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RESPONSABILIDADE EXTRA CONTRATUAL
PRESSUPOSTOS
ÓNUS DA PROVA
DANO
NEXO DE CAUSALIDADE
Sumário
I - Estando-se no âmbito da responsabilidade extracontratual, cabe ao demandante demonstrar a verificação de todos os pressupostos da responsabilidade civil. II - O dano representa o ponto-chave da responsabilidade civil, constituindo, simultaneamente, o critério de actuação dos mecanismos de ressarcimento e da definição do “quantum” indemnizatório a que porventura corresponderá uma obrigação a cargo da parte lesante. III - A prova em juízo do nexo de causalidade tem que implicar um mínimo de certeza e segurança na afirmação da sua existência, sendo necessário, perante o circunstancialismo provado e analisado, concluir fundamentadamente pela sua real e indubitável ocorrência. (Sumário da autoria do Relator)
Texto Integral
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:
I – Relatório
1 - A instaurou a presente acção declarativa de condenação, com a forma de processo ordinário, contra B, C, D e E (entretanto falecida), pedindo a condenação solidária destes a pagar-lhe a quantia indemnizatória provisória de 69.500 € (calculando em 22.000 € a indemnização provisória por danos não patrimoniais decorrentes da privação do gozo pleno dos locados, em 5000 € os danos patrimoniais correspondentes à reposição dos interiores do locado e 42.500 € a título de lucros cessantes).
Fundamenta a sua pretensão, em resumo, no facto de ser arrendatária do 2º andar direito e do rés-do-chão direito do prédio urbano sito e com entrada pela Rua …… nºs 86 a 92, tornejando para a Rua …. nºs 59 a 65, em …, do qual os R.R. B, C, D são comproprietários e a R. E (entretanto falecida), usufrutuária de ¼. No ano de 1994 começaram-se a verificar, no prédio e nos locados em particular, infiltrações de águas exteriores, pluviais e outras que causaram estragos nas paredes e tectos e o desnivelamento e abatimento do soalho dos rés-do-chão, que os proprietários não repararam, tendo os locados deixado de ter condições de segurança e salubridade, o que determinou, inicialmente a redução das explicações que a A. e seu marido davam no locado e, por fim, a sua finalização.
2 - Regularmente citada, veio a R. B contestar alegando, em síntese, que nos anos de 1991 e 1992 a falecida senhoria executou diversas obras no prédio com a finalidade de reparar todas as infiltrações. Assim, em Fevereiro de 2005 foram colocadas novas telhas, foi limpo o telhado e algerozes. A A. nunca insistiu perante a senhoria ou R.R. para que estes fizessem reparações nos locados.
A A. nunca realizou quaisquer obras no rés-do-chão direito nem executou no 2º andar direito todas as obras a que estava obrigada nos termos do contrato.
A A. só utilizou ocasionalmente e por período muito limitado o rés-do-chão direito para dar explicações. A A. deixou de usar o rés-do-chão por ela e o seu marido terem adquirido duas moradias, onde passaram a dar explicações.
Conclui dizendo que se a habitabilidade e o gozo de ambos os locados se encontram cerceados, tal é imputável à A. que não realizou as obras a que estava obrigada contratualmente.
3- Regularmente citados, os R.R. C e D não contestaram.
4- Por despacho de fls. 817 dos autos, foi julgada extinta a instância relativamente à R. E, por óbito da mesma.
5- A A. requereu a intervenção principal provocada activa de F, que foi admitida por despacho de fls. 829 dos autos.
6- Citado o chamado, o mesmo não apresentou qualquer articulado.
7- Depois de saneada a acção e seleccionada a matéria de facto provada e a provar, seguiram os autos para julgamento, o qual se realizou com observância do legal formalismo.
8- Foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente nos seguintes termos : “Por todo o exposto, julga-se a acção parcialmente procedente e, em consequência : a) Condena-se solidariamente os R.R. B, D e D a pagar à A. A a quantia que se apurar em liquidação de sentença pelos danos resultantes da falta de condições de habitabilidade e consequente privação do gozo do rés-do-chão direito do prédio urbano sito em …, na Rua …, nº 86 a 92 com entrada pelo nº 88 da freguesia de …, no período entre 1985 e Março de 2005 ; b) Condena-se solidariamente os R.R. B, C e D a pagar à A. A a quantia que se apurar em liquidação de sentença pelos danos resultantes da falta de condições de habitabilidade e consequente privação do gozo do segundo andar direito do prédio urbano sito em …, na Rua …, nº 86 a 92 com entrada pelo nº 88 da freguesia de …, desde 1995 até à cessação das causas respectivas ; c) Condena-se a R. B a pagar à A. e interveniente F a quantia de 500,00 € a cada um. d) Absolvem-se os R.R. do demais peticionado. Custas por A. e R.R., na proporção de 30% para os primeiros e 70% para os segundos, a corrigir em liquidação de sentença. Notifique e registe”.
9- Desta decisão interpôs a R. B recurso de apelação, para tanto apresentando a sua alegação com as seguintes conclusões : “1 – Por força dos contratos de arrendamento relativos ao segundo andar direito e ao rés-do-chão direito, competiam à A., enquanto arrendatária, todas as obras que entenda por necessárias para a boa habitabilidade dos locais arrendados, ou seja arranjo das paredes, reparação ou substituição das instalações eléctricas, canalizações, esgotos, portas e janelas e tudo o mais que entenda necessário para a boa e confortável utilização do local arrendado. 2 – Não pode ter-se por assente que todas as deficiências verificadas nos locados advenham da infiltração de águas pluviais provindas da estrutura exterior do prédio. 3 – Nos autos de vistoria efectuados pela Câmara Municipal de Lisboa, não se explicita a origem das infiltrações, esclarecendo se vêm do telhado, se vêm das paredes exteriores ou dos algerozes ou de qualquer outra parte. 4 – Das regras da experiência comum resulta outrossim, que em prédios antigos, como é o caso, muitas infiltrações são originadas em deficiências das canalizações e esgotos. Num dos autos de vistoria refere-se mesmo a existência de uma mancha de humidade, precisamente na divisão a que no andar superior corresponde a cozinha. 5 – Assim, encontrando-se a responsabilidade por todas as obras no interior das fracções a cargo da A. e não podendo estabelecer-se com o necessário rigor, que as deteriorações se verificaram devido a infiltração de águas pluviais motivadas por falta de obras na estrutura externa do prédio, cai por base a imputação aos R.R. da omissão de cumprimento das obrigações que lhe cabem nos termos da alínea b) do artigo 1031º do Código Civil, erradamente aplicado, na douta sentença recorrida. 6 – Ademais e no que ao rés-do-chão direito diz respeito, tendo o respectivo contrato sido resolvido por falta de residência permanente da aqui A., que se verificava há vários anos por referência á instauração da respectiva acção (2005) não faz sentido, considerar que houve redução da possibilidade de gozo total de um locado que, na verdade, a R. não usava. Sem prejuízo, 7 – A A. e ora recorrida, não interpelou validamente qualquer dos comproprietários do prédio de que os locados fazem parte, dando-lhes prazo para levarem a cabo quaisquer obras nas partes comuns do edifício. 8 – E não pode valer como tal a carta registada remetida à R., ora recorrente, dado que a mesma não foi por esta recebida. 9 – E a A. não alegou nem provou que o não tivesse sido, por culpa da mesma R. e Recorrente, o que no caso contrário, tornaria, por força do nº 2 do artigo 224º do Código Civil, eficaz a respectiva comunicação. 10 – A douta decisão em recurso, na parte em que condenou a R. e Recorrente a indemnizar a A. pela diminuição do gozo dos locados, não teve em consideração o disposto no artigo 805º do Código Civil que obriga à interpelação para o cumprimento da obrigação, como pressuposto da entrada em mora nesse cumprimento. 11 – Ao ter condenado a R. no pagamento da quantia de € 500,00 à A. e ao interveniente, a título de compensação pelos danos não patrimoniais decorrentes da afirmada violação do direito ao descanso que a estes assiste, interpretou e aplicou erradamente os artigos 70º e 483º do Código Civil. 12 – Na verdade, a falta de medição do nível de ruído e do seu impacto na casa onde se encontraria a R. e seu companheiro, não permite, à luz dos critérios estabelecidos no Regime Legal da Poluição Sonora constante do DL nº 292/2000 de 14 de Novembro, apurar se tal nível extravasava ou não os limites ali estabelecidos. 13 – Falta, pois, desde logo, o pressuposto da ilicitude ínsito à responsabilidade delitual. 15 (sic) – Falta igualmente o nexo de imputação do facto à lesante, pois que nada, da matéria assente, permite inferir que a R. tenha agido com dolo ou com mera negligência. Assim, revogando a douta sentença e substituindo-a por outra que absolva os R.R., totalmente, dos pedidos, farão Vªs Excia a esperada Justiça”.
10- Desta decisão também interpuseram recurso de apelação a A. e o chamado, para tanto apresentando a sua alegação com as respectivas conclusões : “1. A douta sentença de fls. 1265/90 decidiu contra a fundamentação factual constante nos autos, face à admissão dos pontos de facto admitidos pelas respostas à B.I. nos nºs. 21, 24 e 25 de fls. 1275/76 e cfr. §§ 4° e 5° de fls. 1281, e direito aplicável peticionado. 2. Em concreto a relação causal estabeleceu-se de facto e de direito entre a : -“diminuição da área utilizável do rés-do-chão locado, (r/c Dto.)” (justificada e provada pelos referidos ponto de facto admitidos como provados) e -“a diminuição das explicações dadas pela A. e interveniente, e, por fim, a impossibilidade de ai leccionarem”, já que “a degradação no rés-do-chão locado a partir de Outubro de 1994 não mais parou de acentuar-se, e de tal modo que se tornou inaproveitável para dar explicações a alunos do ensino secundário”, cfr. pontos de facto assentes, como se conclui, pelas respostas aos respectivos quesitos da B.I.; e atento os demais factos provados por acordo e documentos. 3. No concreto caso em apreço a relação causal, causa e efeito, determina efeito necessário e suficiente – directo, porque se apresenta sem interferência de um qualquer outro terceiro evento ou entidade ; e, necessário e suficiente porque para aquele concreto efeito se verificar foi preciso e bastante, (em qualidade e em quantidade) que o evento, ou entidade, em apreço tivesse desencadeado a ocorrência (facto), e a conduta (acto), geradores do efeito, cuja responsabilidade extra-contratual a A. e interveniente imputam aos R.R.. 4. Se tal ocorrência factual, provada como conclusivamente se tem de ter por evidenciada e admitida, não tivesse ocorrido, o efeito não se teria verificado : i.e. os lucros cessantes peticionados não teriam afectado a esfera jurídico-económica da A. e interveniente – e tal emerge de obra, conduta, imputável aos R.R.. 5. Nem existe nos autos nada que permita pôr em crise de dúvida tal efeito directo necessário e suficiente. 6. Ao Homem-comum ou ao Homem-normativo (aquele que se rege no mundo da lógica quotidiana / aquele que se pauta pelas normas jurídicas) não é, nem, entendível, nem, aceitável outra solução na inteligibilidade própria do caso em apreço. 7. Tem de se admitir que, em conclusão fáctico-fundamental positiva a relação em apreço, peticionada pela A. e interveniente, está sobejamente fixada nos autos, pela prova fixada nos mesmos, de modo a permitir a aplicação dos direitos à indemnização peticionados; tutelados, maxime, pelo art. 690° n° 2 do Cód, Proc. Civil, e arts. 1037° e 492°, 496° e 497° ; 1031° a) e 498° n° 1 do Código Civil, que assim aqui ficaram postergados (dever de indemnizar a titulo de lucros cessantes, em valor a liquidar em execução de sentença) – a que, em suma e genericamente, o Acórdão do S.T.J. de 30.01.1981, in BMJ n° 303-212, julgou que, ‘‘faltando culposamente ao cumprimento da sua obrigação de assegurar ao arrendatário o gozo da casa locada para os fins habitacionais a que se destinava, tornaram-se os senhorios responsáveis por todos os prejuízos que daí advierem tanto a título de danos emergentes como de lucros cessantes” – neste acórdão como in casu, se tivermos em conta os fins locativos, neste contratualmente fixados, também, para explicações a alunos do ensino secundário. 8. Ocorreu, pois, erro no apreço da fundamentação fáctico-jurídica, cometido pela Mma. Juiz. 9. Os R.R. devem, portanto, assim e a esse título ser condenados a indemnizar a A. e o interveniente ! Termos em que Vossas Excelências reformando a douta sentença quanto ao erro de fundamento fáctico-conclusivo e de direito de §§2° e 3º a fls. 1283 e alínea d) de fls. 1289, e condenando os R.R., também, nos peticionados lucros cessantes a liquidar em execução de sentença, farão a costumada Justiça!”.
11- A A. e o chamado apresentaram contra-alegações em relação ao recurso interposto pela parte R. B.
* * *
II – Fundamentação
a) A matéria de facto dada como provada na sentença recorrida, é a seguinte :
1- Os R.R. B, C e D são os donos e os legítimos proprietários, em comum e sem determinação da parte ou direito, do prédio urbano sito e com entrada pela Rua … nºs. 86 a 92, tornejando para a Rua … nºs. 59 a 65, em …, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...º e descrito na 8ª Conservatória do Registo Predial de … sob o nº ... do Livro B-20 e a R. E (entretanto falecida) é dona e legítima titular do usufruto que impende sobre ¼ do prédio.
2- Por acordo escrito, datado de 17/7/1986, cuja cópia se encontra a fls. 32 e ss. e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido, D. G e Drª H, declararam ajustar entre si o arrendamento para habitação do segundo andar direito do prédio urbano sito em …, na Rua …, nºs. 86 a 92 com entrada pelo nº 88 da freguesia de …, em cuja matriz está inscrito sob o artigo ..., do qual a primeira signatária é proprietária, nos termos e condições constantes das cláusulas seguintes :
“1ª- Este arrendamento é feito pelo prazo de seis meses a contar do dia um de Agosto de mil novecentos e oitenta e seis, e termina no último dia do mês de Fevereiro de mil novecentos e oitenta e sete, supondo-se sucessivamente renovado por iguais períodos de tempo e nas mesmas condições nos termos da Lei aplicável.
2ª- A renda acordada é da quantia mensal de Escs: 30.000$00 (trinta mil escudos) paga adiantadamente em casa da senhoria, ou em qualquer outro local que esta indicar, no primeiro dia útil do mês anterior àquele a que a renda disser respeito.
3ª- O local arrendado é para habitação exclusiva da inquilina, não podendo esta dar-lhe outro uso, nem sublocá-lo em todo ou em parte, sem expressa autorização escrita da senhoria reconhecida notarialmente, ficando desde já ressalvado que no caso de a sublocação vir a ser autorizada, a senhoria fica com o direito de fixar livremente nova renda.
4ª- No caso de cessação do presente contrato, por decisão do inquilino, este deverá avisar a senhoria, ou quem a represente, por escrito e com aviso de recepção, quarenta dias antes de terminar o prazo de arrendamento, ou do período de renovação em curso, obrigando-se a colocar escritos nas janelas, se a senhoria, entretanto, manifestar esse desejo, ficando, neste caso, o inquilino obrigado a mostrar a casa a quem pretenda vê-la para arrendar, das 11 horas às 18.00 horas de cada dia; obriga-se, também, o inquilino a pagar as rendas até ao fim do período em curso, entregando a casa e as chaves no dia em que aquele termina.
5ª- O inquilino obriga-se a fazer à sua conta todas as obras que entenda necessárias para a boa habitabilidade do local arrendado, desde que não alterem a estrutura do mesmo, ou seja, arranjo de paredes, reparação ou substituição das instalações eléctricas, canalizações, esgotos, portas e janelas, e tudo o mais que entenda necessário para a boa e confortável utilização do local arrendado.
Único: Não poderá, no entanto, o inquilino alegar direito de retenção, arrancar ou pedir indemnização, pelas obras e benfeitorias que vier a fazer, as quais ficam a ser pertença exclusiva da senhoria.
6ª- A renda fixada no presente contrato fica sujeita a actualização anual, de acordo com a legislação aplicável.
7ª- O fiador (…)”.
3- Por acordo escrito, datado de 1/11/1987, cuja cópia se encontra a fls. 35 e ss. e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido, D. G e Drª H, declararam ajustar entre si o arrendamento para habitação do rés-do-chão direito do prédio urbano sito em …, na Rua …, nºs. 86 a 92 com entrada pelo nº 88 da freguesia de …, em cuja matriz está inscrito sob o artigo ..., do qual a primeira signatária é proprietária, nos termos e condições constantes das cláusulas seguintes :
“1ª- Este arrendamento é feito pelo prazo de seis meses a contar do dia um de Novembro de mil novecentos e oitenta e sete, e termina no último dia do mês de Maio de mil novecentos e oitenta e oito, supondo-se sucessivamente renovado por iguais períodos de tempo e nas mesmas condições nos termos da Lei aplicável.
2ª- A renda acordada é da quantia mensal de Escs: 35.000$00 (trinta e cinco mil escudos) paga adiantadamente em casa da senhoria, ou em qualquer outro local que esta indicar, no primeiro dia útil do mês anterior àquele a que a renda disser respeito.
3ª- O local arrendado é para habitação exclusiva da inquilina, não podendo esta dar-lhe outro uso, nem sublocá-lo em todo ou em parte, sem expressa autorização escrita da senhoria reconhecida notarialmente, ficando desde já ressalvado que no caso de a sublocação vir a ser autorizada, a senhoria fica com o direito de fixar livremente nova renda.
Único: Fica, no entanto, desde já autorizada a inquilina, ou seu marido, a utilizar o local arrendado para dar explicações a alunos do ensino secundário. Esta autorização é dada em exclusivo e parcialmente à inquilina e seu marido, não podendo outras pessoas utilizá-lo para o mesmo efeito, sob pena de despejo imediato.
4ª- No caso de cessação do presente contrato, por decisão da inquilina, esta deverá avisar a senhoria, ou quem a represente, por escrito e com aviso de recepção, quarenta dias antes de terminar o prazo de arrendamento, ou do período de renovação em curso, obrigando-se a colocar escritos nas janelas, se a senhoria, entretanto, manifestar esse desejo, ficando, neste caso, a inquilina obrigada a mostrar a casa a quem pretenda vê-la para arrendar, das 11 horas às 18.00 horas de cada dia; obriga-se, também, o inquilino a pagar as rendas até ao fim do período em curso, entregando a casa e as chaves no dia em que aquele termina.
5ª- A inquilina obriga-se a fazer à sua conta todas as obras que entenda necessárias para a boa habitabilidade do local arrendado, desde que não alterem a estrutura do mesmo, ou seja, arranjo de paredes, reparação ou substituição das instalações eléctricas, canalizações, esgotos, portas e janelas, e tudo o mais que entenda necessário para a boa e confortável utilização do local arrendado.
Único: Não poderá, no entanto, o inquilino alegar direito de retenção, arrancar ou pedir indemnização, pelas obras e benfeitorias que vier a fazer, as quais ficam a ser pertença exclusiva da senhoria.
6ª- A renda fixada no presente contrato fica sujeita a actualização anual, de acordo com a legislação aplicável.
7ª- O fiador (…)”.
4- O Departamento de Conservação de Edifícios e Obras Diversas da Câmara Municipal de … elaborou, em 2/7/1999, o auto de vistoria constante de fls. 46 a 49 dos autos, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.
5- A A. enviou à R. B a carta datada de 12/2/2001, cuja cópia se encontra a fls. 50 dos autos, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido, que esta recebeu.
6- O Departamento de Conservação de Edifícios e Obras Diversas da Câmara Municipal de … elaborou, em 18/4/2002, o auto de vistoria constante de fls. 61 a 64 dos autos, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.
7- Em 22/8/2003, o Departamento de Conservação de Edifícios particulares da Câmara Municipal de … procedeu à afixação do edital 275/03/DCEP, cuja cópia se encontra a fls. 65 dos autos e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.
8- A Polícia de Segurança Pública do Comando Metropolitano de … elaborou os autos de participação cujas cópias se encontram a fls. 79, 80, 81, 82, 83 e 85 dos autos e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.
9- Por acórdão do Tribunal da Relação de … de 1/3/2005, transitado em julgado, proferido no processo nº 9819/04 do 7º Juízo Cível de …, em que eram A.A., B, C, D e E, e R. H, foi decretada a resolução do contrato de arrendamento vigente entre os aí A.A. e a aí R., relativo ao rés-do-chão direito do prédio urbano sito na Rua … nºs. 59 a 65 e Rua … nºs. 86 a 92, em …, inscrito na matriz predial urbana respectiva sob o artigo ... e descrito na 8ª Conservatória do Registo Predial de … sob o nº ... do Livro B-20.
10- Por escritura pública de 19/1/1995, I e marido, J, K, e marido, L, na qualidade de primeiros outorgantes e H, na qualidade de segunda outorgante, M, na qualidade de terceiro outorgante e procurador do Banco …., S.A., e F, na qualidade de quarto outorgante, declararam : os primeiros vender à segunda outorgante, pelo preço de dezoito milhões e setecentos mil escudos, um prédio urbano situado no Bairro da …, Rua …., número …., em …, descrito na … Conservatória do registo Predial de … na ficha nº ..., da freguesia de …, inscrito na respectiva matriz sob o artigo ..., da freguesia de …, e a segunda aceitar a presente venda nos termos exarados e que o prédio ora adquirido se destina exclusivamente a habitação e à sua residência permanente.
1 - Por escritura pública de 16/3/1995, O e mulher, P, Q e mulher, R, S e mulher, T, na qualidade de primeiros outorgantes, F, na qualidade de segundo outorgante e M, na qualidade de terceiro outorgante e procurador do Banco …, S.A., declararam: os primeiros que pelo preço de doze milhões e quinhentos mil escudos vendem ao segundo outorgante a moradia económica número cento e sessenta e cinco situada em … na Calçada …, rua …, número …., freguesia de …, …, descrito na … Conservatória do registo Predial de … na ficha nº ..., inscrito na respectiva matriz sob o artigo ..., da freguesia de ..., e pelo segundo outorgante que aceita a venda nos termos exarados e que a moradia adquirida se destina exclusivamente a residência permanente.
12- Desde aproximadamente um ano após a celebração do acordo referido em 2), a A. vive com o seu agregado familiar – constituído por si, por F e, a partir de 24/11/1994, pelo filho de ambos – no locado referido em 2), tendo utilizado também, desde data igualmente não apurada, o locado referido em 2) como complemento da habitação principal e para albergar a empregada doméstica interna e o pai da A. que foi, em data não apurada, viver com a filha.
13- A A. é docente do ensino secundário e durante vários anos deu explicações particulares em simultâneo com aquela actividade.
14- N exerceu a docência do ensino secundário por via de explicações.
15- À data da celebração dos acordos referidos em 2) e 3) ambos os locados careciam de obras interiores, tendo a A. procedido à realização de obras nos mesmos e suportado os respectivos custos, conforme previsto nas cláusulas 5ªs. de cada um daqueles acordos.
16- As obras referidas em 15) foram realizadas, primeiro, no 2º andar, porque foi com esse espaço que a A. iniciou a habitação, sua e do seu agregado familiar, e, mais tarde, no rés-do-chão, logo que o arrendou para desafogo da área da sua habitação e complemento destinado ao exercício da sua profissão e, complementarmente, da do seu companheiro, Eng. F, cerca de um ano e três meses mais tarde.
17- A A. após a celebração do acordo referido em 2) e antes de habitar o 2º andar direito fez obras no mesmo, cuja execução durou aproximadamente um ano, tendo arranjado as paredes e os tectos, as instalações e as canalizações, as portas e as janelas, e pintado toda a área do espaço locado.
18- Após a realização das obras, a A. e F passaram a habitar o 2º andar direito, fruindo de instalações com condições de higiene, segurança, estética e de conforto.
19- Desde que a A. e F passaram a habitar o 2º andar direito e a utilizar o rés-do-chão direito como complemento da habitação principal e para explicações a alunos do ensino secundário, fruíram sem limitações da área locada, pelo menos até Outubro de 1994.
20- A 24/11/1994 nasceu o filho do casal formado pela A. e pelo Eng. F e, no decurso da gravidez, a A. pernoitou várias noites no rés-do-chão direito, pelo peso resultante da gravidez.
21- No Inverno de 1994 começou a verificar-se, no prédio, nomeadamente no 2º andar direito, mas sobretudo no rés-do-chão direito, infiltrações de águas exteriores pluviais, que causaram estragos nas paredes e nos tectos interiores, e o desnivelamento e o abatimento do soalho do rés-do-chão.
22- A A. deu a conhecer à proprietária G e à R. B a situação referida em 21).
23- A A. enviou à R. B, com data de 20/10/1994, após uma visita desta e de G ao prédio, a carta registada com A/R, constante de fls. 40 e 41 dos autos, que esta não recebeu.
24 - A degradação do rés-do-chão locado iniciou-se a partir de Outubro de 1994 e não mais parou de acentuar-se.
25- O rés-do-chão locado à A. ia-se tornando inaproveitável para dar explicações a alunos do ensino secundário e o próprio prédio ia-se degradando.
26- O 2º andar direito locado à A. começou a apresentar humidades provenientes de infiltrações.
27- O pavimento foi ficando com partes em falta e o tecto da cozinha aluiu parcialmente, fazendo perigar a salubridade e segurança dos seus utilizadores.
28- Pelo menos desde Junho de 2004 e nos dias identificados nas participações referidas em 8), a R. B e seu marido U mantinham primeiramente no 1º andar esquerdo e posteriormente no 3º andar direito, um aparelho de telefonia sintonizado para uma estação de rádio com emissão nocturna, ligados, cada um deles, a um temporizador previamente programado para transmitir música e ruídos.
29- Em virtude do referido em 28), a A. pediu a intervenção da P.S.P..
30- Em 2/7/1999 o locado (rés-do-chão direito) apresentava-se nos termos descritos no auto de vistoria referido em 4).
31- A situação descrita no auto de vistoria referido em 6), relativamente ao rés-do-chão direito, foi-se agravando, tendo entretanto aluído parcialmente o tecto da cozinha em data não concretamente apurada mas posterior a Julho de 2002.
32- O funcionamento da telefonia referida em 28) passou a perturbar o sossego e descanso do pai da A. e da empregada doméstica que dormiam no rés-do-chão direito.
33- A empregada doméstica, V – que dormia no rés-do-chão – sofreu baixa médica entre 15/9/2004 e 21/9/2004.
34- O estado de degradação do rés-do-chão direito permanece bem como do segundo andar direito e o prédio, no seu todo, continua a aguardar que os R.R. lhe providenciem as obras de conservação determinadas pela Câmara Municipal.
35- O funcionamento da telefonia no 3º Andar (sobre o tecto dos autos do 2º andar direito) causou incómodos à A., a F e ao filho de ambos.
36- Os factos referidos em 6) e 30) determinaram uma diminuição da área utilizável do rés-do-chão direito.
37- No ano de 1991 e 1992, a falecida senhoria executou no prédio as obras descritas nos documentos de fls. 159 e 161 dos autos, algumas das quais com a finalidade de reparar as infiltrações existentes no mesmo.
38- Em Fevereiro de 2005 foram colocadas novas telhas e limpos os algerozes.
b) Como resulta do disposto nos artºs. 684º nº 3 e 685º-A nº 1 do Código de Processo Civil, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, as conclusões das alegações dos recorrentes servem para colocar as questões que devem ser conhecidas no recurso e assim delimitam o seu âmbito.
“In casu” estamos perante dois recursos de apelação interpostos, por um lado, pela A. e pelo interveniente e, por outro lado, pela R. B.
c) Recurso interposto pela A. e pelo intervenienteF :
Perante as conclusões das alegações dos recorrentes A. e interveniente, a única questão em recurso é a seguinte:
-Saber se se mostra demonstrado o nexo causal entre a diminuição do gozo do locado e a diminuição das explicações dadas por A. e interveniente e consequente diminuição dos seus rendimentos.
d) A existência da obrigação de indemnizar, independentemente da modalidade de responsabilidade contratual ou extracontratual, depende da verificação dos seguintes pressupostos: Tem de existir o facto, a ilicitude, a imputação do facto ao lesante, o dano e nexo de causalidade entre o facto e o dano.
Não havendo que analisar “in casu” os primeiros dos apontados requisitos, vejamos, apenas, o último por ser aquele que releva para a solução da questão em apreço.
Assim, para que o facto ilícito seja gerador de responsabilidade civil é necessário que exista um nexo causal entre o facto praticado pelo agente e o dano, segundo o qual ele fica obrigado a indemnizar todos os danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.
Acolheu a nossa legislação, no artº 563º do Código Civil, a doutrina da causalidade adequada, segundo a qual a causa juridicamente relevante de um dano será aquela que, em abstracto, se mostre adequada à produção desse dano, segundo as regras da experiência comum ou conhecidas do agente.
Esta teoria da causalidade adequada apresenta duas variantes: Uma formulação positiva e uma formulação negativa, sendo a primeira mais restritiva do que a segunda, adoptando a nossa lei a formulação negativa, segundo a qual o facto que actuou como condição do dano deixa de ser considerado como causa adequada, quando para a sua produção tiverem contribuído, decisivamente, circunstâncias anormais, excepcionais, extraordinárias ou anómalas, que intercederam no caso concreto (cf. Acórdão do S.T.J. de 24/5/2005, consultado na “internet” em www.dgsi.pt).
O dano é a perda ou diminuição de bens, direitos ou interesses protegidos pelo direito, patrimonial ou não patrimonial, consoante tenha ou não conteúdo económico, conforme seja ou não, susceptível de avaliação pecuniária.
A prova em juízo do nexo de causalidade (elemento fáctico absolutamente fundamental para a sorte do pleito) tem forçosamente que revestir foros de seriedade, implicando um mínimo de certeza e segurança na afirmação da sua existência (cf. Acórdão da Relação de Lisboa de 26/10/2010, consultado na “internet” em www.dgsi.pt).
Não basta rotular determinado facto como possível e admiti-lo como tal. É necessário, perante o circunstancialismo analisado, concluir fundamentadamente pela sua real e indubitável ocorrência.
Ora, revertendo tais considerações para o caso concreto, ficou demonstrado, no que concerne ao rés-do-chão direito descrito nos autos, que está em causa um arrendamento com fim habitacional, mas com autorização por parte da senhoria para o exercício de uma profissão liberal, designadamente explicações a alunos do ensino secundário.
A A. e o interveniente invocam, como causa de pedir, ter ocorrido, a partir de Outubro de 1994, uma redução do número de alunos em virtude de terem deixado de ter condições de segurança e salubridade e, a partir de 2/7/2002, terem deixado de poder exercer aí a sua actividade, bem como usar a parte reservada a habitação.
Provou-se que, para além de complemento da habitação principal (questão que a recorrente não põe em causa na sua apelação), a A. e o interveniente davam explicações nesse rés-do-chão direito.
Acontece que, a partir de Outubro de 1994, o locado começou a degradar-se, o que se foi acentuando com o passar do tempo. Assim o rés-do-chão em causa ia-se tornando inaproveitável para dar explicações a alunos do ensino secundário.
Em 2/7/1999 e em 18/4/2002 o Departamento de Conservação de Edifícios e Obras Diversas da Câmara Municipal de … elaborou os autos de vistoria constantes de fls. 46 a 49 e 61 a 64 dos autos, onde são descritas com pormenor as condições de degradação em que se encontrava o locado, designadamente no que diz respeito a pavimentos, rodapés e tectos nas várias divisões.
Essa degradação determinou uma diminuição da área utilizável do rés-do-chão direito.
Há, então, que verificar de está demonstrada a relação causal que a A. e o interveniente estabeleceram entre a diminuição do gozo da fracção, em consequência do seu estado de conservação, e a diminuição das explicações por aqueles dadas e por fim a impossibilidade de ali leccionarem.
Assim, se é certo que se apurou que o rés-do-chão se ia tornando inaproveitável para dar explicações a alunos do ensino secundário, a verdade é que foi formulado na Base Instrutória um quesito que traduzia, com clareza e precisão, a existência do nexo de causalidade entre a degradação do imóvel e a redução do número de alunos na explicação.
Com efeito, no quesito 21º perguntava-se :
“A A. e F, por falta de condições de segurança e salubridade do rés-do-chão, viram-se obrigados a reduzir o número de alunos desde Outubro de 1994 ?”.
Tal quesito mereceu do Tribunal a resposta de “não provado” (ver fls. 1253).
E a fundamentação de tal resposta é exaustiva e exemplar (ver fls. 1260), dizendo-se mesmo que :
“A prova produzida mostrou-se igualmente insuficiente quanto à invocada gradual redução das explicações em consequência do mau estado do locado.
O Tribunal não ficou convencido (por os depoimentos testemunhais se terem mostrado pouco consistentes e reveladores de falta de conhecimento nesta matéria) de que haja uma relação directa entre a diminuição das explicações e a degradação do locado. O próprio estudo económico junto pela A. a fls. 775 e ss., não confirma a alegação da A.”.
Salienta-se mesmo que tal estudo revela que no ano lectivo de 93/94 houve uma diminuição do número de alunos e no ano lectivo seguinte, quando o locado se encontrava mais deteriorado, houve uma retoma do número de explicandos.
Significa isto que, perante a resposta dada ao quesito 21º e em face dos factos provados acima enumerados, não estamos perante um conhecimento da existência do dano associado ao desconhecimento da sua dimensão. Encontramo-nos, em sentido próprio, perante um prejuízo ou um lucro cessante indevidamente caracterizado, ou seja, não formado nem demonstrado, sem um mínimo de certeza e segurança na afirmação da sua existência.
e) Deste modo, teremos de concluir que, nesta parte, a Sentença sob recurso não merece qualquer censura, sendo de indeferir o recurso interposto pela A. e pelo interveniente.
f) Recurso interposto pela R.B :
Perante as conclusões das alegações da recorrente R. B, as questões em recurso são as seguintes :
-Saber se há lugar ao pagamento, pelos R.R., de uma indemnização pelos danos resultantes para a A. da falta de condições de habitabilidade e privação do gozo do rés-do-chão direito.
-Saber se os senhorios foram ou não interpelados com vista à realização das obras.
-Saber se há lugar à condenação dos R.R. por danos não patrimoniais causados à A..
g) Em primeiro lugar, entende a R. B que não devia ter sido condenada no pagamento de uma indemnização pelos danos resultantes para a A. da falta de condições de habitabilidade e consequente privação do gozo do rés-do-chão direito.
Defende ela que da matéria dada por assente não resulta de forma inequívoca que tenha havido, efectiva diminuição do gozo do mesmo por parte da A. e ora recorrida.
Por um lado a A. não residiria no locado e, por outro, não se pode concluir que as deteriorações, na sua totalidade, teriam resultado da infiltração de águas pluviais exteriores.
Ora, da matéria de facto provada resulta, inequivocamente que :
A A. e o seu agregado familiar faziam deste locado local para leccionarem explicações, mais o utilizando como complemento da habitação principal, bem como para albergar a empregada doméstica e o pai da A..
Quanto ao estado do locado, resultou provado que, no inverno de 1994, começaram a verificar-se no prédio, nomeadamente no 2º andar direito, mas sobretudo no rés-do-chão direito, infiltrações de águas exteriores pluviais, que causaram estragos nas paredes e nos tectos interiores, e o desnivelamento e o abatimento do soalho.
Essa degradação do rés-do-chão locado, desde 1994 não mais parou de acentuar-se e o locado foi-se tornando inaproveitável.
Estes factos, ao terem sido dados como provados, não foram alvo de qualquer reclamação, nomeadamente nos termos do artº 653º nº 4 do Código de Processo Civil.
Por outro lado, não estamos perante um recurso que impugne a decisão relativa à matéria de facto, até porque não se mostram observadas as formalidades previstas no artº 685º-B do Código de Processo Civil.
É, pois, inútil, estar novamente a pretender discutir se as infiltrações tinham que ver com canalizações e com falta de manutenção interior do locado, pois isso é matéria assente.
Perante os factos provados (e não quaisquer outros), é inequívoca a conclusão de Direito extraída pelo Tribunal de 1ª instância, ou seja, a utilização do locado como habitação ou complemento da habitação principal ficou comprometida desde 1995 e a partir de então verificou-se a diminuição e privação do gozo da fracção.
Não se vê, assim, que, nesta parte, a Sentença sob recurso mereça censura.
h) Mais afirma a R. B que os senhorios não foram interpelados com vista à realização das obras.
Baseia a sua argumentação no facto provado acima transcrito como 5) e que reproduz a alínea E) dos Factos Assentes.
Segundo afirma, ali consta que “a A. enviou à primeira R. B, a carta datada de 12 de Fevereiro de 2001, cuja cópia se encontra a fls. 50 dos autos e bem assim que a R. não recebeu a citada carta”, sendo certo que o dever de indemnizar supõe a mora do devedor (senhorio) sejam ou não urgentes as reparações a efectuar, e a mora, por seu turno, pressupõe a interpelação (artº 805º do Código Civil).
Trata-se, talvez, de um lapso das alegações da R..
O que consta acima no referido facto (5)) e na alínea E) dos Factos Assentes é o seguinte :
“5- A A. enviou à R. B a carta datada de 12/2/2001, cuja cópia se encontra a fls. 50 dos autos, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido, que esta recebeu”.
Ou seja, a R. B recebeu a carta em causa.
Não se entende, pois, a alegação de que não recebeu.
Tal como supra se disse, tal facto não foi impugnado no momento próprio, nem estamos perante um recurso sobre matéria de facto.
Inexistem, assim, motivos para alterar a Sentença nesta parte.
i) Vejamos, agora, a condenação dos R.R. por danos não patrimoniais causados à A..
Desde já se diga que é irrelevante, por ilógica e absurda, a primeira argumentação da R. B ao dizer, resumidamente, que se havia barulho no locado (provocado por ela própria) a A. devia ter ido dormir para outra casa de que é proprietária. Não nos merece qualquer apreciação ou comentário.
Quanto à questão propriamente dita.
Há, no fundo, que indagar se estão, ou não, preenchidos os requisitos da responsabilidade civil extracontratual.
A este respeito, dispõe o artigo 483º nº 1 do Código Civil que “aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios, fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos decorrentes da violação”.
Dado que estamos no âmbito da responsabilidade extracontratual, cabia, pois, à A. demonstrar a verificação de todos os pressupostos da responsabilidade civil.
Passando a analisar os pressupostos da responsabilidade civil no caso concreto, quanto ao facto do agente, temos que a R. B e o seu marido, desde Junho de 2004, mantinham primeiramente no 1º andar esquerdo e, posteriormente, no 3º andar direito, um aparelho de telefonia sintonizado para uma estação de rádio com emissão nocturna, ligados, cada um deles, a um temporizador previamente programado para transmitir música e ruídos.
Sendo o critério de diferenciação entre a acção e a omissão de cariz naturalístico (a acção corresponde a um “facere”, ao passo que a omissão corresponde a um “non facere”), a conduta daquela R. constitui um comportamento activo, pelo que está preenchido o pressuposto “facto do agente”.
Esse facto é ilícito por violador dos artºs. 25º da Constituição da República Portuguesa (que consagra o direito à integridade pessoal), 70º do Código Civil (segundo o qual a pessoa ofendida na sua personalidade física ou moral pode requerer as providências adequadas às circunstâncias do caso a fim de evitar a consumação da ameaça ou atenuar os efeitos da ofensa já cometida) e 1346º do Código Civil (“O proprietário de um imóvel pode opor-se à emissão de (…) ruídos, (…) provenientes de prédio vizinho, sempre que tais factos importem um prejuízo substancial para o uso do imóvel ou não resultem da utilização normal do prédio de que emanam”). Há, assim, uma clara violação do direito ao bem-estar, ao repouso, ao descanso, à saúde e à qualidade de vida (defendidos em tais preceitos), pela produção de ruído de vizinhança (isto é, “todo o ruído não enquadrável em actos ou actividades sujeitas a regime específico no âmbito do presente diploma, habitualmente associado ao uso habitacional e às actividades que lhe são inerentes, produzido em lugar público ou privado, directamente por alguém ou por intermédio de outrem ou de coisa à sua guarda, ou de animal colocado sob a sua responsabilidade, que, pela sua duração, repetição ou intensidade, seja susceptível de atentar contra a tranquilidade da vizinhança ou a saúde pública” – artº 3º nº 3, al. f) do Decreto-Lei 292/2000, de 14/11, que aprovou o Regime Legal sobre a Poluição Sonora, também designado de Regulamento Geral do Ruído).
Passando ao pressuposto “dano”, o dano representa o ponto-chave da responsabilidade civil, constituindo, simultaneamente, o critério de actuação dos mecanismos de ressarcimento e da definição do “quantum” indemnizatório a que porventura corresponderá uma obrigação a cargo da parte lesante.
No caso em análise, ficou provado que o funcionamento da aludida telefonia passou a perturbar o sossego e descanso do pai da A. e da empregada doméstica que dormiam no rés-do-chão direito. Além disso, esse funcionamento causou incómodos à A., a U e ao filho deste casal desde Junho de 2004 e, concretamente, nos dias 4/6/2004, 26/6/2004, 8/7/2004, 18/7/2004 e 31/10/2004. A isto acresce que a empregada doméstica, V, que dormia no rés-do-chão, sofreu baixa médica entre 15/9/2004 e 21/9/2004. Por tal razão, não poderá deixar de se concluir pela verificação do pressuposto “dano”.
De referir que, nos termos do artº 496º nº 1 do Código Civil, relativo aos danos não patrimoniais, na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
Ora, no caso concreto, verifica-se que o barulho perturbou o sossego e descanso das pessoas que dormiam no rés-do-chão e causou incómodos à A. e à sua família.
Assim sendo, dúvidas não restam de que os prejuízos não patrimoniais sofridos pela A. merecem, efectivamente, a tutela do direito.
Quanto ao nexo de causalidade entre o facto e o dano, exige-se, uma determinada relação entre o facto e o dano ocorrido.
Essa relação entre o facto e o dano exprime-se por um conceito de teor normativo, vulgarmente designado por causalidade adequada: “Determinada acção ou omissão será causa de certo prejuízo se, tomadas em conta todas as circunstâncias conhecidas do agente e as mais que um homem normal poderia conhecer, essa acção ou omissão se mostrava, à face da experiência comum, como adequada à produção do referido prejuízo, havendo fortes probabilidades de o originar” (cf. Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, Vol. I, 4ª edição, pg. 578).
Nos termos do artº 563º do Código Civil, “a obrigação de indemnizar só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”.
Com efeito, como afirma Antunes Varela (in “Das Obrigações em Geral”, Vol. I, 10ª Ed., pgs. 898 e ss.), em sede de nexo de causalidade, o legislador terá acolhido, no artº 563º do Código Civil, a teoria da causalidade adequada na sua formulação negativa, segundo a qual, o facto que actuou como condição do dano só deixará de constituir causa adequada se, atenta a sua natureza geral, se mostrar de todo indiferente para a verificação do dano, apenas o tendo provocado em virtude das circunstâncias excepcionais, anormais, extraordinárias ou anómalas que ocorreram no caso concreto.
Concretizando, no caso em epígrafe, atenta a factualidade provada, constata-se que, se a R. B e o marido não tivessem colocado o aparelho de telefonia de forma a produzir ruído e barulhos para os locados, jamais a A. teria sofrido os prejuízos que sofreu.
Assim sendo, também o pressuposto “nexo de causalidade” está verificado no caso concreto.
Por último, temos a culpa do agente.
Com efeito, estando-se no domínio da responsabilidade civil por facto ilícito, para que o acto ilícito gere efeitos jurídicos é necessário que o agente tenha agido com culpa, entendida, em termos clássicos, como o nexo de imputação do facto ao agente lesante.
Superada a noção psicológica de culpa, cremos ser mais adequado a adopção de um critério normativo que veja neste pressuposto um juízo de censura ou reprovação por parte da ordem jurídica. Dir-se-á, então, que “o comportamento axiologicamente reprovado é-o por deter uma determinada caracterização judicialmente intolerável. Essa caracterização é a culpabilidade, isto é, o conjunto de qualidades que, por integrarem certas previsões normativas, concitam, ao acto praticado um juízo de desvalor ou de desaprovação” (cf. Menezes Cordeiro, in “Direito das Obrigações”, Vol. II, pg. 308, citando Pessoa Jorge).
De referir, ainda, que um tal juízo de censura assume natureza diversa consoante o agente tenha agido com dolo ou negligência.
Ora, no caso “sub judice”, constata-se que a R., conscientemente, colocou no 1º andar esquerdo e no 3º andar direito, um aparelho de telefonia sintonizado para uma estação de rádio com emissão nocturna, ligado a um temporizador previamente programado para transmitir música e ruídos, o que é sinónimo de barulho para os moradores das casas próximas e que, à noite, tornam difícil, se não impossível, o repouso das pessoas.
Daí que outra conclusão não se poderá retirar que não seja a de que a R. B agiu com dolo e, por isso, está preenchido o pressuposto “culpa do agente”.
Assim sendo, e porque estão verificados todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito, recai sobre os R.R. a obrigação de indemnizar a A. e o interveniente.
Dito isto e tendo em conta as circunstâncias supra referidas, entendemos ser adequando e justo o “quantum” indemnizatório fixado pelo Tribunal de 1ª instância (que fixou em 500 € o montante indemnizatório devido a cada um dos lesados, isto é à A. e ao interveniente), não se vendo motivos para, nesta parte, o recurso ser atendido.
j) Como vimos, a Sentença mostra-se sobejamente fundamentada de facto e de direito nada havendo a alterar por via de recurso.
k) Sumariando :
I- Estando-se no âmbito da responsabilidade extracontratual, cabe ao demandante demonstrar a verificação de todos os pressupostos da responsabilidade civil.
II- O dano representa o ponto-chave da responsabilidade civil, constituindo, simultaneamente, o critério de actuação dos mecanismos de ressarcimento e da definição do “quantum” indemnizatório a que porventura corresponderá uma obrigação a cargo da parte lesante.
III- A prova em juízo do nexo de causalidade tem que implicar um mínimo de certeza e segurança na afirmação da sua existência, sendo necessário, perante o circunstancialismo provado e analisado, concluir fundamentadamente pela sua real e indubitável ocorrência.
* * *
III – Decisão
Pelo exposto acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa em:
a) Negar provimento ao recurso interposto pela A. e chamado, confirmando, na parte por eles impugnada, a Sentença recorrida.
b) Negar provimento ao recurso interposto pela R. B, confirmando, na parte por ela impugnada, a Sentença recorrida.
Custas: A meia pelos recorrentes (artigo 446º do Código do Processo Civil).
Processado em computador e revisto pelo relator
Lisboa, 25 de Janeiro de 2011
Pedro Brighton
Anabela Calafate
Folque de Magalhães