Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
EXPROPRIAÇÃO
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
AVALIAÇÃO
CLASSIFICAÇÃO DE SOLOS
IMPOSTO MUNICIPAL SOBRE IMÓVEIS
MATÉRIA DE FACTO
CONCEITO JURÍDICO
Sumário
I – Num processo de expropriação litigiosa, em que está em causa a avaliação do imóvel expropriado, deve considerar-se como não escrito, por constituir um juízo conclusivo, o ponto da matéria de facto com a seguinte redacção: “Em Março de 2000, um promotor imobiliário estaria disposto a comprar os 834 metros quadrados do prédio da recorrente por € 422.369,58.” II - Num processo de expropriação litigiosa, em que está em causa avaliar se a expropriação parcial deve alargar-se à totalidade do prédio, deve considerar-se como não escrito, por constituir um juízo conclusivo, o ponto da matéria de facto com a seguinte redacção: “Por força da expropriação das parcelas 2 e 7, a edificação na parte sobrante do prédio da recorrente tornou-se inviável, tendo esta parte sobrante do prédio perdido quase todo o seu valor comercial no mercado de promoção imobiliária.” III - Os critérios de avaliação do solo apto para construção previstos no art.º 26.º do CE 1999 são meramente referenciais, não podendo obstar a que a indemnização a conceder se paute pelo valor real e corrente do bem afectado pela expropriação, valor esse que é o de mercado, aquele por que o bem seria vendido em circunstâncias normais, sem a interferência de elementos especulativos e/ou constitutivos de enriquecimentos injustificados. IV - O CIMI (Código do Imposto Municipal sobre Imóveis) pode ser considerado na avaliação de imóvel expropriado (solo apto para construção), na medida em que constitui, conforme referido pelos peritos maioritários, um instrumento legislativo que permite uma maior aproximação ao valor real dos prédios. (JL)
Texto Integral
Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa
RELATÓRIO
Em 23.4.2001 o Metropolitano de Lisboa, E.P., na qualidade de expropriante, remeteu aos Juízos Cíveis de Lisboa o processo de expropriação litigiosa relativo às parcelas 2 e 7, do terreno necessário à construção do Poço de Extracção da Tuneladora, no âmbito da empreitada ML 560/99 “Execução do Troço entre o km 24358,734 e o km 26928,011 da Linha Amarela (Campo Grande / Odivelas) do Metropolitano de Lisboa, E.P.”, ambas fazendo parte do imóvel situado na ..., lote ..., em Lisboa, descrito na ...ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º .../... e inscrito na matriz predial urbana da freguesia do ... sob o artigo ....º, pertencente a “A” – Empresa de Construções, Lda.
No processo constam, nomeadamente, autos de tomada de posse administrativa das aludidas parcelas a favor da entidade expropriante, acórdão de arbitragem no qual se fixa em Esc. 13 289 400$00 (€ 66 287,25) a indemnização devida pela expropriação da parcela n.º 7, acórdão de arbitragem no qual se fixa em Esc. 8 901 000$00 (€ 44 398,00) a indemnização devida pela expropriação da parcela n.º 2 e guias de depósito à ordem do tribunal dos aludidos valores arbitrados.
Em 03.5.2001 foi proferido despacho adjudicando à entidade expropriante a propriedade das aludidas parcelas.
Em 05.6.2001 a expropriada recorreu das supra referidas decisões arbitrais e requereu a expropriação total do lote ..., no que concerne aos 834 m2 que lhe pertenciam, pedindo que a entidade expropriante fosse condenada a indemnizar a recorrente numa quantia que se fixasse entre Esc. 113 100 000$00 (€ 564 140,42) e 125 940 000$00 (€ 628 186,07).
A expropriante respondeu, opondo-se à requerida expropriação total e pugnando pela manutenção dos valores indemnizatórios fixados nos acórdãos arbitrais recorridos.
Procedeu-se à realização de perícia, primeiro por um único perito e depois por três peritos, relativamente ao pedido de expropriação total.
Em virtude de a recorrente/expropriada ter requerido a intervenção do tribunal colectivo os autos foram remetidos às Varas Cíveis de Lisboa.
Realizou-se perícia colegial tendo em vista a avaliação prevista nos artigos 61.º n.º 2 e 62.º do Código das Expropriações (CE).
Inquiriram-se testemunhas e ouviu-se em declarações os peritos subscritores da referida avaliação.
Em virtude de tal ter sido requerido pela recorrente/expropriada, os depoimentos foram gravados e por esse motivo foi dispensada a intervenção do tribunal colectivo.
As partes alegaram nos termos previstos no art.º 64.º do CE.
Em 09.4.2010 foi proferida sentença na qual se decidiu julgar o recurso parcialmente procedente e consequentemente determinar a expropriação total do prédio supra referido e fixar em € 521 351,45 o valor, actualizado à data da sentença, da indemnização a atribuir pelo recorrido à recorrente pela expropriação do prédio, valor esse correspondente, à data da declaração de utilidade pública (29.3.2000), a € 422 369,58.
A expropriante apelou da sentença, tendo apresentado alegações em que formulou as seguintes conclusões:
a) A expropriação em causa no presente processo teve por objecto as parcelas designadas como Parcela 2 e Parcela 7, com as áreas respectivamente de 215 m2 e 321 m2, situadas na ..., Lote ..., em Lisboa.
b) A expropriada “A” interpôs recurso da Decisão Arbitral que fixou em 22.190.400$00, equivalente a 110.685,25 Euros, o valor total da indemnização a atribuir pela expropriação das referidas Parcela 2 e 7, peticionando ainda que fosse decretada a expropriação total do "LOTE ..." no que concerne aos 834 m2 que lhe pertenciam.
c) O M. Juiz a quo, no âmbito da sentença de que ora se recorre determinou a expropriação total do imóvel no que se refere aos 834 m2, determinou que fosse atribuída a indemnização no valor de 422.369,58 Euros, para os referidos 834 m2 valor que desde logo actualizou para a data da prolação da sentença, ou seja, 521.351,45 Euros. Porém:
d) A sentença de que ora se recorre padece de várias inconformidades, é manifestamente ilegal e viola os princípios da igualdade e da proporcionalidade;
e) Competindo desde [logo] anotar que na respectiva "Fundamentação de facto" o M.º Juiz a quo distorce a realidade, referindo situações que não correspondem à factualidade existente.
f) Indicando que a parcela em causa tinha uma configuração rectangular e plana, quando na realidade, não tem; referindo que o prédio "situava-se num espaço urbano…provido de arruamentos ...", sendo que a parcela em si, nem sequer arruamentos tem por perto.
g) Incluindo como se de "fundamentação de facto" se tratasse, uma referência que não passa de uma conclusão, nomeadamente quando refere que "em Março de 2000, um promotor imobiliário estaria disposto a comprar os 834 metros quadrados por …”
h) O M.º Juiz menospreza também totalmente o facto de o lote estar incompleto, dependendo da vontade da “B”, proprietária da restante parte, a realização de uma transacção que reunisse numa única entidade a propriedade da totalidade do terreno que viesse a permitir a edificabilidade do LOTE ...,
i) Considerando que os descontos no valor de mercado do prédio da recorrente, provocados pela necessidade de adquirir a parcela de terreno da “B” e pelo talude, seriam reduzidos"
j) E afirmando ainda também, como integrando a fundamentação de facto que "a Administração da “B” terá tendência a abdicar das construções abarracadas e a vender a parcela de terreno".
k) E menosprezando totalmente o facto de existirem, na parcela da “B” que seria necessário adquirir para completar o Lote ..., instalações onde funcionam em pleno serviços da “B” que seria obviamente necessário desinstalar einstalar noutro local, com todos os prejuízos e custos que tais alterações implicam necessariamente.
l) O M.º Juiz ignora ainda que, à data da expropriação, não tendo sido construída sequer quaisquer infraestruturas de urbanização, o invocado Alvará .../90 teria já caducado.
m) Mais ainda, incluindo na "fundamentação de facto", como se de um facto se tratasse, a opinião de que a "parte sobrante" teria perdido quase todo o seu valor comercial no mercado de promoção imobiliária, referindo ainda nesse capítulo que a convicção do Tribunal foi determinada por interpretação crítica dos diversos relatórios periciais (de entre os quais o relatório da denominada avaliação, que constitui uma perícia...)
n) Resultando pois inequívoco que ao longo de toda a "Fundamentação de facto", que integra a primeira parte da sentença o M.º em vez de se limitar a relatar os factos que foram invocados, e dentro desses, aqueles que considera provados e os que considera como não provados, selecciona algumas questões, menosprezando outras, interpreta e retira conclusões, construindo toda uma factualidade que se afasta declaradamente da realidade.
o) E considerando toda a distorção da factualidade que desde logo decorre da "Fundamentação de facto" explanada, verifica-se ainda que;
p) O Código dasExpropriações enomeadamente o artigo 23.º e seguintes estabelecem os parâmetros que hão-de presidir o cálculo da JUSTA INDEMNIZAÇÃO.
q) O artigo 26.º do mesmo diploma estabelece todo o conjunto de critérios e parâmetros que deverão ser adoptados e seguidos para determinação da JUSTA INDEMNIZAÇÃO, nas presentes circunstâncias;
r) M.º Juiz a quo pura e simplesmente ignora e afasta os referidos critérios, optando por decidir com base numa convicção sobre o valor pelo qual "em Março de 2000, um promotor imobiliário estaria disposto a comprar" os terrenos;
s) Para assim considerar que “de acordo com os princípios de igualdade e da proporcionalidade e o conceito de justa indemnização, enunciados nos artigos 13.° e 62.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa a indemnização por expropriação deverá corresponder ao valor económico de mercado, ao valor real e corrente dos bens expropriados" e que os "critérios delimitativos do cálculo da indemnização expressos no artigo 26.º do Código das Expropriações não são totalmente consentâneos com os referidos princípios constitucionais,
t) Concluindo que "uma interpretação do artigo 26.º do Código das Expropriações que determine a fixação de uma indemnização que divirja do valor de mercado do prédio será uma interpretação desconforme aos artigos 13.º e 62.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa. Em última análise será de declarar a inconstitucionalidade do artigo 26.º Código das Expropriações".
u) Esquecendo que aJUSTA INDEMNIZAÇÃO, consagrada no n.º 2 do artigo 62.º da CRP, tem de ser perspectivada por imperativos da realização do princípio da igualdade, estando vedada a adopção um critério de determinação do valor da indemnização que seja um factor de injusto locupletamento a favor do expropriado (Cfr. Acórdão 231/08, do Tribunal Constitucional (TC) disponível no site do Tribunal).
v) A Jurisprudência Constitucional tem sido firme no entendimento de que a JUSTA INDEMNIZAÇÃO não tem de corresponder ao preço que os bens expropriados teriam num mercado dito real e concreto, devendo antes atender-se a um preço no qual não entram factores especulativos ou anómalos (cfr., entre muitos, Acórdão 314/95, do TC, disponível no site do Tribunal).
w) Ora o M.º Juiz do Tribunal a quo, aoarrepio da jurisprudência e da doutrina firme, entende que a justa indemnização deve corresponder ao "valor do prédio no mercado imobiliário", ou seja, ao valor de mercado especulativo e não ao valor normativo.
x) Na verdade, o M.º Juiz a quo sem mais, desaplicou artigo 26.º do CE, na determinação do quantum da justa indemnização e adoptou um outro totalmente destituído de suporte legal.
y) Violando claramente o princípio da igualdade, quando considera que a indemnização deve corresponder ao preço de mercado, especulativo e distorcido,
z) E constatando-se que à indemnização que decorre da expropriação, têm obrigatoriamente que se aplicar os critérios e parâmetros fixados no Código das Expropriações que, nas presentes circunstâncias serão aqueles que constam do artigo 26º, constata-se ainda que, o artigo 23º estabelece claramente que a justa indemnização correspondente ao valor real e corrente do bem de acordo com o seu destino efectivo ou possível,…”
aa) E a este propósito verifica-se que o Tribunal a quo considera e apresenta como pressuposto a existência do alvará de loteamento n.º .../90 emitido pela Câmara Municipal de Lisboa,
bb) Porém, omencionado alvará, n.º.../90, sópode considerar-se caducado face ao artigo 54.º do Decreto Lei n.º 400/84 de 31 de Dezembro (aplicável à data), ou face à alínea a) do n.º 2 do artigo 38.º do Decreto Lei 448/91 de 29 de Novembro ou ainda face ao actual Decreto Lei 555/99 que também consagra a referida caducidade, pois que até hoje, não se verificou a realização de qualquer obra de construção no mencionado Lote ....
cc) E estando a parcela expropriada inserida num lote incompleto - que por alguma razão se manteve assim, desde 1990 até à presente data - verifica-se ainda que, na parte do terreno que completaria o lote e que é propriedade da “B”, existem e existiam construções que estão em pleno funcionamento
dd) e que, como tal, para além de terem que ser demolidas teriam que ser relocalizadas, circunstâncias que correspondem a avultados custos que iriam depreciar manifestamente uma hipotética mais-valia do lote pelo facto de estar abrangido por um alvará,
ee) Todas estas circunstâncias são circunstâncias que limitam, condicionam e depreciam, qualquer valor que seja atribuído aos terrenos.
ff) Ou seja, a sentença de que se recorre, para além de violar os princípios da igualdade e da proporcionalidade, e de sofrer de manifesta ilegalidade pela violação dos critérios e parâmetros constantes do Código da Expropriações, peca também pela não consideração dos termos do artigo 23.º do mesmo diploma que manda atender ao "destino efectivo ou possível" do imóvel;
gg) A isto acresce que não faz qualquer sentido a decisão de dar provimento ao pedido de expropriação total apresentado pela “A”, expropriada. Com efeito
hh) é totalmente absurda aafirmaçãode que arestante área- quetotaliza 297 m2, anote-se e em pleno coração de Lisboa - teria ficado totalmente destituída de interesse económico.
ii) E considerando que antes da Declaração de Utilidade Pública a inviabilidade de construção era uma realidade bem concreta e inequívoca, o imóvel nunca teve o interesse económico pretendido pela expropriada.
jj) Na verdade, no que diz respeito à parte sobrante, a expropriação não causou qualquer perda de interesse económico para a expropriada, pois que a falta de interesse económico sempre existiu. E não só em relação à parte sobrante, como em relação à totalidade do prédio.
kk) A verdade é que, com ou sem a parcela expropriada, a existência de interesse económico dependeria, tão só e apenas, da concretização ou não da aquisição da parte pertencente à “B”, pois que sem a mesma, nunca seria possível a construção do tão insistentemente invocado Lote ....
ll) Acrescendo ainda que se se vier a pretender uma outra utilização diferente que não passe pela construção do referido lote ..., então a parcela sobrante - com cerca de 300 m2 - tem área perfeitamente suficiente para a construção de qualquer outro tipo de imóvel,
mm) Verifica-se pois que, na situação em apreço, não se encontram minimamente preenchidos os pressupostos que, nos termos do n.º 2 do artigo 3.º do Código das Expropriações, conduziriam a uma decisão favorável ao pedido de expropriação total apresentado pela expropriada,
nn) Apenas se podendo concluir que face aos termos do referido normativo, nunca o Mº Juiz a quo deveria ter determinado a expropriação total, no âmbito do presente processo.
oo) Como tal e de todas as observações que acima ficaram expostas, apenas se pode retirar que sendo totalmente infundada e sem cabimento legal a decisão favorável ao pedido de expropriação total,
pp) a sentença de que se recorre é manifestamente ilegal pois aparta-se e menospreza totalmente os critérios e parâmetros constantes do Código das Expropriações sendo que o valor que a mesma acolhe foi determinado de uma forma totalmente infundada e aleatória,
qq) Bem andaram os senhores árbitros quando, ao avaliarem o terreno, atenderam, não à pretensa validade ou eficácia de um alvará já caducado ou pelo menos ineficaz, ou à pretensa potencialidade edificatória que não existe, até porque o lote em questão nem sequer está completo, mas à classificação como Área de Equipamentos e Serviços Públicos que lhe é atribuída pelo PDM, e utilizando, não valores infundados e aleatórios mas os parâmetros previstos no Código das Expropriações, atribuindo à Parcela 2, com a área de 215 m 2, o valor de 8.901.000$0 que corresponde a Euros 44.398,00 e à Parcela 7, com a área de 321 m 2, o valor de 13.239.400$00 que corresponde a Euros 66.287,25, num total de 110.685,25 Euros,
rr) Pois que são esses os valores que correspondem efectiva e indubitavelmente ao "....valor real e corrente do bem de acordo com o seu destino efectivo ou possível, numa utilização económica normal, à data da declaração de utilidade pública, tendo em consideração as circunstâncias e condições de facto existentes naquela data", ou seja, ao valor da JUSTA INDEMNIZAÇÃO.
A apelante terminou pedindo que a sentença fosse revogada, julgando-se totalmente improcedente o pedido de expropriação total e determinando-se a indemnização fixada em sede de decisão arbitral, no valor de 8.901.000$00 (Euros 44.393,00) para a Parcela 2, e de 13.289.400$00 (Euros 66.287,25), para a Parcela 7, ou seja a indemnização total de 22.190.400$00 (Euros 110.685,25).
A expropriada contra-alegou, formulando as seguintes conclusões:
1. Ao fixar a matéria de facto provada e não provada em sede de julgamento, ateve-se o Sr. Juiz “a quo” a estritos critérios objectivos, nomeadamente, aos documentos escritos e desenhados juntos aos autos, aos depoimentos das testemunhas arroladas pelas partes, aos esclarecimentos prestados pelos senhores peritos e à análise do próprio PDM de Lisboa, pelo que é abusiva e manifestamente desajustada a conclusão da aqui recorrente no sentido de que o mesmo Sr. Juiz se serviu de critérios subjectivos e opiniões pessoais de que lhe não era lícito servir-se.
2. Aliás, lidas com atenção as conclusões da entidade expropriante, não é difícil perceber-se que, através delas, perpassa uma mal disfarçada tentativa de cercear uma das prerrogativas de quem, por lei preside a um julgamento, a saber, a liberdade que assiste aos Srs. Juízes de apreciarem e valorizarem a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento ou através de documentos que não sejam, pela sua natureza, susceptíveis de fazerem prova plena.
3. Ao fundamentar juridicamente a decisão proferida, nomeadamente no que toca à fixação na indemnização a ser paga à aqui recorrida, limitou-se o Sr. Juiz “a quo” a interpretar correctamente a lei, nomeadamente ao entender que qualquer interpretação dos critérios fixados no art. 26º do Cód. das Expropriações que directamente afronte dispositivos de natureza constitucional, não pode essa mesma interpretação deixar de ser entendida como violadora da Constituição da República Portuguesa.
4. Na determinação do montante da indemnização a ser paga pela entidade expropriante à expropriada, ateve-se o Sr. Juiz “a quo” a uma medida justa e equilibrada que, efectivamente, compense a mesma expropriada dos prejuízos decorrentes da expropriação, não se enxergando, em situação nenhuma, que o tenha feito por recurso a factores de natureza especulativa ou anómala, susceptíveis de sobrevalorizarem artificialmente o referido montante indemnizatório.
5. A douta sentença recorrida, contrariamente ao que a entidade expropriante defende, não violou nenhum preceito legal que conduza à pretendida anulação da mesma sentença.
A apelada terminou pedindo que a sentença fosse integralmente mantida, condenando-se a entidade expropriante nos seus precisos termos.
Foram colhidos os vistos legais.
FUNDAMENTAÇÃO
As questões a apreciar neste recurso são as seguintes: modificação da decisão sobre a matéria de facto; se a expropriação deve abarcar a totalidade do imóvel em que se integram as duas parcelas expropriadas; valor da indemnização a conceder à expropriada. Primeira questão (modificação da matéria de facto)
Pelo tribunal a quo foi dada como provada a seguinte Matéria de facto
1. Em 30.5.1990, a Câmara Municipal de Lisboa emitiu o alvará de loteamento n.º .../90, a favor da recorrente, autorizando o fraccionamento de uma parcela de terreno e a constituição de 14 lotes, destinados “à edificação de prédios de habitação”, entre os quais o “lote ..., incompleto, área de 834 metros quadrados”, referindo que o loteamento se situa “em local abrangido pelo Plano de Urbanização da Cidade de Lisboa”.
2. O lote ... do alvará de loteamento n.º .../90 compreendia uma parcela com a área de 834 metros quadrados, pertencente à recorrente, e uma parcela de 263 metros quadrados, que se integrava num prédio pertencente à “B”.
3. Encontrava-se inscrita na ...ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o n.º .../..., a aquisição a favor da recorrente de um prédio com a seguinte descrição: “..., lote ..., terreno para construção, 834 metros quadrados, norte – “B”, sul e nascente – Câmara Municipal de Lisboa, poente – lote 14 e “B””.
4. Foi inscrita, pela apresentação n.º .../..., a autorização de loteamento do prédio descrito sob o n.º .../... na ...ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa, para a edificação de prédios para habitação.
5. Pelo Despacho n.º 8611/2000, de 29 de Março, publicado no Diário da República, II série, n.º 95, de 22.4.2000, foi declarada “a utilidade pública, com carácter de urgência, da expropriação dos bens imóveis e direitos a eles inerentes respeitantes às parcelas indicadas na planta anexa, das quais (…) as parcelas 2 e 7 fazem parte do prédio (…) descrito na ...ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o n.º .../...”, para efeitos de prolongamento da Linha Amarela do Metropolitano de Lisboa.
6. O prédio da recorrente tinha uma área de 834 metros quadrados, tinha uma configuração rectangular e plana, não tinha construções e situava-se junto ao parque de estacionamento da Rua ..., na ..., no ....
7. O prédio da recorrente situava-se num espaço urbano de vocação habitacional, provido de arruamentos com passeios, de redes de abastecimento de águas, gás, e electricidade, de rede de saneamento e de rede telefónica, servido de transportes, áreas de lazer e desporto, serviços de saúde e serviços públicos.
8. A parcela 2 tem a área de 215 metros quadrados, confrontando a poente com a parcela 7, a sul e nascente com terrenos da Câmara Municipal de Lisboa e a norte com a parte sobrante do prédio da recorrente.
9. A parcela 7 tem a área de 321 metros quadrados, confrontando a norte com a “B”, a nascente com terrenos da Câmara Municipal de Lisboa, a sul com a parcela 2 e com terrenos da Câmara Municipal de Lisboa e a poente com a parte sobrante do prédio da recorrente.
10. Em Março de 2000, um promotor imobiliário estaria disposto a comprar os 834 metros quadrados do prédio da recorrente por € 422.369,58.
11. Por força da expropriação das parcelas 2 e 7, a edificação na parte sobrante do prédio da recorrente tornou-se inviável, tendo esta parte sobrante do prédio perdido quase todo o seu valor comercial no mercado de promoção imobiliária.
12. O prédio da recorrente situa-se numa “área de estruturação urbanística habitacional”, de acordo com o Plano Director Municipal de Lisboa, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 94/94, de 29 de Setembro.
Na sentença consignou-se ainda que “Não resultaram provadosnomeadamente os seguintes factos:
1. As parcelas 2 e 7 situam-se numa “área de equipamentos e serviços”, de acordo com o Plano Director Municipal de Lisboa, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 94/94, de 29 de Setembro.” O Direito
O processo de expropriação litigiosa, regulado pelo Código das Expropriações (aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18.9, a qual entrou em vigor em 17.11.1999 – art.º 4.º da Lei – e é pois aplicável ao caso sub judice, atenta a data da DUP e da entrada em juízo do processo – Código que entretanto foi sujeito a alterações que não bolem com as disposições aplicáveis ao caso vertente), constitui um processo especial, subsidiariamente regido pelas normas do Código de Processo Civil, nos termos previstos pelo art.º 463.º desse Código (cfr., v.g., acórdão do STJ, de 12.02.2010, processo 09B0280, Internet, itij).
A modificabilidade da decisão de facto pela Relação está regulada no art.º 712.º do Código de Processo Civil (apesar de no processo expropriativo, relativamente à fixação de indemnização, a Relação intervir num terceiro nível de jurisdição, a Relação mantém os poderes de apreciação da matéria de facto que tem nos termos do CPC – neste sentido veja-se, v.g., Fernando Alves Correia, “Manual de Direito do Urbanismo”, vol. II, 2010, Almedina, pág. 441, nota 365, com indicação de alguma jurisprudência e doutrina). Nos termos desse artigo (na redacção anterior à introduzida pelo Decreto-Lei nº 303/2007, de 24.8., diploma que não é aplicável a estes autos – art.º 11.º n.º 1 do Dec.-Lei n.º 303/2007), a Relação pode alterar a decisão do tribunal de 1.ª instância sobre a matéria de facto:
a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 690.º-A, a decisão com base neles proferida;
b) Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas;
c) Se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou.
Nos termos do art.º 690.º-A do Código de Processo Civil, quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
A apelante questiona o dado como provado nos números 6, 7, 10 e 11 da matéria de facto supra enunciada.
No n.º 6 da matéria de facto consignou-se que “o prédio da recorrente tinha uma área de 834 metros quadrados, tinha uma configuração rectangular e plana, não tinha construções e situava-se junto ao parque de estacionamento da Rua ..., na ..., no ....”
Segundo a apelante a aludida parcela não tem essa configuração, antes situa-se num talude, carecendo de trabalhos de reforço e contenção caso se tivesse procedido a uma construção de um imóvel. Tal, diz a apelante, resulta da “vistoria” (presume-se que se refere à vistoria ad perpetuam rei memoriam, regulada pelo art.º 21.º do CE).
Vejamos.
Na vistoria ad perpetuam rei memoriam da parcela n.º 2, constante a fls 124 a 127 do processo, exarou-se que “a parcela n.º 2 faz parte de um prédio urbano atrás descrito, com configuração rectangular, terreno sob talude do parque de estacionamento da rua ..., coberto de ervas espontâneas, canavial, uma acácia e dois cedros de porte pequeno.”
Na vistoria ad perpetuam rei memoriam da parcela n.º 7, constante a fls 131 a 134 do processo, exarou-se que “a parcela n.º 7 faz parte de um prédio urbano atrás descrito, com configuração irregular, terreno sob talude com altura de mais de cinco metros, do parque de estacionamento da rua ..., coberto de ervas espontâneas.”
Nos acórdãos de arbitragem nada mais se adianta no que concerne às características físicas das aludidas parcelas.
Nas alegações do recurso dos acórdãos arbitrais a expropriada nada menciona no que concerne à existência do aludido talude. O mesmo se diga quanto à resposta da expropriante ao recurso dos acórdãos arbitrais.
Nos relatórios periciais juntos aos autos, respeitantes à pretendida expropriação total do terreno da expropriada (fls 414 a 419, 482 a 489, 496 a 504, 522 a 525, 549 a 560), nada se diz quanto ao aludido talude. No relatório pericial tendo em vista a avaliação das parcelas e do imóvel da expropriada o talude apenas é mencionado em resposta ao quesito 3º, formulado pela expropriante, o qual tem a seguinte redacção:
“As parcelas constituíam um terreno sob talude de mais de cinco metros de um parque de estacionamento?”
A resposta dos cinco peritos foi a seguinte: “Efectivamente, as parcelas constituíam um terreno sob talude” (fls 759 dos autos).
A acompanhar as duas vistorias ad perpetuam rei memoriam constam três fotografias das aludidas parcelas (fls 128 e 135 dos autos).
Reportando-se a essas fotografias, diz-se na sentença, na parte respeitante à fundamentação da decisão sobre a matéria de facto:
“Por outro lado, resulta das fotografias de fls 128 e 135 que o lote ... do alvará de loteamento n.º .../90 abarca um talude. A parte do lote que incide sobre o terreno da “B” está numa cota superior à parte do lote que corresponde ao prédio da recorrente. Tal desnível provocará custos acrescidos na construção de um edifício (…).”
Nas fotografias vê-se efectivamente que a certa altura existe um desnível, havendo um terreno que fica alguns metros mais elevado do que outro. Porém, aparentemente o terreno mais elevado é o pertencente à “B”, correspondendo o imóvel da expropriada à parte mais baixa, que assim ficaria parcialmente encostada ao talude. Isto sendo certo que o aludido lote ... é composto por terreno da “B” e por terreno da expropriada e que as duas parcelas expropriadas, a que se reportam as vistorias ad perpetuam rei memoriam, abarcam tão só uma porção da área total do prédio da expropriada, prédio esse que é mencionado na sua totalidade no ponto n.º 6 da matéria de facto, com exclusão da parte pertencente à “B”.
Em audiência foram ouvidas seis testemunhas, que foram inquiridas, conforme consta na respectiva acta, a toda a matéria, e bem assim foram ouvidos quatro dos peritos que subscreveram o relatório pericial de avaliação, que prestaram esclarecimentos.
A recorrente nada alega quanto a esses depoimentos, para sustentar a modificação deste ponto da matéria de facto.
Ponderando tudo o supra exposto, não encontramos razões para nesta parte dissentir do juízo formulado pela primeira instância, que assim se mantém.
Quanto ao n.º 7 da matéria de facto, deu-se como provado que “o prédio da recorrente situava-se num espaço urbano de vocação habitacional, provido de arruamentos com passeios, de redes de abastecimento de águas, gás, e electricidade, de rede de saneamento e de rede telefónica, servido de transportes, áreas de lazer e desporto, serviços de saúde e serviços públicos.”
Diz a recorrente que embora a zona urbana onde a parcela se situava tivesse efectivamente essas características, a parcela em si nem sequer arruamentos tem por perto. Tal, diz a recorrente, resulta das fotografias aéreas que foram juntas aos autos.
Vejamos.
Na vistoria ad perpetuam rei memoriam da parcela n.º 2, constante a fls 124 a 127 do processo, exarou-se que “o prédio da qual a parcela faz parte e objecto de expropriação está inserida em espaço urbano, beneficiando na sua envolvente, de todas as infra estruturas urbanísticas existentes na Rua ..., da denominada ..., ou seja: rede de água, abastecimento de energia eléctrica. Zona habitacional por excelência, servida de serviços públicos, transportes, áreas de lazer e desporto, saúde, entre outras”.
Na vistoria ad perpetuam rei memoriam da parcela n.º 7, constante a fls 131 a 134 do processo, exarou-se que “o prédio da qual a parcela faz parte e objecto de expropriação está inserida em espaço urbano, beneficiando na sua envolvente, de todas as infra estruturas urbanísticas existentes na Rua ..., da denominada ..., ou seja: arruamentos com passeios, rede de abastecimento domiciliário de água, rede de saneamento, rede de distribuição de energia eléctrica, rede de drenagem de águas pluviais, rede de distribuição de gás, rede telefónica. Zona habitacional por excelência, servida de serviços públicos, transportes, áreas de lazer e desporto, saúde, entre outros.”
Nos acórdãos de arbitragem nada se adianta que contrarie a aludida descrição, no que diz respeito à existência de infra-estruturas urbanas.
A existência das aludidas infra-estruturas urbanas foi invocada no recurso do acórdão arbitral e não foi questionada na resposta da expropriada.
Nos relatórios periciais juntos aos autos, respeitantes à pretendida expropriação total do terreno da expropriada (fls 414 a 419, 482 a 489, 496 a 504, 522 a 525, 549 a 560), nada se diz que contrarie a existência das aludidas infra-estruturas. Pelo contrário, as parcelas são unanimemente consideradas solo apto para construção, face à existência das necessárias infra-estruturas. No relatório pericial tendo em vista a avaliação das parcelas e do imóvel da expropriada reitera-se o teor dos autos de vistoria ad perpetuam rei memoriam (fls 751 dos autos, fls 3 do relatório).
Tendo em vista a avaliação, a expropriante formulou o seguinte quesito 2.º:
“As parcelas constituíam um terreno interior do prédio em que se integravam, tendo acesso indirecto pela azinhaga?”
A resposta dos cinco peritos foi a seguinte:
“Sim, as parcelas ficam integradas na denominada Urbanização da ....”
Quanto às “fotografias aéreas” que a expropriada menciona e que não identifica, mas que se presume ser a “ortofoto” constante a fls 836 dos autos, enviada pela CML, mostra um terreno vazio inserido numa zona completamente urbanizada. Aliás, na informação camarária a que a “ortofoto” está anexa consta que “(…) da comparação da planta do loteamento, e respectiva área de intervenção, com uma ortofoto datada de 2006 (que se juntam em anexo), parece-nos que naquela área foram realizadas as necessárias infra-estruturas.”
Reportando-se a essa fotografia, diz-se na sentença, na parte respeitante à fundamentação da decisão sobre a matéria de facto:
“Em todo o caso, importa referir que, no que respeita à alegação de caducidade do alvará de loteamento, o recorrido não produziu prova suficiente no sentido de que não foram realizadas obras de urbanização do loteamento (ruas, redes de infra-estruturas…). A fotografia aérea de fls 836 indicia apenas não existem ruas e redes de infra-estruturas no local das obras do Metropolitano de Lisboa e no morro da “B”.”
Nas três fotografias que acompanham as duas vistorias ad perpetuam rei memoriam (fls 128 e 135 dos autos) é evidente que as aludidas parcelas estão junto a arruamentos, edifícios e postes de electricidade.
A recorrente nada alega quanto aos depoimentos prestados perante o tribunal, para sustentar a modificação deste ponto da matéria de facto.
Por conseguinte, também nesta parte o recurso improcede.
No n.º 10 da matéria de facto o tribunal a quo exarou o seguinte:
“Em Março de 2000, um promotor imobiliário estaria disposto a comprar os 834 metros quadrados do prédio da recorrente por € 422.369,58.”
A expropriante/apelante insurge-se contra este ponto da “matéria de facto”, por entender que constitui uma mera conclusão, uma suposição, atinente a uma hipotética ou pretensa disposição de actuar de determinada maneira.
Vejamos.
Tendo em vista a selecção da matéria de facto, seja assente, seja controvertida, o tribunal deve ater-se a factos, não devendo aí incluir conceitos de direito ou juízos de valor sobre a matéria de facto (art.º 511.º n.º 1 do Código de Processo Civil). A instrução terá por objecto apenas factos (art.º 513.º do Código de Processo Civil) e, de acordo com o disposto no art.º 646.º n.º 4 do Código de Processo Civil, no julgamento da matéria de facto ter-se-ão por não escritas as respostas do tribunal sobre questões de direito. Esta solução aplicar-se-á, por analogia, às respostas que incidam sobre conclusões de facto, ou melhor, que constituam conclusões de facto, (cfr., v.g., Lebre de Freitas, Código de Processo Civil anotado, vol. 2º, Coimbra Editora, 2001, pág. 605 a 607), maxime quando tais conclusões têm a virtualidade de por si resolverem questões de direito a que se dirigem (neste sentido, cfr. Conselheiro Abel Simões Freire, “Matéria de Facto – Matéria de Direito”, Col. de Jur., acórdãos do STJ, ano XI, tomo III, pág. 5 e seguintes; idem, na jurisprudência, v.g., STJ, 10.12.2008, 08B2563, internet, Itij). Já o Prof. Alberto dos Reis dizia que o juiz deve ter na sua mente que “o questionário serve, em primeira linha, para fixar o quadro dentro do qual se há-de produzir a prova e que esta só pode ter por objecto factos positivos, materiais e concretos; tudo o que sejam juízos de valor, induções, conclusões, raciocínios, valorações de factos, é actividade estranha e superior à simples actividade instrutória” (Código de Processo Civil anotado, volume III, 4ª edição, Coimbra Editora, pág. 212). “O tribunal colectivo há-de ser perguntado sobre factos simples, e não sobre factos complexos, sobre factos puramente materiais, e não sobre factos jurídicos, sobre meras ocorrências concretas e não sobre juízos de valor, induções ou conclusões a extrair dessas ocorrências” (Código de Processo Civil anotado, citado, pág. 215).
Reproduzindo uma formulação utilizada em acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (de 23.4.2009, processo 674/04.3 TBCMN.S1, internet, Itij), dir-se-á “ser matéria de facto a que envolve os acontecimentos ou circunstâncias do mundo exterior, os fenómenos da natureza, as manifestações concretas dos seres vivos, incluindo as actuações dos seres humanos, sem excluir as do foro interno. Neste quadro, pode, grosso modo, considerar-se questão de facto a que visa determinar o que aconteceu, designadamente as ocorrências da vida real, ou seja, os eventos materiais e concretos, as mudanças operadas no mundo exterior.” Entre esses eventos incluem-se factos psicológicos internos, nomeadamente inseridos no processo de formação da vontade de negociar, que podem ser captados externamente por via do comportamento de quem emitiu a declaração de vontade (neste sentido, o citado acórdão do STJ, de 23.4.2009). Ponto é que esteja em causa um facto real, ocorrido.
No caso dos autos, repete-se, o tribunal a quo deu como provado que “em Março de 2000, um promotor imobiliário estaria disposto a comprar os 834 metros quadrados do prédio da recorrente por € 422.369,58.”
Não se deu como provado que um concreto promotor imobiliário manifestou a intenção de dar o referido preço pelo prédio sub judice. O que no ponto 10 sub judice está em causa é uma figura abstracta, como por exemplo o “bom pai de família” que, na falta de outro critério legal, serve de padrão na apreciação da culpa do agente no âmbito da responsabilidade civil (n.º 2 do art.º 487.º do Código Civil). Ora, assim como é de rejeitar um quesito em que se pergunte se um (abstracto, medianamente diligente) condutor de veículo automóvel, colocado nas circunstâncias do agente, teria conseguido evitar o acidente (v.g., travando ou mudando de direcção), assim é de recusar um quesito em que se pergunte se um (abstracto) promotor imobiliário estaria disposto a dar um determinado preço por um determinado prédio. Tanto num como noutro exemplo, a resposta a essa questão envolve um juízo conclusivo, uma operação mental de valoração de elementos de facto que deverão, esses sim, ser alvo directo da produção de prova. Foi a essa operação mental que o tribunal a quo procedeu para, finalmente, redigir o ponto 10 da matéria de facto, conforme resulta da leitura da sentença, na parte respeitante à fundamentação da decisão sobre a matéria de facto. Nesse segmento da sentença o tribunal explica porque razão concluiu que o valor do prédio da expropriada no mercado de promoção imobiliária era o valor da indemnização indicado pelo laudo maioritário da avaliação (€ 422.369,58). Aí se escreveu que o prédio da expropriada se integra no lote ... de um determinado alvará de loteamento, que esse alvará foi emitido de acordo com o Plano de Urbanização da Cidade de Lisboa, que a ... constituía uma zona de desenvolvimento do parque habitacional de Lisboa, que não há sinais de que o alvará de loteamento caducou, que para edificar no lote era necessário adquirir a parcela de terreno pertencente à “B”, que a parte do terreno pertencente à “B” abarca um talude, que o planeamento camarário apontava para a delimitação de lotes para edificação no próprio terreno da “B”, inclusivamente com o prolongamento de uma rua, que o terreno da “B” é ocupado com construções abarracadas, que por tudo isso a “B” tenderia a vender o terreno por um valor não excessivamente elevado, que o talude provocaria custos de construção de dimensão muito reduzida, que os peritos maioritários esclareceram no tribunal que a tabela que utilizaram na sua avaliação (tabela de avaliação do imposto municipal sobre imóveis) aponta para valores que tendem a apenas reflectir 70% ou 80% do efectivo valor dos prédios no mercado de promoção imobiliária, que esses peritos também realçaram que não tiveram em conta a potencialidade edificativa no subsolo, que o prédio da expropriada se situa, no PDM, numa área de estruturação urbanística habitacional.
Em suma, o ponto 10 da “matéria de facto” consubstancia a avaliação feita pelo tribunal a quo do prédio da expropriada, tendo em vista a fixação da indemnização que lhe é devida. Ora, essa avaliação não cabe na enunciação dos factos provados, mas na fase seguinte, de apreciação dos factos provados conjugada com a análise e a aplicação do direito.
Entendemos, pois, que o ponto 10 da matéria de facto deve ser considerado não escrito.
No ponto 11 da matéria de facto consignou-se que “por força da expropriação das parcelas 2 e 7, a edificação na parte sobrante do prédio da recorrente tornou-se inviável, tendo esta parte sobrante do prédio perdido quase todo o seu valor comercial no mercado de promoção imobiliária.”
Está em causa apurar se se verificam os requisitos previstos pelo art.º 3.º n.º 2 do CE para que a expropriação de um prédio, que inicialmente apenas incidia sobre parte do mesmo, se alargue à sua totalidade. Nos termos das duas alíneas do n.º 2 do art.º 3.º do CE, o proprietário pode requerer a expropriação total se a parte restante não assegurar, proporcionalmente, os mesmos cómodos que oferecia todo o prédio (alínea a)) ou se os cómodos assegurados pela parte restante não tiverem interesse económico para o expropriado, determinado objectivamente (alínea b)).
Também aqui (ponto 11 da matéria de facto) a expropriante/apelante alega que se está perante uma mera conclusão, uma simples opinião.
Afigura-se-nos que também nesta parte a recorrente tem razão. Dizer-se que a edificação na parte sobrante tornou-se inviável e que a parte sobrante perdeu quase todo o seu valor comercial no mercado de promoção imobiliária é um juízo que deverá alicerçar-se em factos que a sustentem. No que concerne a este ponto n.º 11 da “matéria de facto” o tribunal a quo não se pronunciou, em sede de fundamentação da decisão de facto, especificamente, sendo certo que quando, no último parágrafo da 6.ª página da sentença, menciona, para fundamentar, o “facto provado n.º 11”, trata-se de lapso, pois vê-se, pelo conteúdo do exarado, que se está a referir ao facto provado n.º 12.
Consequentemente, considera-se não escrito o ponto 11 da matéria de facto. Segunda questão (expropriação total)
O direito à propriedade privada e à sua transmissão em vida e por morte é garantido a todos, “nos termos da Constituição” (n.º 1 do art.º 62.º da Constituição da República Portuguesa - CRP).
A expropriação, acto de autoridade ablativo ou destruidor de um direito de propriedade privada, motivado por razões de utilidade pública ou de interesse geral, insere-se na ressalva supra citada e está expressamente regulado, na CRP, logo de seguida à consagração do direito à propriedade privada: “A requisição e a expropriação por utilidade pública só podem ser efectuadas com base na lei e mediante o pagamento de justa indemnização” (n.º 2 do art.º 62.º da CRP).
Também o Código Civil estabelece, no art.º 1308.º, sob a epígrafe “Expropriações” que “ninguém pode ser privado, no todo ou em parte, do seu direito de propriedade senão nos casos fixados na lei.”
A expropriação subordina-se, nomeadamente, ao princípio da proporcionalidade (art.º 2.º do Código das Expropriações), devendo limitar-se ao necessário para a realização do seu fim (n.º 1 do art.º 3.º do CE).
Porém, quando seja necessário expropriar apenas parte de um prédio, o n.º 2 do art.º 3.º do CE estipula que o proprietário pode requerer a expropriação total: “a) Se a parte restante não assegurar, proporcionalmente, os mesmos cómodos que oferecia todo o prédio; b) Se os cómodos assegurados pela parte restante não tiverem interesse económico para o expropriante, determinado objectivamente”.
Tal requerimento, no caso da expropriação litigiosa, deve ser formulado no prazo do recurso da decisão arbitral (art.º 55.º n.º 1).
Em interligação com estes preceitos, dispõe o art.º 29.º, n.º 1, do CE, que “nas expropriações parciais, os árbitros ou os peritos calculam sempre, separadamente, o valor e o rendimento totais do prédio e das partes abrangidas e não abrangidas pela declaração de utilidade pública.”
Só não haverá lugar à avaliação da parte não expropriada, nos termos supra referidos, quando os árbitros ou os peritos concluírem que não ocorrem as circunstâncias que justificariam a expropriação total – o que deverão justificar (n.º 3 do art.º 29.º do CE).
No caso sub judice, os árbitros procederam tão só à avaliação das duas parcelas expropriadas, sem apresentarem qualquer justificação para a não consideração da parte restante do imóvel.
Chegado o processo à fase judicial, a expropriada requereu que a expropriação abarcasse a totalidade do seu imóvel. Alegou que o solo expropriado é uma parcela de um lote de terreno para construção urbana como tal consagrado em alvará de loteamento concedido pela Câmara Municipal de Lisboa. O lote destinava-se à edificação de um prédio de habitação, com ocupação do sub-solo para estacionamento. A amputação do lote da área expropriada inviabiliza a prevista edificação. Por outro lado, a configuração da área sobrante (296 m2, no total de 834 m2, área do prédio da expropriada) não permitiria, na prática, qualquer aproveitamento edificativo para a mesma.
Na sua resposta a expropriante opôs-se à expropriação total alegando que o lote em causa não pertencia na totalidade à expropriada, o alvará tinha caducado e entretanto o PDM de Lisboa integrara o local em “área de equipamentos e serviços”, pelo que a expropriada não podia proceder no seu imóvel à invocada edificação. Assim, a expropriação não causava os prejuízos invocados, não fazendo sentido alargá-la à área sobrante do imóvel.
Vejamos.
A indemnização devida à expropriada calcula-se levando em consideração as circunstâncias e condições de facto existentes à data da publicação da declaração de utilidade pública (n.º 1 do art.º 23.º do CE). Entre as circunstâncias a considerar incluem-se os instrumentos de ordenamento do território então em vigor e demais legislação pertinente.
Resulta dos factos provados que à data da publicação da declaração de utilidade pública da expropriação (que, de resto, ocorreu menos de um mês após a emissão da declaração de utilidade pública – n.º 5 da matéria de facto) a expropriada era proprietária (gozava da presunção inerente à respectiva inscrição no registo predial – art.º 7.º do Código do Registo Predial) de um imóvel com a área de 834 m2, que havia sido constituído, conjuntamente com uma parcela de 263 m2 de um prédio pertencente à “B”, em lote destinado à edificação de prédios de habitação (n.ºs 1 a 4 da matéria de facto). O aludido lote havia sido constituído no âmbito de um alvará emitido pela Câmara Municipal de Lisboa a favor da ora expropriada, o qual autorizava o fraccionamento de uma parcela de terreno e a constituição de 14 lotes, todos destinados à edificação de prédios de habitação (n.º 1 da matéria de facto).
À data da DUP e bem assim da emissão do aludido alvará o regime jurídico das operações de loteamento urbano estava contido no Dec.-Lei n.º 400/84, de 31.12. A expropriante alega que em virtude de inércia da expropriada em dar execução ao alvará, o mesmo caducou, ao abrigo do disposto no art.º 54.º do referido Dec.-Lei n.º 400/84.
O n.º 1 do mencionado art.º 54.º comina a caducidade da licença de loteamento, se a aprovação dos projectos definitivos das obras de urbanização não for requerida nos prazos estabelecidos (alínea a)), se o alvará não for requerido no prazo devido (alínea b)), se o alvará não for emitido no prazo fixado sem oposição ou recurso do acto (alínea c)), se as obras de urbanização não forem iniciadas no prazo de 1 ano a contar da data do alvará ou da data da notificação judicial avulsa ou do trânsito da sentença ou acórdão (alínea d)), se, decorrido 1 ano sobre a emissão do alvará ou sobre a notificação judicial avulsa, ou do trânsito da sentença, as obras de urbanização estiverem suspensas por mais de 3 meses ou forem abandonadas, quando não tenha sido fixado prazo para a sua conclusão (alínea e)), se não for reforçada, após determinação da câmara municipal, a caução prestada para garantir a regular execução das obras de urbanização (alínea f)), se, por causa imputável ao titular da licença, se verificar o incumprimento do contrato de urbanização (alínea g)).
No caso dos autos, não se demonstra que tenha ocorrido alguma das aludidas causas de caducidade.
É certo que a expropriada nada havia edificado na sua parte do lote ..., à data da DUP. Porém, o alvará respeitava a uma parcela de terreno muito mais extensa, pertencente à expropriada, cujo fraccionamento em 14 lotes fora autorizada. Ora, não resulta dos autos que a expropriada não deu sequência às operações subsequentes ao loteamento, nomeadamente à realização de trabalhos de urbanização e edificação em todos (à excepção do lote ...) ou parte deles. A CML, entidade emissora do alvará, informou a fls 390 dos autos (ofício datado de 13.3.2002) que “o alvará nº .../90 foi emitido e parcialmente executado, não constando que o loteador tenha dado motivos à Câmara para ser declarado caduco.” Em nova informação da CML, datada de 30.7.2009 e constante a fls 834 e 835 dos autos, mais uma vez se diz que “não tendo mais informações disponíveis, não é possível afirmar peremptoriamente se ocorreram, ou não, causas de caducidade da licença de loteamento. Sempre poderemos acrescentar, todavia, queda comparação da planta do loteamento, e respectiva área de intervenção, com uma ortofoto datada de 2006 (que se juntam em anexo), parece-nos que naquela área foram realizadas as necessárias infra-estruturas.”
Outra questão suscitada pela expropriante é a da inserção do prédio da expropriada, pelo Plano Director Municipal (PDM) de Lisboa, em área destinada a “equipamentos e serviços.”
O Plano Director Municipal de Lisboa, publicado no D.R., I série-B, de 29.9.1994, “tem por objectivo estabelecer as regras a que deve obedecer a ocupação, uso e transformação do território municipal, e definir as normas gerais de gestão urbanística a utilizar na execução do Plano” (n.º 1 do art.º 1.º do Regulamento do PDN), na totalidade da área do território do município de Lisboa (n.º 2 do art.º 1.º do Regulamento). Sofreu alterações, todas posteriores à DUP, que não abarcaram a área onde se localiza o prédio expropriado.
Na arbitragem consignou-se que as duas parcelas expropriadas se enquadram numa zona classificada pelo PDM de área de equipamentos e serviços públicos.
Também na perícia singular, que teve por objecto a pedida expropriação total, se disse que de acordo com o PDM o lote ... integra-se em área de equipamento e serviços (fls 427 dos autos).
Na perícia colegial que se lhe seguiu, tendo também por objecto o requerimento de expropriação total, os peritos encararam a área onde ocorreu a expropriação como solo apto para construção (fls 482 a 489 e fls 496 a 500).
Na perícia realizada tendo em vista a avaliação prevista no art.º 61.º n.º 2 do CE, os cinco peritos consideraram que o PDM de Lisboa enquadra as parcelas em “área consolidada de edifícios de utilização colectiva habitacional” (fls 752).
O tribunal a quo, com base na consulta da pertinente planta anexa ao PDM, considerou que o prédio da expropriada se situa numa “área de estruturação urbanística habitacional”, dando correspondentemente como não provado que “as parcelas 2 e 7 situam-se numa “área de equipamentos e serviços”, de acordo com o Plano Director Municipal de Lisboa, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 94/94, de 29 de Setembro.”
Face a tudo o exposto e consultado o PDM, não vemos razões para dissentir do tribunal a quo quanto a este aspecto. De resto, estranho seria que tendo sido emitido um alvará de loteamento expressamente destinado à construção de edifícios para habitação, posteriormente a CML confinasse a mesma área a equipamentos colectivos e serviços públicos. Alteração essa que não foi sinalizada aquando das informações prestadas pela CML ao tribunal, supra mencionadas.
A expropriante alega ainda que o facto de o terreno em que se implantava o lote ... não pertencer na totalidade à expropriada impedia a edificação, pelo que a expropriação era irrelevante nesse aspecto, não se justificando a expropriação total.
A CML informou que a construção do edifício de habitação tido em vista para o lote ... pressupunha o emparcelamento dos dois terrenos, de donos diferentes, a que o lote respeitava (cfr. fls 390 e fls 829).
Na perícia colegial (três peritos) realizada tendo em vista a apreciação da expropriação total (em que interveio, como perito do tribunal, o perito que efectuara a perícia singular com o mesmo objecto), o perito indicado pela expropriante defendeu que a parte sobrante oferecia proporcionalmente a mesma utilidade e valor que antes da expropriação, não se justificando a expropriação total, pois o lote não se encontrava completo e não podia ser utilizado nos moldes previstos no loteamento sem essa prévia operação de emparcelamento. Mais escreveu que nada impediria o interessado de juntar a outros terrenos seus ou de vizinhos a área remanescente, gerindo aí a volumetria correspondente a essa área.
Os outros dois peritos não encararam a necessidade do emparcelamento como obstáculo à avaliação do terreno da expropriada à luz da edificabilidade permitida pelo alvará do loteamento, na parte correspondente ao prédio da expropriada. A essa luz avaliaram o terreno da expropriada em € 546 400,00. Depois, consideraram que a parte sobrante, com a área de 298 m2, tinha uma configuração geométrica que não viabilizava um projecto de arquitectura de qualidade e economicamente viável, pelo que sofria uma depreciação que quantificaram em € 164 465,00.
Na perícia de avaliação (cinco peritos, em que se incluíam, como perito da expropriante, o que já interviera nessa qualidade na anterior perícia colegial, e como perito da expropriada, também aquele que nessa qualidade interviera na anterior perícia colegial) o perito da expropriante e um dos peritos do tribunal reiteraram, em termos idênticos, a opinião negativa anteriormente manifestada pelo perito da expropriante quanto à expropriação total. Os restantes peritos (o perito da expropriada e os outros dois do tribunal) avaliaram o prédio da expropriada pela totalidade e depois, em termos de estrita proporcionalidade, avaliaram as parcelas expropriadas.
Quatro dos peritos (os da expropriada e da expropriante e dois do tribunal) prestaram esclarecimentos oralmente, os quais foram gravados.
Da audição das gravações resulta que os peritos maioritários consideraram que o facto de parte do terreno conformador do lote ... pertencer à “B” não retirava valor de mercado à parte pertencente à expropriada, embora o reduzisse, e tiveram essa dificuldade em conta na avaliação. Segundo esses peritos (Eng. “C” e Eng. “D”), estava em causa um bom negócio para ambas as partes (expropriada e “B”), pelo que era expectável que a edificação prevista no loteamento se fizesse, tanto mais que no local a “B” só tinha uns barracões, tipo armazéns, onde construía cenários. Referiram casos de empreendimentos imobiliários, nomeadamente no Parque dos ..., que se fizeram com lotes formados com terrenos adquiridos a donos diversos, alguns instituições religiosas, pouco dadas a desfazerem-se do seu património. O valor a que os três peritos maioritários chegaram na avaliação, para o prédio da expropriada, correspondia a metade do preço por que era possível vender em Lisboa um terreno para prédios de habitação que não estivesse sujeito à referida limitação, de acordo com exemplos concretos que enumeraram. Mais disseram que a parte sobrante do prédio expropriado formava um terreno pequenino e com uma configuração que formava um ângulo que não permitia erigir um edifício com qualidade arquitectónica, de tal modo que um lote com aquela forma não seria vendável.
Para os peritos da tese minoritária (Eng. “E” e Eng. “F”), havia uma incerteza enorme quanto à viabilidade do negócio entre a expropriada e a “B”, sendo certo que decorridos 10 anos entre a emissão do alvará e a DUP, nada havia sido feito nesse sentido. Assim sendo, a amputação da parte expropriada não afectara especialmente a parte sobrante, sendo certo que, quanto a esta, era possível à expropriada negociar com o vizinho do lado, tendo em vista a viabilização de um lote urbano.
O tribunal a quo seguiu o caminho apontado pelos peritos maioritários, tendo inclusive dado como “provado”, conforme supra referido, que “por força da expropriação das parcelas 2 e 7, a edificação na parte sobrante do prédio da recorrente tornou-se inviável, tendo esta parte sobrante do prédio perdido quase todo o seu valor comercial no mercado de promoção imobiliária.”
Um juízo final sobre esta matéria está associado com o da avaliação das parcelas expropriadas, da parte sobrante e da totalidade do prédio, o que se prende com a terceira questão (fixação da indemnização), que passaremos a apreciar. Terceira questão (valor da indemnização)
Estatui o art.º 23.º, n.º 1, do Código das Expropriações que “a justa indemnização não visa compensar o benefício alcançado pela entidade expropriante, mas ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação, correspondente ao valor real e corrente do bem de acordo com o seu destino efectivo ou possível numa utilização económica normal, à data da publicação da declaração de utilidade pública, tendo em consideração as circunstâncias e condições de facto existentes naquela data.”
O art. 24.º n.º 1 acrescenta que o montante da indemnização é calculado com referência à data da declaração da utilidade pública, sendo actualizado à data da decisão final do processo de acordo com a evolução do índice de preços no consumidor, excluindo a habitação.
Para efeito do cálculo da indemnização por expropriação, o solo classifica-se em “solo apto para a construção” e “solo para outros fins” (art.º 25.º n.º 1 do CE).
Considera-se solo apto para a construção não só o que dispõe de acesso rodoviário e de rede de abastecimento de água, de energia eléctrica e de saneamento, com características adequadas para servir as edificações nele existentes ou a construir (alínea a) do n.º 2 do art.º 25.º do CE), como também aquele que apenas dispõe de parte dessas infra-estruturas mas se integra em núcleo urbano existente (alínea b) do referido n.º 2), ou está destinado, de acordo com instrumento de gestão territorial, a adquirir as características primeiramente referidas (alínea c) do n.º 2 do art.º 25.º) ou, não reunindo nenhuma das características atrás mencionadas, possui alvará de loteamento ou licença de construção em vigor no momento da declaração de utilidade pública, desde que o respectivo processo se tenha iniciado antes da notificação ao expropriado da resolução de requerer a declaração de utilidade pública da expropriação (alínea d) do n.º 2 do art.º 25.º do CE).
Considera-se solo para outros fins o que não se encontra em qualquer das situações supra referidas (n.º 3 do art.º 25.º do CE).
Nestes autos todos os peritos classificaram as parcelas expropriadas como solo apto para a construção, classificação essa que foi acolhida na sentença recorrida e não é questionada pela apelante nem por esta Relação.
Nos termos do n.º 1 do art.º 26.º do CE, “o valor do solo apto para a construção calcula-se por referência à construção que nele seria possível efectuar se não tivesse sido sujeito a expropriação, num aproveitamento económico normal, de acordo com as leis e os regulamentos em vigor, nos termos dos números seguintes e sem prejuízo do disposto no n.º 5 do artigo 23.º.
O n.º 2 do mesmo artigo preceitua que “o valor do solo apto para construção será o resultado da média aritmética actualizada entre os preços unitários de aquisições ou avaliações fiscais que corrijam os valores declarados, efectuadas na mesma freguesia e nas freguesias limítrofes nos três anos, de entre os últimos cinco, com média anual mais elevada, relativamente a prédios com idênticas características, atendendo aos parâmetros fixados em instrumento de planeamento territorial, corrigido por ponderação da envolvente urbana do bem expropriado, nomeadamente no que diz respeito ao tipo de construção existente, numa percentagem máxima de 10%.
Para os efeitos previstos no aludido número 2, “os serviços competentes do Ministério das Finanças deverão fornecer, a solicitação da entidade expropriante, a lista das transacções e das avaliações fiscais que corrijam os valores declarados efectuadas na zona e os respectivos valores” (n.º 3 do art.º 26.º)
“Caso não se revele possível aplicar o critério estabelecido no n.º 2, por falta de elementos, o valor do solo apto para construção calcula-se em função do custo da construção, em condições normais de mercado, nos termos dos números seguintes.” (n.º 4 do art.º 27.º).
De acordo com o n.º 5 do mesmo preceito, “na determinação do custo de construção atende-se, como referencial, aos montantes fixados administrativamente para efeitos de aplicação dos regimes de habitação a custos controlados ou de renda condicionada.”
No número seguinte explicita-se que “num aproveitamento economicamente normal, o valor do solo apto para a construção deverá corresponder a um máximo de 15% do custo da construção, devidamente fundamentado, variando, nomeadamente, em função da localização, da qualidade ambiental e dos equipamentos existentes na zona, sem prejuízo do disposto no número seguinte” (n.º 6).
No n.º 7 prevê-se que a aludida percentagem de 15% seja acrescida de percentagens parcelares, fixadas em valores máximos, de acordo com a existência de nove tipos de infra-estruturas, que correspondem a um máximo total admissível de mais 10%: “a) Acesso rodoviário, com pavimentação em calçada, betuminoso ou equivalente junto da parcela- 1,5%; b) Passeio em toda a extensão do arruamento ou do quarteirão, do lado da parcela – 0,5%; c) Rede de abastecimento domiciliário de água, com serviço junto da parcela – 1 %; d) Rede de saneamento, com colector em serviço junto da parcela – 1,5%; e) Rede de distribuição de energia eléctrica em baixa tensão com serviço junto da parcela – 1%; f) Rede de drenagem de águas pluviais com colector em serviço junto da parcela – 0,5 %; g) Estação depuradora, em ligação com a rede de colectores de saneamento com serviço junto da parcela – 2%; h) Rede distribuidora de gás junto da parcela – 1 %; i) Rede telefónica junto da parcela – 1 %.”
Reportando-se em particular a eventuais condições especiais do local com influência no custo da construção, no n.º 8 do artigo 26.º estabelece-se ainda que “se o custo da construção for substancialmente agravado ou diminuído pelas especiais condições do local, o montante do acréscimo ou da diminuição daí resultante é reduzido ou adicionado ao custo da edificação a considerar para efeito da determinação do valor do terreno.”
Tendo em consideração a eventual sobrecarga para as infra-estruturas existentes que o aproveitamento urbanístico comportaria, dispõe o n.º 9 que “se o aproveitamento urbanístico que serviu de base à aplicação do critério fixado nos nºs 4 a 8 constituir, comprovadamente, uma sobrecarga incomportável para as infra-estruturas existentes, no cálculo do montante indemnizatório deverão ter-se em conta as despesas necessárias ao reforço das mesmas.”
No n.º 10 estipula-se a aplicação de um factor correctivo, pela inexistência do risco e do esforço inerente à actividade construtiva: “O valor resultante da aplicação dos critérios fixados nos nºs 4 a 9 será objecto da aplicação de um factor correctivo pela inexistência do risco e do esforço inerente à actividade construtiva, no montante máximo de 15 % do valor da avaliação.”
Relativamente a solos aptos para construção situados em áreas críticas de recuperação e reconversão urbanística, no n.º 11 estabelece-se que “no cálculo do valor do solo apto para a construção em áreas críticas de recuperação e reconversão urbanística, legalmente fixadas, ter-se-á em conta que o volume e o tipo de construção possível não deve exceder os da média das construções existentes do lado do traçado do arruamento em que se situe, compreendido entre duas vias consecutivas.”
Finalmente, no n.º 12, estipula-se que “sendo necessário expropriar solos classificados como zona verde, de lazer ou para instalação de infra-estruturas e equipamentos públicos por plano municipal de ordenamento do território plenamente eficaz, cuja aquisição seja anterior à sua entrada em vigor, o valor de tais solos será calculado em função do valor médio das construções existentes ou que seja possível edificar nas parcelas situadas numa área envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300 m do limite da parcela expropriada.”
Pese embora a Constituição tenha remetido para o legislador ordinário a fixação dos critérios conducentes ao apuramento da indemnização por expropriação, ao exigir que esta seja “justa” impõe a observância dos princípios materiais da igualdade e da proporcionalidade, assim como o direito geral à reparação dos danos, como corolário do Estado de direito democrático (art.º 2.º da Constituição da República Portuguesa).
A “justa indemnização” deve ter como referência o valor real do bem expropriado.
Ora, numa sociedade de mercado como a nossa, o valor real é o valor corrente, o valor venal, numa situação de normalidade económica (cfr., entre muitos, v.g., acórdão n.º 408/2008 do Tribunal Constitucional, de 31.7.2008, in D.R. 2ª série, de 24.9.2008, pág. 40234; sobre a jurisprudência constitucional nesta matéria, veja-se o estudo de Fernando Alves Correia, “A jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre Expropriações por Utilidade Pública e o Código das Expropriações de 1999”, publicado na Revista de Legislação e Jurisprudência, n.ºs 3904 a 3914 e, mais recentemente, do mesmo autor, “Manual de Direito do Urbanismo”, vol. II, citado, páginas 217 a 221, nota 189).
Como escreveu Fernando Alves Correia (in “O plano urbanístico e o princípio da igualdade”, Almedina, 1989, pág. 546), “a indemnização calculada de acordo com o valor de mercado, isto é, com base na quantia que teria sido paga pelo bem expropriado se este tivesse sido objecto de um livre contrato de compra e venda, é aquela que está em melhores condições de compensar integralmente o sacrifício patrimonial do expropriado e de garantir que este, em comparação com outros cidadãos não expropriados, não seja tratado de modo desigual e injusto”.
O valor de mercado a ter em conta será, é certo, um valor “normativo”, extirpado do efeito de factores especulativos ou de situações criadoras de enriquecimentos injustificados (v.g., Alves Correia, “O plano urbanístico…”, citado, pág. 551).
É assim que na determinação do valor dos bens expropriados não pode tomar-se em consideração a mais-valia que resultar da própria declaração de utilidade pública da expropriação, de obras ou empreendimentos públicos concluídos há menos de cinco anos, no caso de não ter sido liquidado encargo de mais-valia e na medida deste, de benfeitorias voluptuárias ou úteis ulteriores à notificação do expropriado e dos demais interessados da resolução de requerer a declaração de utilidade pública da expropriação e de informações de viabilidade, licenças ou autorizações administrativas requeridas ulteriormente à notificação da resolução de requerer a declaração de utilidade pública da expropriação (n.º 2 do art.º 23º do CE). Também não serão considerados quaisquer factores, circunstâncias ou situações criadas com o propósito de aumentar o valor da indemnização (n.º 3 do art.º 23.º).
Posto isto, o valor dos bens deve “corresponder ao valor real e corrente dos mesmos, numa situação normal de mercado” (n.º 5 do art.º 23.º do CE). Se os critérios referenciais previstos nos artigos 26º e seguintes do CE não apontarem para tal valor, a entidade expropriante e o expropriado podem requerer, ou o tribunal decidir oficiosamente, “que na avaliação sejam atendidos outros critérios para alcançar aquele valor” (n.º 5 do art.º 23.º do CE).
No que diz respeito aos aludidos critérios referenciais, a lei aponta como padrão principal, seja tratando-se de solo apto para a construção, seja de solo para outros fins, os preços unitários de aquisições ou avaliações fiscais que corrijam os valores declarados, dentro dos limites temporais e espaciais referidos nos artigos 26º n.º 1 e 27.º n.º 1 do CE.
Se não for possível aplicar esse critério, por falta de elementos, é que se aplicará o critério atinente ao custo da construção (n.º 4 do artº 26.º) ou ao rendimento efectivo ou possível do solo em questão (n.º 3 do art.º 27.º).
No caso dos autos não existiam os aludidos elementos, pelo que se partiu para a aplicação do disposto nos n.ºs 4 e seguintes do art.º 26.º do CE.
Na arbitragem considerou-se, como se escreveu supra, que as parcelas expropriadas se enquadravam numa zona classificada de área de equipamentos e serviços, pelo que o valor do solo, que era apto para construção, deveria ser calculado em função do valor médio das construções existentes ou que fosse possível edificar nas parcelas situadas numa área envolvente cujo perímetro se situasse a 300 metros do limite das parcelas expropriadas (ou seja, apelou-se para o disposto no n.º 12 do art.º 26.º do CE). Essa área envolvente seria, segundo a arbitragem, área de estruturação urbanística habitacional, a que correspondia um índice de ocupação de 1,8 e um “custo unitário de construção” de Esc. 100 000$00 (€ 498,80). Aplicando a esses valores um índice fundiário de 15% + 8% = 23%, atendendo às infra-estruturas existentes, chegou-se à indemnização, para as duas parcelas, respectivamente, de (1,8 x 0,23 x 100 000$00 x 321 m2) Esc. 13 289 400$00 (€ 66 287,25) e de (1,8 x 0,23 x 100 000$00 x 215 m2) Esc. 8 901 000$00 (€ 44 398,00), no total de Esc. 22 190 400$00, ou seja, € 110 685,24.
Como se disse supra, na perícia colegial realizada tendo em vista a avaliação prevista no art.º 61.º n.º 2 e 62.º do CE (datada de 20.5.2008), todos os peritos consideraram que as parcelas expropriadas são enquadradas no PDM de Lisboa em área consolidada de edifícios de utilização colectiva habitacional.
Dois dos peritos (um do tribunal e o da expropriante) seguiram o seguinte raciocínio:
O alvará de loteamento n.º.../90 prevê, como volumetria de construção, 1 668 m2 abaixo do solo (lugares de estacionamento em dois pisos) e 667 m2 acima da cota do solo (habitação ou comércio).
A Portaria 1425-B/07, de 31.10 fixa, para o concelho de Lisboa, o custo unitário de construção em € 721,28/m2 área útil. Assim, adoptou-se um valor contemporâneo de € 800,00 por m2 de área bruta, para a construção acima do solo. No caso dos estacionamentos, abaixo do solo, estimou-se o custo de construção em € 400,00/m2.
Entendeu-se que a percentagem relacionando o valor do terreno e a construção seria de 23%, aceitando-se a utilizada na arbitragem, por corresponder ao grau das infra-estruturas existentes.
Invocando a inexistência, à data da vistoria ad perpetuam rei memoriam, de quaisquer indícios de um aproveitamento futuro para construção, apesar de o terreno ser da expropriada havia mais de 10 anos, o que imputaram aos problemas ligados ao facto de ser necessário um prévio emparcelamento do terreno da expropriada com o da “B”, estes dois peritos entenderam ser de aplicar o factor correctivo previsto no n.º 10 do art.º 26.º do CE (inexistência do risco e do esforço inerente à actividade construtiva), no valor de 7,5%.
Assim, calcularam o custo da construção possível no terreno com 834 m2, em € 1 160 000,00 (616 m2 x € 800,00 + 1 668 m2 x € 400,00). Correspondentemente, o valor do terreno da expropriada, à data da avaliação, era de € 247 790,00 (€ 1 160 000,00 x 0,23 x 0,925).
Proporcionalmente, calcularam as duas parcelas expropriadas (no total de 536 m2) em € 158 608,44 e a parcela sobrante em € 88 181,56.
Tendo em consideração o coeficiente de desvalorização da moeda de 2000 a 2007 de 1,2517, fixaram em € 197 163,86 o valor da totalidade do terreno da expropriada, em € 126 714,42 o valor das duas parcelas expropriadas e em € 70 449,44 a parte sobrante.
Uma vez que, no entender destes peritos, a amputação da parcela expropriada não se traduz em prejuízo objectivo para a parcela sobrante, estes dois peritos concluíram que a indemnização devida, a preços de 2000, seria de € 126 714,42.
Os outros três peritos (dois do tribunal e o da expropriada) seguiram um percurso diferente.
Segundo eles, os valores acima determinados pelos dois peritos ficavam substantivamente aquém dos valores que a sua experiência avaliatória reconhecia serem os normalmente praticados naquela zona de Lisboa. Consideraram que com a aprovação do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis – CIMI, o Estado estabeleceu uma fórmula de cálculo do valor patrimonial tributário cujos montantes constituem, de um modo geral, uma razoável aproximação ao valor real e corrente do bem.
Aplicaram, assim, os valores e formas de cálculo previstos nos artigos 38.º a 45.º do CIMI (aprovado pelo Dec.-Lei n.º 287/2003, de 12.11, rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 4/2004, de 09.01), conjugados com o disposto nas Portarias 982/2004, de 4.8, 1426/2004, de 25.11 e 1119/2009, de 30.9.
Ou seja, consideraram:
a) uma área dependente de 1668 m2 abaixo do solo (estacionamento) e uma área acima da cota do solo de 616 m2 (habitação ou comércio), a que corresponde uma área relevante de 616 m2 + 1668 m2 x 0,30 = 1 116,40 m2 (art.º 40.º n.ºs 1 e 3 do CIMI);
b) um valor de base dos prédios edificados de € 615,00/m2 (art.º 39.º n.º 1 do CIMI e Portaria n.º 16-A/2008, de 9.6);
c) um coeficiente de afectação (habitação) de 1 (art.º 41.º do CIMI);
d) um coeficiente de localização de 2,2 (art.º 42.º do CIMI e Portaria n.º 1426/2004, de 25.11);
e) um coeficiente de qualidade e conforto (caso de moradias) de 1 (art.º 43.º do CIMI e Portaria n.º 982/2004, de 4.8);
f) uma percentagem de área de implantação de 35% (art.º 45.º do CIMI e Portaria n.º 982/2004, de 4.8).
Aplicada a fórmula prevista no art.º 38.º do CIMI, alcançou-se o valor, para a totalidade do imóvel da expropriada, de 1 116,40 m2 x € 615,00 x 1 x 2,2 x 1 x 0,35 = € 528 671,22, que os senhores peritos arredondaram para € 528 680,00.
Aplicando o coeficiente de desvalorização da moeda de 2000 a 2007 (1,2517), alcançaram o valor de € 422 369,58.
Proporcionalmente, fixaram o valor das parcelas expropriadas em € 271 454,82.
Conforme se disse supra, os peritos prestaram oralmente esclarecimentos ao tribunal, os quais foram já sintetizados. Resta acrescentar, quanto ao valor em concreto da indemnização, que o perito Eng. “D” declarou que pertenceu à comissão das Finanças que fixou valores de referência para todo o país, para os efeitos de aplicação do CIMI. Esclareceu que nessa tarefa (empreendida pelas Finanças) pretendia-se fixar números que não excedessem 70%, 80%, do valor de mercado, para evitar reclamações dos contribuintes. Na avaliação a que os peritos maioritários procederam apontaram para um valor que ficou muito abaixo do de mercado, o que compensava a desvalorização emergente da separação patrimonial das duas parcelas que compunham o lote .... O Eng. “C” concretizou ter tido conhecimento de lotes transaccionados a valores entre € 850,00 a € 1 000,00 por metro quadrado, em zonas como ... e .... Ambos os peritos desvalorizaram a importância, para o custo da edificação, do desnível de solo existente entre o terreno da “B” e o da expropriada.
Acautelando a possibilidade de o depoimento das testemunhas contrariar relevantemente os esclarecimentos dos senhores peritos, procedeu-se à audição dos depoimentos daquelas, cuja gravação consta dos autos.
A testemunha “G”, arquitecta, que elaborou para a expropriada os projectos de arquitectura de todos os lotes do loteamento em questão, declarou que na zona expropriada, em 2000, vendia-se construção acima do solo à razão de € 700,00, € 750,00 por metro quadrado, sendo o edificado abaixo do solo transaccionado à razão de metade daquele valor. O terreno em regra era avaliado em 30% do valor do edificado. As construções da “B” no local, à data da DUP, eram grandes barracões, com aparência temporária.
O Eng. “H”, amigo de um dos sócios da expropriada, e a testemunha “I”, industrial da construção civil, conhecido dos sócios da expropriada, alvitraram que em 2000, naquele local, o lote de terreno valeria entre € 700,00 a € 750,00 por metro quadrado.
As testemunhas Eng. “J”, Eng. “L” e Eng. “M”, todos trabalhadores da expropriante que estiveram envolvidos nas obras da linha do Metro na zona, declararam que o talude existente no local dificultava a construção e nada adiantaram acerca do valor do terreno expropriado.
Tudo ponderado, não vemos razões para dissentir da opinião maioritária, em que se inscrevem dois dos peritos do tribunal, a qual foi seguida pelo tribunal a quo.
Segundo três dos peritos da avaliação (entre os quais se inscrevem dois dos peritos indicados pelo tribunal), secundados igualmente pela opinião do perito singular e pela posição maioritária da perícia colegial que incidiram sobre a pretensão da expropriação total, o prédio da expropriada, pese embora a circunstância de não abranger por si a totalidade do terreno que compunha o lote ..., tinha um valor de mercado muito superior ao que resultava da aplicação dos critérios previstos no art.º 26.º n.ºs 4 e seguintes do CE.
Ora, como decorre do que se ponderou supra, os critérios previstos nesse art.º 26.º são, como diz o texto legal, meramente referenciais, não podendo obstar a que a indemnização a conceder se paute pelo valor real e corrente do bem afectado pela expropriação, valor esse que é o de mercado, aquele por que o bem seria vendido em circunstâncias normais, sem a interferência de elementos especulativos e/ou constitutivos de enriquecimentos injustificados (realçando este enfoque, cfr., v.g., José Osvaldo Gomes, “Expropriações por utilidade pública”, Texto Editora, 1997, pág. 167; Pedro Elias da Costa, “Guia das expropriações por utilidade pública”, Almedina, 2003, pág. 258; Fernando Alves Correia, “A jurisprudência do tribunal constitucional…”, citado, RLJ, n.º 3910, pág. 15 e n.ºs 3913 e 3914, páginas 119 a 123, com reiteração in “Manual de Direito do Urbanismo”, vol II, citado, páginas 241 a 258, 269 a 285; João Pedro de Melo Ferreira, “Código das Expropriações anotado”, Coimbra Editora, 2007, páginas 192 e 193).
Justifica-se a expropriação total. A possibilidade de o prédio da expropriada ser emparcelado com o prédio da “B” a fim de se edificar um prédio de habitação é diferente da possibilidade de emparcelamento da parte sobrante do prédio da expropriada com outro terreno vizinho: no primeiro caso existe um emparcelamento concretamente viabilizado por um alvará de loteamento; no segundo caso, existe um evento minoritariamente alvitrado em sede pericial sem referência a nada de concreto, sendo certo que essa possibilidade não foi aventada nem na arbitragem nem nos articulados de interposição do recurso da arbitragem (e de expropriação total) e na respectiva resposta (peças com que se delimita o thema decidendum do processo – artigos 55.º n.º 1 e n.º 2, 58.º e 60.º do CE). Também a existência, ora alegada pela apelante, de construções e de serviços da “B” no terreno loteado conjuntamente com o da expropriada, com a consequente dificultação do emparcelamento, não foi invocada nas aludidas peças processuais, sendo certo que não ficou demonstrado que a existência dessas estruturas à data da DUP era de molde a demover um investidor imobiliário de adquirir à expropriada o seu prédio, caso esta o pretendesse alienar.
Concorda-se com o tribunal a quo, quando exarou na sentença que no caso em apreço o prédio da expropriada tinha um valor de mercado marcado pela potencialidade edificativa e pela existência de um loteamento e que com a expropriação a edificação tornou-se inviável e a parte sobrante perdeu quase todo o seu valor de mercado (para o que contribui a configuração dessa parte sobrante que, segundo a opinião maioritária dos peritos, não permite uma construção de qualidade, tornando essa parcela praticamente não vendável). Verifica-se, assim, a situação prevista na alínea a) do n.º 2 do art.º 3.º do CE, que funda a expropriação total do prédio inicialmente destinado tão só a um sacrifício parcial. Só assim, como acertadamente se pondera na sentença recorrida, se assegurará a reposição da igualdade entre os cidadãos perante os encargos públicos, exigida pelos artigos 13.º e 62.º, n.º 1, da CRP.
A utilização do CIMI como elemento a considerar na avaliação do prédio é aceitável, na medida em que constitui, conforme referido pelos peritos, um instrumento legislativo que permite uma maior aproximação ao valor real dos prédios (neste sentido, cfr. Alípio Guedes, “Valorização de bens expropriados”, 3ª edição, Almedina, 2008, páginas 95 e 138).
O valor devido pela expropriação total é, à data da DUP, de acordo com a opinião maioritária, sufragada pelo tribunal a quo e que se tem por suficientemente fundamentada, de € 422 369,58. Valor esse que, nos termos do art.º 24.º n.º 1 do CE, deverá ser actualizado até à data do trânsito em julgado da decisão final do processo de acordo com a evolução do índice de preços no consumidor, com exclusão da habitação (cfr., v.g., acórdão da Relação do Porto, 03.3.2010, 16390/04.3TJPRT.P1, e acórdão da Relação de Lisboa, 22.11.2007, 5813/2007-2, interne, Itij), sendo certo que o tribunal a quo actualizou aquele montante, à data da sentença (09.4.2010), para o valor de € 521 351,45 (sem reacção de qualquer das partes acerca dessa actualização).
O valor actualizado fixado pelo tribunal a quo, que se aceita, será por sua vez actualizado até à data do trânsito em julgado do presente acórdão.
A apelação é, assim, improcedente, devendo manter-se a sentença recorrida.
DECISÃO
Pelo exposto, julga-se a apelação improcedente e consequentemente mantém-se a sentença recorrida, com o esclarecimento de que o valor actualizado da indemnização, fixado pelo tribunal a quo, será por sua vez actualizado de acordo com a evolução do índice de preços no consumidor, com exclusão da habitação, desde a data da sentença até à data do trânsito em julgado deste acórdão.
As custas da apelação são a cargo da apelante.
Lisboa, 3 de Fevereiro de 2001
Jorge Manuel Leitão Leal Henrique Antunes Ondina Carmo Alves