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ARRENDAMENTO
REVOGAÇÃO UNILATERAL
DECLARAÇÃO NEGOCIAL
RENOVAÇÃO DO NEGÓCIO
INTERPRETAÇÃO DA VONTADE
DENÚNCIA DE CONTRATO
INTENÇÃO DAS PARTES
Sumário
I - Até à Lei 6/2006, a oposição à renovação – instrumento de que dispõe qualquer das partes para pôr fim ao contrato, no termo da sua duração, impedindo que ele se renove - era designada por denúncia. Hoje, em face do regime estabelecido pela L 6/2006, há que conferir ao termo "denúncia", não já o conteúdo de oposição à renovação, mas o de revogação unilateral. II- Tal circunstância torna fácil que as partes num contrato de arrendamento, ainda que celebrado já no âmbito de aplicação da nova lei, utilizem o termo "denúncia" inadequadamente em relação à realidade que pretendam exprimir, com ele pretendendo ainda reportar-se à oposição à renovação. III – É o que sucede no contrato de arrendamento dos autos celebrado para fins não habitacionais, pelo prazo de cinco anos. Dizendo-se que se considera "sucessivamente prorrogado por iguais períodos se nenhuma das partes o denunciar, por escrito, com sessenta dias de antecedência relativamente ao seu termo", está-se a convencionar o regime da oposição à renovação, e não o regime da denúncia, relativamente à qual nada se diz. IV - Um declaratário normal, colocado na posição do declaratário real, entenderia assim esta cláusula, sem que a apelante possa vir a dizer – pelo simples facto de tal não ser conveniente à prossecução dos seus objectivos sociais - que não podia razoavelmente contar com este entendimento, pois que o mesmo seria, afinal, aquele que ela, A., teria tido de acordo com os padrões éticos da regra de ouro e do imperativo categórico, caso fosse posta na posição típica do declaratário. V- Por isso, e porque no silêncio do contrato a respeito da denúncia, se aplica o disposto no art 1098°/2, ex vi do art 1110°/2, ambos do CC, a comunicação que a R. dirigiu à A em 5/12/08, vale como denúncia do contrato.
Texto Integral
Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa
I - “A” - Gestão Imobiliária, S.A. intentou contra “B” - Estudos e Tecnologias de Informação, Lda., a presente acção de condenação sob a forma de processo sumário, pedindo a condenação da R. no pagamento da quantia de € 26.515,60, correspondendo € 4.560,00 a rendas vencidas e não pagas, € 162,72 a despesas do condomínio, € 21.660 a rendas vincendas desde Outubro de 2009 até Novembro de 2012 e € 132,88 a juros de mora vencidos.
Alegou ter celebrado em 1/01/07 com a R. um contrato de arrendamento para fins não habitacionais, pelo prazo de cinco anos, prorrogável por iguais períodos, e que, a partir de Março de 2009, deixou a mesma de proceder ao pagamento das rendas. Alegou ainda que a R., por carta datada de 4/12/2008, procedeu à denúncia do contrato de arrendamento. Entende, no entanto, a A que, nos termos contratualmente previstos, a denúncia do contrato só seria possível com referência ao seu termo, pelo que a R. se deve ter como responsável pelas rendas referentes aos meses até àquele termo. Alega ainda que a R. se encontra em dívida, por despesas de condomínio da sua responsabilidade nos termos do referido contrato, relativamente a € 162,72.
A R. contestou, sustentando que o contrato celebrado entre as partes não exclui a possibilidade de denúncia antecipada e que a mesma foi realizada nos termos legalmente previstos, pelo que é válida e eficaz.
A A. apresentou articulado de resposta à contestação, mantendo, no essencial, o alegado na petição inicial.
Foi proferido despacho saneador e, entendendo-se que o conhecimento de mérito era possível de imediato, foi proferida sentença, na qual se julgou a acção parcialmente procedente, condenando a R. no pagamento do montante de € 570,00 a título de renda referente ao mês de Abril de 2009, bem como da quantia correspondente às despesas de condomínio relativas ao mês de Abril de 2009, a que acrescem os respectivos juros de mora vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento.
II - Do assim decidido, apelou a A. que concluiu as respectivas alegações nos seguintes termos:
1-Surgem as presentes alegações no âmbito do recurso de apelação interposto da sentença de fls. proferido em sede de despacho saneador que julgou parcialmente procedente e não provada a presente acção, com os fundamentos de que a cláusula terceira do contrato de arrendamento objecto dos autos caracterizaria uma oposição à renovação e não uma regulamentação da denúncia e, como tal, era considerada válida e relevante com um prazo de pré-aviso de 120 dias a denúncia feita pela arrendatária e ora Recorrida a 04.12.2008 e com o que a Recorrente se não pode conformar.
2-A presente acção teve como fundamento, objecto e causa de pedir o contrato de arrendamento celebrado entre Recorrente e Recorrida a 01.01.2007 pelo prazo de cinco anos, prorrogável por iguais períodos com o seu consequente termo em 31.12.2011, celebrado ao abrigo do NRAU aprovado pela Lei 6/2006, de 27.02 e no âmbito dessa mesma legislação estabelecendo a cláusula terceira do contrato, os fundamentos e prazos para a sua denúncia por escrito com 60 dias de antecedência relativo ao seu termo, estabelecendo-se ainda no mesmo contrato designadamente na cláusula quarta, nº 4 que eram por conta da Recorrida todas as despesas de condomínio a partir de 01.01.2007.
3-Neste enquadramento, e uma vez que como ficou definido na própria decisão a Recorrida deixou de proceder ao pagamento das rendas a partir de Março de 2009 relativamente à renda referente a Abril de 2009, veio a Recorrente exigir todas as rendas devidas até o termo do contrato, uma vez que entendia que, de acordo com o artigo 11100 do CC, caberia às partes contratantes a estipulação dos correspondentes prazos de denúncia e da consequente vinculação do pagamento das rendas até o termo do contrato bem como, atendendo ao tempo de permanência da Recorrida nas instalações, o pedido de pagamento das despesas de condomínio até Abril de 2009 inclusive, no montante de € 162,62.
4-Substancialmente diversos mas compatíveis entre si; um deles a título de rendas vencidas e vincendas desde que deixaram de ser pagas em Março de 2009 referente a Abril e outro, referente às despesas de condomínio até Abril de 2009.
5-A sentença recorrida, embora formalmente tenha julgado a acção parcialmente e puramente jurídica, julgou-a quanto às rendas e em rigor totalmente improcedente, uma vez que refere que, não obstante o artigo 11100 do CC estabelecer que são livremente determinadas pelas partes as regras relativas à denúncia, à oposição e à renovação dos contratos de arrendamento para fins não habitacionais, a sentença recorrida entender que a cláusula terceira do arrendamento não consiste numa regulamentação da denúncia do contrato mas antes numa pura e exclusiva estipulação da oposição à renovação dos contratos e isto não obstante a letra da cláusula falar expressamente em denúncia.
6-Em consequência, a mesma sentença entende que pelo contrato ser omisso em relação à denúncia, a mesma terá de ser regulada supletivamente quanto ao disposto sobre o arrendamento para habitação e considera válida a denúncia feita pela Recorrida a 04.12.2008.
7-E só pelo facto de tal denúncia ter que ser deduzida com aviso prévio de 120 dias previstos no n° 2 do artigo 1098° do CC. é que a mesma sentença entende que a denúncia produziu efeitos não a 31.03.2009 mas sim a 30.04.2009, de acordo com a segunda parte do referido n° 2 e dado que os referidos 120 dias se completavam a 04.04.2009 condenando a Recorrida no pagamento da renda de Abril, vencida a 01.03 e não paga, o que nada tem a ver com o princípio do Direito emergente do estabelecido na cláusula terceira do contrato nem em considerar inválida a denúncia.
8-Não obstante, de acordo com a cláusula quarta, n.o 4 do contrato de arrendamento, a Recorrida estava também adstrita ao pagamento das despesas de condomínio até o termo do contrato, pelo que foram pedidas as despesas de condomínio até Abril de 2009 a cargo da Recorrida.
9-E apesar disso, a sentença recorrida nem uma palavra referiu sobre a condenação ou a absolvição da Recorrida sobre as despesas de condomínio até Abril de 2009, o que, nos termos do artigo 660°, n.o 2 do CPC e d) do n.o 1 do artigo 668° do CPC, é causa de nulidade parcial da sentença o que deve ser declarado pelo douto Tribunal da Relação de Lisboa.
10-Sobre a cláusula terceira do contrato, é regra geral relativamente aos contratos a fixação livre do seu conteúdo, só sendo limitada sobre os arrendamentos no arrendamento para habitação, como arrendamento vinculístico por excelência, regulado por disposições de carácter imperativo que cerceiam o princípio geral da liberdade de estipulação e por estar em causa o direito social de habitação.
12-Contudo, o NRAU estabeleceu uma diferenciação nítida e transparente entre a imperatividade por natureza do contrato habitacional e a liberdade contratual subjacente aos contratos não habitacionais, sendo por isso, que o artigo 1098º do CC se enquadra sistemática e teleologicamente nos contratos de arrendamento para habitação e não nas disposições especiais do contrato para fins não habitacionais
13-Note-se, no entanto, que a epígrafe dessa disposição é exactamente "Oposição à renovação ou denúncia pelo arrendatário" habitacional, idêntica àquela que, dentro dos princípios da liberdade contratual emergentes do artigo 405° do CC, tem o actual artigo 1110º do mesmo Código e sob epígrafe "Duração, denúncia ou oposição à renovação" determina que tais institutos são livremente estabelecidos pelas partes.
14-E mesmo o número 2 do artigo 1110°, quando refere que na falta de estipulação o contrato considera-se celebrado com prazo certo pelo período de dez anos, não podendo o arrendatário denunciá-lo com a antecedência inferior a um ano, não pode deixar de interpretar-se como só aplicável quando há ausência de definição quanto à natureza e à duração, o que quer dizer que, havendo estipulação quanto à natureza e à duração, as partes poderão definir livremente se haverá denúncia unilateral durante a vigência do contrato ou só para o seu termo.
15-Deste modo, e em contratos de arrendamento não habitacionais, estando consagrada a natureza e a duração, e só estando clausulada a denúncia para o termo do contrato, não poderá qualquer das partes denunciá-lo no decurso da sua vigência, numa relação equilibrada e equitativa e se tal resultar da exegese interpretativa das respectivas cláusulas.
16-Especificamente no caso concreto do contrato objecto dos autos, foi colocado em análise nos presentes autos o contrato de arrendamento não habitacional celebrado entre a Recorrente e a Recorrida, no qual sendo já definida a sua natureza e a sua duração pelo prazo de cinco anos, ou seja entre 01.01.2007 e 31.12.2011, é estipulado, quanto à denúncia ou oposição à sua renovação, de acordo com a liberdade contratual dos artigos 405° e 1110° do CC, que o direito à denúncia do mesmo contrato, ou a oposição à sua renovação só poderia ser exercida pelo arrendatário mediante comunicação enviada à senhoria em carta registada com aviso de recepção com uma antecedência não inferior a 60 dias do termo inicial do contrato ou de qualquer uma das suas renovações, tendo ambas as partes afastaram a possibilidade de denúncia durante o período contratual.
17-Acresce ainda como mais significativo que na situação concreta esse afastamento não só era do conhecimento de ambas as partes como resultava da própria natureza da locadora, ora Recorrente, quando produziu e explicou a declaração negocial feita no contrato, uma vez que esta tem por objecto, entre outros, a promoção de infra-estruturas de escritórios e armazéns e a gestão imobiliária onde se incluem os correspondentes arrendamentos.
18-Logo, os contratos de arrendamento por ela realizados correspondem a um retorno de investimento nos imóveis que adquiriu para exploração e celebrados no âmbito dos direitos e das obrigações necessários à prossecução do seu fim, o que determina que o prazo de denúncia e de não oposição para o termo do período contratual seja um prazo estabelecido em benefício da locadora e não do locatário, de acordo com a prova feita que demonstra exactamente tal realidade.
19-De acordo com o artigo 236º do CC e Jurisprudência e Doutrina dominantes, a declaração negociai vale com o sentido que um declaratário normal possa deduzir do comportamento do declarante, do que resulta claro que nos contratos de arrendamento não habitacionais em que é determinada a sua natureza e duração, é susceptível de ser estipulada a sua denúncia ou oposição à renovação só para os termos dos prazos contratuais e não durante a sua vigência, especificadamente no caso concreto em que a denúncia para o termo do contrato foi definida em função do objecto social da locadora, do fim que esta pretendia e da declaração que efectuou.
20-Neste sentido, cai pela base com todo o devido respeito, a tese da sentença recorrida que aplica e já subsidiariamente o artigo 1098º do CC por entender que não foi livremente estipulado pelas partes qualquer matéria sobre a denúncia do contrato e por maioria de razão, em tese geral, não poderá subsistir a posição de que o artigo 1098º do CC é, quanto à denúncia, imperativo em contratos não habitacionais.
21-Deste modo, a douta sentença recorrida é: parcialmente nula, por não se ter pronunciado sobre o pedido deduzido pela Recorrente de condenação da recorrida em despesas de condomínio até Abril de 2009, data em que a própria sentença refere que o contrato estava em vigor; violadora por não ter condenado a Recorrida em todas as rendas vencidas até o termo do contrato, dos artigos 236º, 405º, 779º, 1098º e 1110º todos do CC bem como do artigo 6º do CCom e nos termos conjugados dos artigos 660º/2 e 668º/ 1 d) ambos do CPC.
A R produziu contra-alegações nelas defendendo a manutenção do decidido.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
III – A 1ª instância não procedeu propriamente à selecção da matéria de facto – tendo-se limitado a evidenciar a celebração do contrato de arrendamento e o teor da respectiva cláusula 3ª e a dar como provado facto, que, como se verá, não está inteiramente adquirido para o processo, qual seja o de que a R. (tendo deixado de pagar as rendas desde Março de 1999), deixou também nesse mês de pagar as despesas de condomínio.
Por isso, procede o presente tribunal à selecção da matéria de facto, que em função dos articulados e dos documentos a eles juntos, se tem como assente:
1-A. e R. celebraram um contrato de arrendamento para fins não habitacionais, tendo por objecto fracções autónomas destinadas a estacionamento (para estacionamento de colaboradores da R), para vigorar a partir de 1 de Janeiro de 2007, por um prazo de cinco anos, prorrogável por iguais períodos, correspondente ao escrito de fls 10 a 12.
2-A cláusula 3ª desse contrato, não dispondo de qualquer epígrafe, com as demais, tem o seguinte teor: «O arrendamento é celebrado pelo prazo de cinco anos com início a 1/1/2007, considerando-se sucessivamente prorrogado por iguais períodos se nenhuma das partes o denunciar, por escrito, com sessenta dias de antecedência relativamente ao seu termo».
3- A renda inicialmente convencionada foi de € 450,00, devendo a mesma ser acrescida de Iva à taxa legal em vigor, nos termos da cláusula 4ª.
4 - A renda em vigor à data da interposição da acção, tendo em consideração as sucessivas actualizações legais, ascende a 570 €.
5- Nos termos do contrato – cláusula 4ª/3 – a renda deveria ser paga adiantadamente no primeiro dia útil do mês anterior àquele a que dissesse respeito.
6- A R. deixou de proceder ao pagamento das rendas a partir de Março de 2009, sendo essa renda a referente a Abril de 2009.
7- Nos termos da cláusula 4ª/4 as despesas de condomínio eram da conta da R.
8- O montante mensal era de 39,48 € de condomínio e de € 1,20 de fundo de reserva.
9- A R. enviou à A., em 5/12/2008, carta tendo por assunto, «denúncia do contrato de arrendamento não habitacional”, com o seguinte texto: «….serve o presente para proceder à denúncia do mesmo, com efeitos a 31/3/2009, nos termos e em cumprimento do estipulado na cláusula 3ª do contrato e para efeitos do art 1098º/2 ex vi do art 1110º/1 ambos do CC. Pelo exposto, deverá considerar-se que o contrato cessa a sua vigência naquela data e mais se informa que os lugares de estacionamento serão entregues no dia 1/4/09».
IV - Constituem questões a apreciar no presente recurso, por um lado (1), saber se a sentença recorrida enferma de nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do art 668º/1 al d) 1ª parte, e por outro (2), a de saber se foi estipulado no contrato de arrendamento celebrado entre as partes regime especifico para a respectiva denúncia.
1 - Pretende a apelante que a sentença enferma de omissão de pronúncia, por não se ter pronunciado sobre o pedido que deduziu de condenação da R. nas despesas de condomínio até Abril de 2009.
Sabendo-se que, inegavelmente, nos termos do art 660º/2 1ª parte do CPC, o juiz está obrigado a resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação (exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras), há que saber se, efectivamente, a A. deduziu pedido de condenação da R. naquelas despesas, e se na sentença recorrida não resulta resolvida a questão referente a esse pedido.
Ora, a A., que repartiu o pedido por várias alíneas, na al b) do mesmo, pediu expressamente a condenação da R. no pagamento de € 162,72 correspondente às despesas de condomínio.
A matéria de facto suporte desse pedido encontra-se nos arts 10º e 11º da petição, respectivamente, do seguinte teor: “Para além do valor das rendas vencidas, a R. deixou de proceder ao pagamento das despesas de condomínio a que se encontra adstrita por força do contrato junto sob o doc nº 1 – cláusula 4ª, ponto 4”; “as despesas de condomínio cifram-se em € 162,72- doc nº 2”.
Este documento (nº 2), não contém, porém, elementos que evidenciem claramente aquele valor de € 162,72 (o valor em causa está apenas escrito à mão, e sem que os demais elementos, mesmo aritméticos constantes desse documento, o pareçam justificar).
Terá sido por isso, que, muito avisadamente, o Exmo Juiz, em sede de pré saneador, acusou a dúvida de saber «se o valor referido de € 162,72 se refere à totalidade das despesas que a R. deixou de pagar a partir de Março de 2009, por referencia a Abril? Ao montante global em dívida em Março de 2009? E qual era o montante mensal das quotas de condomínio devido pela R.?», solicitando da A. o necessário esclarecimento.
A A prestou-o a fls 51, referindo que o valor em causa se reporta a despesas de condomínio em dívida, de Dezembro de 2008 a Abril de 2009 – € 152,92 - e despesas de fundo de reserva relativas ao mesmo período - € 4,80 (tudo segundo resulta do referido doc nº 2) e, refere que, para melhor esclarecer a questão em análise, junta nota de débito datada de 30/6/2009, mais referindo ter regularizado tal quantia junto da sociedade gestora do condomínio. Conclui, que a verba pedida a título de despesas de condomínio - de € 162,72 – corresponde ao montante global em dívida respeitante ao período até Março de 2009 inclusive, e que quanto ao montante mensal, este era de € 39,48 de despesas de condomínio e de € 1,20 de fundo de reserva.
Notificada a R., veio a mesma alegar que aquelas despesas não se encontram em dívida, visto que a A. emitiu em nome dela nota de crédito correspondente às despesas que reclama, tendo tal nota de crédito data anterior à nota de débito que a A juntou, juntando, por sua vez, quatro documentos.
Destes desenvolvimentos resulta, por um lado, clarificado que efectivamente a A. considera que a R. está em dívida para com ela no valor de € 162,72, no referente a despesas de condomínio, devidas em função do seu não pagamento durante vários meses até ao de Abril de 2009, e que pediu a condenação da R. nesse valor.
Ora, o Exmo Juiz a quo - decerto, obliterando o esclarecimento que havia anteriormente pedido, considerou, erradamente, como provado (como acima se referiu na enunciação dos factos provados), que a R. deixou de proceder ao pagamento das despesas de condomínio (apenas) desde Março de 2009.
E porque veio a entender como válida a denúncia do contrato, embora apenas a partir de 30/4/2009, condenou a R. no pagamento (para além da renda referente ao mês de Abril de 2009), também «na quantia correspondente às despesas de condomínio relativas ao mês de Abril de 2009».
Daqui, segue-se que não houve omissão de pronúncia, mas indevida consideração de um facto como provado.
Por isso, a sentença não enferma da nulidade de que é acusada, mas encerra erro no julgamento da matéria de facto a que adiante se fará nova referência.
2 - Disse-se acima que cumpria saber se foi estipulado no contrato de arrendamento celebrado entre as partes – contrato esse para fins não habitacionais - regime específico para a respectiva denúncia.
È nesse aspecto, em concreto, que a apelante se opõe à decisão recorrida, pois que enquanto esta pressupôs que o conteúdo da clausula 3ª do contrato não foi o de afastar a possibilidade de denúncia antecipada deste, mas apenas o de prever a hipótese de oposição à renovação do mesmo pelas partes, a apelante sustenta que com a cláusula em questão, se pretendeu estabelecer regra relativa à denúncia do contrato, para afastar – precisamente - o regime de denúncia relativo ao contrato de arrendamento para habitação, regime esse aplicável, nos termos do art 1110º/1 CC (na redacção da L 6/2006 de 27/2), na falta de estipulação convencional. Refere ainda a apelante, que a vontade de tal afastamento era do conhecimento da R., como ela lhe deu a conhecer aquando da realização do contrato, por constituir seu objecto social a promoção de infra-estruturas de escritórios e armazéns e a gestão imobiliária, onde se inclui os correspondentes arrendamentos, sendo que estes funcionam como retorno do investimento nos imóveis que adquire para exploração (conclusão 17ª e 18ª).
Cumprirá, em primeiro lugar definir a lei aplicável aos factos relevantes na acção, tendo presente que o contrato de arrendamento em causa foi celebrado em 1/1/2007 e que a comunicação que a R. dirigiu à A. – e a que esta recusa o efeito pretendido por aquela de denúncia do contrato - data de 4/12/2008.
Porque é a lei em vigor ao tempo da conclusão do contrato que regula as condições da sua validade formal e substancial e o potencial dos seus efeitos, como resulta do princípio geral de aplicação das leis constante do art 12º CC, desde que, na situação dos autos, tanto a celebração do contrato, como a referida comunicação de 4/12/2008, ocorreram já no domínio da nova e actual legislação sobre o arrendamento emergente da L 6/2006 de 27/2, será o regime desta lei o aplicável para se obter a definição do conteúdo daquela comunicação, que, recorde-se, na tese da apelante, apenas pode valer como (mera) oposição à renovação do contrato, e na tese da decisão recorrida, se destinou a proceder à denúncia do mesmo.
Em segundo lugar, importará convocar as regras relativas à interpretação de contratos, na medida em que, e como acima já se assinalou, o que está em causa, em última análise, é a interpretação do teor da cláusula 3ª do contrato.
Porque esta interpretação não pode fazer-se à margem do regime legal vigente ao tempo da celebração do contrato, há que o ter presente, no que concerne especificamente à oposição à renovação, e à denúncia.
Ora, estando em causa um arrendamento para fins não habitacionais celebrado no âmbito da lei nova, atender-se-á em primeira linha ao disposto no já referido art 1110º CC, que refere, sob a epígrafe “Duração, denúncia ou oposição à renovação”: 1- «As regras relativas à duração, denúncia e oposição à renovação dos contratos de arrendamento para fins não habitacionais são livremente estabelecidas pelas partes, aplicando-se, na falta de estipulação, o disposto quanto ao arrendamento para habitação». 2- «Na falta de estipulação, o contrato considera-se celebrado com prazo certo, pelo período de 10 anos, não podendo o arrendatário denuncia-lo com antecedência inferior a um ano».
Sendo evidente que a falta de estipulação a que a o nº 2 desta norma se refere é apenas a referente à duração – pois que, a respectiva estatuição, apenas se reporta a esta [1] - está este nº 2 do art 1110º excluído de aplicação na situação dos autos, em que apenas releva saber se há falta de estipulação no contrato referentemente à denúncia.
A remissão do referido nº 1 parte final do art 1110º para o disposto quanto ao arrendamento para habitação, obriga a que se pondere o regime decorrente da L 6/2006 quanto à oposição à revogação e à denúncia, operada pelo arrendatário, naquele tipo de arrendamento.
Dispõe o art 1054º/1 CC – aplicável em regra a qualquer arrendamento – que «findo o prazo do arrendamento, o contrato renova-se por períodos sucessivos, se nenhuma das partes se tiver oposto à renovação no tempo e forma convencionados ou designados na lei».
Já no campo das disposições especiais do arrendamento para habitação (arts 1092º e ss) e no que respeita ao contrato com prazo certo – que é o caso do contrato dos autos - dispõe o art 1096º que, «excepto se celebrado para habitação não permanente ou para fim especial transitório, o contrato celebrado com prazo certo, renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de três anos, se outros não estiverem contratualmente previstos», explicitando o seu nº 2 que, «qualquer das partes se pode opor à renovação, nos termos dos artigos seguintes».
No tocante à oposição à renovação pelo arrendatário, rege o disposto no nº 1 do art 1098º, que refere que, «o arrendatário pode impedir a renovação automática mediante comunicação ao senhorio com uma antecedência não inferior a cento e vinte dias do termo do contrato».
Como é evidente, o contrato pode estipular período mais longo do que este para a oposição à renovação, o que não pode é “abreviar” o prazo legal de oposição à renovação [2].
Deve fazer-se aqui notar que, como o põe em evidência Pinto Furtado [3], até à Lei 6/2006, a oposição à renovação – instrumento de que dispõe qualquer das partes para pôr fim ao contrato, no termo da sua duração, impedindo que ele se renove, ou, como aquele autor especificamente a define, «manifestação de vontade, revelada por parte de um dos contraentes perante o outro, com determinada antecedência, a comunicar, afastando a prorrogação legal, que cessará o contrato com a expiração do termo respectivo» - era designada por denúncia.
E daqui, já se vê, como poderá ser fácil que as partes num contrato de arrendamento, ainda que celebrado já no âmbito de aplicação da lei nova, utilizem, inadequadamente em relação à realidade que pretendam exprimir, o termo denúncia, podendo pretender com tal termo reportar-se ainda à oposição à renovação.
Hoje, em face do regime estabelecido pela L 6/2006, há que conferir ao termo “denúncia”, não já, o conteúdo de “oposição à renovação”, mas o de “revogação unilateral” [4].
A seu respeito, e que no que concerne aos arrendamentos para habitação (arts 1092º e ss), com prazo certo (art 1095º), dispõe o nº 2 do art 1098º [5] que, «após seis meses de duração efectiva do contrato, o arrendatário pode denuncia-lo a todo o tempo, mediante comunicação ao senhorio, com uma antecedência não inferior a 120 dias do termo pretendido do contrato, produzindo essa denúncia efeitos no final de um mês do calendário gregoriano». Acrescentando e esclarecendo o nº 2 da mesma disposição, que «a inobservância da antecedência prevista nos números anteriores não obsta à cessação do contrato, mas obriga ao pagamento das rendas correspondentes ao período de pré-aviso em falta».
Diga-se de passagem, que também nos arrendamentos habitacionais de duração indeterminada, pode igualmente o arrendatário denunciar o contrato, como resulta do disposto no art 1100º/1 do CC, que se exprime concretamente neste termos: «O arrendatário pode denunciar o contrato, independentemente de qualquer justificação, mediante comunicação ao senhorio com antecedência não inferior a 120 dias sobre a data em que pretenda a cessação, produzindo essa denúncia efeitos no final de um mês do calendário gregoriano».
E assim, e como o evidencia Pinto Furtado, [6]«nos novos contratos, o arrendatário habitacional pode romper o contrato de arrendamento urbano tanto quando esteja adstrito a um arrendamento de duração indeterminada, como até quando o esteja a um arrendamento com prazo certo».
È sabido que em função do disposto no nº 2 do art 236º CC «o primeiro critério de interpretação (da declaração negocial) é a vontade subjectiva comum das partes, (…) sempre que haja convergência quanto ao sentido objectivo e quanto ao sentido subjectivo das declarações negociais» (…) [7]. «A regra contida no nº 2 do art 236º, que exprime o principio “falsa demonstratio non nocet”, faz prevalecer o sentido subjectivo, quando seja comum, mesmo que o sentido objectivo seja divergente. Ainda que o sentido objectivo das declarações negociais não coincida com o seu sentido subjectivo, é de acordo com este – sentido subjectivo- que a declaração negocial deve valer, sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante« (…) « Não é sequer exigido o acordo ou o consenso nesse sentido: basta que ele seja conhecido pelo declaratário» (…) «A vontade real do declarante só poderá ser desconsiderada quando o sentido objectivo da declaração for diferente do seu sentido subjectivo e o declaratário não conhecer o seu real sentido subjectivo. Neste caso a declaração negocial será interpretada de acordo com o seu sentido objectivo, mas com uma limitação subjectiva: salvo se o declarante não puder razoavelmente contar com ele» ; sendo que não se trata da determinação de qual foi de facto a expectativa do declarante em relação ao entendimento do declaratário, mas sim a expectativa que o mesmo declarante, posto na posição típica do declaratário, deveria ter tido razoavelmente perante aquela declaração, segundo os padrões éticos da regra de ouro e do imperativo categórico» (…) «O sentido objectivo da declaração é determinado pelo sentido que um declaratário normal, colocado na posição do declaratário real, possa deduzir do comportamento do declarante» (…) Conclui o autor que se vem a citar que, «o que releva é o sentido típico que um declaratário típico teria tipicamente entendido naquela situação típica».Tudo isto sem esquecer o facto de nos contratos, ambas as partes serem simultaneamente declarante e decaratário…
Veio este arrazoado a propósito da interpretação da cláusula 3ª.
Pretende a apelante que a sua vontade real nunca teria sido a de tal cláusula permitir a “denúncia” do contrato (com o sentido de “revogação unilateral”), na medida em que ela tem por objecto a promoção de infraestruturas de escritórios e armazéns e a gestão imobiliário onde se incluem os respectivos arrendamentos correspondendo estes a um retorno de investimento nos imóveis que adquiriu para exploração. E pretende ainda que essa vontade real era do conhecimento de ambas as partes, por um lado por resultar da sua própria natureza enquanto locadora, por outro, quando produziu e explicou a declaração negocial feita no contrato ( conclusão 17ª e 18ª).
Sucede que a apelante apenas se refere a esta (sua) vontade real, dizendo-a conhecida da R., nas alegações e conclusões do presente recurso. Nada referiu a esse respeito na petição inicial – não obstante não puder desconhecer logo então que o núcleo da controvérsia com a R viria a situar-se na interpretação do clausulado em 3ª. E no articulado de resposta à excepção limitou-se a juntar certidão de registo comercial, alegando (art 22º) que dela resulta «o seu efectivo objecto social e donde ressalta a sua necessidade e formação de vontade de estabelecimento de contratos de arrendamento com o mínimo de estabilidade económica».
Esta alegação está longe de corresponder à afirmação de um sentido subjectivo comum relativamente ao conteúdo da referida cláusula, ou sequer à afirmação de que a R. conhecia, ou devia conhecer, o sentido subjectivo, dela locadora, referentemente à referida clausula.
Ora, o sentido objectivo da cláusula em questão, pese embora a utilização nela do termo «denúncia», não é o que a A. lhe pretende conferir – o de se estar a convencionar o regime da “denúncia” enquanto “revogação unilateral do contrato” - mas o de se estar a convencionar o regime da oposição à renovação. Dizendo-se que “o contrato é celebrado pelo prazo de cinco anos” e que se considera "sucessivamente prorrogado por iguais períodos se nenhuma das partes o denunciar, por escrito, com sessenta dias de antecedência relativamente ao seu termo", está-se naturalmente a convencionar o regime da oposição à renovação, e não o regime da denúncia, relativamente à qual nada se diz. Senão não se falaria de «prorrogação por iguais períodos»…
Um declaratário normal, colocado na posição do declaratário real, entenderia assim esta cláusula.
Esse seria o sentido “típico”, que “um declaratário típico”, teria “tipicamente” entendido naquela “situação típica”.
Sem que a apelante possa vir a dizer – pelo simples facto de tal não ser conveniente à prossecução dos seus objectivos sociais - que não podia razoavelmente contar com este entendimento, pois que o mesmo seria, afinal, aquele que ela, A., teria tido, se fosse posta na posição típica do declaratário «segundo os padrões éticos da regra de ouro e do imperativo categórico» [8]- “age sempre segundo uma máxima tal que possas querer ao mesmo tempo que se torne lei universal” [9]
Em resumo, não pode deixar de se concordar com a sentença recorrida: a R., com a comunicação que dirigiu à A em 5/12/08, denunciou o contrato, o que lhe era possível em função da clausula 3ª do mesmo, porque nada referindo a mesma a respeito da denúncia, se mostrava aplicável o disposto no art 1098º/2 CC, ex vi do art 1110º/2. Não obstante, porque a R. inobservou na referida comunicação a antecedência de 120 dias relativamente ao termo pretendido do contrato, ficou obrigada ao pagamento das rendas correspondentes ao período de pré-aviso em falta e consequentemente ao pagamento da renda referente ao mês de Abril.
Só relativamente às despesas de condomínio - incluindo a própria condenação nas despesas de condomínio relativas ao mês de Abril, pois que nem o pedido, nem o disposto no nº 3 do art 1098º do CC, que apenas cobre as rendas, o permite – é que não é possível confirmar a sentença recorrida.
Com efeito, os articulados e documentos juntos, como atrás já se fez referência, não permitiam concluir que a R. pagara à A. as despesas de condomínio que a mesma reclama, como o concluiu o Exmo Juiz a quo na prolação da sentença.
Por assim ser, resta a este tribunal, na constatação de que os factos em causa se apresentam como essenciais à procedência ainda que parcial da acção, anular a decisão proferida na 1ª instância referentemente às despesas de condomínio, e determinar, nos termos do art 712º/4 do CPC, a ampliação da matéria de facto de modo a vir a apurar-se se a R. pagou ou não à A. aquelas despesas. Para o efeito, e pese embora o carácter economicamente diminuto da questão em causa, haverá que proceder à instrução e julgamento da matéria que se mostra alegada nos arts 10º e 11º da petição e no articulado de fls 51.
V – Pelo exposto, acorda este tribunal em julgar parcialmente procedente a apelação, confirmando a sentença recorrida, salvo no que toca à parte referente às despesas de condomínio em que se anula a mesma, determinando-se que se amplie a matéria de facto nos termos acima referidos, procedendo-se, nessa medida,
a julgamento.
Custas a fixar a final.
Lisboa, 27 de Janeiro de 2011
Maria Teresa Albuquerque
Isabel Canadas
José Maria Sousa Pinto
----------------------------------------------------------------------------------------- [1] - Cfr Pinto Furtado, «Manual de Arrendamento Urbano», 4ª ed, II, p 956 [2] - Nesse sentido, Pinto Furtado, obra citada, 903 [3]- Igualmente, Pinto Furtado, obra citada, 890 [4] - Mais uma vez, Pinto furtado, obra citada, p 905 e também p 885. [5] - Note-se que o nº 1 desta disposição, como atrás é referido, se reporta à oposição à renovação, e este nº 2 à denúncia. [6] - Obra citada , 97 Salienta este autor – mesmo lugar – que, «em qualquer dos casos, trata-se de um beneficio manifestamente injustificado, ao menos com a amplitude com que lhe é conferido». [7]- Está-se a citar, e continuar-se-á a citar, Pedro Pais de Vasconcelos, «Teoria Geral do Direito Civil», 4ª ed, p 503 e ss [8]- Pais de Vasconcelos, obra e lugar citado [9] - Vulgo: “não faças aos outros…”