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PRIMEIRO INTERROGATÓRIO JUDICIAL
PRAZO
DETENÇÃO ILEGAL
Sumário
Iº É orientação jurisprudencial uniforme do STJ, com apoio da doutrina, que, excedido o prazo máximo de 48 horas para apresentação de detido para o primeiro interrogatório judicial, tal não obsta a que se realize o interrogatório nem interfere com a legalidade da prisão preventiva que, por se verificarem os respectivos pressupostos, venha a ser decretada, pois são coisas distintas a ilegalidade resultante do excesso do prazo de detenção e a aplicação da medida de coacção; IIº Esgotado o período máximo de detenção sem que seja presente ao juiz de instrução, a lei faculta ao detido um meio de reagir contra essa situação: o habeas corpus contra detenção ilegal, previsto no art.º 220.º, a dirigir ao JIC; IIIº A Constituição, tal como a lei ordinária, não estabelecem um prazo certo para o juiz de instrução validar a detenção e aplicar a medida de coacção a um arguido que lhe foi apresentado detido, assim permanecendo depois do seu interrogatório. O prazo previsto no artigo 28.º, n.º 1, da Constituição, refere-se à submissão da detenção a apreciação judicial, e é de interpretar como um prazo para apresentação ao juiz; IVº O que o legislador constitucional pretende, no aludido preceito, é limitar a privação do direito à liberdade por via administrativa, especialmente a policial, que não poderá exceder as 48 horas; Vº A interpretação dos artigos 141.º, n.º 1, e 254.º, n.º 1, al. a), do Cód. Proc. Penal, que permite ao juiz validar a detenção do recorrente, após interrogatório, mesmo depois de ultrapassadas as 48 horas, não pode deixar de ter presente que o critério interpretativo neste campo tem de ser aquele que assegure a menor compressão possível dos direitos fundamentais e que a intervenção do juiz é vista como uma garantia de que essa compressão se situe nos apertados limites aceitáveis; VIº Não há princípio ou norma constitucional ou lei ordinária de que decorra uma proibição de, por determinação do juiz de instrução, em primeiro lugar, se executar o mandado de busca domiciliária e depois efectuar a detenção do buscado, excepto se, com esse modo de agir, se pretender prolongar o período de detenção; (Sumário elaborado pelo Relator).
Texto Integral
I – Relatório
No âmbito do processo comum, em fase de inquérito, que, sob o n.º 7/10.0 TELSB-B, corre termos pelo Departamento Central de Investigação e Acção Penal, em que é co-arguido A…, devidamente identificado nos autos, por decisão de 29.11.2010, foi este sujeito a medida coactiva de prisão preventiva.
Desse despacho interpôs o arguido A… o presente recurso para este Tribunal da Relação, com os fundamentos explanados na respectiva motivação, de que extraiu as seguintes conclusões (em transcrição, expurgadas das considerações desnecessárias e inúteis):
1. “Em 25.11.2010 o MMº Juiz a quo mandou deter o arguido ao abrigo dos 254-1-b), 257-1, 196 e 202-1-a) e b), 268-1 e 269-1 do CPP.
2. Em 27.11.2010 pelas 07H00, seis (6) Inspectores da Polícia Judiciária de entraram na residência do arguido identificado no Mandado de Detenção.
3. A mulher do arguido abriu a porta aos 6 Inspectores da PJ a essa hora e estes entraram na residência dirigindo-se de imediato ao quarto do requerente.
4. O arguido vestiu-se de imediato e foi vigiado, controlado ad nauseum pelos Srs. Inspectores da PJ a partir das: 7H00 de 27.11.2010; foi impedido de se afastar dos 6 Inspectores, de sair de casa ou de contactar quem quer que fosse, pelo que, face ao Mandado estava tecnicamente detido/retido pela PJ,
5. Os Srs. Inspectores da PJ tinham ordem emitida em 27.11.2010 pelo MMº JIC para “prender e conduzir ao TCIC o suspeito, para ser presente no prazo máximo de 48 horas após a sua detenção” – Doc. 1.
6. Os Srs Inspectores da PJ permaneceram na residência do req. Entre as 7H00 e as 9H55 d 27.11.2010 em busca de documentos e computadores.
7. (…)
8. (…)
9. Entre as 7H00 de 27.11 e as 10H00 de 29.11 decorreram 51 Horas: o req. só foi entregue ao Poder Judicial 51 horas após ser abordado pelos seis (6) Inspectores da Polícia Judiciária, sendo certo que o Mandado de Detenção emitido em 25.11 mandava prender e ser conduzido ao Tibunal. Doc. 1
10. A constatação de que ocorreu uma Busca/Auto de apreensão entre as 7H00 e as 10H00 e o arguido foi detido a esta hora é cripto-argumento que não colhe nem procede: na verdade, os 6 diligentes Inspectores da P.J. de Lisboa ao entrarem pelas 7H00 na residência, sabiam que tinham ordens para PRENDER e CONDUZIR AO TCIC e lhe deviam entregar de imediato o Mandado…
11. Se não entregaram o Mandado de Detenção de imediato e só o fizeram após 3 horas de permanência na residência, em busca de documentos/computadores sibi imputet tal demora ou cripto-argumento encontrado para “prorrogar ad eternum a detenção…”
12. A entrega do Mandado de Detenção de imediato tem como sinónimo: já, sem demora, contíguo, Atente-se que o Mandado contêm in fine: CUMPRA-SE, com as formalidades legais Prazo: A cumprir na data da realização das buscas já determinadas. Doc. 1
13. O MMº JIC mandou cumprir o Mandado de Detenção no acto da busca, em 29.11.2010 que se iniciou pelas 7H00…. Pelo que a esta hora estava o arguido impedido de sair de casa, por. Ex. de ir A... comer uma sopa da pedra ou até de contactar quem quer que fosse, impedido de abrir a porta e sair à rua, face ao circulo de 6 Inspectores da PJ que cumpriam a ordem emanada do Poder Judicial…
14. Foram violados os arts. 141, 254, 257 e 258 do CPP…
15. Na verdade, a aceitar-se que a Busca demore 5, 10 ou 30 Horas em 4 ou 5 casas diferentes do mesmo suspeito… e a cumprir-se o Mandado de detenção em momento subsequente,… estaria encontrada a fórmula mágica para um cidadão ser retido pela Polícia dias e dias antes de ser presente ao Poder Judicial…
16. O acto jurídico “emissão do Mandado de Detenção” para ser presente no TCIC no prazo máximo de 48 horas após a sua detenção, cumprido alegadamente pelas 10H00 de 27/11 é inexistente juridicamente pois:
- o arguido foi tecnicamente detido logo que abordado às 7 Horas de 27/11.
- o arguido viu a P.J. entrar em casa pelas 7H00 e impedido de sair da mesma!
17. A LEGALIDADE consiste na conformidade dos actos da administração com o bloco da legalidade. A DETENÇÃO é inexistente às 10 Horas pois a PJ abordou o arguido às 7 Horas! O acto praticado “busca pelas 7 horas” consubstancia “detenção” simultânea.
18. Para um acto da Administração ser legal, tem de que respeitar todos os seus requisitos de legalidade: a infracção de um ou mais deles acarreta a sua ilegalidade. Esta última pode, por sua vez, conduzir à invalidade do acto em causa.
19. (…)
20. Urge que Vossas Excelências, VENERANDOS JUÍZES DESEMBARGADORES que têm aqui a Nobre e Difícil Missão de apreciar da Vida do cidadão A… e do maior Bem deste – a Liberdade – se dignem, com a máxima URGÊNCIA:
a) declarar que a entrada de 6 (seis) Inspectores da P.J. em casa do arguido, pelas 7H00 de 27-11-2010, munidos do Mandado de Detenção – Doc 1 – configura detenção imediata, física e implicava a obrigação de entrega instantânea do mesmo ao suspeito cfr. art. 258 CPP e a Lição do Mestre e Juiz de Direito Sr. Prof. Dr. Paulo Pinto Albuquerque:
“…o mandado dever ser entregue ao detido imediatamente, isto é, durante o acto de detenção… Comentário do CPP – 2ª ed- pag. 685 – ed. Universidade Católica em anotação ao artº 258 do CPP
b) declarar que foi violado o disposto nos arts. 254-1-b), 257-1, 196 e 202-1-a) e b), 268-1 e 269-1 do CPP.
c) Declarar que a submissão do Req. ao Poder Judicial em 29.11.2010 pelas 10H00 está excedida e configura prisão ilegal, pelo que deve o Req. A… ser libertado de imediato.
d) Declarar que o Mandado de Detenção emitido em 25-11 mandava prender e ser conduzido ao Tribunal o que, obrigava os Srs Inspectores da P.J. a entregar o mesmo, de imediato, ao arguido logo que o abordaram pelas 7H00 de 27-11-2010 e não várias horas decorridas, sob pena de encontrado um cripto-argumento para prorrogar ad eternum a detenção…
e) Declarar que os arts. 254, 257 e 258 do CPP violam os arts. 27, 28 e 32 da Lei Fundamental e art. 5º da Convenção Europeia, se entendidos que o suspeito, alvo de Mandado de Detenção e de Busca, não é logo detido de imediato, com entrega imediata de cópia, quando abordado pelo OPC, com o cripto-argumento de que só após várias horas de Busca é que se procede a detenção, assim se prorrogando por mais de 48 horas a abordagem ao suspeito e submissão ao Poder Judicial.
21. Acresce que o arguido tem paradeiro certo e conhecido nos autos onde aliás foi detido pelo que inexiste perigo de fuga. E inexiste perigo de perturbação do inquérito ou de continuação da actividade criminosa pois:
- o arguido revelou os factos de que tem conhecimento;
- o arguido tem companheira e três Filhos menores;
- o arguido estuda na Universidade Lusófona e ia iniciar Mestrado!
- a mulher do arguido frequenta o último ano de Direito!
- inexiste, em concreto, alarme social ou qualquer pericula libertatis!!!
- o MMº JIC do TCIC poderia ter aplicado medida menos gravosa que a prisão numa jaula fria e húmida de 5 m2”;
Pretende, assim, que seja restituído à liberdade.
*
O digno Magistrado do Ministério Público apresentou resposta, concluindo nos seguintes termos:
1. A primeira questão referida no presente recurso foi já suscitada pelo ora recorrente, junto do STJ, na sequência da apresentação da petição de habeas corpus de fls. 4552 a 4556.
2. Por Douto despacho de fls. de fls. 4574 a 4576 o Meritíssimo Juiz de Instrução tomou posição sobre o requerido, concluindo pela legalidade da detenção e pelo respeito do prazo máximo de apresentação do detido ao Poder Judicial e ordenou a instrução e remessa dos autos de Habeas Corpus ao STJ.
3. Desconhece-se neste momento se já foi ou não proferida douta decisão superior sobre tal petição de habeas corpus, pelo que entendemos ser nossa obrigação alertar para esta realidade, de forma a evitar a possibilidade de, apenas em abstracto, a apreciação da mesma questão no presente recurso, poder vir a contribuir para que existam duas decisões contraditórias, sobre a mesma questão de direito, no mesmo processo. Tanto mais que a maioria dos argumentos invocados são comuns aos dois requerimentos, tal como os respectivos pedidos
4. Pelo que, à cautela, deixa-se aqui a nota do facto para que, caso seja entendido superiormente que se mostra pertinente e necessário á boa decisão da causa, venha a ser decidido oficiar-se ao STJ solicitando-se informação sobre se eventualmente já foi proferida decisão sobre o requerimento de habeas corpus apresentado pelo arguido A….
5. A questão da detenção ilegal, por alegadamente ter sido excedido o prazo de 48h00 para a apresentação do detido A… ao Mmº Juiz de Instrução não foi suscitada ás 10h00, no momento em que o ora recorrente e os demais arguidos detidos, começaram a ser interrogados, mas apenas já depois da realização de todos os interrogatórios.
6. O Ministério Público tomou posição no sentido de que a detenção fosse validada, nos termos e com os fundamentos que constam a fls. 4408 e 4409, promoção que aqui se dá por reproduzida.
7. Na estratégia investigatória adoptada do teor da promoção, constante de fls. 3538 a 3564, resulta claro que se pretendeu, desde o início do planeamento das operações, que os mandados de detenção fossem cumpridos após a realização das buscas - cfr fls. 3542 onde se escreveu expressamente que: “Pelas razões indicadas, na sequencia da estratégia investigatória delineada para as investigações o Ministério Público entende que se mostra necessário que sejam emitidos mandados de detenção, fora de flagrante delito, contra os suspeitos a seguir indicados, a fim de assegurar o seu primeiro interrogatório judicial, após a realização das buscas, nos termos previstos nos art.º 254º n.º 1 al. b) , 257º n.º 1 e 141º, todos do CPP, a par com autorização para a realização de mandados de busca ás suas residências “
8. A promoção não podia ser mais explícita em relação à ordem a seguir no cumprimento dos mandados.
9. Esta promoção foi deferida pelo despacho judicial de fls. 3554 a 3562, nos precisos termos promovidos.
10. Por outro lado, não corresponde à verdade que o Meritíssimo Juiz de Instrução, ao emitir os mandados de detenção fora de flagrante delito, tivesse ordenado que o mandado de detenção fosse cumprido no acto da busca.
11. O que consta do mandado de detenção é que o mesmo devia ser cumprido na data da realização das buscas, já determinadas . cfr mandado de fls. 4019.
12. Pelo que só por desatenção de leitura à que se pode concluir de forma diferente.
13. Logo após o termo da busca, que como se viu ocorreu ás 09H55, o inspector da PJ encarregado de dar cumprimento ao mandado de detenção, cumpriu tal dever.
14. Assim, pelas 10H00 do dia 27-11-2010, foi certificado no verso do mandado de fls. 4019, que foi dado cumprimento ao mesmo, altura em que foi comunicado ao arguido que o mesmo estava detido, tendo-lhe sido entregue cópia do mandado e do despacho determinativo da sua detenção.
15. Aliás, o arguido assinou o termo de identidade e residência de fls. 4021, pelas 10h05, facto que corrobora a certificação do mandado e serve para documentar que foram cumpridas todas as formalidades legais, cfr. art.º 58º , 196º n.º 1 , 257º, todos do CPP., o que ocorreu a partir das 10h00 do dia . 27-11-2010.
16. Defender que sem que tivessem sido cumpridas as formalidades legais, o arguido foi detido “tecnicamente” ás 07h00, para além de não corresponder à realidade dos factos, também não tem qualquer base factual que suporte um tal entendimento, face aos documentos que comprovam o contrário.
17. Não cabe discutir em sede do presente recurso a validade ou inexistência de um qualquer acto administrativo, ou sequer procurar a solução a aplicar ao caso na Teoria Geral do Direito Administrativo
18. No âmbito do presente recurso, aplicam-se as regras do processo penal e face ao objecto do recurso, o que importa apreciar e determinar é a validade do cumprimento de um despacho judicial, proferido pelo Juiz de Instrução competente, no exercício das competências legais, que estão reservadas ao Juiz de Instrução, sob pena de nulidade. - art.º 257º , 269 e 177º , todos do CPP.
19. Salvo melhor opinião, também não há qualquer “cripto-argumento” a escalpelizar, mas apenas a tarefa de interpretar e aplicar a lei processual penal ao caso sub Júdice.
20. Não tendo sido ultrapassadas 48 horas desde a detenção do arguido (ocorrida ás 10h00 de sábado dia 27-11-201) até à sua apresentação ao Juiz de Instrução (10 horas de segunda feira dia 29-11-2010), para primeiro interrogatório, parece que não existirá qualquer fundamento para se considerar verificada uma situação de excesso de detenção, que na perspectiva do arguido seria de 3 horas.
21. O arguido não impugnou qualquer dos meios de prova produzidos durante o seu primeiro interrogatório, nem colocou em crise a qualificação jurídica dos factos que lhe foram imputados.
22. Concretamente, estão em causa as actividades descritas nas informações da PJ de fls. 4073 a 4142 e os crimes indicados na promoção do Ministério Público de fls. 4216 a 4228, no auto de interrogatório de fls. 4300 a 4346 e no douto despacho recorrido, elementos que aqui se dão por reproduzidos e que em nosso entender sustentam a conclusão de que se mostram indiciados factos susceptíveis de integrar os seguintes crimes:
23. A pratica por parte de todos os co-arguidos, em co-autoria e em concurso real, dos crimes de furto, violação de correspondência, receptação, falsificação de documentos, burlas agravadas, branqueamento e eventualmente associação criminosa, entre outros, previstos e puníveis, respectivamente, pelos art.º 204º, 194º e 197º n.º 3, 231º , 256º n.º 1 e 3, 218º; 368-A e 299º, todos do Código Penal.
24. A visão do arguido explanada ao longo do seu recurso não corresponde à realidade, uma vez que nele são efectuadas algumas afirmações e apresentadas conclusões que não têm correspondência com a realidade processual nem com o modo de vida do arguido, tal como se mostra evidenciado nos elementos objectivos indicados como meios de prova e que foram apurados ao longo do inquérito, nomeadamente os constantes dos meios de prova que foram produzidos aquando do seu interrogatório.
25. Existem nos autos fortes indícios de que este arguido é de facto um dos membros da associação criminosa em investigação, e que o mesmo se dedicava de forma reiterada e como modo de vida, às actividades criminosas desenvolvidas no seio da mesma, procedendo à falsificação dos documentos que lhe eram entregues pelos restantes membros
26. Os crimes em investigação neste processo foram executados de forma planeada e organizada, envolvendo inúmeros cheques e contas bancárias angariadas e controladas directa ou indirectamente pela organização onde se integrou o arguido, ora recorrente.
27. A actividade da organização, na qual se integrava o ora recorrente, foi responsável por avultados prejuízos causados à banca e a particulares, colocando em crise a confiança na segurança do sistema nacional de distribuição de correspondência e no sigilo desta, pondo em ainda causa a credibilidade do uso do cheque como um meio de pagamento seguro.
28. Em relação ao recorrente, existem em concreto, todos os perigos indicados no art.º 204º al. a), b) e c) do Código de Processo Penal (perigo de fuga, perigo para a aquisição da prova e perigo de continuação da actividade criminosa, que no caso importa a cautelar através da aplicação cumulativa de medidas de coacção.
29. Todas as referências feitas nas diversas informações da PJ e também nas transcrições das conversações telefónicas interceptadas, como sendo referentes ao suspeito “A…”, devem ser tidas como respeitando ao ora recorrente.
30. Assim como todas as indicações feitas aos restantes arguidos e suspeitos indicados nas informações policiais e nas intercepções com base nas restantes alcunhas pelas quais estavam referenciados, devem ser entendidas como sendo feitas a cada arguido que é conhecido por tal alcunha, de acordo com a correspondência infra indicada na presente resposta.
31. Nas suas comunicações por telefone, quando falam normalmente de assuntos relacionados com bancos, com actividade bancária, com cheques e com a falsificação de cheques e, em geral, com a execução de tarefas necessárias à concretização dos planos criminosos, os arguidos utilizam uma linguagem codificada, substituindo palavras e expressões correntes por outras palavras e expressões em código.
32. A utilização de tal linguagem, denota ainda que os arguidos têm perfeita consciência da ilicitude das suas condutas e que procuravam continuar a sua actividade delituosa sem serem descobertos, criando para tanto mecanismos de protecção para procurarem dificultar a acção da Justiça.
33. Da análise conjugada dos documentos colhidos, maxime os que se mostram juntos aos apensos bancários mencionados; das intercepções telefónicas discriminadas na informação da PJ e dos resultados das diligências efectuadas pela PJ, nomeadamente relatos de diligências externas e fotografias dos encontros mantidos pelos arguidos, resulta que estamos perante um grupo de indivíduos, que se mostra organizado que se dedica à prática dos crimes que lhes foram imputados, com o propósito de obterem dinheiro.
34. Esta conclusão resulta à evidência, do conjunto de factos, situações e meios de prova referidos na informação da PJ de fls. 4073 a 4142, no resumo dos anexos de fls. 4143 a 4147, no teor das intercepções telefónicas produzidas em interrogatório (cujo resumo efectuado pela PJ consta na sua maioria a fls. 4148 a 4214) e nos restantes elementos probatórios que foram produzidos em sede de 1ª interrogatório do arguido e que aqui se dão por integralmente reproduzidos, para se evitarem repetições inúteis.
35. O arguido apesar de ter filhos continuou sempre, de forma reiterada a dedicar-se às actividades ilícitas que se mostram indiciadas nos autos.
36. O rendimento do seu agregado familiar, é manifestamente insuficiente para fazer face ao nível de vida que o arguido ostenta.
37. Perante o manancial probatório que atrás foi indicado, é bom de ver que o facto de o arguido afirmar que se encontra socialmente bem inserido e a trabalhar, não tem por base qualquer argumento ou prova sólida.
38. Quanto aos fundamentos da decisão ora sob recurso, o Mmº Juiz de Instrução, indicou expressamente os fundamentos constantes da promoção do Ministério Público de fls. 4396 a 4403, assim os integrando, por remissão, no próprio despacho recorrido de fls. 4409 a 4412, isto para além dos demais fundamentos indicados no próprio despacho recorrido.
39. Foi entendido que se mostra indiciado que o recorrente cometeu em co-autoria material e em concurso real, dos crimes de furto, violação de correspondência, receptação, falsificação de documentos, burlas, branqueamento e eventualmente associação criminosa, entre outros, previstos e puníveis, respectivamente, pelos art.º 204º, 194º e 197º n.º 3, 231º , 256º n.º 1 e 3, 218º; 368-A e 299º, todos do Código Penal...”
40. E que existe forte perigo não só de os arguidos se determinarem a eximir à acção da Justiça Portuguesa, colocando-se em fuga como ainda em, através de todos os meios ao seu alcance, dificultarem a aquisição, conservação ou veracidade da prova, agora que são conhecedores da gravidade dos ilícitos que lhe são imputados, das dosimetrias penais que lhes correspondem e da previsível aplicação de uma sanção penal privativa da liberdade, bem assim o facto de não terem ocupação definida, terem família em diversos países como fluiu das suas próprias declarações.
41. Foi ainda considerada na decisão a gravidade dos factos em investigação, que estão directamente relacionados com importantes valores da sociedade nomeadamente, a confiança nos organismos do Estado e a segurança jurídica dos documentos oficiais, a segurança da correspondência, o património e a segurança do cheque como meio de pagamento e que a conduta dos arguidos afecta ainda a os princípios de funcionamento da economia, nomeadamente a confiança nas operações realizadas com recurso á Banca.
42. Foi entendido ainda na decisão que o quadro de factos referidos, provocam alarme social, contribuindo tais actividades para o sentimento geral de insegurança.
43. Atendeu-se á situação pessoal dos arguidos, nomeadamente o facto de praticarem crimes contra o património, como meio de vida, garantindo dessa forma a sua subsistência e não ter sido detectado pela PJ que os arguidos tivessem qualquer trabalho regular, antes tendo sido verificado que os mesmos apenas se dedicavam á pratica de condutas ilícitas.
44. O Mm Juiz entendeu existir fundado receio de que os arguidos possam tentar influenciar a produção de prova, pressionando outros intervenientes nos factos, directa ou indirectamente, ou o depoimento de testemunhas, ou tentando ocultar meios de prova, o que fundamenta a existência de perigo de perturbação do inquérito.
45. Atendeu-se ainda ao facto de os arguidos terem mudado frequentemente de residência, para dificultar a sua localização por parte das autoridades nacionais, nomeadamente SEF e os Tribunais, tendo sido capazes de permanecer em situação irregular em território Nacional durante anos.
46. Tudo ponderado, nomeadamente a gravidade da conduta e os concretos perigos enunciados e as condições pessoais de vida dos arguidos, foi entendido que em relação a vários arguidos, entre eles o ora recorrente, outras medidas de coação menos gravosas do que a prisão preventiva, não seriam, no caso, susceptíveis de acautelar, de forma eficaz, os aludidos perigos.
47. Foi assim entendido, com total acerto, que a medida de prisão preventiva se mostra no caso, absolutamente necessária, adequada e proporcional sendo a única medida susceptível de acautelar eficazmente os referidos perigos.
48. O Meritíssimo Juiz recorrido tem vindo a acompanhar as investigações em todos os actos processuais que requerem obrigatoriamente a intervenção do Juiz de Instrução e através do seu despacho e da forma como conduziu a diligencia de interrogatório, revelou ter profundo conhecimento dos elementos probatórios existentes nos autos á data do interrogatório, quer no que respeita à prova documental colhida, quer no tocante á prova testemunhal e ainda sobre o teor das escutas, nomeadamente, as questões e os assuntos iam sendo tratados pelos arguidos telefonicamente, intercepções telefónicas que o Mmº JIC sempre sindicou.
49. Tal conhecimento dos autos ficou demonstrado na segurança e rigor com que foi proferido o douto despacho de aplicação das medidas de coação ora sob recurso.
50. Na fundamentação do douto despacho que aplicou a medida de prisão preventiva a este arguido, o Mmº Juiz de Instrução, foi bem claro na sua convicção sobre a existência de fortes indícios de todos os crimes e na verificação em concreto dos três perigos previstos no art.º 204º do CPP e demonstrou tal convicção ao remeter em absoluto para os fundamentos invocados na promoção do Ministério Público de fls. 4396 a 4403 e ao decidir sem hesitações, conforme ficou expresso a fls. 4410
51. Face aos indícios existentes nos autos e à verificação de todos os perigos aludidos no despacho que aplicou a prisão preventiva ao arguido, não houve qualquer erro na apreciação e qualificação dos factos.
52. O douto despacho recorrido não merece assim qualquer reparo, quer no que respeita à apreciação dos factos, quer no que respeita á sua qualificação e aos indícios existentes nos autos, quer ainda quanto à apreciação e verificação de todos aos restantes pressupostos de facto e de direito que determinaram a aplicação da medida de prisão preventiva.
53. Perante os crimes indiciados e a verificação no caso concreto dos aludidos perigos, que tinham que ser acautelados eficazmente, nesta fase das investigações, a prisão preventiva surge de facto como a única medida de coacção capaz de afastar tais perigos.
54. Os argumentos aduzidos pelo recorrente mostram-se frágeis e ao contrário do alegado, não se mostram corroborados com qualquer meio de prova credível.
55. Verificam-se assim, todos os pressupostos legais para que fosse aplicada a medida de prisão preventiva, não tendo o douto despacho recorrido violado qualquer norma legal , antes tendo respeitado os pressupostos dos art.º 191º a 193º , 202º n.º 1 , 204º al. c) , 212º e as exigências do artº 97º nº 5, todos do C.P.P.
56. Pelo que, em nosso entender, os indícios constantes dos autos foram criteriosa e sabiamente analisados na decisão tomada pelo Mm Juiz de Instrução e a medida de prisão preventiva é de facto a única medida de coacção, que no caso, se mostra adequada e suficiente para acautelar eficazmente os perigos que no caso se fazem sentir, devendo ser mantida.
Pelas razões expostas, entende que o recurso não merece provimento em qualquer das questões suscitadas pelo recorrente.
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Nesta instância, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer em que se pronuncia pelo improvimento do recurso.
Dá, ainda, notícia de que, em contacto telefónico com o STJ, obteve a informação de que o pedido de habeas corpus apresentado pelo arguido A… foi indeferido e que foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional.
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Foi cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal.
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Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.
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Sendo as conclusões pelo recorrente extraídas da motivação do recurso que, sintetizando as razões do pedido, recortam o thema decidendum (cfr. artigos 412.º, n.º 1, e 417.º, n.º 3, do Cód. Proc. Penal, e acórdão do STJ de 27.05.2010, www.dgsi.pt/jstj), debrucemo-nos sobre as questões suscitadas, a saber:
§ se a detenção do arguido A… deve considerar-se ilegal;
§ se, sendo ilegal a detenção por ter ultrapassados as 48 horas sem que tenha sido apresentado ao juiz de instrução, fica afectada de ilegalidade a prisão preventiva decretada;
§ se deve considerar-se “tecnicamente detido” a partir do início da busca domiciliária o suspeito que é, também, alvo de um mandado de detenção só cumprido após a conclusão daquela primeira diligência;
§ se é inconstitucional, por violação dos artigos 27.°, 28.° e 32.º da Constituição da República Portuguesa, a interpretação dos artigos 254.°, 257.º e 258.º do Cód. Proc. Penal segundo a qual o prazo máximo de detenção de 48 horas até apresentação do detido ao juiz de instrução se conta desde o momento que consta do auto como sendo aquele em que foi efectuada a detenção.
§ se ocorrem no caso os pericula libertatis previstos no art.º 204.º do Cód. proc. Penal.
§ se a prisão preventiva se revela desnecessária e se é suficiente outra medida coactiva menos gravosa.
II – Fundamentação
O Ministério Público começa por fazer notar e colocar à consideração deste tribunal, como “questão prévia”, aquilo que aparenta ser uma duplicação da mesma pretensão de providência judicial.
Com efeito, o recorrente pretende, além do mais, que se declare que a sua “submissão (…) ao Poder Judicial em 29-11-2010 pelas 10H00 está excedida e configura prisão ilegal” e por isso pede a sua libertação imediata.
Embora imperfeitamente expressa, a ideia do recorrente é a seguinte: foi detido pelas 07H00 do dia 27.11.2010 e apresentado ao juiz de instrução pelas 10H:00 do dia 29.11.2010. Foi, pois, excedido o prazo máximo de detenção que, nos termos do art.º 254.º, n.º 1, al. a), do Cód. Proc. Penal, é de 48 horas. Por isso, a sua prisão é ilegal e deve ser, de imediato, restituído à liberdade.
Acontece que, como resulta do teor da certidão com que foi instruído este recurso, o recorrente reproduz na respectiva motivação, ipsis verbis, o conteúdo da petição de habeas corpus que dirigiu ao Supremo Tribunal de Justiça, nela formulando a mesma pretensão.
O Ministério Público entende que a apreciação da mesma questão neste recurso pode originar duas decisões contraditórias entre si no mesmo processo.
É óbvio que existe essa possibilidade, mas entendemos que tal não obsta a que, aqui, se conheça da pretensão do recorrente.
Se forem contraditórias as decisões a proferir, é evidente que prevalecerá a decisão do Supremo Tribunal de Justiça.
*
O recorrente fundamenta assim a sua pretensão:
Os inspectores da PJ apresentaram-se em sua casa pelas 07H:00 do dia 27.11.2010 e, tendo-lhes sido franqueada a entrada, logo se dirigiram para o seu quarto e, desde então, “foi vigiado, controlado ad nauseum”, impedido de se afastar deles, de sair de casa ou de contactar quem quer que fosse, pelo que estava “tecnicamente detido”.
Entre as 07H:00 do dia 27.11.2010 e as 10H:00 do dia 29.11.2010, quando foi entregue ao poder judicial, decorreram 51 Horas, quando o período entre a detenção e a apresentação ao juiz de instrução não podia exceder 48 horas, pelo que a sua prisão é ilegal.
Deve, desde já, dizer-se que a conclusão do recorrente assenta num pressuposto falso, como evidenciam os factos que, com relevância para a decisão desta questão, vamos enunciar e que se podem extrair dos autos, mais concretamente, da certidão com que foi instruído o recurso.
Assim:
1. Deferindo promoção do magistrado do Ministério Público no Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP), o Sr. Juiz de instrução no Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC), por despacho de 25.11.2010, autorizou a realização de buscas domiciliárias, nomeadamente na casa de residência do co-arguido A…, sita na Praceta …, bem como nas viaturas automóveis “…” de matrícula …., “…” de matrícula … e “…” de matrícula ….
2. Na mesma data, o Sr. Juiz de instrução, proferiu despacho determinando que, “com vista a assegurar o primeiro interrogatório judicial após a realização da busca”, fossem emitidos mandados de detenção fora de flagrante delito contra, entre outros, A….
3. Em cumprimento dessas determinações judiciais, pelas 07H:00 do dia 27.11.2010 (sábado), inspectores da Polícia Judiciária iniciaram a busca na casa de habitação do arguido A…, na presença deste, diligência que concluíram às 09H:55, após o que, pelas 10H00 do mesmo dia, foi executado o mandado de detenção, altura em que foi entregue ao arguido/recorrente duplicado deste mandado e cópia do despacho que ordenou a detenção.
4. Pelas 10H:00 do dia 29.11.2010, iniciou-se o primeiro interrogatório judicial, além de outros seis, do arguido A…, que ficou concluído pelas 15H:55 do mesmo dia.
5. Na sequência do interrogatório judicial, o Sr. Juiz de instrução julgou válida a detenção do arguido A… e, considerando que havia fortes indícios da prática dos crimes de furto, violação de correspondência, receptação, falsificação de documentos agravada, burla qualificada, branqueamento de capitais e associação criminosa, sujeitou-o a prisão preventiva.
Estes factos estão devidamente documentados em autos (de que estão reproduções a fls. 304 e segs., 216 e segs., 314, 315 e 316 e segs. destes autos), que são documentos autênticos, cuja veracidade o recorrente, em momento algum, pôs em causa.
Daqui resulta, com toda a evidência, que, ao contrário do que afirma o recorrente, pelas 07H00 do dia 27.11.2010, os inspectores da Polícia Judiciária, tal como havia sido judicialmente determinado, iniciaram a busca domiciliária e, finda esta, pelas 10H:00, detiveram A… e constituíram-no arguido.
Nada permite afirmar que, nesse período, o recorrente tivesse sido privado do seu jus ambulandi, da liberdade de locomoção e por isso a sua presença junto dos inspectores que efectuavam a busca não pode ter outra explicação que não seja o legítimo exercício de um direito: o direito de assistir à diligência (cfr. art.º 176.º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal).
Por isso que, tendo-se iniciado pelas 10H:00 do dia 29.11.2010 o seu interrogatório judicial, foi respeitado o prazo máximo de detenção de 48 horas previsto nos artigos 254.º, n.º 1, al. a), e 141.º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal, não havendo razões para se considerar que ocorreu uma situação de prisão ilegal.
Aliás, mesmo que a tese do recorrente – de que foi “tecnicamente detido” logo que, pelas 07H:00, se iniciou a busca domiciliária[1] - fosse sustentável, e não é, nem assim a sua pretensão de ser imediatamente restituído à liberdade com fundamento em detenção ilegal pode proceder.
Como se referiu, o Ex.mo PGA consignou no seu parecer que obteve a informação junto do STJ que a petição de habeas corpus apresentada pelo arguido tinha sido rejeitada.
Era bem previsível esse desfecho, pois é uniforme a jurisprudência daquele tribunal supremo no sentido de que, excedido o prazo máximo de 48 horas para apresentação de detido para o primeiro interrogatório judicial, tal não obsta a que se realize o interrogatório nem interfere com a legalidade da prisão preventiva que, por se verificarem os respectivos pressupostos, venha a ser decretada (cfr., entre outros, os acórdãos do STJ de 04.03.200, CJ/Acs STJ VIII, T. I, 2000, p. 225, de 29.01.2003, CJ/Acs STJ, T. I/ 2003, p. 175, e, por mais recente, o acórdão de 14.10.2010, www.dgsi.pt/jstj; Relatora: Cons. Isabel Pais Martins).
O acórdão do mesmo STJ, de 07.07.2010 (Relator: Cons. Maia Costa) é, a este propósito, bem elucidativo: “No caso em apreço, o Juiz de Instrução, após realização de interrogatório judicial, proferiu despacho no qual, em síntese, julgou ilegal a detenção do requerente, mas simultaneamente aplicou a prisão preventiva, por julgar verificados os respectivos pressupostos e não haver qualquer impedimento à aplicação dessa medida de coacção pelo facto de a precedente detenção ser ilegal. Não se questiona a ilegalidade da detenção do requerente. Não só os factos abonam essa tese, como o despacho judicial é expresso e inequívoco nesse sentido. Contudo, daí não decorre a ilegalidade da actual prisão preventiva”.
É esta, também, a posição da doutrina, que defende serem coisas distintas a ilegalidade resultante do excesso do período de detenção e a aplicação de medidas de coacção.
Paulo Pinto de Albuquerque (“Comentário do Código de Processo Penal”, 2.ª edição actualizada, 396) afirma-o claramente: “a intempestividade do primeiro interrogatório judicial de arguido detido gera ilegalidade da detenção, com os efeitos criminais e disciplinares previstos na lei, mas não gera a “perda imediata de eficácia” da privação da liberdade”.
O juiz não fica impedido de iniciar o interrogatório e aplicar medidas de coacção assim que o detido lhe seja presente para interrogatório.
Por seu turno, o Professor Germano Marques da Silva (“Curso de Processo Penal”, II, 1993, p. 194) formula a pergunta que aqui, também, se impõe:
“Se após ter decorrido aquele prazo, e não obstante a violação da lei, o detido for presente ao juiz, pode ainda ser-lhe aplicada uma medida de coacção, nomeadamente a prisão preventiva ou terá de ser ordenada a sua libertação?”
E responde de seguida:
“Pensamos que uma coisa é a ilegalidade resultante do excesso do prazo, outra bem diversa é a aplicação da medida de coacção. Assim, independentemente das consequências do excesso do prazo, nada impede que o juiz aplique ao arguido uma medida de coacção, nomeadamente a prisão preventiva”.
Quando, ainda antes de ter sido presente ao juiz de instrução (pelas 10H:00 do dia 29.11.2010), se considerava estar excedido o prazo de 48 horas previsto nos artigos 141.º e 254.º, n.º 1, al. a), do Cód. Proc. Penal, o arguido/recorrente tinha um meio de reagir contra essa situação: o art.º 220.º da mesma Codificação conferia-lhe a faculdade de recorrer ao habeas corpus contra detenção ilegal.
Porém, não fez uso do meio jurisdicional que tinha à sua disposição e, a partir do momento em que foi presente ao juiz de instrução para interrogatório judicial, cessou a suposta ilegalidade da sua detenção.
Pelo que ficou exposto, fica bem patente que a legalidade da prisão preventiva aplicada ao arguido/recorrente não é afectada pela circunstância (aliás, não verificada) de ter havido excesso de detenção.
*
O recorrente pretende que se declarem inconstitucionais, por violação dos artigos 27.º, 28.º e 32.º da Constituição e do art.º 5.º da “Convenção Europeia”, os artigos 254.º, 257.º e 258.º do Cód. Proc. Penal “se entendidos que o suspeito, alvo de Mandado de Detenção e de Busca, não é logo detido de imediato, com entrega imediata de cópia, quando abordado pelo OPC, com o cripto-argumento de que só após várias horas de Busca é que se procede à detenção, assim se prorrogando por mais de 48 horas a abordagem ao suspeito e submissão ao Poder Judicial”.
Não é fácil entender qual a dimensão interpretativa dos citados preceitos legais que o recorrente considera inconstitucional.
Com é sabido, nesta matéria (da detenção e apresentação do detido ao juiz para a validação da detenção), tem havido bastante controvérsia, motivada, quer pelo facto de alguns detidos serem figuras públicas, quer pelas diferentes práticas judiciárias (a que, naturalmente, estão subjacentes diferentes interpretações sobre as garantias constitucionais do processo penal e, concretamente, dos direitos e garantias consagrados nos artigos 27.º e 28.º da Constituição).
Podemos identificar as seguintes situações:
§ atraso (ou falta de cumprimento do prazo de 48 horas ) na apresentação do detido ao juiz de instrução criminal, que, não obstante, procede ao seu interrogatório e lhe aplica, como medida de coacção, a prisão preventiva;
§ o detido é apresentado ao juiz dentro do prazo de 48 horas, mas mantém-se detido e só depois de ultrapassado esse prazo se inicia o primeiro interrogatório judicial, com validação da detenção e aplicação da medida de prisão preventiva;
§ o detido é apresentado ao juiz no prazo de 48 horas e o primeiro interrogatório judicial inicia-se dentro desse prazo, após o que se mantém detido e só depois de esgotado aquele prazo é apreciada a validade da detenção e aplicada medida privativa da liberdade.
O Tribunal Constitucional já se pronunciou sobre a (in)constitucionalidade das normas dos artigos 141.º, n.º 1, e 254.º n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal quando interpretadas no sentido de que autorizam estas práticas e estas decisões.
Assim aconteceu, pelo menos, nos acórdãos daquele Tribunal n.ºs 135/2005 e 565/2003 (www.tribunalconstitucional.pt).
Desses arestos podemos destacar as seguintes ideias fundamentais:
A Constituição, tal como a lei ordinária (designadamente os preceitos legais citados), não estabelecem um prazo certo para o juiz de instrução validar a detenção e aplicar a medida de coacção a um arguido que lhe foi apresentado detido, assim permanecendo depois do seu interrogatório. O prazo previsto no artigo 28.º, n.º 1, da Constituição, refere-se à submissão da detenção a apreciação judicial, e é de interpretar como um prazo para apresentação ao juiz.
O que o legislador constitucional pretende, no aludido preceito, é limitar a privação do direito à liberdade por via administrativa, especialmente a policial, que não poderá exceder as 48 horas (em abono desta ideia, cita-se Gomes Canotilho e Vital Morereira, “Constituição da República Portuguesa Anotada”, 4.ª edição revista, 2007, p. 488; ideia que seria, também, sufragada pela CEDH, como informa Ireneu Cabral Barreto, “Convenção Europeia dos Direitos do Homem Anotada”, 2.ª edição, Coimbra, 1999, que, em anotação ao artigo 5.º desta Convenção escreve: “A obrigação de apresentar uma pessoa a um magistrado é incondicional e automática, sem que isso implique o direito de ser ouvida num determinado prazo”. Contra este entendimento, considerando que viola o direito internacional dos direitos humanos, Paulo Pinto de Albuquerque, “Comentário….” 395).
A entrega do cidadão detido aos serviços judiciais significa a cessação de uma situação legal de poder administrativo sobre a pessoa privada de liberdade, mostrando-se, por isso, cumprida a garantia que a norma constitucional pretende consagrar.
Se o prazo de 48 horas se reportasse ao momento em que é proferido despacho de validação da prisão, após o interrogatório, isso significaria que a legalidade da prisão dependeria em boa medida não só da actuação policial e da prontidão com que o detido havia sido entregue em tribunal, como ainda do próprio arguido e das opções que ele entendesse tomar neste primeiro interrogatório, designadamente quanto ao tempo gasto nas respostas e na exposição da sua defesa. Isto é, a legalidade da prisão ficaria dependente de acto do próprio interessado, o que seria incompreensível, atentos os riscos que a solução acarretaria não só para a utilidade do interrogatório, como para os direitos de natureza garantística que a lei confere aos próprios arguidos nesse momento processual.
A interpretação dos aludidos preceitos que permite ao juiz validar a detenção do recorrente, após interrogatório, mesmo depois de ultrapassadas as 48 horas, não pode deixar de ter presente que o critério interpretativo neste campo tem de ser aquele que assegure a menor compressão possível dos direitos fundamentais e que a intervenção do juiz é vista como uma garantia de que essa compressão se situe nos apertados limites aceitáveis.
Retornando ao caso dos autos, o que o recorrente pretende é que se reconheça que, quando os inspectores da PJ entraram em sua casa pelas 07H:00 do dia 27.11.2010, deviam ter cumprido, de imediato, o mandado de detenção, e não várias horas depois, até porque a simples entrada “configura detenção imediata, física”. Em consequência, pretende que se reconheça que, excedidas as 48 horas de detenção, a sua prisão é ilegal, pelo que deve ser libertado.
Ao questionar a conformidade constitucional das normas dos artigos 254.º, 257.º e 258.º do Código de Processo Penal, o recorrente pretende sindicar, não só a interpretação que permita ao juiz, após aquele prazo, manter detido o arguido, interrogá-lo nessa situação e determinar-lhe a medida de coacção de prisão preventiva, mas também uma interpretação segundo a qual o prazo de 48 horas se conta a partir da hora consignada no auto e não desde que se efectiva materialmente a detenção (que o arguido considera ter ocorrido com a entrada dos inspectores da PJ em sua casa, para a realização da busca).
A aceitar-se a tese do recorrente, quando foi presente ao juiz para primeiro interrogatório judicial (pelas 10H:00 do dia 29.11.2010), já estaria detido há 51 horas, pelo que já estaria numa situação de detenção ilegal.
Não entendeu assim o Sr. Juiz de instrução, que julgou válida, entre outras, a detenção do arguido/recorrente, o que é dizer que considerou que, ao contrário do que este pretende, a detenção só se efectuou pelas 10H:00 do dia 27.11.2010, tal como está certificado no verso do duplicado do mandado de detenção (fls. 315 destes autos).
Não temos quaisquer reservas em aceitar que o prazo máximo de detenção de 48 horas se conta desde que se materializa a detenção, a partir do momento em que o visado é fisicamente impedido de se movimentar livremente ou, como referimos, privado do seu jus ambulandi.
No entanto, nada permite afirmar que, neste caso, assim aconteceu com o arguido a partir do momento em que os inspectores da PJ entraram em sua casa.
Recorde-se que os agentes de autoridade tinham duas ordens para executar: um mandado de busca domiciliária na casa do arguido e um mandado de detenção.
Por determinação do juiz de instrução, em primeiro lugar, realizariam a busca e depois efectuariam a detenção. E assim aconteceu, tendo os Srs. Inspectores da PJ cumprido a determinação judicial.
Não há nenhuma norma constitucional ou da lei ordinária de que decorra uma proibição de tal procedimento. Podia pôr-se em causa a legalidade desse modo de agir se houvesse motivos para se concluir que o que se pretendeu foi prolongar o período de detenção. Mas nada permite, sequer, suspeitar que assim aconteceu, não tem qualquer suporte factual a afirmação do recorrente de que o cumprimento do mandado de busca antes da detenção foi um “cripto-argumento para prorrogar ad eternum a detenção”.
Cabe aqui anotar que o recorrente cita em abono da sua tese Paulo Pinto de Albuquerque (“Comentário…”, anotação ao artigo 258.º), mas fá-lo em vão, pois este Anotador não sufraga a sua posição. O que ali escreveu o autor foi que “o mandado deve ser entregue ao detido imediatamente, isto é, durante o acto de detenção ou logo que o acto de detenção termine”. Nada a objectar. Efectuada a detenção, ao detido é entregue uma cópia do mandado judicial e assim aconteceu no caso, como está certificado a fls. 315 v.º destes autos.
Antes da detenção, foi efectuada a busca domiciliária e o arguido a ela assistiu, como era seu direito. Nada mais que isso.
Não há, pois, nenhuma razão válida para questionar a constitucionalidade das citadas normas com o sentido de que o início do prazo da detenção coincide com a execução do mandado de detenção, e não com a realização, imediatamente antes, de uma busca domiciliária à qual assiste o visado, como dono da casa buscada.
Como já antes se referiu, é praticamente pacífico na doutrina e na jurisprudência o entendimento de que, mesmo que ocorra uma situação de ilegalidade da detenção por excesso de prazo, tal não impede que o juiz de instrução interrogue o detido e, se verificados os respectivos pressupostos, lhe aplique uma medida de coacção privativa da liberdade.
Importa agora afirmar que as normas dos artigos 141.º, n.º 1, e 254.º, n.º 1, al. a), do Cód. Proc. Penal, quando interpretadas e aplicadas de acordo com esse entendimento, não afrontam a Constituição.
Convém fazer notar que a detenção foi efectuada a um sábado e pelas 10H:00 da 2.ª feira imediatamente seguinte já o arguido detido estava a ser presente ao juiz para o primeiro interrogatório judicial.
Pode, pois, dizer-se que foi assegurado o princípio da menor compressão possível dos direitos fundamentais do arguido e, no juízo de proporcionalidade que aqui é determinante, que as normas dos artigos 141.º, n.º 1, e 254, n.º 1, al. a), do Código de Processo Penal, tal como foram interpretadas e aplicadas, não violam a Constituição, designadamente os seus artigos 27.º, 28.º e 32.º.
*
Detenhamo-nos agora nos fundamentos da prisão preventiva a que o arguido A… foi sujeito.
Para tanto, importa reproduzir aqui o despacho recorrido que aplicou essa medida coactiva extrema:
“Valido as detenções dos arguidos porquanto efectuadas por entidade competente ao abrigo do disposto nos art.º 255º do CPP e com as finalidades previstas no art.º 254º nº 1 al. a) do CPP.
Ao abrigo do disposto no artigo 141º nº 4, alínea d), do CPP para efeitos de realização do 1º interrogatório judicial de arguido detido, comuniquei e interroguei os arguidos sobre os factos referidos.
Perante tal factualidade, os arguidos aqui presentes encontram-se fortemente indiciados (dando-se aqui por reproduzida a descrição de factos, quer na sua componente genérica quer na parte assinalada a cada um dos arguidos no cabeçalho do respectivo interrogatório) em co-autoria material e em concurso real, dos crimes de furto, violação de correspondência, receptação, falsificação de documentos , burlas , branqueamento e eventualmente associação criminosa, entre outros, previstos e puníveis, respectivamente, pelos art.º 204º, 194º e 197º n.º 3, 231º , 256º n.º 1 e 3, 218º; 368-A e 299º, todos do Código Penal.
Sem embargo e ex-abbundanti, consignando-se expressamente que o juízo indiciário e de aplicação de medidas de coacção, nesta sede efectuada, tem apenas por base todos os elementos de prova apresentados aos arguidos, nos exactos termos subsumidos à consideração do JIC pelo M.º P.º, quando submeteu estes arguidos a interrogatório judicial, e as declarações sobre os factos que os arguidos entenderam prestar nesta sede, bem como quanto às suas condições pessoais e económicas, importará ter presente a ocorrência ou não dos invocados perigos.
Na verdade, se é direito do arguido no hodierno e reputado avançado direito processual penal vigente, na redacção dada ao CPP pela Lei 48/07 de 29/08, considerada a declaração de rectificação n.º100-A/2007 e a rectificação da rectificação nº 105/2007, o arguido nada declarar, não pode deixar de ser sopesada com o articulado constitucional atinente, menos certo não é que, resolvendo os arguidos declararem o que tiveram por conveniente, ao JIC é exigível analisar criticamente e no uso dos seus poderes de cognição, a substancia e credibilidade do que sucintamente disse e da sua concatenação com os restantes elementos dos autos.
Concorda-se com a avaliação e alegação do M.º P.º quanto aos perigos que invoca e às medidas de coacção que considera adequadas, proporcionais e suficientes, a preveni-los, até em rigorosa aplicação do nº 2 do artº 194º do CPP ainda vigente, pelo que se dá aqui por reproduzida tal promoção nesse tocante, aguardando os arguidos os ulteriores termos do processo com sujeição às medidas de coacção propostas, a saber os arguidos A…, J…, D…, A…, A…, A… :
- Prisão preventiva.
(…)
A remissão supra operada para a douta promoção do MºPº é-o no quadro admitido pelo próprio Tribunal Constitucional (vide Ac. De TC de 30-07-2003, proferido no Pº 485/03, publicado no DR de II série de 04-02-2004 e pela própria Relação de Lisboa, vide Ac. TRL de 13-10-2004, proferido no Pº 5558/04-3).
Tal remissão é feita não por falta de avaliação e ponderação própria da questão mas por simples economia processual.
Passe os competentes mandados de condução ao E.P.”
Porque o Sr. Juiz de instrução remeteu para a promoção do Ministério Público a indicação dos fundamentos (ou de parte desses fundamentos) da sua decisão, importa conhecê-los.
Disse o Ministério Público quando se pronunciou sobre as medidas de coacção (transcrição):
(…)
Surge também com grande importância na actuação e desígnios do grupo o papel dos co-arguidos C… A… os quais para além da pratica de assaltos a marcos de correio coordenam a execução das burlas ; J…; A…, que conjuntamente dominam os modos de actuação do grupo, juntamente com outros arguidos e suspeitos que não foram inquiridos no dia de hoje.
A prova produzida em relação aos arguidos que optaram não prestar declarações sobre os factos que lhes foram imputados, é fortemente indiciadora de todos os factos indicados na informação da PJ e na súmula e qualificação jurídica efectuada pelo Ministério Público. Sublinha-se por exemplo o facto do arguido A… ter retomado a actividade criminosa, pouco depois de ter sido libertado. De nada servindo a condenação que este arguido sofreu.
Acresce que os arguidos fazem da prática dos referidos crimes o seu modo de vida, recorrendo com a maior naturalidade à falsificação e uso de documentos falsificados, uns autênticos e outros não, nomeadamente documentos de identificação, cheques, autorizações de residência contratos de concessão de crédito e outros.
Assim, em nosso entender, existem fortes indícios de que os arguidos incorreram na prática dos seguintes crimes:
Os arguidos C… (ou … como diz chamar-se) A… ; A…, J… ; A…; D… e J… incorreram na pratica, em co-autoria material e em concurso real, dos crimes de crimes de furto, violação de correspondência, receptação, falsificação de documentos , burlas tentadas e consumadas, branqueamento e eventualmente associação criminosa, entre outros, previstos e puníveis, , pelos art.º 204º, 194º e 197º n.º 3, 231º , 256º n.º 1 e 3, 218º; 368-A e 299º, todos do Código Penal.
É bom de ver que a gravidade dos crimes indiciados, é grande e evidente que no caso concreto, terão necessariamente ser aplicadas medidas de coação mais gravosas que o mero TIR.
Tal necessidade, advém do facto de, na perspectiva do Ministério Público, existirem em concreto, em relação a todos os arguidos, todos os perigos indicados no art.º 204º do Código de Processo Penal (perigo de fuga, perigo de continuação da actividade criminosa e perigo para a aquisição da prova) que no caso importa a cautelar através da aplicação cumulativa de medidas de coacção.
Os arguidos não assumiram a globalidade das condutas que lhe são imputadas, e os que prestaram depoimento, mesmo depois de terem sido confrontados com a evidência dos factos e os meios de prova indicados nos autos de interrogatório, negaram a evidência dos factos, apresentando explicações sem qualquer nexo, como sucedeu em relação á totalidade do depoimento do arguido A…, que não merece qualquer credibilidade e que se mostra contrariada pela prova produzida, ou então admitindo apenas os factos menos graves, como sucedeu em relação aos arguidos A… e J… .
A actuação do arguido D…, indicado como sendo o principal colaborador do arguido A…, surge confirmada pelos documentos apreendidos e com as intercepções telefónicas indicadas na informação da PJ, que aqui se dá por reproduzida. Este arguido colabora activamente nas falsificações de documentos, sob a direcção do co-arguido A…, e foram encontrados na sua posse, escondidos no veículo instrumentos destinados a falsificações , nomeadamente carimbos da empresa F… e documentos falsos emitidos pelo arguido J…, tudo indicando que o arguido D… se associou aos referidos desígnios criminosos, com pleno conhecimento de que os documentos seriam utilizados para fins ilícitos, nomeadamente para o cometimento de burlas.
Os arguidos foram encontrados na posse de documentos e objectos que estão directamente relacionados com os factos que lhes são imputados.
Veja-se a título de exemplo a documentação bancária e cartões bancários e documentação referentes a sociedades apreendidos na posse dos arguidos C…; J… ; Â….; D… e J… , a documentação falsa apreendida na posse dos arguidos A… , Â… , C… , os instrumentos destinados ao arrombamento de caixas de correio, nomeadamente pés de cabra e chaves de fendas e escopro, encontrados na posse do arguido A….
Com o resultado das inquirições, ficou também estabelecido que era o arguido A… diligenciava junto do arguido J..., pela emissão de recibos de vencimento falsos para pessoas cujas identidades ele fornecia ao co-arguido Lima.
Foi produzida abundante prova sobre os factos imputados ao arguido “B…”, que está referenciado a parte substâncias das burlas e contas bancárias utilizadas para o depósito de cheques e sobre os contactos mantidos entre os arguidos e outros suspeitos ainda não inquiridos, quer para a troca de informações sobre contas e dados a serem utilizados quer quanto á definição de estratégias de acção para a consumação ou execução dos planos criminosos.
Encontra-se assim, fortemente indiciado que, através dos vários membros desta associação criminosa, a mesma procurava obter informações bancárias privilegiadas e meios de pagamento legítimos, recorrendo, para o efeito, ao desvio de cheques do circuito normal dos correios, bem como o simples furto de cheques e ainda á abertura de contas bancárias com documentação falsa, para conseguirem concessão de créditos bancários, cujos valores seriam apropriados pelos membros do grupo, que repartiam entre si os proventos obtidos. Usavam idêntico estratagema para adquirirem bens a crédito em nome de identidades forjadas, conforme resulta da documentação apreendida e das intercepções telefónicas .
A associação/grupo criminoso em investigação mostrava-se organizada e conseguia falsificar todo o tipo de documentos, nomeadamente documentos oficiais de identificação, BI, passaportes, autorizações de residência e outros documentos como recibos de vencimentos, facturas e outros documentos necessários à abertura de contas bancárias e pedidos de financiamento, certificados de habilitações, cartas de condução e outros.
O grupo procedia também a furtos de cheques, muitas vezes contidos em sobrescritos que eram retirados do interior de marcos de correio e angariavam pessoas que acediam em disponibilizar cheques e a utilização das suas contas bancárias para o depósito de cheques furtados e falsificados. Procediam depois ao levantamento dos respectivos valores.
O grupo recorria a pessoas que aceitavam agir sob as ordens e controlo dos arguidos, disponibilizando contas bancárias para serem depositados os cheques e levantados os valores neles inscritos.
Na perspectiva do Ministério Público, resulta dos autos, que existe forte perigo não só de se determinarem a eximir à acção da Justiça Portuguesa, colocando-se em fuga como ainda em, através de todos os meios ao seu alcance, dificultarem a aquisição, conservação ou veracidade da prova, agora que os arguidos são conhecedores da gravidade dos ilícitos que lhe são imputados, das dosimetrias penais que lhes correspondem e da previsível aplicação de uma sanção penal privativa da liberdade, bem assim o facto de não terem ocupação definida, terem família em diversos países como fluiu das suas próprias declarações, com excepção do arguido J…, em relação ao qual se considera que tais perigos, embora se verifiquem, estão mais atenuados, pelo facto de se encontrar estabelecido com segurança e continuidade em Portugal, onde trabalha e ganha o seu sustento em trabalhos de contabilidade, tendo a par desta actividade se envolvido nos planos criminosos dos restantes arguidos. Mas agora que o grupo foi desmantelado, o perigo de continuação da actividade criminosa por parte deste arguido não será tão premente.
Em respeito, pelo princípio da adequação terá que ser ponderado, a idoneidade da medida aplicar de forma satisfazer as respectivas necessidades cautelares, devendo, por isso, ser escolhida em função da sua finalidade.
Face aos concretos perigos verificados, tal princípio é completado pelo princípio da proporcionalidade, que determina que a medida de coacção a aplicar deve ser proporcional à gravidade dos crimes indiciados e à sanção que previsivelmente venha a ser aplicada aos arguidos pela prática de tais crimes.
Atendendo à gravidade dos factos em investigação, que estão directamente relacionados com importantes valores da sociedade nomeadamente, a confiança nos organismos do Estado e a segurança jurídica dos documentos oficiais, a segurança da correspondência, o património e a segurança do cheque como meio de pagamento. A conduta dos arguidos afecta ainda a os princípios de funcionamento da economia, nomeadamente a confiança nas operações realizadas com recurso á Banca.
O quadro de factos referidos, provocam alarme social, contribuindo tais actividades para o sentimento geral de insegurança.
No caso, terá que ser levado em linha de conta:
1) o alarme social que as referidas actividades causam na sociedade, acrescido pelo facto de , com excepção do arguido J... , os restantes arguidos são cidadãos estrangeiros, com antecedentes criminais e encontram-se irregularmente em território Nacional.
2) A situação pessoal dos arguidos, nomeadamente o facto de praticarem crimes contra o património, como meio de vida; garantindo dessa forma a sua subsistência. Não foi detectado pela PJ que tivessem qualquer trabalho regular, antes se verificando que apenas se dedicavam á pratica das condutas ilícitas que lhes foram imputados indiciariamente.
3) os valores e bens jurídicos violados e o prejuízo resultante das suas condutas.
4) o facto dos arguidos terem agido livremente, de forma reiterada, com, pleno conhecimento de que as suas condutas eram proibidas e que violaram valores muito importantes da sociedade, tendo assim agido com dolo directo.
5) O grau de participação de cada arguido nos factos, havendo que distinguir os arguidos que assumem maior importância interior da rede daqueles que não têm domínio dos factos e do modus operandi, como sucede em relação ao arguido J..., sempre levando em devida linha de conta o grau de participação de cada arguido,
Os arguidos são agora conhecedores dos factos que lhe foram imputados e dos meios de prova que o incriminam, existindo por isso em nosso entender fundado receio de que possam tentar influenciar a produção de prova, pressionando outros intervenientes nos factos, directa ou indirectamente, ou o depoimento de testemunhas, ou tentando ocultar meios de prova, donde extraímos que existe perigo de perturbação do inquérito
Deixamos para o fim o perigo que em concreto surge com maior e mais evidente possibilidade de vir a ocorrer e que é o perigo de fuga dos arguidos.
Com efeito, os arguidos têm facilidade em arranjar documentos falsos; têm mobilidade por todo o território nacional e no estrangeiro onde têm familiares e amigos e onde se podem sentir tentados a refugiar, abandonando o território Nacional.
Os arguidos têm mudado frequentemente de residência, para dificultar a sua localização por parte das autoridades nacionais, nomeadamente SEF e os Tribunais, tendo sido capazes de permanecer em situação irregular em território Nacional durante anos, situação que ainda se mantém em relação aos arguidos estrangeiros.
Sendo previsível que face ás provas existentes tais arguidos iriam tentar abandonar o território Nacional, com o propósito de se furtar á acção da justiça e a todas a suas responsabilidade, nos factos em investigação neste processo e eventualmente outros.
Os arguidos procuram dissimular a origem ilícita dos proventos obtidos com a pratica dos referidos crimes , pelas formas já indicadas na súmula do Ministério Público, que aqui se dá por reproduzida, consignando-se que por erro informático não deve ser considerado o teor dos factos indicados no ponto 21 desta súmula.
Perante o que foi referido, qualquer pessoa média compreende que a actividade desenvolvida pelos arguidos não pode ser valorada como normal ou aceitável, sendo evidente a gravidade das referidas condutas.
Sendo sabido que a prisão preventiva é sempre subsidiária das demais medidas de coacção, ou seja, só poderá ser aplicada e mantida quando se revelarem inadequadas ou insuficientes as outras medidas de coacção e houver fortes indícios de prática de crime que caiba na previsão do art.º 201º n.º 1 do CPPP (art. os 193º, n.º 2 e 202º, n.º 1, al. a , b) e c) do Código de Processo Penal).
No caso, a aplicação da prisão preventiva dos arguidos C… (ou A… como diz chamar-se) A… ; A…, J…; A… e D… surge como a única medida susceptível de acautelar os referidos perigos.
Com efeito, tudo ponderado, nomeadamente a gravidade da conduta e os concretos perigos enunciados e as condições pessoais de vida destes arguidos, é em nosso entender suficiente para se concluir que em relação a estes arguidos, outras medidas de coação menos gravosas do que a prisão preventiva, não seriam, no caso, susceptíveis de acautelar, de forma eficaz, os aludidos perigos.
Na verdade os mesmos surgem associados e organizados entre si , encontrando-se indiciadas funções de elementos do grupo que vão desde o arrombamento e furto de correspondência, à falsificação de documentos e abertura de contas bancárias , até á angariação de contas bancárias de terceiros., conforme resulta das informações da PJ e da promoção que antecedem.
Pelas razões indicadas e perante os indícios e meios probatórios produzidos, a aplicação da medida de prisão preventiva aos referidos arguidos, é para nós a única medida de coação, que em concreto se mostra susceptível de acautelar suficientemente os referidos perigos,
Concluindo: existem fortíssimos indícios dos factos que foram imputados aos arguidos durante a presente diligência.
Os crimes indiciados são punidos com pesadas penas de prisão.
Entende o Ministério Público que em concreto se verificam todos os perigos a que alude o artº 204º do Código de Processo Penal.
E que em relação a estes arguidos a medida de prisão preventiva se mostra no caso, absolutamente necessária, adequada e proporcional sendo a única medida susceptível de acautelar eficazmente os referidos perigos, pelo que se promove que seja aplicado aos arguidos C… (ou A… como diz chamar-se) A… ; A…, J… ; A… e D… a medida de prisão preventiva – ao abrigo dos artigos arts. 191º, 193º, 194º n.º 2, 202º al. a) e 204º al.s a) , b) e c) todos do C. P. Penal”.
Temos assim que, na perspectiva do Ministério Público, que o Sr. Juiz de instrução acolheu, os elementos de prova até então recolhidos indiciavam fortemente a prática, entre outros, pelo arguido A…, dos crimes de furto, violação de correspondência, receptação, falsificação de documentos, burla, branqueamento de capitais e associação criminosa, previstos e puníveis, respectivamente, pelos artigos 204.º, 194.º e 197.º, n.º 3, 231.º, 256.º, n.ºs 1 e 3, 218.º, 368.º-A e 299.º, todos do Código Penal.
O recorrente não questiona essa indiciação e não nos parece que, face ao manancial de provas que a investigação efectuada já permitiu obter, seja legítima qualquer dúvida a esse respeito.
Está, assim, verificada a condição específica prevista no art.º 202.º, n.º 1, al. a), do Cód. Proc. Penal, pois que, embora não todos, há crimes, cuja prática pelo arguido/recorrente se mostra claramente indiciada, puníveis com prisão de máximo superior a 5 anos.
Também no entendimento do Ministério Público, sufragado pelo Sr. Juiz de instrução, verificam-se, em concreto, todos os perigos indicados no art.º 204.º do Código de Processo Penal: perigo de fuga, perigo de continuação da actividade criminosa e perigo para a aquisição da prova.
O recorrente, pelo contrário, entende que não se verifica nenhum desses perigos:
§ quanto ao perigo de fuga, porque tem paradeiro certo e conhecido, onde foi detido;
§ quanto aos perigos de continuação da actividade criminosa e de perturbação do decurso do inquérito, nomeadamente para a aquisição da prova, porque tem companheira e três filhos menores, estuda na Universidade Lusófona e ia iniciar Mestrado, a mulher frequenta o último ano de Direito e “inexiste, em concreto, alarme social ou qualquer pericula libertatis”.
Uma das funções do direito penal e processual penal é o controlo preventivo directo da actividade criminosa[2], pois só assim se salvaguarda a liberdade e as regras de convivência em sociedade.
O direito à liberdade, como qualquer outro direito, não é absoluto, ilimitado. Como qualquer direito fundamental, comporta restrições, tem os chamados “limites imanentes”.
A luta contra a criminalidade organiza-se tipicamente através da limitação de direitos fundamentais.
Aliás, a protecção dos direitos e garantias só é pensável e exequível à custa da sua própria e inevitável limitação e restrição.
Mas se as restrições aos direitos, liberdades e garantias se revelam essenciais à própria sobrevivência do Estado de Direito Democrático, elas não podem deixar de ter carácter excepcional.
Só as previstas nos n.ºs 2 e 3 do citado art.º 27.º da Constituição são legítimas, estando vedado ao legislador ordinário criar outras, e por isso se fala em “tipicidade constitucional das medidas privativas da liberdade” (Gomes Canotilho e Vital Moreira, “Constituição da República Portuguesa Anotada”, 2007, p. 479).
Entre as restrições ali previstas, avulta a prisão preventiva, cuja natureza excepcional é logo assinalada no n.º 2 do art.º 28.º da Constituição e, a nível infra-constitucional, no art.º 193.º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal.
A prisão preventiva (cuja aplicação é, exclusiva e indelegavelmente, da competência de um juiz), é, unanimemente, referida como uma providência cautelar[3], que se justifica pela necessidade de garantir determinados fins[4].
Um desses fins ou funções é prevenir o perigo de continuação da actividade criminosa, mas, como faz notar o Professor Germano Marques da Silva (“Sobre a Liberdade no Processo Penal ou do Culto da Liberdade Como Componente Essencial da Prática Democrática”, estudo integrado na obra “Liber Discipulorum para Jorge Figueiredo Dias”, 2003, p. 1365 e segs.), “a aplicação da prisão preventiva não pode servir para acautelar a prática de qualquer crime pelo arguido, mas tão só a continuação da actividade criminosa pela qual o arguido está indiciado”[5], sob pena de se estar a assacar à prisão preventiva a função de prevenção geral de intimidação, de medida de segurança alheia ao processo em que é aplicada.
Indissociável da disciplina legal aplicável às medidas de coacção e, em especial, à prisão preventiva, é o princípio da presunção de inocência, consagrada no artigo 32.º, n.º 2, da Constituição.
Mais que falar sobre o seu sentido[6][7], importa aqui sublinhar que se trata de um princípio fundamental num Estado de Direito democrático e que dele emanam os princípios da legalidade ou da tipicidade das medidas de coacção (não só devem estar previamente definidos os pressupostos[8], gerais e especiais, das medidas, mas também só as medidas de coacção previstas na lei podem ser aplicadas – cfr. artigo 191.º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal), o princípio da necessidade (particularmente significativo no que toca à prisão preventiva e também explicitado no artigo 191.º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal, nos termos do qual só exigências processuais de natureza cautelar podem limitar, total ou parcialmente, a liberdade das pessoas, com reforço no artigo 204.º que concretiza as circunstâncias que podem justificar a imposição das medidas de coacção), o princípio da adequação (consagrado no art.º 193.º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal e que, tal como o princípio da proporcionalidade, condiciona não só a escolha da medida, mas também a sua execução e que impõe que a medida ou medidas a aplicar sejam adequadas às exigências cautelares que intercedem no caso e que os índices teleológicos do art.º 204.º revelam), o princípio da proporcionalidade (proporcionalidade que deve ser concretamente aferida em função da gravidade do crime cuja prática está indiciada e das sanções hipoteticamente aplicáveis – art.º 193.º, n.º 1) e o princípio da subsidiariedade (que flui do artigo 28.º, n.º 2, da Constituição, com expressa consagração no artigos 193.º, n.ºs 2 e 3, e reafirmada, como pressuposto negativo da aplicação da prisão preventiva, no art.º 202.º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal, nos termos do qual a prisão preventiva só pode ser aplicada se e quando todas as outras medidas de coacção se revelarem inadequadas ou insuficientes, “o que vem a ser expressão do princípio político-criminal da utilização da privação da liberdade como ultima ratio da política criminal”[9]).
De tudo o que se expôs, a ideia fundamental a reter é a de que a prisão preventiva tem carácter excepcional e subsidiário, sendo condição necessária da sua aplicação a inadequação ou insuficiência das demais medidas de coacção.
Ademais, a aplicação da prisão preventiva depende, além da ocorrência de um dos requisitos específicos previstos no artigo 202.º, da verificação, em alternativa, de qualquer dos requisitos gerais (os chamados pericula libertatis) enunciados nas três alíneas do artigo 204.º do Cód. Proc. Penal: perigo de fuga; perigo de perturbação do inquérito ou da instrução do processo; perigo de perturbação da ordem e da tranquilidade públicas ou perigo de continuação da actividade criminosa, devido à natureza e às circunstâncias do crime ou à personalidade do arguido.
Qualquer destas condições deve configurar-se como um perigo real e não meramente hipotético ou virtual e resultar de todos os elementos factuais disponíveis no processo, analisados e ponderados de acordo com as regras da experiência comum, ou seja, nas palavras de Germano Marques da Silva (Loc. Cit., 1378), o despacho de aplicação da prisão preventiva não pode “…basear-se sobre o perigo para a aquisição, conservação ou veracidade de provas de modo genérico … Não pode reportar-se a um genérico perigo de fuga do arguido, mas deve referir-se a um concreto perigo de fuga ou à fuga, como de modo análogo não pode referir um perigo abstracto de perturbação da ordem e da tranquilidade públicas ou de continuação da actividade criminosa, devendo ser especificados os factos em que assenta o juízo de perigosidade”.
Comecemos pelo perigo de continuação da actividade criminosa.
Além de recordarmos que a actividade criminosa, cujo perigo de continuação se há-de verificar, só pode ser aquela pela qual o arguido está indiciado[10], há que ter presente que não é um juízo de certeza que se impõe, mas antes um juízo meramente (mas também fortemente) indiciário, quanto a essa continuação criminosa.
O recorrente alega, essencialmente, que não se verifica este perigo porque tem três filhos, estuda na Universidade Lusófona a iniciar Mestrado (não diz em quê) e a sua companheira frequenta o último ano do curso de Direito.
Porém, isso não o impediu de, ao que revelam os indícios probatórios recolhidos, ter-se dedicado a uma intensa actividade criminosa.
Se o recorrente, com essa alegação, pretende dizer que está perfeitamente integrado a nível social e familiar, o que é que pode tê-lo levado a praticar as acções criminosas que se mostram claramente indiciadas?
Parece-nos que a resposta mais plausível é que foi motivado pelo desejo/necessidade de obtenção de proventos económicos avultados, pois não só existem sinais exteriores de riqueza (foram-lhe apreendidos dois veículos automóveis da marca “Audi”, novos, e numa das suas contas de depósitos, titulada por F…, que tudo indica seja uma identidade falsa que utilizava, foram depositadas, em numerário, quantias bastante significativas) como é facto adquirido que não exercia, com regularidade, qualquer actividade profissional lícita remunerada (são falsos os recibos de vencimento que suportam as declarações de rendimentos apresentadas para efeitos de IRS).
Ora, o que nos diz a experiência acumulada é que, neste tipo de criminalidade, é grande a taxa de reincidência, precisamente porque ela proporciona a obtenção de avultados proventos económicos.
Que assim é revela-o bem o facto de o arguido (que não é caso único no grupo de que fazia parte) já ter sido condenado na pena de 3 anos e 8 meses de prisão por crimes de burla e de falsificação de documentos.
Passemos ao perigo de fuga.
Este perigo ocorrerá sempre que, face à contextualidade do caso e tendo em conta a experiência de vida, seja legítimo um juízo de prognose nesse sentido, ou seja, que existe um real risco de fuga ou, pelo menos, que se verifica uma forte probabilidade de tal acontecer.
Esse perigo será tanto maior quanto mais gravosa for a pena que, previsivelmente, lhe venha a ser aplicada.
Ora, a provarem-se os factos que se mostram indiciados, o arguido/recorrente terá cometido numerosos crimes de falsificação de documentos agravada, de burla qualificada, de violação de correspondência, de furto e, ainda, um crime de associação criminosa.
Quer pela gravidade de tais ilícitos, quer pelo número de violações jurídicas cometidas, é altamente provável que lhe venha ser aplicada uma pena de prisão que se situe bem acima do limite a partir do qual não é possível a suspensão da execução da pena.
Por outro lado, o recorrente é cidadão angolano e, embora residente em Portugal há vários anos, a sua situação no nosso país é irregular, pois não tem autorização de residência válida e já foi notificado para o abandonar no prazo de 20 dias.
Acresce que mantém estreitas ligações ao seu país natal, para onde já encaminhou vários veículos automóveis e onde tem familiares.
Por último, não é de menosprezar a circunstância, referida pelo Ministério Público, de o arguido ter facilidade em arranjar documentos falsos, o que lhe proporciona mobilidade por todo o território nacional e mesmo no estrangeiro.
Neste contexto, mais que em perigo, é legítimo falar em certeza de fuga à acção da justiça se for posto em liberdade.
Quanto ao perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução, nomeadamente perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova, tem-se em vista o perigo de inquinamento das provas já recolhidas ou que possam vir a integrar os autos.
Como nos elucida C. Roxin, citado no acórdão desta Relação de 08.10.2003, disponível em www.dgsi.pt (Relator: Des. Carlos Almeida), o objectivo é “evitar o perigo de entorpecimento com base na forte suspeita de que o arguido «destrua, modifique, oculte, suprima ou falsifique meios de prova», «influa de maneira desleal nos co-arguidos, testemunhas ou peritos» ou «induza outros a realizar tais comportamentos».
Não temos por seguro e certo que esse perigo seja “maior nas fases preliminares do processo” e que “diminui com o decurso do tempo e com a realização das diligências probatórias mais importantes” (Paulo Pinto de Albuquerque, “Comentário…”, 576, citando acórdão do TEDH), mas, seguramente, assume várias formas, umas, mais subtis, outras óbvias, directas ou através de terceiros.
Num caso como este, com os contornos que já estão suficientemente definidos, em que avulta a existência de uma associação criminosa que já evidenciava possuir consideráveis meios materiais e humanos, boa organização e articulação entre os seus membros e grande capacidade de acção, não pode, de modo algum, menosprezar-se o perigo de inquinamento das provas.
O perigo de perturbação da ordem e tranquilidade públicas é, considerando o tipo de criminalidade que aqui está em causa, aquele que mais dificilmente pode configurar-se.
Sem dúvida que perturba e causa alarme social o arrombamento de marcos dos correios para deles serem retiradas as correspondências aí depositadas. Temos mesmo conhecimento, por força do exercício de funções, que associações empresariais, alarmadas com a frequência e o alastramento dessas acções criminosas, dirigiram aos seus associados instruções quanto ao preenchimento e características dos cheques que enviam por correio.
No entanto, cremos que não é com esse sentido de alarme social que a al. c) do art.º 204.º do Cód. Proc. Penal refere o perigo de perturbação da ordem e tranquilidade públicas e que poderá justificar a imposição de uma medida de privação da liberdade com carácter dissuasor, capaz de aplacar esse alarme.
Perfilhamos o entendimento, expresso por Frederico Isasca (“A prisão preventiva e Restantes medidas de coacção”, in Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais, organizadas pela FDL, 99 e segs.), de que o preceito legal em causa visa “aqueles crimes que agitam fortemente a comunidade despertando sentimentos de vindicta, de realização da justiça popular, são crimes que pela brutalidade com que são cometidos e/ou pela particular fragilidade ou impossibilidade de defesa da vítima, levam o cidadão comum a um descrédito nas instâncias formais de controlo, em face da resposta que o sistema oferece e que fica muito aquém daquela que, num momento de particular emoção, de choque, a comunidade exige” e, bem assim, “aqueles casos em que a postura do arguido cria o temor, o pânico ou grande insegurança, despertando sentimentos de ódio, de vingança, de eliminação física”[11].
Não pode, pois, ter-se por verificado este perigo no caso em apreço.
A prisão preventiva é, irrecusavelmente, a medida coactiva mais eficaz, aquela que, em princípio, satisfaz plenamente as exigências cautelares de qualquer processo.
No entanto, é, simultaneamente, a mais gravosa e por isso só deve ser aplicada e mantida desde que outras, menos penosas, se mostrem inadequadas ou insuficientes.
Porque a subsidiariedade essencial que lhe vai implicada persiste durante todo o período da sua execução, a lei prevê mecanismos de ajustamento ou correcção quando há variações do condicionalismo da sua aplicação.
Com efeito, reconhece-se que as medidas de coacção, maxime a prisão preventiva, estão sujeitas à condição rebus sic stantibus (ou caso julgado rebus sic stantibus, como a designa Paulo Pinto de Albuquerque, “Comentário…”, 587), o que é dizer que, constatada uma modificação das circunstâncias que a determinaram, a medida pode e deve ser revista, podendo o juiz revogá-la ou substituí-la (artigos 212.º e 213.º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal).
Não é o que aqui acontece.
Decorreram pouco mais de dois meses sobre a data em que foi aplicada a medida de prisão preventiva ao recorrente e continua a mostrar-se fortemente indiciada a prática dos aludidos crimes, os factos que indiciam a existência dos apontados perigos são os mesmos e não há outra medida, que não seja a prisão preventiva, suficientemente eficaz para esconjurar esses perigos.
A prisão preventiva revela-se (continua a mostrar-se) necessária, adequada e proporcional face às exigências cautelares do caso e por isso deve manter-se.
III – Decisão
Por tudo o exposto, acordam os juízes desta 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa em negar provimento ao presente recurso e confirmar a decisão recorrida, devendo o arguido A… manter-se em prisão preventiva.
Por ter decaído, pagará o recorrente as custas do processo, fixando-se em cinco UC´s a taxa de justiça (artigos 513.º, n.º 1, e 514.º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal, e 8.º, n.º5 do Regulamento das Custas Processuais, sem prejuízo do disposto na alínea j) do artigo 4.º do mesmo Regulamento).
(Processado e revisto pelo primeiro signatário, que rubrica as restantes folhas).
Lisboa, 8 de Fevereiro de 2011
Neto de Moura
Alda Tomé Casimiro
----------------------------------------------------------------------------------------- [1] Importa fazer notar que a busca pode ter por finalidade a detenção de um suspeito ou de um arguido (art.º 174.º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal). Nesse caso, é perfeitamente concebível que os OPC´s só ao fim de algumas horas consigam encontrar a pessoa a deter. Na tese do arguido, a detenção, tecnicamente, teria ocorrido logo que se iniciou a busca, pois o visado ficou logo impedido, por exemplo, de ir a A... comer uma “sopa da pedra”, o que é, manifestamente, um absurdo. [2] Função que, no entanto, só será legítima se não se recorrer a medidas que sejam verdadeiras medidas de segurança pré-condenatórias. [3] Os meios cautelares são instrumentos processuais sem os quais o processo penal correria o risco de se “auto-inutilizar”, pois que estaria na livre disposição do arguido fugir, destruir ou adulterar provas ou prosseguir a actividade criminosa (cfr., a este propósito, Pedro Jorge Teixeira de Sá, “Fortes indícios de ilegalidade da prisão preventiva”, estudo publicado in “Scientia Iuridica”, T. XLVIII, n.ºs 280-282, p. 393 e segs.). [4] A prisão preventiva (tal como com as outras medidas de coacção) tem finalidades intra-processuais (como sejam as dirigidas a garantir a possibilidade de recolha pronta, completa e correcta da prova e a execução de uma eventual decisão condenatória, podendo falar-se aqui num interesse, constitucionalmente protegido, na boa administração da justiça) e extra-processuais (em que o objecto de protecção é a comunidade e o próprio arguido, prevenindo-se a perturbação da ordem a tranquilidade públicas e a continuação da actividade criminosa). [5] Perspectiva radical (que seria, também, a da escola clássica italiana) tem Eduardo Maia Costa (“A presunção de inocência do arguido na fase de inquérito”, in Revista do Ministério Público, n.º 92, 65 e segs.), para quem a prisão preventiva só se justifica nos casos de perigo de fuga ou de perturbação da instrução pelo arguido. As finalidades extra-processuais, concretamente, as de prevenir os perigos de perturbação da ordem e da tranquilidade públicas e de continuação da actividade criminosa (tout court) seriam ilegítimas, pois estar-se-á a utilizar a prisão preventiva como medida de segurança, mais do que antecipação da pena, o que violaria diversos princípios constitucionais, nomeadamente o da presunção de inocência.
Apesar do seu carácter excepcional e subsidiário, a utilização da prisão preventiva – escreve o autor – “banalizou-se, tornou-se a medida de coacção normal em certo tipo de crimes, nomeadamente no tráfico de estupefacientes, precisamente com a mais que duvidosa (constitucionalmente duvidosa) invocação do perigo de continuação criminosa e/ou de perigo de perturbação da ordem e da tranquilidade públicas” (Loc. Cit., 77).
Bem diferente é o entendimento que tem sido perfilhado pelo Tribunal Constitucional, como se pode constatar, por ex., no acórdão de 20.11.1996 (DR, II, de 06.02.1997), onde se lê: “…o entendimento a dar ao princípio da presunção de inocência do arguido não pode ir tão longe que dele se faça resultar a ilegitimidade da utilização dos meios de coacção ou cautelares, como a prisão preventiva, incidentes sobre a sua pessoa. Com efeito, se é certo que a prisão preventiva leva à privação da liberdade do arguido, privação esta tanto mais delicada porquanto ocorre, em geral, num momento em que o indivíduo não foi sentenciado criminalmente, embora exista um juízo de fortes suspeitas de culpa, que se concretiza, em regra, no despacho de pronúncia, não pode deixar de se considerar aquela privação da liberdade como justificada para salvaguarda da própria sociedade e dos valores essenciais por que se rege”. [6] Sobre o conteúdo e alcance da presunção de inocência, pode ver-se o citado artigo de Eduardo Maia Costa, 67 e segs. [7] Sobre as repercussões extra-processuais do princípio, cfr. o estudo de José Souto Moura, “A questão da presunção de inocência do arguido”, Rev. do Ministério Público n.º 42, 31 e segs. [8] Cabe, aqui, salientar que é à luz das circunstâncias que ocorrem no momento da sua aplicação, e não depois da decisão sobre o mérito da causa, que deve ser avaliada a legalidade da medida de coacção decretada (assim, Paulo Pinto de Albuquerque, “Comentário….”, 546). [9] Cfr. Maria João Antunes, “O segredo de justiça e o direito de defesa do arguido sujeito a medida de coacção”, estudo integrado na já citada obra “Liber Discipulorum para Jorge Figueiredo Dias”, 2003, p. 1237 e segs.), [10] Frederico Isasca (Loc. Cit., 111) afirma que essa continuação da actividade criminosa “refere-se basicamente aos chamados crimes continuados”. [11] Em sentido não coincidente, o já citado acórdão desta Relação de 08.10.2003 em que se defende que o perigo a que alude a al. c) do art.º 204.º “tem necessariamente de se reportar a um comportamento futuro do arguido e não ao seu comportamento pretérito e à reacção que a sua prática pode gerar na comunidade».