61 e Menezes Cordeiro, Manual de Direito Bancário, cit., pág. 552.
[14] Pedro Pais de Vasconcelos, Contratos Atípicos, Almedina, Coimbra, 1995, págs. 245 e 246; Acs. do STJ de 08.04.10 e 14.05.09, www.dgsi.pt.
[15] Teresa Anselmo Paz, in Revista de Direito do Consumo, nº 14, págs. 125 e 126. Gravato de Morais – Contratos de Crédito ao Consumo, Almedina, Coimbra, 2007, pág. 57 – salienta igualmente que o contrato de aluguer de longa duração pode conter uma promessa (unilateral ou bilateral) de venda ou até uma proposta irrevogável de venda inserida na própria locação.
[16] Paulo Duarte, Algumas questões sobre o ALD, Estudos de Direito do Consumidor, Centro de Direito do Consumo, nº 3, 2001, págs. 301 e ss. Em sentido próximo, Carlos Ferreira de Almeida – Contratos II, Conteúdo, Contratos de Troca, Almedina, Coimbra, 2007, pág. 219 – sustenta que os contratos que, na prática portuguesa, vêm sendo denominados como ALD, se reconduzem, na generalidade, a contratos de locação financeira que só não são como tal designados para evitar, em fraude à lei, a aplicação das normas imperativas do regime do contrato de locação financeira, designadamente o artº 23 do DL nº 149/95, de 24 de Junho, que proíbe a celebração habitual de contratos similares.
[17] Acs. do STJ de 08.04.10 e 14.05.09 e da RP de 25.03.10, www.dgsi.pt. Contra, negando a aplicabilidade, a esta figura contratual, das normas contidas no DL nº 354/86, de 23 de Outubro, cfr. o Ac. do STJ de 23.06.05, www.dgsi.pt.
[18] Acs. do STJ de 08.04.10 e 14.05.09, www.dgsi.pt.
[19] Assim, por exemplo, a jurisprudência admite como lícita a exigência de restituição dos equipamentos e o pedido de pagamento de rendas vencidas e não pagas acrescidas de juros de mora. Acs. do STJ de 09.03.93, CJ, STJ, I, II, pág. 8, da RP de 28.09.93, CJ, XVIII, IV, pág. 215, de 23.11.93, CJ, XVIII, V, pág. 225 e da RL de 03.02.94, CJ, XIX, I, pág. 118. Não admite, porém, que a taxa de juro se eleve a 27%: Ac. da RL de 24.02.94, CJ, XIX, I, pág. 137. Em contrapartida entende-se, de um modo geral, que não é legítima a cobrança de prestações vincendas: Acs. da RL de 13.03.90, CJ, XV, II, pág. 129, da RL de 19.03.92, CJ, XVII, III, pág. 178 e do STJ de 18.03.95, CJ, STJ, III, II, pág. 94.   No tocante especificamente às cláusulas penais, designadamente à cláusula que prevê uma indemnização correspondente a 20% das prestações vincendas e do valor residual, a jurisprudência maioritária admite a sua validade: Acs. do STJ de 09.03.93, CJ, STJ, XVIII, II, pág. 10, da RP de 28.09.93, CJ, XVIII, IV, pág. 216 e de 23.11.93, CJ, XVIII, V, pág. 230, e da RL de 20.05.03 e 15.12.05, www.dgsi.pt.; contra, Ac. da RL de 03.02.94, CJ, XIX, I, pág. 119: após a resolução, já não há contrato que legitime percentagem de prestações vincendas, enquanto a sua exigência é excessiva. Entende-se igualmente que não é desproporcional a cláusula penal de 20% sobre o somatório das rendas vencidas com o valor residual: Ac. do STJ de 07.06.05, www.dgsi.pt. Em contrapartida, a jurisprudência recusa dominantemente a admissibilidade de cláusulas penais que permitem ao locador cumular a restituição do bem locado com o recebimento da totalidade das prestações vincendas, ou seja, ganhar mais com o incumprimento do que com o normal cumprimento do locatário: cfr., José A. Engrácia Antunes, Direito dos Contratos Comerciais, Almedina, Coimbra, 2009, pág. 520, nota 1007. Está nessas condições, por exemplo, a cláusula em que se prevê, como indemnização complementar, o pagamento de todas as prestações vincendas. Entende-se que tal conjunção não é possível: resolvido o contrato, não faria sentido pedir o pagamento de prestações vincendas, como se a resolução não tivesse tido lugar: Acs. da RC de 23.11.93, CJ, XVIII, V, pág. 38, da RL de 13.03.90. CJ, XV, II, pág. 129 e de 19.05.92, CJ, XVIII, III, pág. 78, do STJ de 05.07.94, 28.05.02, 05.11.02, www.dgsi.pt, e de 02.05.02, CJ, STJ, V, II, pág. 43, e da RP de 17.02.09. Note-se as cláusulas que, em caso de resolução, por falta de pagamento da renda, permitem ao locador reaver o bem locado, reter as prestações pagas pelo locador e manter o direito ao integral pagamento das restantes como se o contrato ainda vigorasse, ou uma percentagem elevada dessas rendas eram frequentes já nos anos sessenta e setenta do século passado, noutras ordens jurídicas, como a francesa, cuja doutrina, perante o seu carácter draconiano e com o fito de combater o abuso e a flagrante injustiça a que conduziam ensaiou, sem êxito, diversas propostas de solução. Cfr., António Pinto Monteiro, Cláusula Penal e Indemnização, Almedina, Coimbra, 1990, pág. 726, nota 1626.
[20] Ac. do STJ de 07.03.06, www.dgsi.pt.
[21] Vaz Serra, Pena Convencional, BMJ nº 67, págs. 185 a 243.
[22] António Pinto Monteiro, Cláusula Penal e Indemnização, Almedina, Coimbra, 1990, pág. 602 e Nuno Manuel Pinto de Oliveira, Cláusulas Acessórias ao Contrato, Cláusulas de Exclusão e de Limitação do Dever de Indemnizar e Cláusulas Penais, 3ª edição, Almedina, Coimbra, 2008, págs. 73 a 78; Acs. do STJ de 18.11.97, BMJ nº 471, pág. 380 e 09.02.99, CJ, STJ, VII, I, pág. 97. Mais rigorosamente, distingue-se, designadamente, a cláusula penal de fixação antecipada da indemnização – que visa liquidar, antecipadamente, de modo ne varietur o dano futuro – a cláusula penal puramente compulsória – convencionada como um plus, como algo que acresce à execução específica da prestação ou á indemnização pelo não cumprimento – e a cláusula penal em sentido estrito – que visa compelir o devedor ao cumprimento através da cominação de outra prestação, que o credor terá a faculdade de exigir, em vez da primeira, a título sancionatório, caso o devedor se recuse a cumprir e que substituirá a indemnização. Apenas a primeira espécie coincide com a definida na lei (artº 810 nº 1 do Código Civil). A qualificação de uma concreta cláusula penal, assenta na intencionalidade das partes ao convencioná-la, do interesse prático que com ela visam acautelar, enfim, da finalidade prosseguida pelas partes.
[23] António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, I, Parte Geral, Tomo I, 2ª edição, Almedina, Coimbra, 2000, págs. 532 e 533.
[24] Antunes Varela, J. Miguel Bezerra, Sampaio e Nora, Manual de processo Civil, 2ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 1985, pág. 224 e Miguel Teixeira de Sousa, A Competência Declarativa dos Tribunais Comuns, Lisboa, Lex, 1994, pág. 109.
[25] Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. 1º, 2ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 1969, págs. 303 e 304
[26] Sobre o exacto âmbito desta regra de competência relativa em razão do território, por comparação com o direito anterior, cfr. José Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Volume 1º, Coimbra Editora, 1999, págs. 145 e 146.
[27] O artº 110 nº 1 a), com esta dimensão normativa não foi julgado, pela jurisprudência constitucional, como constitucionalmente impróprio: Acs. do TC nºs 691/96 e 60/2007, www.tribunalconstitucional.pt.
[28] José Manuel de Araújo Barros, Cláusulas Contratuais, Coimbra Editora, 2010, pág. 294 e Acs. da RL de 14.04.08 e 12.11.09, www.dgsi.pt.
[29] Almeno de Sá, Cláusulas Contratuais, cit., pág. 256 e Ac. da RP de 21.10.93, BMJ nº 430, pág. 510.
[30] Oliveira Ascensão, Cláusulas Contratuais Gerais, Cláusulas Abusivas e Boa-Fé, in: ROA, 60, 2000, págs. 573 a 595 e Luís Mascarenhas, A Boa Fé no Direito Comercial – Natureza e Algumas Incidências da “Cláusula Geral”, in: AAVV “Temas de Direito Comercial”, Almedina, Coimbra, 1986, págs. 177 a 205.
[31] Joaquim de Sousa Ribeiro, O Problema do Contrato, As Cláusulas Contratuais Gerais e o Princípio da Liberdade Contratual, Almedina, Coimbra, (Reimpressão), 2003, págs. 562 e 563.
[32] António Menezes Cordeiro, Manual de Direito Comercial, Almedina, Coimbra, 1998, pág. 437.
[33] Almeno de Sá, Cláusulas, cit., pág. 259 e, v.g., Acs. da RL de 10.04.08, www.dgsi.pt e da RP de 21.11.93, CJ, V, pág. 225
[34] Acs. da RL de 10.04.08. No mesmo sentido, no tocante a outros contratos bancários, os Acs. da mesma Relação de 12.11.09 e de 15.05.03, www.dgsi.pt.
[35] Acs. da RL de 10.04.08 e do STJ de 19.09.06, www.dgsi.pt.
[36] Acs. do STJ de 19.09.06 e da RL de 02.07.09.
[37] Paulo Mota Pinto, Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo, vol. II, Coimbra, 2008, págs. 1604 e ss.
[38] Acs. da RL de 10.04.08 e 12.12.09, www.dgsi.pt.
[39] Acs. da RL de 10.04.08 e 12.12.09, www.dgsi.pt.
[40] Publicidade que, de harmonia com a doutrina que se tem por preferível é actualmente obrigatória, não estando, por isso, na dependência de iniciativa do autor. Neste sentido, Almeno de Sá, Cláusulas, cit., págs, 119 e 120, nota 170 e o Ac. da RL de 12.11.09, www.dgsi.pt.
[41] Cfr., para uma apreciação crítica – fundada – desta solução da lei, Lopes do Rego, A Reforma dos Recursos em Processo Civil, in As Exigências do Processo Civil, Associação Jurídica do Porto, pág. 248 e António Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Novo Regime, Almedina, Coimbra, 2007, págs. 300 e 301. De resto, esta exigência pode revelar-se uma fonte de embaraços, como sucederá, por exemplo, no caso de haver contradição entre o sumário e o conteúdo do acórdão. Regra geral, a solução do problema não oferece dificuldades, mas poderá mostrar-se espinhosa, tratando-se de acórdão de uniformização de jurisprudência, tirado no recurso ordinário ampliado de revista ou no recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência, dado o seu carácter de recursos uniformizadores (artºs 732-A, 732-B nº 5 e 770 nº 1 do CPC). Problema de solução difícil é também o saber se o relator se encontra adstrito do dever se sumariar no caso de julgar sumariamente o recurso e no julgamento da reclamação contra o despacho de indeferimento de interposição do recurso.