CLÁUSULA CONTRATUAL GERAL
CONTRATO DE AGÊNCIA
DENÚNCIA
REGULAMENTO COMUNITÁRIO
INDEMNIZAÇÃO DE CLIENTELA
VIOLAÇÃO DAS REGRAS DE CONCORRÊNCIA
Sumário

1. O contrato de concessão comercial, sendo um contrato atípico, pese embora a tipicidade social de que goza, rege-se pelo convencionado entre as partes, desde que lícito, aplicando-se, na falta de convenção, as normas gerais dos contratos, o regime das cláusulas contratuais gerais (caso o contrato haja sido concluído através de cláusulas dessa índole) e, se necessário, pelas normas específicas que regem o contrato que com ele apresenta maior afinidade, que é o contrato de agência.
2. A denúncia consubstancia-se na declaração dirigida por um dos contraentes ao outro, em regra com certa antecedência sobre o termo do contrato, de não pretender a renovação ou continuação da relação contratual, independentemente de justa causa. Reveste a natureza de um poder potestativo, de carácter discricionário, sendo um meio de extinção de relações obrigacionais duradouras, como sucede com o contrato de concessão comercial.
3. O Regulamento (CE) nº 1475/95, da Comissão, de 28.06.95, já substituído pelo Regulamento (CE) nº 1400/2002 de 31.07.2002, visa a aplicação do nº 3 do artigo 85º do Tratado CE a certas categorias de acordos de distribuição e de serviço de venda e pós-venda, sempre que estejam em causa relações transfronteiriças, prevendo-se, no seu artigo 5º, o direito do fornecedor fazer cessar o contrato mediante um pré-aviso de, pelo menos, um ano, em caso de necessidade de reorganizar a totalidade ou uma parte substancial da rede de distribuição.
4. Em relação ao contrato de agência, o artigo 33º do Decreto-Lei nº 178/86, de 3 de Julho, consagra o direito do agente, após a cessação do contrato, a uma indemnização de clientela, desde que verificados, cumulativamente, os requisitos ali mencionados, relevando, fundamentalmente, a circunstância de o agente não ter dado causa à cessação do contrato, e o principal ficar em condições de continuar a usufruir da actividade anteriormente desenvolvida pelo agente, quer por via da sua exploração directa do mercado, como também por via indirecta, ou seja, através de outros agentes que venham a operar na zona territorial em que o agente cessante exerceu a sua actividade comercial.
5. A aplicação do regime do contrato de agência ao contrato de concessão comercial, no que concerne à indemnização de clientela, não tem tido um tratamento unívoco na doutrina e na jurisprudência.
6. Defendem uns, a aplicação do regime da indemnização de clientela, previsto nos artigos 33º e 34º do Decreto-Lei nº 178/86, aos contratos de concessão comercial, ainda que as partes hajam clausulado no sentido de uma renúncia antecipada à indemnização, cominando com nulidade tal cláusula, fundando essa solução na natureza imperativa ou injuntiva do referido artigo 33º.
7. Defendem outros, que as normas dos aludidos preceitos apenas revestem carácter imperativo quando aplicadas ao contrato de agência, mas não quando aplicadas ao contrato de concessão, tanto mais que a aplicação analógica das normas de um contrato típico a um contrato atípico pressupõe que exista de lacuna que careça de regulação, como se estatui no artigo 10º, nºs 1 e 2 do Código Civil.
8. Esta última posição não invalida que, na hipótese de as partes terem acordado, para o momento da cessação do contrato de concessão, um sistema desfavorável para o concessionário, poderem funcionar os mecanismos gerais do direito, nomeadamente, os artigos do Código Civil sobre vícios da vontade, sobre a boa fé e, sobretudo, os mecanismos de tutela previstos no diploma que regula as cláusulas contratuais gerais, caso se demonstre que esse contrato foi concluído com recurso a este tipo de instrumentos.
(Sumário da Relatora)

Texto Integral

ACORDAM OS JUÍZES DA 2ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

I. RELATÓRIO

AUTO “A”, LDA., com sede na Rua ..., 18, 1º Dto., em Lisboa, intentou, em 18.01.2002, contra “B”, S.A., com sede na Rua ..., 2-4º, em Lisboa, acção declarativa sob a forma de processo comum ordinário, através da qual pede a condenação da ré:
a) A pagar à autora a quantia de 3.686.619 euros e 89 cêntimos, a título de indemnização pelos prejuízos causados pela falta de pré-aviso legal e pela violação das normas legais sobre concorrência, acrescida de juros de mora desde a data de citação até integral pagamento;
b) A pagar à autora a quantia de 1.488.054 euros, a título de indemnização de clientela, acrescida de juros de mora desde a data de citação até integral pagamento;
c) A pagar à autora a quantia de 79.835 euros e 25 cêntimos, a título de créditos de Incentivos de Frota e de Descontos por Volume Anual Acordado;
d) A reconhecer compensado por dedução àqueles montantes, o crédito que a ré possui sobre a autora, no valor de 154.221 euros e 37 cêntimos.

Fundamentou a autora, no essencial, esta sua pretensão na circunstância de ter celebrado com a ré um contrato de distribuição comercial dos produtos desta, tendo a ré rescindido o mesmo, sem cumprimento do legal prazo de pré-aviso, tendo a autora direito às indemnizações peticionadas.

Citada, a ré apresentou contestação, impugnando a factualidade enunciada na petição inicial, e defendeu, em súmula, a licitude da denúncia do contrato entre elas celebrado, não assistir à autora o peticionado direito à indemnização de clientela e, ainda que se entendesse, ser aplicável o regime do direito á compensação de clientela, ainda assim os valores apresentados pela autora seriam manifestamente incorrectos por excessivos, concluindo pela improcedência dos pedidos.

Deduziu ainda a ré reconvenção, peticionando a condenação da autora a pagar-lhe a quantia de € 154.221,37, atinente a um crédito a seu favor, a que acrescem juros de mora vencidos e vincendos desde 30.11.2000 e até integral e efectivo pagamento.

Mais peticionou a ré a condenação da autora como litigante de má fé, em multa e indemnização não inferior a 50.000,00.

A autora replicou, propugnando pela improcedência do pedido de condenação como litigante de má fé, e pela redução do saldo de conta-corrente a favor da ré e objecto do pedido reconvencional, para o valor de € 79.835,25, por via da procedência de excepção de compensação.

A ré treplicou, propugnando pela improcedência da excepção de compensação deduzida com relação ao pedido reconvencional.


Proferido o despacho saneador, foi elaborada a condensação com a fixação dos Factos Assentes e a organização da Base Instrutória.

Levada a efeito prova pericial, apresentaram os peritos nomeados o relatório pericial constante de fls. 971 a 985, que foi alvo de reclamação, por parte da autora, invocando a falta de resposta aos quesitos 1º e 2º constantes de fls. 803 e propugnando que se considerassem não escritas as respostas dadas pelos peritos, na parte em que fazem referência aos lucros líquidos obtidos pela autora, especificadamente na actividade de venda de veículos e peças “BB”, por excederem o âmbito da perícia ou, caso assim se não entendesse, que os peritos esclarecessem se no apuramento daquilo que denominaram de “lucros líquidos” tiveram em consideração, do lado activo, os proveitos relativos a juros e rendimentos de aplicações financeiras, mais-valias e ganhos extraordinários, e do lado passivo, as amortizações, provisões de cobranças duvidosas, custos e percas extraordinárias.

Na resposta à reclamação, a ré defendeu a utilidade para a prolação de uma decisão sobre o mérito da causa, que o Tribunal esteja em condições de destrinçar o lucro líquido obtido pela autora nos anos de 1995 a 1999 em termos globais, do lucro líquido auferido naquele período,
no exercício da actividade de venda de veículos e peças “BB”, por ser apenas este que está em causa neste processo. Propugnou, por isso, a ré, pelo indeferimento, nessa parte, da reclamação deduzida pela autora.

Os peritos responderam à reclamação, esclarecendo não terem confundido os conceitos de lucro líquido da autora com o de margem líquida de uma das actividades exercidas pela autora. Esclareceram as razões pelas quais nos quesitos 1º, 4º, 7º, 10º, 13º e 16º se referiram a vendas de “veículos e peças “BB””, e apresentaram os resultados líquidos dos referidos exercícios, referentes à actividade de “venda de veículos e peças “BB””. Esclareceram também que utilizaram, para o efeito, os enumerados pressupostos, por a autora não dispor de informação contabilística que permitisse um cálculo objectivo.

O Tribunal a quo proferiu, em 15.07.2005, o seguinte despacho:

Nos presentes autos está em causa o lucro líquido obtido pela autora nos anos de 95 a 99 no exercício da actividade de venda de veículos e peças “BB” apenas. Pelo exposto, indefiro a reclamação da autora.

Inconformada com esta decisão, a AUTORA interpôs recurso de AGRAVO, o qual foi admitido, com subida diferida.

Foi levada a efeito a audiência de discussão e julgamento, após o que o Tribunal a quo proferiu decisão, nos seguintes termos:

a) julgar totalmente improcedentes os pedidos formulados pela autora Auto “A”, Lda. contra a ré “B”, S.A. e, em consequência, absolver a ré dos mesmos;
b) julgar totalmente improcedentes os pedidos reconvencional e de condenação da autora como litigante de má fé formulados pela referida ré e, em consequência, absolver a autora dos mesmos.

Inconformada com o assim decidido, quer a autora, quer a ré interpuseram recurso de APELAÇÃO, relativamente à sentença prolatada.

São as seguintes as CONCLUSÕES da alegação do recurso de AGRAVO interposto pela autora:

i) O método de cálculo da indemnização de clientela e o método de cálculo do seu limite são matéria de direito e respeitam à causa de pedir e ao mérito da causa;

ii) O Tribunal só deve decidir e pronunciar-se sobre o mérito da causa na sentença. Até lá, deverá manter-se equidistância em relação ao conflito que opõe as partes, respeitando as diversas soluções plausíveis de direito;

iii) O Despacho de fls. 1025, ao invés de circunscrever a sua fundamentação à questão processual de decidir se os peritos extravasaram ou não objecto da perícia, pronunciou-se sobre o mérito da causa para fundamentar o indeferimento do requerido.

iv) Ao fundamentar como fundamentou e ao decidir como decidiu e no momento processual em que o fez, violou o Meritíssimo Juiz a quo, entre outros, o princípio da legalidade na sua vertente de tramitação processual e os artigos 156º e 510º n° 1 b) do Código de Processo Civil.

v) As respostas às Questões 3, 6, 9, 12, 15 e 16 do Relatório de íls.970 a 971, na parte em que se referem ao chamado "lucro líquido da actividade de venda de veículos e peças “BB”", extravasaram o âmbito da perícia;

vi) As respostas às Questões 3, 6, 9, 12, 15 e 16 do Relatório de fls.970 a 971, na parte em que se referem ao chamado "lucro líquido da actividade de venda de veículos e peças “BB”", não têm correspondência com os factos da Base Instrutória nem com os factos alegados pelas partes;

vii) As respostas às Questões 3, 6, 9, 12, 15 e 16 do Relatório de t1s.970 a 971, na parte em que se referem ao chamado "lucro líquido da actividade de venda de veículos e peças “BB”" deveriam, por isso, ser consideradas como não escritas.

viii) Ao decidir como decidiu, violou o Meritíssimo Juiz a quo, entre outros, os artigos 578° n° 1 e 586° n° 1 do Código de Processo Civil;

Pede, por isso, a agravante, que seja concedido provimento ao agravo, declarado nulo o despacho impugnado, e substituído por outro que considere as respostas às Questões 3, 6, 9, 12, 15 e 16 do Relatório de fls.970 a 971, na parte em que se referem ao chamado "lucro líquido da actividade de venda de veículos e peças “BB”", como não escritas.

A agravada apresentou CONTRA-ALEGAÇÕES, propugnando pela manutenção na íntegra do despacho recorrido e formulou as seguintes CONCLUSÕES:

i) As perguntas indicadas sob as alíneas b) e c) do 1.° parágrafo das doutas alegações reportam-se à "área de negócios que vem mencionada na alínea a), ou seja, a de "Concessionário “BB”".

ii) A perícia relaciona-se muito mais com o pedido do que com a causa de pedir.

iii) A circunstância de o legislador não ter utilizado o termo "só" (no n.° 2 do artigo 577.° do Código de Processo Civil) está carregada de significado, não se tratando de uma omissão inocente.

iv) Ao estipular que a perícia se pode reportar, quer aos factos articulados pelo requerente, quer aos alegados pela parte contrária, o legislador abriu a porta a que a perícia versasse sobre outros factos que não aqueles.

v) Se o artigo em causa contivesse a expressão acima indicada, apenas seria legítimo concluir que o legislador teria pretendido que a perícia somente se reportasse àqueles factos.

vi) As questões a esclarecer através da perícia não têm, forçosamente, de coincidir com factos que tenham sido alegados pelo requerente da diligência ou pela respectiva contra-parte.

vii) A circunstância de as questões indicadas pela agravada no seu requerimento de produção de prova pericial não coincidirem com os factos alegados nos articulados, não justifica que seja concedido provimento ao presente recurso.

viii) A decisão de fixação de um determinado montante a título de indemnização de clientela é pautada por dois critérios, a saber: a equidade e a média da remuneração nos últimos cinco anos completos de exercício de actividade.

ix) A indemnização de clientela deve ser determinada segundo a "justiça do caso concreto", não podendo todavia exceder o valor correspondente à média da remuneração nos últimos cinco anos completos de exercício de actividade.

x) No que concerne ao primeiro critério, a jurisprudência tem entendido que deverão ser tidos em conta, entre outros, os seguintes factores: número de anos de vigência da relação de agência, evolução do volume de vendas do agente, cumprimento das obrigações emergentes do contrato de agência, etc...

xi) No que diz respeito ao segundo critério, releva saber qual foi o valor total da remuneração do agente nos últimos cinco anos completos de exercício de actividade, devendo tal valor ser dividido por cinco por forma a apurar a média da remuneração naquele período.

xii) A perícia requerida pela agravada prende-se apenas com esta segunda linha orientadora do Tribunal, nada tendo que ver – sequer indirectamente - com a primeira.

xiii) Ao requerer a realização de uma perícia, a agravada visou somente que os Srs. Peritos (i) apurassem qual o lucro líquido obtido pela agravante em cada um dos últimos cinco anos completos de exercício de actividade, (ii) somassem os valores em causa (para assim apurar o
lucro líquido total durante aquele período de tempo) e, por fim, (iii) dividissem por cinco — por estar em causa um período de cinco anos — o valor apurado na sequência da operação anteriormente descrita.

xiv) É verdade que há que apurar os elementos de facto que irão permitir ao Tribunal emitir o juízo de equidade que deve preceder a fixação de um quantitativo a título de indemnização de clientela.

xv) O apuramento desses elementos não pressupõe os especiais conhecimentos de natureza técnica que justificam o pedido de realização de uma perícia, o mesmo não sucedendo, todavia, relativamente à obtenção dos dados de que o Tribunal necessita para determinar o tecto máximo dessa mesma indemnização.

xvi) É verdade que a questão de saber quais os critérios que devem presidir ao arbitramento de uma determinada verba a título de indemnização de clientela diz apenas respeito ao aspecto jurídico da causa, sendo por isso sindicável por todas as instâncias de recurso.

xvii) Não é menos verdade que tal problemática não tem que ver, pelo menos directamente, com a causa de pedir, entendida esta como o conjunto de factos sobre os quais o autor alicerça o seu pedido.

xviii) Com a propositura da presente acção, a agravante visa — entre o mais — a condenação da agravada no pagamento de uma indemnização de clientela.

xix) Segundo o regime jurídico do contrato de agência – de que a agravante lançou mão para fundamentar a pretensão formulada – a indemnização de clientela deve ser calculada segundo a equidade, não podendo exceder a média da remuneração nos últimos cinco anos de actividade.

xx) É sabido que a agravante – enquanto "Concessionário “BB”" – não
recebeu qualquer remuneração pelo exercício da sua actividade, pelo que cumpre apurar qual o "sucedâneo" de tal instituto jurídico.

xxi) Segundo o entendimento da agravada, tal cálculo deverá ser feito tendo por base o lucro líquido da agravante – no que concerne à sua actividade de "Concessionário “BB”" - nos últimos cinco anos completos de vigência do correspondente convénio.

xxii) Não tendo a agravada tido acesso à documentação contabilística da agravante, era-lhe impossível, à data da apresentação da sua contestação, alegar os valores com base nos quais (de acordo com o seu entendimento) deve ser calculada a indemnização de clientela.

xxiii) Não poderá deixar de se concluir pela manifesta importância do apuramento do lucro líquido obtido pela agravante nos últimos cinco anos completos de exercício de actividade societária.

xxiv) Da leitura do relatório pericial resulta claro que os Srs. Peritos responderam exactamente àquilo que lhes foi perguntado, ou seja, qual a média do lucro líquido da agravante no período compreendido entre 1995 e 1999 na qualidade de "concessionário" da agravada.

xxv) A circunstância de os Srs. Peritos terem versado sobre a actividade de "Concessionário “BB”" não legitima que se infira que os mesmos extravasaram o âmbito das suas funções, significando apenas que se debruçaram sobre o único ramo da actividade da agravante que está em causa nos presentes autos, ou seja, o de "Concessionário “BB”",

xxvi) Admitindo – por mera cautela de patrocínio e sem conceder – que a agravante acumulava aquela actividade com a de "Concessionário" de outras marcas do ramo automóvel, é por demais evidente que, a ser-lhe atribuída uma indemnização de clientela, a mesma deverá ter por referência – tão-somente – aquela área de actividade.


xxvii) Atendendo ao que acabou de se expor, a agravada não vislumbra em que medida a agravante pode afirmar que os Srs. Peritos extravasaram o âmbito de admissibilidade da perícia...

xxviii) A agravada também não pode concordar com a agravante quando esta afirma que o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo se pronunciou sobre o mérito da causa.

xxix) Ao declarar que a presente acção versa sobre o lucro líquido da agravante nos últimos cinco anos de vigência do "Contrato de Concessionário “BB”" o Tribunal não está de modo algum a pronunciar-se sobre se a indemnização de clientela que foi peticionada pela agravante lhe é (ou não) devida, pretendendo antes significar que, atendendo às várias soluções de direito plausíveis, interessa apurar tal valor.

xxx) Com a propositura da presente acção, a agravante visa a condenação da agravada no pagamento de uma indemnização de clientela; segundo a Lei, a mesma não pode ser superior à média da remuneração nos últimos cinco anos de exercício de actividade; é já pacífico nos autos que a agravante nunca foi remunerada pela agravada; segundo o entendimento da agravante, a "remuneração" equivale ao lucro bruto, sendo certo que, de acordo com a agravada, a mesma corresponde ao lucro líquido; através da realização de uma perícia, a agravada visa que os Srs. Peritos identifiquem a média do lucro líquido da agravante durante aquele período de tempo, tendo estes prestado o esclarecimento que lhes foi solicitado.

xxxi) Ao referir que a presente acção versa sobre o lucro líquido da agravante, o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo não tomou uma posição definida sobre a questão de saber qual o "sucedâneo" da remuneração do agente, tendo antes reconhecido de modo implícito que existe controvérsia jurisprudencial sobre o tema e decidido que a perícia deveria ser suficientemente alargada por forma a abranger todas as soluções de direito plausíveis.


xxxii) Ao declarar que os Srs. Peritos não foram para além do que lhes foi perguntado quando esclareceram qual o lucro líquido da agravante durante o mencionado período de tempo, o Tribunal não se posicionou no sentido de que uma eventual indemnização terá como tecto máximo tal valor, tendo antes aberto a porta a que a prolação de uma decisão sobre o mérito da causa seja feita tendo por base todos os elementos de facto a que o julgador deve atender, de acordo com as várias soluções de direito abstractamente aplicáveis ao caso concreto.

xxxiii) A indicação do lucro líquido nos últimos cinco anos de vigência do "Contrato de Concessionário “BB”" – que consta do relatório pericial - não traduz de modo algum um puro ensaio intelectual.

xxxiv) O valor indicado teve por referência a documentação contabilística da agravante referente ao lapso de tempo em causa.

xxxv) Tal suporte documental apenas não foi considerado suficientemente esclarecedor no que concerne à imputação dos custos indirectos, razão pela qual os Srs. Peritos se viram na contingência de proceder à contabilização explicitada no relatório em causa (a qual foi explicitada de modo perfeitamente cristalino e sem margem para quaisquer dúvidas),

xxxvi) O objectivo último tido em mente pela agravada quando solicitou ao Tribunal a quo que autorizasse a colaboração dos Srs. Peritos, foi justamente permitir apurar qual foi o lucro líquido daquela na sua actividade de "Concessionário “BB”" entre 1995 e 1999.

xxxvii) Na opinião da agravada, caso se conclua ser devida tal indemnização – o que de modo algum se aceita e apenas se pondera por cautela de patrocínio – a mesma deverá ser calculada tendo como limite máximo aquele valor.

xxxviii) Aquilo que os Srs. Peritos fizeram foi analisar a documentação contabilística da agravante que reputaram relevante e extrair os elementos de facto que lhes permitiram indicar o montante que consta do relatório,

xxxix) Se a agravante discordou do teor do relatório pericial, poderia requerer a realização de uma segunda perícia (não podendo agora vir a fazer uso de tal faculdade processual, por manifesta extemporaneidade).

xl) O valor final apurado pelos Srs. Peritos alicerçou-se em elementos de facto fornecidos pela própria agravante (excepção feita à imputação dos custos indirectos, questão que poderá ser objecto de pedidos de esclarecimentos aos Srs. Peritos quando comparecerem na audiência de julgamento).

xli) Quer o Tribunal a quo, quer os Srs. Peritos, apreenderam perfeitamente o sentido das questões – indicadas pela agravada – para serem objecto de prova pericial,

xlii) Apenas o desespero da agravante em ver a agravada condenada no pagamento de uma indemnização a que manifestamente não tem direito é que pode justificar o insustentável, ou seja, que não foi pedido aos Srs. Peritos que apurassem qual o lucro líquido daquela na sua actividade de "Concessionário “BB”" entre 1995 e 1999! O mesmo se diga da alegação segundo a qual a determinação de tal verba é irrelevante para os presentes autos...

xliii) Uma vez apurados os pressupostos contidos nas diversas alíneas do artigo 33.° do regime jurídico da agência (bem como os elementos de facto que devem ser tidos em conta pelo Tribunal na formulação de uma juízo equitativo) apenas importa apurar qual a remuneração — leia-se, o lucro líquido — durante aquele lapso de tempo.

xliv) Foi este o sentido do requerimento de produção de prova pericial apresentado pela agravada, sendo certo que a circunstância de a base instrutória e os articulados serem omissos a tal respeito é totalmente despiciendo.

*

São, por outro lado, as seguintes as CONCLUSÕES da alegação do recurso de APELAÇÃO igualmente interposto pela autora:

i) O Quesito 87º da Base Instrutória tinha o seguinte teor: A angariação da clientela para os seus Concessionários era devida primacialmente à (i) notoriedade da marca “BB” e (ii) também à R., mas não à A.?

ii) E o Quesito 88º questionava: A marca “BB” vende por si mesma, prevalecendo sobre o eventual mérito do concessionário?

iii) Conforme consta da Acta de Audiência de Discussão e Julgamento de 18 de Maio de 2009, o Tribunal a quo respondeu, à matéria do Quesito 87º: “Provado, apenas, que a angariação de clientela para os concessionários “BB” deve-se essencialmente à notoriedade da marca “BB””.

iv) E quanto à matéria do Quesito 88º, declarou “provado, apenas, o que consta da resposta ao Quesito 87º”.

v) A resposta aos quesitos 87º e 88º deve ser alterada por este Venerando Tribunal;

vi) O Tribunal a quo formou a sua convicção exclusivamente em prova testemunhal (cfr. Acta de Audiência de Discussão e Julgamento de 18 de Maio de 2009).

vii) O Tribunal não teve em consideração – mas deve ter – nas suas respostas o contrato de Concessionário “BB” de fls. 39 a 91 e em particular o Capítulo “Filosofia e Objectivos e as cláusulas 2.13 e 4.4.1;

viii) O Tribunal não teve em consideração – mas deve ter – nas suas respostas a carta do Presidente da “BB” de fls. 249 a 252;

ix) O Tribunal não teve em consideração – mas deve ter – nas suas respostas a Press Release da “BB” de fls. 94;

x) Aos Quesitos mencionados supra responderam as testemunhas, arroladas pela autora, “C”, “D”, “E”, “F” e “G” e as testemunhas, arroladas pela ré, “H” e “I”.

xi) Todos os depoimentos das testemunhas acima referidas são coincidentes.

xii) De nenhum dos depoimentos se pode concluir que a angariação da clientela para os seus Concessionários era devida primacialmente à (i) notoriedade da marca “BB” e (ii) também à R., mas não à autora.

xiii) De nenhum dos depoimentos se pode concluir que a marca “BB” vende por si mesma, prevalecendo sobre o eventual mérito do concessionário.

xiv) De nenhum dos depoimentos se pode concluir que a angariação de clientela para os concessionários “BB” deve-se essencialmente à notoriedade da marca “BB”.

xv) Pelo contrário, todos os depoimentos das testemunhas acima referidas – incluindo as testemunhas arroladas pela ré - são coincidentes ao infirmar os Quesitos 87º e 88º.

xvi) A ora apelante cumpriu o ónus a que se refere o nº 2 do artigo 690-A do Código de Processo Civil, ao indicar os depoimentos em que se funda, por referência ao assinalado na acta, nos termos do disposto no nº 2 do artigo 522- C do Código de Processo Civil;

xvii) A resposta aos Quesitos 87º e 88º deverá ser “Não provado”, o que se requer seja alterado no âmbito do presente recurso e nos termos do artigo 690-A do Código de Processo Civil.

xviii) A Sentença recorrida pecou por excesso de pronúncia na resposta dada ao quesito 52º, resposta esta cuja factualidade extravasa e vai muito para além do teor do próprio quesito;

xix) O Quesito 51º perguntava: A não inclusão da A. na nova rede de Concessionários “BB”, ficou a dever-se única e exclusivamente ao facto de não ter logrado alcançar um acordo com a “J” e com a “L” quanto à constituição de uma CMA líder?

xx) E o Quesito 52º perguntava: Tal situação foi totalmente exógena à vontade da Ré?

xxi) O Tribunal a quo, a este Quesito 52º, respondeu: Provado que o acordo referido na resposta ao Quesito 51º da Base Instrutória não foi alcançado, por a ele não ter aderido a concessionária ““J””.

xxii) A resposta dada ao Quesito, pela sua literalidade e pelo conteúdo, extravasa claramente o teor do Quesito.

xxiii) E a sentença ora recorrida tomou conhecimento desse facto quando refere “ora, a Autora apenas obteve o necessário acordo para a constituição da nova sociedade com a “L”, tanto bastando para que a Autora fosse excluída da rede de concessionários”. (Cfr. pag. 29);

xxiv) Ao tomar conhecimento de factos não-quesitados e não-alegados, nula é a sentença (artigo 668º, nº 1 d) do Código de Processo Civil;

xxv) A autora alegou factos consubstanciadores da violação pela Ré “BB” das regras de concorrência e do abuso da sua posição dominante (violação essa referida no artigos 105º a 108º e 121º da Petição Inicial).

xxvi) E nos artigos 122º a 128º da Petição Inicial quantificou os prejuízos que sofreu com essa violação.

xxvii) E no pedido constante da alínea a) peticionou a condenação da ré nesses montantes.

xxviii) A douta Sentença ora recorrida não se pronunciou sobre estas questões, que são essenciais para a apreciação da causa de pedir e para os pedidos da autora;

xxix) Não se tendo pronunciado, nula é a sentença (artigo 668º, nº 1 d) do d) do Código de Processo Civil

xxx) A factualidade dos autos permite concluir que o processo de denúncia do contrato de concessionário não respeitou o pré-aviso contratual aplicável ao caso em concreto, que era de dois anos.

xxxi) A ré deve indemnizar a autora pela denúncia ilícita, devendo a indemnização ser calculada com base nos lucros (cessantes) que a autora deixou de auferir.

xxxii) A média da margem auferida pela autora nos últimos cinco anos na venda de veículos e peças “BB” foi no montante € 1.487.081,35.

xxxiii) Ao decidir como decidiu, a Douta Sentença recorrida violou, entre outros, o artigo 406º do Código Civil e o parágrafo 2. do nº 2 do artigo 5º do Regulamento (CE) nº 1475/95.

xxxiv) A factualidade dos autos permite concluir que no processo de denúncia do contrato de concessionário a autora violou as regras da concorrência e actuou com abuso de posição dominante;

xxxv) A factualidade dos autos permite concluir por uma conduta ilícita e com culpa da ré, um prejuízo sofrido pela autora e um nexo de causalidade.

xxxvi) Verifica-se, pois, a obrigação de indemnizar no montante peticionado pela autora;

xxxvii) Ao decidir como decidiu, a Douta Sentença recorrida violou as regras da concorrência nacionais e comunitárias e, entre outros, os artigos 81º e 82º (ex 85º e 86º, com a redacção à data dos factos) do Tratado da União Europeia, os artigos 2º a 4º do decreto-lei nº 371/93, de 29 de Outubro e os artigos 798º e 564º do Código Civil;

xxxviii) A factualidade dos autos permite concluir pela verificação dos requisitos positivos e negativos de atribuição de uma compensação de clientela à autora previstos no n.º 1, do artigo 33.º, do Decreto-Lei n.º 178/86, de 3 de Junho, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 118/93, de 13 de Abril (Regime do Contrato de Agência).

xxxix) E essa atribuição deverá ser exemplar perante a conduta da ré e por estarmos perante meio século de dedicação exclusiva a uma marca!

xl) E em valor não inferior ao peticionado pela autora;

xli) Ao decidir como decidiu, a Douta Sentença recorrida violou o artigo 33.º, do Decreto-Lei n.º 178/86, de 3 de Junho;

xlii) A alegante mantém também o interesse no Agravo interposto do Despacho de fls. 1025, nos termos e para os efeitos do artigo 748º do Código de Processo Civil, com a redacção aplicável a estes autos.


Pede, por fim, a apelante, que seja concedido provimento ao recurso, considerada nula e revogada a sentença de 1ª Instância e proferido Acórdão que condene a ré nos pedidos descritos nas alíneas a) a c) e e) da Petição Inicial.

*

A ré apresentou contra-alegações, formulando as seguintes CONCLUSÕES:

i) Do cotejo entre a matéria alegada pela autora e as respostas dadas pelo Tribunal a quo aos factos seleccionados para base instrutória, por um lado, e o correcto enquadramento jurídico dos mesmos, por outro lado, não poderá deixar de se concluir que a ré procedeu à denúncia do contrato que celebrou com a autora de forma totalmente lícita e que não violou quaisquer normas legais sobre concorrência, pelo que não se encontra vinculada a pagar qualquer indemnização a esses títulos.

ii) A este propósito, vejam-se as respostas dadas pelo Tribunal à matéria dos seguintes quesitos: 31), 32), 37), 38), 39), 40), 41), 42), 43), 46), 53), 54), 55), 58), 59), 60), 61), 62), 63), 64), 65), 66), 67), 68), 76), 79), 81), 71).

iii) Importa também atermo-nos nos factos alegados pela ré que foram seleccionados para a base instrutória, cujas respostas aos respectivos quesitos reforçam a convicção da ré quanto à improcedência do pedido formulado pela autora.

iv) É o caso das respostas dadas pelo Tribunal à matéria dos seguintes quesitos: 28.º, 29.º, 30.º, 47.º, 48.º, 51.º, 52.º, 56.º, 57.º, 77.º, 78.º, 19.º, 22.º, 23.º, 26.º, 27.º, 72.º a 74.º e 80.º .

v) Da leitura do “Contrato de Concessionário “BB”” celebrado com a autora em 01.10.1996, a primeira conclusão que se poderá extrair em termos conceptuais, é a de se tratar de um “Contrato de Distribuição”, cujo clausulado evidencia inúmeros elementos típicos da concessão, mas também alguns traços característicos da franquia.

vi) A principal obrigação do agente consiste na prática dos actos necessários à conquista e/ou desenvolvimento do mercado do principal, o que se traduz numa complexa actividade material de angariação de clientes, difusão de produtos e serviços, etc...

vii) A mera leitura do Contrato de Concessionário “BB” permite constatar que tal obrigação foi expressamente atribuída à própria ré (cfr. artigo 2.2.3 e artigo 4.5.2).

viii) O segundo traço característico do contrato de agência consiste na actuação do agente por conta do principal, em resultado do que os efeitos dos actos que o primeiro pratica se projectam directamente na esfera jurídica do segundo.

ix) Também neste caso é visível a ausência de qualquer identidade com o contrato em apreço, cujo clausulado evidencia que nas relações jurídicas de compra e venda dos veículos ““BB”” apenas são partes, a autora, na qualidade de vendedora, e os consumidores finais, na qualidade de compradores, sendo a ré totalmente alheia a tais contratos de compra e venda.

x) Por último, um outro elemento essencial do contrato de agência consiste na onerosidade do vínculo, sendo a retribuição do agente determinada, essencialmente, com base no volume de negócios atingido.

xi) A autora e/ou a sua actividade não foi nunca remunerada pela ré, antes obtendo uma margem de lucro por si livremente fixada e que poderia ser maior ou menor, consoante a diferença entre o preço pelo qual adquiria os produtos à ré e o preço que praticava nas relações com clientes finais (vide artigo 15.º).


xii) Do cotejo das cláusulas do contrato em apreço com os “elementos essenciais” acima elencados, não restam dúvidas que o mesmo não poderá ser qualificado como contrato de agência, não apresentando sequer nenhum dos traços característicos daquele tipo contratual.

xiii) A concessão pode ser definida como o “contrato quadro que faz surgir entre as partes uma relação obrigacional complexa por força da qual uma delas, o concedente, se obriga a vender à outra, o concessionário, e este a comprar-lhe para revenda, determinada quota de bens, aceitando certas obrigações – mormente no que concerne à sua organização, à política comercial, e à assistência a prestar aos clientes – e sujeitando-se a um certo controlo e fiscalização por parte do concedente.”.

xiv) No “Contrato de Concessionário “BB”” celebrado com a autora em 01.10.1996 existem algumas cláusulas onde estão presentes elementos característicos de uma relação de Concessão Comercial.

xv) Porém, atento o seu conteúdo, o mercado ou indústria a que respeita e a própria “praxis” contratual desenvolvida entre a ré e a autora, tal convénio também contém traços típicos de um outro sub-tipo dos contratos de distribuição, qual seja, a franquia.

xvi) No que ao caso dos autos diz respeito, importa evidenciar que a autora se apresentava no mercado como revendedora de produtos da marca ““BB””, para tanto utilizando a marca e sinais distintivos da ““BB””, decorando até as suas instalações com respeito pelos padrões de design concebidos pela ré, beneficiando ainda da formação técnica disponibilizada por aquela aos seus concessionários.

xvii) A relação estabelecida entre a ré e a autora contém alguns elementos que correspondem ao figurino típico de uma franquia (cfr. artigo 2.º, Anexo 1, Anexo 2, artigo 4.5, artigo 5.6, artigo 6.3, artigo 7.1, artigo 7.2, artigo 7.3, artigo 7.4, artigo 8.1, artigo 9.2.1, artigo 9.2.2, artigo 9.2.4. e Anexo 4C).

xviii) A doutrina e jurisprudência dominantes têm entendido que a relação de franquia não é susceptível de gerar na esfera jurídica do franqueado qualquer direito à peticionada “indemnização de clientela” (Prof. Doutor Menezes Cordeiro, in "Do contrato de franquia: autonomia privada vs tipicidade negocial", in ROA, ano 48, I, Prof. Doutor António Pinto Monteiro, in "Contrato de Agência – Anotação", Livraria Almedina, Coimbra, 1998, página 116 e "Contratos de agência, de concessão e de franquia", Estudos em homenagem ao Prof. Doutor Eduardo Correia, III, BFD, 1984).

xix) O próprio legislador, no n.º 4, in fine, do Preâmbulo do diploma relativo ao contrato de agência, admitiu a possibilidade de se aplicar por analogia, quando e na medida em que ela se verifique, o regime da agência, sobretudo em matéria do contrato de concessão e no que à respectiva cessação diz respeito.

xx) Embora os preâmbulos dos diplomas legais possam ser elementos úteis de interpretação de normas legais, são elementos meramente acessórios e não vinculativos.

xxi) O artigo 10.º do Código Civil estabelece, com relevância para o caso, no seu n.º 2 que “Há analogia sempre que no caso omisso procedam as razões justificativas da regulamentação do caso previsto da lei.”.

xxii) A Doutrina e a Jurisprudência têm dito que a indemnização de clientela é devida a um distribuidor (não agente) quando se prove que, no caso concreto, o distribuidor agiu como se fosse um agente, nomeadamente quanto às obrigações que assumiu.

xxiii) É indiscutível que a pedra de toque do contrato de agência – que o distingue substancialmente do contrato de concessão e, por um argumento de maioria de razão, do próprio contrato de franquia – é a obrigação do agente promover, por conta do principal, a celebração de contratos, sem que aquele tenha qualquer intervenção na conclusão dos contratos celebrados entre o principal e a clientela por ele angariada.

xxiv) A mera leitura do “Contrato de Concessionário “BB”” celebrado entre a ré e a autora em 01.10.1996, revela que era a ré quem assumia, a vários e decisivos títulos, as funções primaciais quanto à angariação de clientela.

xxv) A leitura do contrato em apreço evidencia que os elementos decisivos e claramente preponderantes de atracção de clientela são derivados da actividade da ré e não imputáveis em si mesmo à actividade da autora.

xxvi) A própria actividade da autora estava toda ela sujeita a uma estrutura organizacional de apresentação do produto, de sugestão dos preços de referência, de marketing, de qualidade e tipo de serviços a prestar, tudo resultante de instruções da ré, que aproxima em concreto o contrato sub judice e a actividade da autora da figura da franquia.

xxvii) Resulta do contrato em causa que a ré colocou na disposição da autora todo o seu know-how, bem como o seu nome, marca e demais sinais distintivos, de tal forma que, apesar de estarmos perante duas entidades totalmente distintas e completamente autónomas, a autora acabou por actuar no mercado do ramo automóvel sob a imagem empresarial da ré.

xxviii) Foram as iniciativas desenvolvidas pela ré no sentido de maximizar a satisfação, fidelização e lealdade dos clientes, a combinação das actividades de publicidade, marketing e promoção de vendas por si levadas a cabo e o uso, pela autora, das marcas, insígnias e nomes da titularidade da “Organização “BB””, que consubstanciaram os principais factores de angariação da clientela.

xxix) Noutro prisma, a utilização, pela autora, do logotipo ““BB””, ao qual se encontra indissociavelmente ligado o prestígio e notoriedade da marca, constitui um inegável chamariz de clientes.

xxx) Tendo presente a qualificação jurídica do contrato celebrado entre a ré e a autora em 01.10.1996, por um lado, e o teor das cláusulas deste convénio acima melhor identificadas, por outro lado, não poderá deixar de se concluir pela inaplicabilidade do Decreto-Lei n.º 178/86, de 3 de Julho (com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 118/93, de 13 de Abril).

xxxi) Todas as dúvidas que pudessem subsistir quanto à bondade da doutrina exposta ficariam desvanecidas após análise do panorama Comunitário sobre a matéria.

xxxii) A adopção do Decreto-Lei n.º 118/93, de 13 de Abril, visou dar cumprimento às obrigações resultantes para o Estado português da Directiva 86/653/CEE, de 18 de Dezembro de 1986, relativa à coordenação do direito dos Estados-Membros sobre os agentes comerciais.

xxxiii) Na sua “Comunicação relativa aos Contratos de Representação Exclusiva celebrados com Representantes Comerciais” (JOCE 1962, n.º 139, página 2921), a Comissão traçou com clareza a distinção entre Acordos de Agência e Acordos de Distribuição lato sensu (cfr., em particular, o 1.º parágrafo da Comunicação).

xxxiv) A Comissão considera que estamos perante um operador independente - por oposição ao agente - sempre que a parte contratante qualificada como representante comercial: i) deva manter, na qualidade de proprietária, um stock substancial dos produtos contratuais; ou ii) deva organizar, manter ou assegurar, a expensas próprias um serviço importante e gratuito em favor da clientela ou organiza, mantém e assegura um tal serviço; ou iii) possa determinar ou determine os preços ou as condições das transacções que efectua (cumpre ainda observar que, segundo uma prática decisória constante, a Comissão tem considerado que o poder de determinar os preços e outras condições de transacção não é afectado pela emissão de meras recomendações não vinculativas quanto a essas matérias por parte do fornecedor).

xxxv) A Comissão afasta implicitamente a aplicação das regras relativas ao Contrato de Agência - e, muito em especial, as relativas à indemnização de clientela, visto serem particularmente características deste tipo de Contrato - sempre que as relações contratuais se estabeleçam entre operadores independentes tais como definidos na Comunicação.

xxxvi) O princípio da interpretação e aplicação do direito nacional em conformidade com o direito comunitário impõe que as jurisdições nacionais tenham em conta a letra e o espírito das regras comunitárias aquando da aplicação do direito nacional (cfr., entre outros, o Acórdão do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, adiante designado “TJCE”, de 10 de Abril de 1984, Von Colson & Kamann, 14/83, [1984], Rec. p. 1891, n.º 28).

xxxvii) O respeito cabal pelas disposições da Directiva 86/653/CEE impõe que se exclua a aplicação das regras próprias do Contrato de Agência a Contratos de Distribuição celebrados entre operadores económicos independentes.

xxxviii) A jurisprudência nacional tem sido unânime em considerar que, contrariamente aos Contratos de Agência, os Contratos de Concessão Comercial (e, acrescente-se, também os de Franquia) são celebrados entre operadores económicos independentes (cfr., entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04.05.1993, in BMJ, 427, página 524, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 27.06.1995, in CJ, 1995, 3, página 243 e o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 28.10.1997, in CJ, 1997, 4, página 43).

xxxix) A consideração do “Contrato de Concessionário “BB”” celebrado entre a ré e a autora como um contrato celebrado entre operadores económicos independentes, resulta inequívoca do teor dos respectivos artigos 4.º e 5.º (cfr. doc.º de fls. 39 e seguintes).

xl) Em sede de Direito Comunitário, existem Regulamentos que vêm disciplinando a actividade de concessão automóvel desde há longos anos (cfr. Regulamento CE 1475/95 da Comissão, de 28 de Junho de 1995, relativo à aplicação do n.º 3 do artigo 85.º do Tratado CE a certas categorias de acordos de distribuição e de serviço de venda e pós-venda de veículos automóveis, JOCE 1995 L 145/25; o qual veio substituir o Regulamento CEE 123/85, de 1985).

xli) Nunca o legislador Comunitário encarou a possibilidade de pagamento pelo concedente (e, acrescentamos nós, pelo franqueador) de uma indemnização de clientela ao concessionário (e ao franqueado) no termo do contrato.

xlii) O trecho do 4.º parágrafo do Preâmbulo do regime do contrato de agência - no qual se afirma a necessidade de aplicação por analogia (quando e na medida em que ela se verifique) do regime da agência, sobretudo em matéria de cessação do contrato, ao Contrato de Concessão - deve ser restringido no sentido de se reservar a aplicação do regime da agência, quando muito, aos Contratos de Concessão Comercial (e aos de Franquia) onde a relação contratual entre o concedente / franqueador e o concessionário / franquiado não seja uma relação entre operadores económicos independentes nos termos e para os efeitos da Comunicação da Comissão e da Jurisprudência do TJCE.

xliii) Mesmo admitindo que num plano meramente teórico a autora poderia ter direito à indemnização de clientela, sempre se deveria concluir que no caso concreto em apreço não se encontram reunidos todos os pressupostos consagrados no artigo 33.º/1.

xliv) A autora não conseguiu demonstrar ter aumentado o negócio da marca de forma substancial e acima da média de crescimento da marca em Portugal (cfr. resposta restritiva ao quesito 82.º).

xlv) A ré fez prova de que a angariação de clientela para os concessionários “BB” deve-se essencialmente à notoriedade da marca “BB” – vide resposta ao quesito 87.º.

xlvi) A mera alegação (e prova) do aumento progressivo do volume de facturação ao longo do período de vigência do “Contrato de Concessionário “BB”” é manifestamente insuficiente para que se conclua pela verificação do requisito sub judice.

xlvii) A atribuição da tão almejada indemnização, pressupõe, igualmente, a demonstração de que o aumento foi substancial, considerável, significativo, sendo inquestionável que a autora não provou factos que permitam concluir pela atribuição de tais “predicados”.

xlviii) Foi a própria ré quem alegou e demonstrou uma série de factos que permitem concluir pela fraca performance comercial da autora (sobretudo
nos últimos anos de vigência do sobredito convénio) - cfr. respostas aos
quesitos 12.º e 15.º.

xlix) Chegados a este ponto, importa agora ter uma vez mais presente o teor das cláusulas do “Contrato de Concessionário “BB”” acima identificadas, que legitimam que se conclua que os elementos decisivos e claramente preponderantes de atracção de clientela são derivados da actividade da ré e não imputáveis em si mesmo à actividade da autora.

l) Impõe-se concluir pela não verificação do requisito consagrado na alínea a) do n.º 1 do artigo 33.º do diploma legal em apreço.

li) Caso se entenda dever ser arbitrada à autora uma indemnização de clientela, sempre se deverá concluir que não se encontram reunidos nos autos os elementos mínimos indispensáveis para que se proceda ao seu cálculo.

lii) É que, a autora não fez prova de qual a parte da clientela por si angariada que passou a beneficiar a ré através de outro concessionário.

liii) Nesse sentido, veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04.05.1993, in www.dgsi.pt e o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22.11.1995, in BMJ, 451, página 445.

liv) Mesmo que se ficcione que constam dos autos os elementos mínimos indispensáveis para que se proceda a tal cálculo, é inevitável reconhecer que o valor peticionado pela autora é, no mínimo, muitíssimo exagerado.

lv) Há que recordar que o artigo 34.º do Decreto-Lei n.º 178/86, de 3 de Julho, não estabelece um critério que permita aferir de forma objectiva os montantes exactos da sobredita indemnização.

lvi) A única “linha de orientação” dada pela Lei a propósito da fixação do valor da compensação de clientela é o recurso à equidade, sendo certo que apenas quanto ao montante máximo da compensação se indica um critério directamente sindicável, impondo-se que a compensação não exceda o valor equivalente a uma remuneração anual, calculada a partir da média anual das remunerações recebidas pelo agente durante os últimos cinco anos.

lvii) O valor que poderia ser atribuído à autora (caso esta tivesse tal direito, o que de modo algum se concede) não corresponderia nunca ao valor máximo previsto, devendo antes ser fixado em montante muito inferior ao peticionado.

lviii) As razões atrás expostas acerca da qualificação do contrato dos autos e da não verificação do requisito consagrado na alínea a) do artigo 33.º do regime da agência deveriam ser consideradas, determinando-se, equitativamente, que o montante fixado para tal indemnização fosse muitíssimo inferior ao máximo legal, de valor bastante reduzido e porventura meramente simbólico.

lix) Nos últimos anos de vigência da relação contratual entre a ré e a autora, esta não teve um bom desempenho.

lx) Veja-se, a este propósito, as respostas afirmativas dadas pelo Tribunal a quo à matéria dos quesitos 12.º e 15.º.

lxi) Em quarto lugar, refira-se que, não tendo a autora nunca obtido qualquer remuneração pela sua actividade, dispondo antes de uma margem de comercialização por si livremente determinada na venda dos produtos ““BB””, não seria aplicável o critério fixado na lei para a agência, designadamente o das "remunerações recebidas pelo agente", antes se tendo que, com rigor, lidar com um dos possíveis conceitos de "margem".

lxii) Contrariamente ao que a autora pretende, é de ter em consideração a margem líquida.

lxiii) Neste sentido, vejam-se os seguintes arestos do Supremo Tribunal de Justiça: 23.11.2006, Proc. n.º 06B2085 in www.dgsi.pt; 15.11.2007, Proc. n.º 07B3933, in www.dgsi.pt; 10.12.2009, Proc. n.º 763/05.7TVLSB.S1, in www.dgsi.pt.

lxiv) No que ao Tribunal da Relação do Porto diz respeito, cumpre registar as seguintes decisões: 22.04.2004, Proc. n.º0430631, in www.dgsi.pt; 06.12.2005, in www.dgsi.pt.

lxv) Foi também este o entendimento perfilhado pelo Tribunal da Relação de Lisboa nos arestos que se passa a indicar: 29.03.2007, Proc. n.º 2985/06-6, in www.dgsi.pt; 06.05.2008, Proc. n.º 2010/2008-7, in www.dgsi.pt; 17.03.2009, Proc. n.º 8340/2008-7, in www.dgsi.pt; 22.10.2009, Proc. n.º 1911/04.0TBCSC-2, in www.dgsi.pt.

lxvi) A autora requer a condenação da ré no pagamento do montante equivalente aos juros de mora contados desde a data da citação até integral e efectivo pagamento.


lxvii) Tal condenação é completamente destituída do menor fundamento jurídico, conforme decidido nos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 31.03.2004, de 01.06.2004, Proc. n.º 04A1526, in www.dgsi.pt e de 05.03.2009, Proc. n.º 09B0297, in www.dgsi.pt

lxviii) Ainda que se entendesse que o artigo 33.º/1 do Decreto-Lei n.º 178/86, de 3 de Julho, deveria ser aplicado, por analogia, ao litígio sub judice, e mesmo que se concluísse que se encontram reunidos os pressupostos do artigo 33.º da Lei do Contrato de Agência – o que não se concede, e apenas por mera hipótese de raciocínio se admite –, sempre se constataria que a formulação de tal pedido por parte da autora é claramente contrária ao disposto no “Contrato de Concessionário “BB”” que, de forma totalmente livre e esclarecida, celebrou com a ré (cfr. artigo 21.8).

lxix) Salvo o respeito devido por opinião contrária, a referida cláusula contratual não consubstancia renúncia alguma por parte da autora relativamente a qualquer dos direitos que lhe são facultados (pela Lei ou pelo Contrato) nos casos de não cumprimento ou mora da ré, porquanto o direito à indemnização de clientela não depende nunca, em circunstância alguma, do eventual incumprimento ou da mora do principal, pelo que se encontra excluído da previsão legal do artigo 809.º do Código Civil.

lxx) Com o presente recurso, pretende a autora, igualmente, que Vs. Exas. reapreciem a decisão proferida acerca dos factos contidos nos quesitos 87.º e 88.º.

lxxi) Conforme resulta dos excertos dos depoimentos das testemunhas (ver capítulo IV supra) “C”, “E”, “G”, “H”, “I” e “F”, a decisão do Tribunal deverá ser mantida.

lxxii) Acresce que, os factos contidos nos quesitos em análise consubstanciam verdadeiros factos notórios que, em bom rigor, nem careciam de ser alegados e, por maioria de razão, provados nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 514.º do Código de Processo Civil.

lxxiii) A força atractiva da marca “BB” já foi reconhecida pelos nossos Tribunais Superiores, como resulta designadamente do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15.11.2007, in www.dgsi.pt.

lxxiv) A autora alega que a sentença recorrida pecou por excesso de pronúncia na resposta dada ao quesito 52.º e conclui que a mesma padece de nulidade nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 668.º do Código de Processo Civil, sustentando que a resposta dada extravasa claramente o teor do requisito.

lxxv) A resposta à matéria vertida no quesito 52.º da base instrutória não foi dada na sentença objecto do presente recurso, mas sim no despacho que julgou a matéria de facto.

lxxvi) A resposta dada ao sobredito quesito não padece de excesso, porquanto o Tribunal não foi para além do que com a respectiva formulação se pretendia apurar, ou seja, a imputação à autora do motivo pelo qual não foi incluída na nova rede de concessionários.

lxxvii) Não obstante ter sido notificada do despacho que julgou a matéria de facto, a autora não apresentou qualquer reclamação.

lxxviii) Ainda que se devesse concluir pela respectiva existência de tal vício, a respectiva invocação nesta sede padece de extemporaneidade.

lxxix) Ainda que num contexto diverso, foi esta a conclusão dos Venerandos Juízes Conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça no Acórdão de 23.09.2003, in www.dgsi.pt e do Tribunal da Relação de Coimbra no Acórdão de 01.02.2005, in www.dgsi.pt.

lxxx) Mesmo que assistisse razão à autora quando alega que a decisão proferida sobre a matéria de facto padece de excesso de pronúncia, tal circunstância não acarretaria a nulidade da sentença sub Júdice (vide o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 07.06.2003, in CJ, 2003, 2.º, página 226).

lxxxi) A autora afirma que a sentença objecto do presente recurso padece de omissão de pronúncia e conclui que a mesma é nula ao abrigo do estipulado na alínea d) do n.º 1 do artigo 668.º do Código de Processo Civil, alegando que o Tribunal a quo não se pronunciou sobre a tese da violação pela ré das normas legais sobre concorrência.

lxxxii) A suposta inobservância pela ré das sobreditas regras não consubstancia uma concreta controvérsia fulcral a dirimir, mas antes um argumento jurídico invocado em prol da procedência do pedido indemnizatório contido na alínea a. do petitório formulado pela autora.

lxxxiii) Por se tratar de uma questão submetida ao seu escrutínio pela autora, impendia sobre o Tribunal recorrido o dever de julgar procedente ou improcedente o pedido de condenação da ré no pagamento de uma indemnização no valor de 3.686.619,89 Euros.

lxxxiv) Face ao teor da sentença em análise (cfr. página 30), onde se pode ler “Daí a improcedência do primeiro dos pedidos (…) resultando prejudicada a apreciação sobre as restantes questões suscitadas pelas partes a esse respeito.”, impõe-se reconhecer que tal ónus foi observado.

lxxxv) O Tribunal cuja decisão se sindica no presente recurso não estava vinculado a pronunciar-se sobre todos os argumentos, considerações ou juízos de valor chamados à colação pela autora para fundamentar a pretensão deduzida.

lxxxvi) Impõe-se concluir pelo indeferimento do pedido de declaração de nulidade da sentença.


Defende, assim, a ré/apelada, que seja negado provimento ao presente recurso e, em consequência, confirmada a decisão recorrida.

*

São, por seu turno, as seguintes, as CONCLUSÕES da alegação do recurso de APELAÇÃO interposto pela ré:

i) Na decisão sob recurso o Tribunal julgou totalmente improcedente o pedido reconvencional e, em consequência, absolveu a autora do mesmo.

ii) Salvo o devido respeito por melhor opinião, é entendimento da ré que a decisão sob recurso deverá ser revogada e substituída por outra que condene parcialmente a autora no referido pedido.

iii) É que, conforme decorre do acima exposto, encontram-se assentes no processo os seguintes factos:
- “À semelhança do que sucedia relativamente aos demais concessionários da rede ““BB””, a autora e a ré mantinham entre si uma conta-corrente onde eram lançados a débito as facturas referentes ao fornecimento de peças e material diverso e à conta de Imposto Automóvel e a crédito não só os pagamentos efectuados pela autora, mas também as notas de crédito regularmente emitidas pela Ré referentes a incentivos de frota e acertos de descontos de peças (DVAA – Descontos por Volume Anual Acordado).” – cfr. alínea HHH);

- “Em 24-06-2000, o saldo de conta corrente entre a autora e a ré apresentava um saldo positivo a favor desta de, pelo menos, Esc. 16.025.578$00;” – vide resposta ao quesito 69.º;

- “ (…) a autora até hoje não pagou à ré o valor referido na resposta ao quesito 69.º da Base Instrutória;” – cfr. resposta ao quesito 92.º.


Propugna, por isso, a ré, a procedência do recurso e a revogação da sentença recorrida, a qual deverá ser substituída por outra que julgue procedente o pedido reconvencional e condene a autora nos seus precisos termos.

A autora não apresentou contra alegações, relativamente à apelação da ré.

O Exmo. Juiz do Tribunal a quo manteve o decidido.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


***

II. ÂMBITO DOS RECURSOS

Importa ter em consideração que, de acordo com o disposto no artigo 684º, nº 3 do Código de Processo Civil, é pelas conclusões das alegações das recorrentes que se define o objecto e se delimita o âmbito dos recursos, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto dos recursos.

E, de acordo com o disposto no artigo 710.º do CPC (revogado pelo DL 303/07, de 24 de Agosto, mas aqui aplicável), as apelações e o agravo interpostos por autora e ré serão julgados pela ordem da sua interposição.

Assim, e face ao teor das conclusões formuladas a solução a alcançar pressupõe a análise das seguintes questões:

a) RELATIVAMENTE AO AGRAVO

i) DO OBJECTO DA PERÍCIA REALIZADA NOS AUTOS

por forma a apurar se o Tribunal a quo, ao indeferir a reclamação da autora incidente sobre o relatório pericial, se pronunciou, indevidamente, sobre o mérito da causa.

**


b) RELATIVAMENTE À APELAÇÃO DA AUTORA

i) DA REAPRECIAÇÃO DA PROVA GRAVADA em resultado da impugnação da matéria de facto;

ii) DA ILICITUDE DA DENÚNCIA, POR PARTE DA RÉ, DO CONTRATO CELEBRADO COM A AUTORA,

O que pressupõe a análise, designadamente:
Þ Da qualificação jurídica do contrato celebrado entre autora e ré e o regime jurídico que o regulamenta;
Þ Da violação das regras da concorrência e da violação do Regulamento /CE) nº 1475/95

iii) DA INDEMNIZAÇÃO DE CLIENTELA PETICIONADA PELA RÉ E OS RESPECTIVOS PRESSUPOSTOS DE APLICAÇÃO DO ARTIGO 33º DO DECRETO-LEI Nº 178/86, DE 3 DE JULHO.

**


c) RELATIVAMENTE À APELAÇÃO DA RÉ

i) DA VERIFICAÇÃO DOS REQUISITOS DE PROCEDÊNCIA (ainda que parcial) DA RECONVENÇÃO DEDUZIDA PELA RÉ.
***


III . FUNDAMENTAÇÃO

A - OS FACTOS

a) RELATIVAMENTE AO AGRAVO

A materialidade fáctica relevante é a discriminada na dinâmica processual que consta do ponto I. Relatório do presente acórdão.

**

b) RELATIVAMENTE Á APELAÇÃO

Foram dados como provados na sentença recorrida os seguintes factos:

1. A autora é uma sociedade comercial constituída em 1942 e até á data da cessação do contrato de folhas de 39 a 70, dedicou-se ao comércio automóvel - alínea A. dos factos assentes;

2. A ré é a importadora exclusiva em Portugal dos veículos automóveis marca “BB”, nomeadamente viaturas automóveis, peças e acessórios - alínea B. dos factos assentes;

3. A autora, desde 1948 e ininterruptamente até 06-01-00, foi concessionaria para Portugal dos veículos marca “BB”, vendendo veículos e peças daquela marca e prestando assistência técnica e de reparação a esses mesmos veículos – alínea C. dos factos assentes;

4. O primeiro contrato de concessão entre a Autora e a Ré foi celebrado no dia 1 de Outubro de 1948 pelo prazo de 1 ano e dois meses – alínea D. dos factos assentes;



5. A partir dessa data, a concessão foi sucessivamente renovada tendo o ultimo contrato sido celebrado no dia 1 de Outubro de 1996 com duração indeterminada, conforme consta do documento de fls 39 a 70 – alínea E. dos factos assentes;

6. No âmbito da atribuição da concessão a autora adquiria à ré viaturas e peças que depois revendia a terceiros com uma margem de lucro (cfr. Cláusula 4º doc. de fls. 44) – alínea F. dos factos assentes;

7. A concessão tinha as seguintes características essenciais, entre outras: O Concessionário só podia vender os veículos a utilizadores finais ou a outros concessionários “BB” (cláusula 4.1); O Concessionário não podia vender veículos de outras marcas nos estabelecimentos afectos a concessão (clausula 12.3); A Concessão era restrita ao concelho de Lisboa, com exclusão da freguesia dos Olivais (cláusula 10 e quadro A anexo ao contrato); A Concessão não era exclusiva (cláusula 11 e quadro A anexo ao contrato); O Concessionário obrigava-se a prestar serviços pós-venda de assistência, manutenção e reparação aos utilizadores finais (cláusula 5); O Concessionário obrigava-se a manter determinados requisitos de instalações e equipamentos (Quadro D anexo ao contrato); O Concessionário obrigava-se a cumprir standards de controle de qualidade de serviço (anexo 2 ao contrato) – alínea G. dos factos assentes;

8. A autora nunca recebeu da ré qualquer remuneração, dispondo antes de uma margem de comercialização na venda dos produtos “BB” – alínea MMM. dos factos assentes;

9. O espírito e objectivos da concessão eram o de uma verdadeira parceria, reconhecendo-se o concessionário como principal ligação entre a marca a “BB” e os clientes (conf. Doc.2 – Introdução – Filosofia e Objectivos) – alínea H. dos factos assentes;

10. A cláusula 21 do contrato estipula o direito de denúncia com um pré-aviso de 2 anos – alínea I. dos factos assentes;

11. Embora preveja igualmente (cláusula 21.2) um prazo de denúncia de um ano para o caso excepcional de reorganização da rede de concessionários da ré – alínea J. dos factos assentes;

12. A ré enviou à autora, em 22 de Junho de 1999, a carta recepcionada em 24 de Junho que consta de fls. 92 (e não 62 como consta da sentença recorrida), e pela qual denunciou o contrato de concessão com o prazo de um ano – alínea L. dos factos assentes;

13. A autora desenvolvia a sua actividade de concessionário da ré nos seguintes estabelecimentos: No estabelecimento da Rua ... nº 18-1º Dto.; No estabelecimento da Rua ... nº 18; No estabelecimento da Rua da ... nº 81; No estabelecimento da Rua da ... nº 67 a 69; No estabelecimento da ... nº ...; No estabelecimento da Rua ... nº 2; No estabelecimento da Rua ... – alínea M. dos factos assentes;

14. O território de concessão da autora correspondia ao concelho de Lisboa (com excepção da freguesia de Santa Maria dos Olivais), sendo este o maior concelho do Pais – cfr. Quadro B do “Contrato de Concessionário “BB”” – alínea O. dos factos assentes;

15. Durante a vigência do “Contrato de Concessionário “BB”” celebrado em 01.10.1996, a ré atribuiu novas concessões no Concelho de Lisboa, em simultâneo com as já existentes – alínea CC. dos factos assentes;

16. A decisão de abertura de novas concessões da ré é precedida de estudos de mercado com vista a determinar os locais escolhidos para o efeito – resposta ao art.º 19º da Base Instrutória;

17. Em 1994, foi atribuída uma nova concessão no Concelho de Lisboa a empresa “M” – alínea DD. dos factos assentes;

18. Entre 1987 a 1998, a ré atribuiu à autora os seguintes prémios: Prémio “Os Melhores de 1987”- “Maior volume de vendas de veículos comerciais”; Prémio “Os Melhores de 1989”- “Maior volume de vendas de veículos comerciais”; Prémio “Os Melhores de 1990”- 2º classificado “Maior volume de vendas totais de veículos”; Prémio “Os Melhores de 1990-2º classificado “Maior volume de vendas de veículos comerciais”; Premio “The Chairman´s Award” por ter alcançado, em 1996, o melhor resultado no programa de Satisfação dos Clientes – Grupo I; Prémio – Compromisso 1997, pelo “excelente contributo para que a “BB” tenha alcançado 10% do mercado de passageiros em Portugal; Prémio de Venda de Veículos Novos – Concurso de 1997 “O Mundo a seus Pés”; Concurso “Expresso do Orient 1998” (prémio para peças e serviços), tendo ficado classificado em 1º lugar ex equo com mais três concessionários – alínea N. dos factos assentes;

19. Em 1997, a autora recebeu a carta da ré de fls. 462 e 463 onde consta: “Objectivo desta comunicação e expressar-vos a nossa profunda preocupação em relação ao desempenho da Auto “A” na área de Pós-Venda, e solicitar-vos a elaboração de um plano de acção urgente que permita inverter rapidamente a tendência negativa nos principais indicadores de performance apreciados. Assim: Em ISC – abreviatura para Índice de Satisfação de Clientes – de Serviço regista-se um acentuado decréscimo em relação ao ano anterior, situando-se também a Auto “A” no grupo dos Concessionários com piores resultados em relação ao objectivo fixado para 1997. A tendência expressa nos resultados dos últimos 3 meses permite concluir que esta situação se agravara de futuro. O Programa de Serviços Rápidos encontra-se inoperativo, apesar da concessão o apresentar identificado. Tal motiva o descontentamento e reclamação de clientes que se apresentam para realização de trabalhos no âmbito desses Serviços sendo remetidos para as vossas instalações de .... A Auto “A” ganhou em 1996 o premio “Chairman´s Award” destinado aos melhores Concessionários. A deterioração do seu desempenho em tão curto espaço de tempo e portanto particularmente notória e preocupante. Assim, esperamos receber a breve trecho a vossa informação sobre medidas correctivas que com a urgência requerida se propõem accionar” – alínea P. dos factos assentes;

20. Durante o ano de 1995, a autora vendeu 1262 veículos automóveis, tendo sido o 4.º maior concessionário em volume de vendas – alínea Q. dos factos assentes;

21. Nesse ano a autora comprou á ré viaturas e peças no valor total de 3.187.026 contos – alínea R. dos factos assentes;

22. Nesse ano, a autora efectuou vendas de veículos e peças “BB” no valor de Esc. 3.529.263.550$70 – resposta ao art.º 6º da Base Instrutória;

23. Nesse ano, a autora obteve uma margem bruta, no valor de, pelo menos, Esc. 342.238.000$00 – resposta ao art.º 7º da Base Instrutória;

24. Durante o ano de 1996, a autora vendeu 1369 veículos automóveis, tendo sido o 5.º maior concessionário em volume de vendas – alínea S. dos factos assentes;

25. Nesse ano a autora comprou a ré viaturas e peças no valor total de 3.560.587 contos – alínea T. dos factos assentes;

26. Nesse ano a autora efectuou vendas de veículos e peças “BB”, no valor de Esc. 3.906.468.021$90 – resposta ao art.º 8º da Base Instrutória;

27. Nesse ano a autora obteve uma margem bruta, no valor de Esc. 345.882.216$60 – resposta ao art.º 9º da Base Instrutória;

28. Durante o ano de 1997, a autora vendeu 1143 veículos automóveis, tendo sido o 7.º maior concessionário em volume de vendas totais e o 4.º em maior volume de vendas de veículos de passageiros – alínea U. dos factos assentes;

29. Nesse ano a autora comprou a ré viaturas a peças no valor total de 3.343.387 contos – alínea V. dos factos assentes;

30. Nesse ano a autora efectuou vendas de veículos e peças “BB”, no valor de Esc. 3.631.070.557$70 – resposta ao art.º 10º da Base Instrutória;

31. Nesse ano a autora obteve uma margem bruta, no valor de, pelo menos, Esc. 287.684.000$00 – resposta ao art.º 11º da Base Instrutória;

32. Em 1997, foi atribuída uma nova concessão no Concelho de Sintra a empresa “N” – alínea EE. dos factos assentes;

33. Durante o ano de 1998, a autora vendeu 872 veículos automóveis – alínea X. dos factos assentes;

34. No ano de 1998 a autora não logrou ir além do 9º lugar no “ranking” de volume total de vendas de veículos, com o esclarecimento de que tal ranking inclui veículos rent a car e que a autora, ao invés dos demais concessionários, apenas colocou no mercado 2 veículos em sistema rent a car - resposta ao art.º 12º da Base Instrutória;

35. Em 1998, foi atribuída uma nova concessão no Concelho de Lisboa à empresa “O” – alínea FF. dos factos assentes;

36. Nesse ano a autora comprou a ré viaturas e peças no valor total de 2.806.366 contos – alínea Z. dos factos assentes;

37. Nesse ano a autora efectuou vendas de veículos e peças “BB”, no valor de Esc.3.088.496.818$70 – resposta ao art.º 13º da Base Instrutória;

38. Nesse ano a autora obteve uma margem bruta, no valor de, pelo menos Esc. 282.131.000$00 – resposta ao art.º 14º da Base Instrutória;

39. Durante o ano de 1999, a autora vendeu 785 veículos automóveis – alínea AA. dos factos assentes;

40. Nesse ano a autora ficou no 13º lugar no “ranking”de volume total de vendas de veículos, com o esclarecimento de que tal ranking inclui veículos rent a car, e a autora, ao invés dos demais concessionários, em 1999, não colocou no mercado qualquer veículo em sistema rent a car – resposta ao art.º 15º da Base Instrutória 15º;

41. Nesse ano a autora comprou a ré viaturas e peças no valor total de 2.629.138 contos – alínea BB. dos factos assentes;

42. Nesse ano a autora efectuou vendas de veículos e peças “BB”, no valor de Esc. 2.861.528.335$40 – resposta ao art.º 16º da Base Instrutória;

43. Nesse ano a autora obteve uma margem bruta, no valor de, pelo menos, Esc. 232.730.000$00 – resposta ao art.º 17º da Base Instrutória;

44. A média da margem obtida nos últimos anos é a que resulta do cálculo aritmético da resposta aos quesitos 6º a 11º, 13º, 14º, 16º e 17º, isto é, uma média de 298.133.043$32 – € 1.487.081,35 – resposta ao art.º 18º da Base Instrutória e operação aritmética subsequente;

45. A circunstância de a mesma se ter dedicado exclusivamente à promoção dos produtos da marca ““BB”” não correspondeu a uma exigência da Ré – resposta ao art.º 77º da Base Instrutória;

46. A autora estava impedida de comercializar peças de outras marcas, se as mesmas tivessem um nível de qualidade inferior ao das peças “BB” – resposta ao art.º 78º da Base Instrutória;

47. A autora procedia à venda directa ao público de veículos “BB” – resposta ao art.º 85º da Base Instrutória;

48. A ré não procede à venda de quaisquer produtos “BB” ao público, mas apenas à sua rede oficial de concessionários, distribuídos por zonas geográficas por todo o país – resposta ao art.º 86º da Base Instrutória;

49. A autora, ao longo de cinquenta anos, fidelizou clientes à “BB” e aumentou o negócio da marca – resposta ao art.º 82º da Base Instrutória;

50. No exercício da respectiva actividade comercial, a ré e os concessionários que substituíram a autora, vão beneficiar da actividade desenvolvida pela autora, de promoção da marca “BB” e da fidelização de clientela verificada ao longo de 52 anos – resposta ao art.º 83º da Base Instrutória;

51. A autora não vai beneficiar, no futuro, de qualquer tipo de compensação no trabalho de angariação dos produtos da ré que realizou durante a vigência da concessão – resposta ao art.º 84º da Base Instrutória;

52. A angariação de clientela para os concessionários “BB” deve-se essencialmente à notoriedade da marca “BB” – resposta ao art.º 87º da Base Instrutória;

53. A decisão de abertura de novas concessões pela ré é precedida de estudos de mercado com vista a determinar os locais escolhidos para o efeito – resposta ao art.º 19º da Base Instrutória;

54. A política de reestruturação da rede de concessionários consistia na redução do número de concessões existentes – alínea GG. dos factos assentes;

55. O que se alcançaria através de um processo de aquisição, fusão ou expansão da mesmas, aumentando-se as áreas geográficas de intervenção, o que as tornava mais fortes e competitivas – alínea HH. dos factos assentes;

56. A reestruturação da rede que a ré levou a efeito compreendeu a cessação dos contratos existentes, passando a existir concessionários directos, que correspondiam às CMA’s líderes (Customer Marketing Áreas) e concessionários de serviço que actuariam em nome e por conta daqueles – resposta aos art.ºs 22º e 23º da Base Instrutória;

57. Tratou-se de uma politica de reestruturação que implicava alterações profundas a nível económico e financeiro para os Concessionários (economias de escala, redução de investimentos, mais rentabilidade na gestão de recursos humanos, etc.). Para os clientes “BB” (maior qualidade de oferta, flexibilidade na escolha de representação, etc…). E para a própria “BB” (Oferta de qualidade consistente dentro da marca, aumento de quota de mercado, maior fidelidade dos clientes, etc.) – resposta aos art.º s 72º a 74º da Base Instrutória;

58. No processo de reestruturação da rede de concessionários “BB”, verificaram-se fusões de diversos concessionários e redistribuição do território de cada um, com redução do número inicial de concessionários – resposta ao art.º 80º da Base Instrutória;

59. Em 16 de Julho de 1998, a ré reuniu-se com todos os seus (então) 49 Concessionários, entre os quais a autora, no Hotel ... em Lisboa, para apresentar formalmente o conceito de CMA – resposta ao art.º 26º da Base Instrutória;

60. Nessa reunião, a ré utilizou um esquema de power point, com projecção de slides, para explicar aos seus Concessionários os aspectos relacionados com a criação das CMA’s – resposta ao art.º 27º da Base Instrutória;

61. Em Janeiro de 1999, a ré reuniu com a autora para análise do processo de constituição das CMA’s e da possibilidade dos Concessionários Auto “A”, “J” e “L” se juntarem e formarem uma CMA líder – resposta aos art.ºs 28º e 29º da Base Instrutória;

62. A ré transmitiu à autora que, através da constituição de uma nova sociedade com a “J” e “L” poderia integrar a “rede organizada “BB”” – resposta ao art.º 30º da Base Instrutória;

63. No dia 26 de Janeiro de 1999, em reunião na sede da ré, esta comunicou à autora que havia decidido definir novas áreas para as concessões, a que havia designado abreviadamente por CMA (Costumer Marketing Área) – resposta ao art.º 31º da Base Instrutória;

64. Na reunião referida no artigo anterior, a ré comunicou à autora que esta poderia vir a ser integrada na futura CMA Lisboa-Cascais juntamente com os Concessionários “J” de Oeiras e “L” de Cascais – resposta ao art.º 31º da Base Instrutória;

65. A ré informou a autora de que, em conjunto com as concessionarias “J” de Oeiras e “L” de Cascais, deveria apresentar um projecto integrado para efeitos de integração na futura CMA Lisboa Cascais – alínea II. dos factos assentes;

66. Na sequência dessa reunião e de outras que se seguiram em Fevereiro e Março de 1999, a autora a “L” iniciaram negociações para apresentação de um projecto comum a referida CMA Lisboa-Cascais – alínea JJ. dos factos assentes;

67. A ré nunca comunicou à autora quais os critérios de índole quantitativa para a selecção dos Concessionários – resposta ao art.º 38º da Base Instrutória;

68. A autora enviou a ré, em 18 de Fevereiro de 1999, a carta que consta de fls 97 na qual solicitava esclarecimentos que lhe permitissem elaborar o projecto CMA em conjunto com as outras duas empresas – alínea LL. dos factos assentes;

69. Carta a qual a ré nunca respondeu – alínea MM. dos factos assentes;

70. A autora e a “L” chegaram a um acordo de princípio para a concentração/fusão das duas empresas – resposta ao art.º 40º da Base Instrutória;

71. Durante o primeiro semestre de 1999, a autora solicitou, à Caixa Geral de Depósitos e ao BPI a avaliação do seu capital societário, sendo que no primeiro foi avaliado em 642 milhares de contos e no segundo em 532,6 milhares e, na perspectiva de concentração com a “L”, nesta segunda avaliação, o valor encontrado foi de 697 milhares de contos – resposta aos art.ºs 41º, 59º e 60º da Base Instrutória;

72. A autora pagou, pelo menos Esc. 2.047,000$00, pelos estudos de viabilidade económica realizados – resposta ao art.º 42º da Base Instrutória;

73. A autora deu conhecimento à ré da evolução das negociações com a “L” - resposta ao art.º 43º da Base Instrutória;


74. A ré não interveio nas negociações ocorridas entre os Concessionários Auto “A”, “L” e “J” – resposta ao art.º 44º da Base Instrutória;

75. Por carta de 2 de Junho de 1999, a ré informou a autora, pela primeira vez por escrito, do conceito, da estrutura e dos detalhes do projecto CMA – alínea NN. dos factos assentes;

76. Nessa carta a ré afirma que reestruturação da rede de concessionários passara por fenómenos de concentração e consequente redução do número de concessionários, sem que se altere significativamente o número de locais onde a marca se encontrava representada – alínea OO. dos factos assentes;

77. Um eventual acordo a ser celebrado apenas entre a autora e a “L” (com exclusão da “J”) nunca foi equacionado pela ré – resposta ao art.º 47º da Base Instrutória;

78. A ré (através do Dr. “H”) solicitou a autora uma reunião para o dia 11 de Junho, e a autora uns dias antes, comunicou-lhe telefonicamente que haviam chegado a acordo com a “L” - alínea PP. dos factos assentes;

79. O Dr. “H” pediu então a autora que não assinasse nada com a “L” antes da referida reunião – alínea QQ. dos factos assentes;

80. Nessa reunião, realizada nas instalações da ré no dia 11 de Junho de 1999, a autora confirma a ré que havia chegado a acordo com “L” para apresentação de um projecto integrado de candidatura a respectiva CMA – alínea RR. dos factos assentes;

81. No entanto e em resposta, a ré informou a autora que não valia a pena formalizar nenhum acordo com a “L” nem apresentar qualquer projecto de candidatura a CMA, porque a ré havia já decidido atribuir aquela CMA ao grupo Auto “P” – alínea SS. dos factos assentes;

82. Na ausência do acordo entre os três concessionários, a ré nomeou o grupo Auto “P” para líder da CMA Lisboa – Cascais – resposta ao art.º 48º da Base Instrutória;

83. O grupo Auto “P” não tinha, à data da sua nomeação como líder CMA Lisboa – Cascais, qualquer concessionário “BB” em Lisboa – resposta ao art.º 49º da Base Instrutória;

84. A “Q” – ..., S.A. já era concessionário “BB”, quando o grupo Auto “P” foi nomeado líder da CMA Lisboa- Cascais – resposta ao art.º 50º da Base Instrutória;

85. A não inclusão da autora na rede de concessionário “BB” deveu-se ao facto desta não ter logrado alcançar um acordo com a “J” e com a “L” quanto à constituição de uma CMA líder – resposta ao art.º 51º da Base Instrutória;

86. Esse acordo não foi alcançado por a ele não ter aderido a Concessionária “J” – resposta ao art.º 52º da Base Instrutória;

87. À carta de 2 de Junho e à comunicação verbal de atribuição da CMA à Auto “P” a autora enviou à ré, em 24 de Junho de 1999, a carta que consta de fls 253 a 255 – alínea TT. dos factos assentes;

88. No mesmo dia, recebeu a autora a carta da ré, de fls. 92, com o seguinte teor: “Fazemos referência à nossa carta de 2 de Junho de 1999, relativa ao projecto CMA. Conforme referido em tal carta, a “B” decidiu proceder a reorganização total da sua rede de Concessionários. Assim, e conforme permitido pelo nº 2.1.2 do contrato de Contrato de Concessionário “BB” celebrado com V. Exas., em 1 de Outubro de 1996, vimos notificar a denúncia de tal Contrato, que cessará os seus efeitos no termo de prazo de um ano a contar da data de recepção desta carta” – alínea UU. dos factos assentes.

89. Em resposta, enviou a ré a autora, em 6 de Julho de 1999, a carta de fls. 256 e 257 da qual consta que:” Por isso, a “B” não deu, nem honestamente podia dar, à Auto-”A” a indicação de que, em conjunção com a “L”, poderia ser designada líder de CMA. Naturalmente, a “B” é estranha à vossa iniciativa de, juntamente com a “L”, promoverem a efectivação de avaliações, ou procurarem terrenos para novas instalações, com base numa infundada expectativa de atribuição de CMA. A “B” nunca estabeleceu, nem podia estabelecer, uma listagem das condições, em especial as mensuráveis, de atribuição de CMA. Basta ter em atenção que não há homogeneidade de mercado que permitia estabelecer as características necessárias e em todos os casos suficientes que cada líder de CMA deva ter. Donde, pacífico é concluir que a atribuição da liderança de cada CMA é analisada em base casuísta e com critérios forçosamente não uniformes. Nunca, relativamente ao Projecto CMA, foi afirmado, ou simplesmente dado a entender, que os Lideres da CMA seriam necessariamente escolhidos de entre os Concessionários agora existentes. Neste âmbito, não compreendemos a vossa afirmação de que a nossa carta de 2 de Junho circunscreve a atribuição de CMA´s a quem actualmente seja Concessionário. Basta ler o texto dessa carta para se concluir que assim não é. De toda a forma, sempre sublinhamos que a Auto-”P” tem anteriores e estreitas ligações à “BB”, pois que detém o Concessionário “BB” “Q”” – alínea VV. dos factos assentes;

90. A autora replicou ao conteúdo da carta de 6 de Julho enviando carta de 26/07/1999 de fls. 258 e 259 na qual afirmou as diligências e investimentos que efectuou e projectos que elaborou com vista à atribuição da CMA em que foi integrada e que foram levadas a cabo por corresponder às solicitações da “BB”, na sequência de várias reuniões tidas com esta, manifestou ainda que não compreendia a compatibilidade do projecto de reestruturação da rede com as normas da concorrência por ausência de critérios objectivos de selecção do líder; as razões objectivas que levam, a “BB”, a não aceitar que a Auto “A” apresente um projecto para atribuição de uma CMA; que a “BB” não tenha tomando ainda decisões definitivas sobre a atribuição das CMAS e afirme que Auto “A” não seja designada CMA Líder, terminando a carta com o seguinte teor: “A partir do momento em que a “BB” a priori e sem que objectivamente apresente quaisquer razões, considera a Auto “A” não elegível para líder da CMA, a Auto “A” não aceita o prazo de denúncia de um ano constante da carta de 22 de Junho, por não considerar verificado o fundamento invocado” – alínea XX. dos factos assentes;

91. A qual a ré respondeu nos termos da carta de fls. 260 da qual consta: “reafirmamos o que vos foi comunicado pela nossa carta de 15 de Julho. Na reunião de 11 de Junho foi comunicado aos representantes da Auto “A” ter já sido tomada a decisão de atribuir a liderança da CMA a Auto “P”. Assim a apresentação pela Auto “A” de um projecto para atribuição da mesma CMA não fazia qualquer sentido nem, sobretudo, teria qualquer finalidade útil” – alínea ZZ. dos factos assentes.

92. A Auto “P”, propôs aos sócios da autora a compra da sociedade pela quantia de 135 mil contos – resposta ao art.º 61º da Base Instrutória;

93. Ou em alternativa o trespasse dos estabelecimentos da Rua ... nº 18, da Rua da ... nº 81 e da Rua da ... nº 67 a 69, bem como a cessão de exploração por um ano dos estabelecimentos da Rua ..., 2 e da ..., ..., por um valor total de 124 mil contos – resposta ao art.º 62º da Base Instrutória;

94. A autora recusou a proposta de compra referida no Quesito 61º - resposta ao art.º 63º da Base Instrutória;

95. Na sequência da carta de 22 de Junho de 1999, a autora celebrou em 6 de Janeiro de 2000 com a sociedade C.M.A.- ..., S.A., os seguintes três contratos de trespasse: O estabelecimento da Rua do ... nº 18, pelo preço de 131.582 contos; O estabelecimento da Rua da ... nº 81, pelo preço de 70.000 contos; O estabelecimento da Rua ... nº 20; pelo preço de 164.552 contos - resposta ao art.º 53º da Base Instrutória e alínea AAA. dos factos assentes;

96. E na mesma data cedeu à “Q” a exploração do estabelecimento da ... nº ..., pelo prazo de 18 meses, pela quantia mensal de 1.750 contos - resposta ao art.º 53º da Base Instrutória 53º e alínea BBB. dos factos assentes;

97. E no dia 28 de Setembro de 2000, a autora trespassou ao Stand “R” S.A., também líder de CMA da ré, o seu estabelecimento da Rua ... nº2, pelo preço de 135.000 contos - resposta ao art.º 53º da Base Instrutória e alínea CCC. dos factos assentes;

98. A ré teve conhecimento da intenção da autora de proceder à cedência e trespasse dos estabelecimentos referidos em AAA) e BBB), tendo autorizado os mesmos – resposta aos art.ºs 2º e 3º da Base Instrutória;

99. Após o trespasse dos três estabelecimentos Rua do ... nº 18, Rua da ... nº 81 e estabelecimento da Rua ... nº 20, a autora manteve, até dia 28 de Setembro de 2000, o estabelecimento sito na Rua ... (stand de venda de veículos e peças) e o estabelecimento sito em ... (oficinas) – resposta ao art.º 4º da Base Instrutória;

100. Do âmbito de todos estes trespasses foi excluído o passivo e qualquer dívida que não resultasse do stock transmitido – alínea DDD. dos factos assentes;

101. No dia 20/11/2000, a ré solicita à autora o pagamento do saldo da conta corrente, que no seu entender era de Esc. 30.918.609$00 (€ 154.221,37), valor que ainda não se encontra pago - alínea EEE. dos factos assentes;

102. Por carta de 24/1/2001, a autora notifica a ré do seu direito a uma indemnização pelos prejuízos causados pela não observância de aviso prévio de dois anos de denúncia do contrato e de que pretende receber uma compensação de clientela de fls. 357 – alínea FFF. dos factos assentes;

103. A autora enviou à ré, em 1/2/2000, a carta de fls. 480 da qual consta: «Foi-nos dado conhecimento pelos vossos advogados que a “B” pretenderia que a Auto “A” subscrevesse uma manifestação de vontade em reportar os efeitos de cessação do contrato de concessão a 20 de Janeiro de 2000. O contrato de concessão foi denunciado unilateralmente por V. Exas. Por carta, sem data, mas recebida no dia 24 de Junho, tendo provocado troca de correspondência posterior cujas premissas se mantêm válidas. Por isso não vemos fundamento para subscrever uma carta com o teor da minuta apresentada.» - alínea GGG. dos factos assentes;

104. O valor económico de uma concessionária reside, entre outros factores, no goodwill ligado à marca e aos equipamentos, sendo que apenas alguns destes são específicos da marca “BB” – resposta ao art.º 54º da Base Instrutória;

105. Parte dos equipamentos utilizados pela autora e pelos demais concessionários da ré, podem ser utilizados para viaturas da marca “BB”, como para veículos de qualquer outra marca do ramo automóvel – resposta ao art.º 56º da Base Instrutória;

106. O espaço físico onde decorria a venda, assistência e reparação por parte da autora, pode servir tanto para a concessão de qualquer marca do ramo automóvel, como para o exercício daquelas actividades desligadas de qualquer concessão – resposta ao art.º 57º da Base Instrutória;

107. Do âmbito dos trespasses dos estabelecimentos da Rua do ... nº 18, da Rua da ... nº 81, da Rua ... nº 20 e da Rua ... nº2, foram excluídos todos os créditos sobre clientela resultantes da actividade desenvolvida nos mesmos estabelecimentos até 31 de Dezembro de 1999 inclusive – resposta ao art.º 65º da Base Instrutória;

108. Após a cedência e trespasse dos estabelecimentos da Rua do ... nº 18, da Rua da ... nº 81, da Rua ... nº 20, da ... nº ... e da Rua ... nº2, a autora manteve um passivo composto por 38.552 contos referentes a indemnizações por cessação de postos de trabalho; 293.030 contos referentes a dívidas financeiras a curto prazo e saldo de conta corrente a favor da ré – resposta ao art.º 66º da Base Instrutória;

109. A autora negociou a cedência e trespasse dos estabelecimentos da Rua do ... nº 18 pelo preço de 131.582 contos, da Rua da ... nº 81 pelo preço de 70.000 contos, da Rua ... nº 20 pelo preço de 164.552 contos, da ... nº ..., pelo prazo de 18 meses, pela quantia mensal de 1.750 contos e da Rua ... nº2, pelo preço de 135.000 contos – resposta ao art.º 68º da Base Instrutória e alíneas AAA., BBB. E CCC. dos factos assentes;

110. O grupo Auto “P” aceitou assumir 49 dos contratos de trabalho celebrados com a Auto “A” – resposta ao art.º 79º da Base Instrutória;

111. Na sequência dos negócios referidos na alínea AAA) da Matéria Assente a autora ficou com 11 trabalhadores a seu cargo, cujos contratos de trabalho cessaram por acordo, tendo sido pago pela mesma, a título de indemnizações, o valor de 38.552 contos – resposta ao art.º 81º da Base Instrutória;

112. À semelhança do que sucedia relativamente aos demais concessionários da rede ““BB””, a autora e a ré mantinham entre si uma conta-corrente onde eram lançados a débito as facturas referentes no fornecimento de peças e material diverso e a conta de Imposto Automóvel e a crédito não só os pagamentos efectuados pela autora, mas também as notas de crédito regularmente emitidas pela ré referentes a incentivos de frota e acertos de descontos de peças (DVAA- Descontos por Volume Anual Acordado – alínea HHH. dos factos assentes;

113. A ré deixou de lançar a crédito da autora, entre 1997 e 1999, a quantia de 4.826.52 euros (967.631$00) referente a acertos de DVAA – alínea III. dos factos assentes;

114. A ré deixou de lançar a crédito da autora, entre 1997 e 1999, a quantia de 69.459.60 euros (13.925.400$ 00) referente a créditos de incentivos de frota – alínea JJJ. dos factos assentes;

115. No dia 26 de Julho de 2000, a ré creditou a autora o valor de 4.531.922$00 (22.605.13 euros) através da nota de crédito nº c13703 – alínea LLL. dos factos assentes;

116. Em 24.06.2000, a conta corrente entre a autora e a ré representava um saldo positivo a favor desta de, pelo menos, Esc. 16.025.578$00 – resposta ao art.º 69º da Base Instrutória;

117. Em reunião realizada em Junho de 2000, entre representantes da autora e da ré, não foi possível chegar a acordo relativamente ao saldo da conta corrente – resposta ao art.º 91º da Base Instrutória;

118. A autora até hoje não pagou à ré o valor de Esc. 16.025.578$00 – resposta ao art.º 92º da Base Instrutória;

***

B - O DIREITO


a) RELATIVAMENTE AO AGRAVO

Visa a autora/agravante com o presente recurso que, no âmbito da prova pericial levada a efeito, se considerem como não escritas as respostas dadas pelos peritos às questões 3, 6, 9, 12, 15 e 16 constante do relatório de fls. 970 a 971, na parte em que se referem ao chamado “lucro líquido da actividade de venda de veículos e peças “BB””.

Resulta do artigo 513.º do Código de Processo Civil que A instrução tem por objecto os factos relevantes para o exame e decisão da causa que devam considerar-se controvertidos ou necessitados de prova.

E, a prova pericial, como qualquer outro meio de prova, destina-se, como decorre, aliás, do artigo 341º do Código Civil, a demonstrar a realidade dos factos alegados pelas partes, residindo o seu objecto singular, como se extrai do artigo 388º do mesmo diplom, na percepção ou averiguação de factos que reclamem conhecimentos especiais que o julgador comprovadamente não domina.

O resultado da perícia é expresso num relatório, no qual os peritos se pronunciam, fundamentadamente, sobre o respectivo objecto – v. artigo 586º, nº 1 do CPC.

Apresentado o relatório da perícia será ele notificado às partes, que podem reclamar, nos termos do artigo 587º, nºs 1 e 2 do CPC, se entenderem que há nele qualquer deficiência, obscuridade ou contradição ou que as conclusões não se mostrarem devidamente fundamentadas.

A reclamação consiste, portanto, em apontar a deficiência e pedir que a resposta seja completada, ou em denunciar a obscuridade e solicitar que o ponto obscuro seja esclarecido, ou em notar a contradição e exprimir o desejo de que ela seja desfeita, ou em acusar a falta de fundamentação das conclusões e pedir que sejam motivadas.

Qualquer das partes pode, também, requerer que se proceda a segunda perícia, no prazo de 10 dias, a contar do conhecimento do resultado da primeira – v. artigo 589º, nº 1 do CPC.

Considerando que a perícia tem por finalidade a obtenção de prova dos factos alegados, será a mesma impertinente e inútil caso o seu objecto não aponte para a demonstração de factos úteis para a boa decisão da causa e que, obviamente, requeiram conhecimentos especiais que o julgador não domina.

No caso concreto, visa a autora na presente acção, designadamente, o ressarcimento, por parte da ré, dos prejuízos que para si advieram da alegada denúncia, por esta efectuada, do contrato entre elas celebrado, que designou de “contrato de distribuição”. E, invocou, para tanto, os valores atinentes às compras, vendas e respectivas margens brutas durante os anos de 1995 a 1999, com relação aos veículos e peças de marca “BB”.

Foi requerida prova pericial e indicado o seu objecto, residindo os quesitos apresentados, basicamente, no apuramento, com relação aos supra referidos anos de 1995 a 2000, do valor das vendas de veículos e peças “BB”, da margem bruta e do lucro líquido obtido pela autora.

Os peritos procederam às respostas às questões colocadas, tendo sempre por referência, quer na margem bruta, quer no lucro líquido obtido pela autora, a actividade desta relacionada com as vendas e peças “BB”.

Contra este entendimento dos peritos reclamou a autora, defendendo, em suma, que o relatório dos peritos extravasava o objecto da perícia, havia confusão entre o lucro líquido e margem líquida e que, nos quesitos 3º, 6º, 9º, 12º, 15º, apenas se perguntava qual o lucro líquido obtido pela autora, respectivamente, nos anos de 1995 a 2000.

E, no despacho recorrido, o Exmo. Juiz do Tribunal a quo indeferiu a reclamação, por entender que estava em causa nos autos o lucro líquido obtido pela autora nos anos de 1995 a 1999, insurgindo-se a autora contra tal despacho por considerar que as aludidas respostas extravasavam o âmbito da perícia, não tinham correspondência com os factos da Base Instrutória, nem com os factos alegados pelas partes, por não disporem os peritos de informação necessária para responderem e por serem inúteis.

Vejamos,

Na petição inicial a autora invoca, é certo, relativamente aos anos de 1995, 1996, 1997, 1998 e 1999, o total de veículos automóveis vendidos (sem discriminar marca), o valor total de viaturas e peças “BB” compradas à ré e a margem bruta obtida.

Nos quesitos formulados foram incluídas perguntas relativas ao lucro líquido obtido pela autora, nos exercícios dos aludidos anos, matéria essa que tão pouco se mostra alegada na petição inicial, nem tem expressa menção nos artigos da Base Instrutória.

Todavia, foi entendido incluir essa matéria nas perguntas a formular aos peritos, o que foi aceite pelo Tribunal a quo.


Nas respostas aos quesitos 3º, 6º, 9º, 12º, 15º, os peritos consideraram ser de reportar essas questões à actividade subjacente ao contrato celebrado entre autora e ré, tendo também em consideração a ligação com as demais questões formuladas, dando conta do resultado líquido dos identificados exercícios e explicitando, objectivamente, como
lograram obter o lucro líquido (resultado líquido), com relação às vendas e peças “BB”.

Ora, ponderando o objecto da acção e o objecto da peritagem, para melhor compreensão dos contornos do litígio, mostra-se correcto o entendimento do Tribunal a quo, expresso no despacho recorrido, já que, independentemente da bondade do método seguido pelos peritos para obtenção do resultado líquido limitado ao total de vendas de veículos e
peças “BB”, a verdade é que, tais respostas explicativas se adequam à análise sistemática do conjunto das perguntas integradas no objecto da perícia e revestem-se de interesse para a decisão da causa.

De resto, se assim se não entendesse, bastaria a junção aos autos do documento respectivo constante da contabilidade da autora (Demonstração de Resultados Líquidos), sendo inútil e perfeitamente impertinente uma perícia para relatar ao Tribunal, ao cabo e ao resto, o que decorre linearmente desse documento contabilístico.

Acresce que, tão pouco se entende que na decisão recorrida o Tribunal a quo se haja pronunciado sobre o mérito da causa, situando-se a mesma, apesar da breve fundamentação, estritamente no âmbito da questão processual suscitada pela autora.

Nega-se, pois, provimento ao recurso de agravo, mantendo-se a decisão recorrida.


*


Vencida, é a agravante responsável pelas custas respectivas - v. artigo 446º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.


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b) RELATIVAMENTE Á APELAÇÃO DA AUTORA


i) DA NULIDADE DA SENTENÇA NOS TERMOS DA ALÍNEA D) DO N.º 1 DO ART.º 668º DO CPC,

Þ Por alegado excesso de pronúncia, por um lado; e omissão de pronúncia, por outro.


Decorre da alínea d) do nº 1 do artigo 668º do CPC que o tribunal deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.

E, é tendo em consideração o disposto no artigo 660.º, n.º 2 CPC, que se terá de aferir da nulidade prevista na citada alínea d) do n.º 1 do art. 668.º do CPC.

Como esclarece M. TEIXEIRA DE SOUSA, Estudos sobre o novo Processo Civil”, Lex, 1997, 220 e 221, está em causa “o corolário do princípio da disponibilidade objectiva (art. 264.º, n.º 1 e 664.º 2.ª parte) o que significa que o tribunal deve examinar toda a matéria de facto alegada pelas partes e analisar todos os pedidos formulados por elas, com excepção apenas das matérias ou pedidos que forem juridicamente irrelevantes ou cuja apreciação se tornar inútil pelo enquadramento jurídico escolhido ou pela resposta fornecida a outras questões “.


As questões a que alude a alínea em apreciação são, como bem esclarece A. VARELA, RLJ, Ano 122.º, pág. 112, “(...) todas as pretensões processuais formuladas pelas partes que requerem decisão do juiz, bem como os pressupostos processuais de ordem geral e os pressupostos específicos de qualquer acto (processual) especial, quando realmente debatidos entre as partes …”.

No caso vertente, a recorrente imputa à sentença recorrida a aludida nulidade, por conhecer de questões de que não podia tomar conhecimento.
Não pode, com efeito, o Tribunal conhecer senão das questões suscitadas pelas partes, excepto se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento de outras, como decorre do preceituado no citado artigo 660º, nº 2, 2ª parte, do CPC.
Há decisão “ultra petitum” sempre que o julgador não confina o julgamento da questão controvertida ao pedido formulado pelo autor, ou pelo demandado, se deduziu pedido reconvencional ou se defendeu por excepção, e conheceu - fora dos casos em que tal lhe é permitido “ex officio” - questão não submetida à sua apreciação.
Tal significa que terá de existir uma correspondência entre a pronúncia e a pretensão, não podendo a sentença decidir para além do que está ínsito no pedido ou seja, nos termos formulados pelo demandante.
Este princípio é válido, quer para o conhecimento excessivo em termos quantitativos, quer por condenação em diverso objecto - excesso qualitativo.
A consequência jurídica de conhecer de questões que não possa conhecer – não se englobando neste conceito os argumentos ou razões invocados por cada uma das partes para sustentar a solução que defende quanto à questão a resolver - é, por conseguinte, a nulidade da sentença.

Escreve ALBERTO DOS REIS, CPC Anotado, Vol. V, 143, a propósito, é certo, da omissão de pronúncia, que “são, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte”.
No imprescindível rigor na delimitação das questões colocadas pelas partes, o que contende com os limites da sentença, é necessário atender não só ao pedido, como à causa de pedir.
Sobre os limites da sentença, esclarece MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 298, que a sentença “deve manter-se no âmbito da acção (pedido, lato sensu), identificada através dos sujeitos, do objecto e da causa de pedir: art. 661º. O thema decidendum é a acção assim configurada”.
Refere ALBERTO DOS REIS, ob. cit., 54, a propósito do que deverá entender-se por “questões suscitadas pelas partes”, que “para caracterizar e delimitar, com todo o rigor, as questões postas pelas partes, não são suficientes as conclusões que elas tenham formulado nos articulados; é necessário atender também aos fundamentos em que elas assentam. Por outras palavras: além dos pedidos propriamente ditos, há que ter em conta a causa de pedir. Na verdade, assim como uma acção só se identifica pelos seus três elementos essenciais (sujeitos, objecto e causa de pedir), ..., também as questões suscitadas pelas partes só ficam devidamente individualizadas quando se souber não só quem põe a questão (sujeitos) e qual o objecto dela (pedido), senão também qual o fundamento ou razão do pedido apresentado (causa de pedir)”.
Salienta-se, por outro lado, no Ac. do STJ de 06.05.04 (Pº 04B1409), acessível na Internet, no sítio www.dgsi.pt, a propósito da omissão de pronúncia, mas que também tem aplicação quanto ao excesso de pronúncia que “ ... terá o julgador que identificar, caso a caso, quais as questões que lhe foram postas e que deverá decidir. .... E se, eventualmente, o juiz, ao decidir das questões suscitadas, tem por assentes factos controvertidos ou vice-versa, qualifica juridicamente mal uma determinada questão, aplica uma lei inapropriada ou interpreta mal a lei que devia aplicar, haverá erro de julgamento, mas não nulidade por omissão de pronúncia ”.


No caso vertente, invoca a apelante que Ao tomar conhecimento de factos não-quesitados e não-alegados, nula é a sentença (artigo 668º, nº 1 d) do Código de Processo Civil;

Propugna, pois, a apelante, pela nulidade da sentença, por entender que a sentença recorrida pecou por excesso de pronúncia na resposta dada ao quesito 52º, resposta esta cuja factualidade extravasa e vai muito para além do teor do próprio quesito.

Estando em causa a correcção ou incorrecção de uma resposta dada a um quesito, entende-se que tal matéria terá de ser apreciada no momento em que este Tribunal de recurso ponderará sobre a reapreciação da prova, relegando-se, assim, para momento ulterior essa ponderação, já que ainda que razão assista à apelante, nunca estará em causa um vício de nulidade da sentença consagrado no artigo 668º, nº 1 do CPC, mas antes, um eventual erro de julgamento.

Será, por isso, tal questão apreciada subsequentemente.

*
Invoca, por outro lado, a nulidade da sentença, ao abrigo do disposto no artigo 668º, nº 1, alínea d) do Código de Processo Civil, por omissão de pronúncia.

Diz a esse propósito, a apelante, que alegou factos consubstanciadores da violação, pela ré “BB”, das regras de concorrência e do abuso da sua posição dominante, quantificando nos artigos 122º a 128º da petição inicial os prejuízos que sofreu com essa violação, prejuízos esses que estão consubstanciados na alínea a) do pedido de condenação da ré formulado na petição inicial.

E, não obstante tal alegação, a sentença recorrida não se pronunciou sobre estas questões, que são essenciais para a apreciação da causa de pedir e dos pedidos formulados.

Na sentença recorrida fez-se consignar que as questões a apreciar consistiam em apurar:
i) A natureza do contrato que liga autora e ré;
ii) O direito à indemnização de clientela;
iii) A ilicitude da denúncia desse contrato por incumprimento do prazo de pré-aviso contratualmente previsto e consequente direito à indemnização por danos emergentes e lucros cessantes;
iv) O saldo da conta-corrente entre ambas.

E, quanto à aludida questão atinente à ilicitude da denúncia do contrato celebrado entre autora e ré, esgrimiu o Tribunal a quo as considerações de direito que entendeu relevantes e procedeu ao consequente enquadramento jurídico, aplicando as regras de direito que julgou adequadas (artigo 664º do CPC), concluindo pela improcedência da pretensão formulada pela autora, consubstanciada na alínea a) do pedido constante da petição inicial e ainda salientou, expressamente, que resultava prejudicada a apreciação sobre as restantes questões suscitadas pelas partes a esse respeito.

Como se salientou supra, doutrina e jurisprudência distinguem, por um lado, questões e, por outro, razões ou argumentos, concluindo-se pacificamente que só a falta de apreciação das primeiras – questões - integra a nulidade prevista no citado artigo 668º, nº 1, alínea d) do Código de Processo Civil, e não a mera falta de discussão das razões ou argumentos invocados para concluir sobre as questões – v. neste sentido e por todos, ALBERTO DOS REIS, ob. cit., loc. cit.

No caso em análise, não pode deixar de se entender que a alegação da autora/apelante, quanto à matéria agora em apreço, se traduz num argumento em defesa da tese da ilicitude da denúncia do contrato, por parte da ré, defendida na petição inicial.

Não existe, pois, nulidade da sentença por falta de pronúncia, ainda que se admita ser aceitável que alguma referência à hipotética violação as regras da concorrência tivesse sido efectuada na sentença recorrida.

Improcede, pois, o que a este propósito consta da alegação da apelante (Concluões 18ª, 24ª a 29ª ).

**

ii) DA REAPRECIAÇÃO DA PROVA GRAVADA em resultado da
impugnação da matéria de facto

Þ MODIFICABILIDADE DA MATÉRIA DE FACTO PELO TRIBUNAL DA RELAÇÃO

Á regra básica da imodificabilidade da decisão de facto proferida na 1ª instância, contrapõe-se a excepção decorrente do artigo 712º do CPC que permite a alteração da matéria de facto nos seguintes casos:

a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravações dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artº 690º-A, a decisão com base neles proferida;
b) Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas;
c) Se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou.


Considerando que foi gravada a prova produzida em audiência, dispõe este tribunal dos elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os factos em causa.

Mas, não se pode olvidar que não podem agora ser apreendidos alguns elementos probatórios que emergem, designadamente, do princípio da imediação, sendo certo que os factores decorrentes de tal princípio são decisivos para o juízo de convicção de que o juiz tem de fazer acerca da credibilidade dos depoimentos, sempre que está em causa a ponderação da prova testemunhal.

Como esclarece ANTUNES VARELA, Manual de Processo Civil, 2ª ed., 657, a propósito do princípio da mediação “Esse contacto directo, imediato, principalmente entre o juiz e a testemunha, permite ao responsável pelo julgamento captar uma série valiosa de elementos (através do que pode perguntar, observar e depreender do depoimento, da pessoa e das reacções do inquirido) sobre a realidade dos factos que a mera leitura do relato escrito do depoimento não pode facultar”.

Tem sido uniformemente entendido pela jurisprudência, que a garantia de duplo grau de jurisdição em matéria de facto não subverte, nem pode subverter, o princípio da livre apreciação das provas constante do artigo 655º do CPC, decorrendo de tal normativo que o juiz, fora dos casos de prova legalmente tarifada, goza de liberdade na apreciação das provas e decide segundo a convicção prudente sobre cada facto.
De resto, no preâmbulo do Decreto-Lei nº 39/95 de 15/12 - diploma que veio regular a possibilidade de documentação ou registo das audiências finais e da prova nelas produzida – refere-se que: “A garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência – visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto que o recorrente terá sempre o ónus de apontar claramente na sua minuta de recurso”.
E, nos casos de provas contraditórias, deve reger a convicção criada no espírito do juiz, desde que a prova haja sido valorada de acordo com critérios de razoabilidade.
Por isso se tem vindo a entender que a modificabilidade da matéria de facto pela 2ª instância terá lugar nos casos de manifesta desconformidade entre as provas produzidas e a decisão proferida, pressupondo um erro que imponha claramente uma decisão diferente.
No caso em apreço, a autora/apelante propugna pela alteração da decisão da matéria de facto, no que concerne aos artigos 87º, 88º e 52º constantes da Base Instrutória – Nº 52 e 86 da Fundamentação de Facto.

Analisemos, então, da pertinência da alegação da autora/apelante, ponderando se, in casu, se verifica a ausência da razoabilidade da respectiva decisão em face de todas as provas produzidas, conduzindo necessariamente à modificabilidade da decisão de facto.

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Þ AVALIAÇÃO DA CORRECÇÃO OU INCORRECÇÃO DO EXAME DA PROVA


Invoca a apelante, ao cabo e ao resto, erro na apreciação da prova, com relação às respostas aos artigos 87º, 88º e 52º constantes da Base Instrutória, por entender que os dois primeiros deveriam ter merecido resposta negativa e a resposta dada ao artigo 52ºextravasa a matéria nele perguntada.

Reitera-se, todavia, o entendimento de que não pode deixar de relevar a convicção criada no espírito do juiz do Tribunal a quo, o qual, como antes se aduziu, tem a seu favor o importantíssimo princípio da imediação da prova, sendo esse contacto directo com a prova testemunhal, como que melhor possibilita ao julgador a percepção da frontalidade, da lucidez, do rigor da informação transmitida e da firmeza dos depoimentos prestados, levando-o ao convencimento quanto à veracidade ou probabilidade dos factos sobre que recaíram as provas.

Importa, pois, analisar, não só a prova gravada, como também a documentação constante dos autos, por forma a concluir se a convicção criada no espírito do julgador de 1ª instância é, ou não, merecedora de reparos.

Þ Atentemos detalhadamente:

Perguntava-se no quesito 87º da Base Instrutória:
A angariação da clientela para os seus Concessionários era devida primacialmente à (i) notoriedade da marca “BB” e (ii) também à ré, mas não à autora ?

A este quesito o Tribunal a quo respondeu:
Provado, apenas, que a angariação de clientela para os concessionários
“BB” deve-se essencialmente à notoriedade da marca “BB”.

Perguntava-se no quesito 88º da Base Instrutória:
A marca “BB” vende por si mesma, prevalecendo sobre o eventual mérito do concessionário?

A este quesito o Tribunal a quo respondeu:
Provado, apenas, o que consta da resposta ao Quesito 87º.

Aos mencionados quesitos foram indicadas as seguintes testemunhas
“C”, “D”, “E”, “F” e “G”
(arrolados pela autora) e “H” e “I” (arrolados pela ré)

A apelante propugna pela alteração da resposta a estes quesitos, que deverá ser “Não provado”, por entender que o Tribunal a quo formou a sua convicção exclusivamente com base na prova testemunhal e não teve em consideração nas suas respostas os seguintes documentos:
§ O contrato de Concessionário “BB” de fls. 39 a 91 e em particular o Capítulo “Filosofia e Objectivos e as cláusulas 2.13 e 4.4.1;
§ A carta do Presidente da “BB” de fls. 249 a 252;
§ A Press Release da “BB” de fls. 94;

Fundamentou o Tribunal a quo as respostas a um conjunto de quesitos, nos quais se incluíam aqueles que agora estão em apreciação, da seguinte forma:

No que concerne aos quesitos (…) 87º e 88º da Base Instrutória, o Tribunal atendeu, essencialmente aos depoimentos prestados pelas testemunhas “C”, “E”, “F”, “S”, “G” e “H”.
Da conjugação de tais depoimentos resultou claro que a Ré e os concessionários que a substituíram vão beneficiar da actividade desenvolvida por esta durante os cinquenta e dois anos em que foi concessionário “BB”, sendo que o contrário não se verifica. Ilustrativo do que acabámos de referir foi o depoimento prestado pela testemunha “E”, a qual esclareceu que a base de dados de clientes da Auto “A” foi transferida para o Grupo "Auto “P”", donde se retira um benefício directo para esta.
Por outro lado, o facto da Ré não vender directamente ao público, apesar de o poder fazer (cfr. cláusula 4.3. do contrato de concessão de fls. 39 a 91), não obsta a que tenha um benefício indirecto resultante do maior número de veículos vendidos pelos concessionários. Refira-se, ainda, que apesar dos veículos RAC serem negociados pela "“B”", a sua introdução no mercado era efectuada através dos respectivos concessionários, que procediam à respectiva venda.

De qualquer modo, o Tribunal não dispõe de elementos objectivos que permitam aferir se a fidelização de clientes realizada pela Autora se desenvolveu acima da média de crescimento da marca a nível nacional.
Da prova produzida resultou, ainda, claro que o consumidor primeiro escolhe a marca do veículo automóvel que pretende adquirir e depois decide a qual concessionário se deve dirigir para o efeito, sendo que a qualidade do serviço prestado pelo concessionário irá influir necessariamente na futura aquisição de um veículo.
Deste modo, atendendo ao enorme investimento da “BB” em publicidade, entendemos que a notoriedade da marca é determinante na angariação de clientes, embora a performance dos concessionários também para ela contribua.
Assim, o Tribunal respondeu de forma positiva aos quesitos (…) e explicativa aos quesitos 85º, 87º e 88º da Base Instrutória.

Manifesta a apelante a sua discordância com as respostas dadas aos aludidos quesitos 87º e 88º, porquanto entende que todos os depoimentos das testemunhas ouvidas são coincidentes ao infirmar a matéria ali constante.

E, salienta que:
Þ de nenhum dos depoimentos se pode concluir que a angariação da clientela para os seus concessionários era devida primacialmente à (i) notoriedade da marca “BB” e (ii) também à ré, mas não à autora;
Þ de nenhum dos depoimentos se pode concluir que a marca “BB” vende por si mesma, prevalecendo sobre o eventual mérito do concessionário;
Þ de nenhum dos depoimentos se pode concluir que a angariação de clientela para os concessionários “BB” deve-se essencialmente à notoriedade da marca “BB”.

Com efeito, todas as testemunhas referenciadas na fundamentação da decisão da matéria de facto admitiram a importância da actuação dos concessionários e, portanto, da autora, para obtenção de uma maior fidelização dos clientes à marca, tendo em consideração, nomeadamente, a sua organização, a qualidade das equipas de vendas, a assistência pós-venda, (“C”, “E”, “F”, “G” e “H”).

E, o mesmo se infere, por certo, dos vários documentos junto aos autos, mormente das cláusulas do contrato celebrado entre autora e ré, da carta de fls. 249 a 250 e da atribuição do prémio pela qualidade de serviço referida a fls. 94.

Mas, as testemunhas também salientaram a importância da marca e o poder de venda da marca “BB”, o prestígio desta e o seu peso na angariação de clientela (“C”, “E”, “G”, “I” e “H” ).

De resto, a testemunha “H” foi peremptória na afirmação de que, pretendendo adquirir um veículo, a escolha recai, em primeiro lugar, pela marca e só depois se selecciona onde comprar o veículo da marca escolhida. Segundo a testemunha é a marca que define a opção de escolha do veículo, e que a marca “BB” vende por si. Exemplificou mesmo, referindo, evidentemente, de uma forma caricatural: “(…) eu não me recordo de ninguém que tenha pensado dizer assim, eu vou comprar um Auto “A”, deixa-me ir ali à “BB” … não, eu vou comprar um “BB”, deixa-me ir ali à Auto “A” (…)”. Salientou ainda a testemunha o papel da ré na promoção e angariação de marca e de clientela, nomeadamente através de campanhas publicitárias e promoção de grandes negócios, embora a venda fosse sempre efectuada pelos concessionários.

A resposta restritiva dada aos quesitos em apreciação não coloca em causa a importância do concessionário na fidelização do cliente à marca, pois se tivesse sido essa a interpretação do Tribunal a quo - que não foi - a resposta ao quesito 87º seria positiva.

Face a toda a prova produzida – testemunhal e documental, não se vê razões para afastar a convicção criada no espírito do julgador do tribunal recorrido, no que concerne às respostas dadas aos quesitos 87º e 88º da Base Instrutória, as quais se mantêm inalteráveis.

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Invoca, por outro lado, a apelante, que a factualidade contida na resposta dada ao quesito 52º, extravasa e vai muito para além do teor do próprio quesito, sendo certo que na sentença recorrida se faz alusão e se referencia o teor dessa factualidade.

Importa salientar que, como é sabido, as respostas aos quesitos podem ser afirmativas (provado) negativas (não provado), ou restritivas, admitindo-se ainda uma resposta de teor explicativo, desde que, ao fazê-lo, se não amplie indevidamente o conteúdo da pergunta, nem, de forma indirecta, o tema da prova.

Em tal resposta restritiva concretiza-se um facto com utilidade para a decisão da causa, mantendo-se a mesma dentro da pergunta formulada, mas explicitando–se o seu conteúdo.

Perguntava-se no quesito 51º da Base Instrutória:
A não inclusão da autora na nova rede de Concessionários “BB”, ficou a dever-se única e exclusivamente ao facto de não ter logrado alcançar um acordo com a “J” e com a “L” quanto à constituição de uma CMA líder?

E, perguntava-se no quesito 52º da Base Instrutória:
Tal situação foi totalmente exógena à vontade da ré?

O quesito 51º obteve uma resposta positiva e ao quesito 52º o Tribunal a quo respondeu:


Provado que o acordo referido na resposta ao Quesito 51º da Base Instrutória não foi alcançado, por a ele não ter aderido a concessionária ““J””.

A resposta dada pelo Tribunal a quo é claramente uma resposta de cariz explicativo, dessa forma se evitando uma resposta algo conclusiva, como já evidenciava a formulação do quesito. E, pese embora tal resposta não seja literalmente igual ao perguntado, tão pouco se vê que a mesma amplie indevidamente o conteúdo da pergunta, nem, de forma indirecta, o tema da prova.

Na verdade, a resposta dada ao quesito 52º está ligada ao respondido no quesito precedente, esclarecendo-se, concretamente, a razão da não inclusão da autora na nova rede de Concessionários “BB”, ou seja, que tal situação se ficou a dever à não adesão da concessionária ““J””, logo, e em conclusão, por factores exógenos à vontade da ré.

Não há, pois, razões para alterar a resposta dada ao quesito 52º, já que a mesma não extravasa o conteúdo do quesito formulado.

Nestes termos, e por se entender que a convicção criada no espírito do julgador de 1ª instância não é merecedora de qualquer reparo, mantém-se inalterável a decisão sobre a matéria de facto, improcedendo, nesta parte, o recurso da autora/apelante (concluões 1ª a 17ª, 19ª a 23ª).

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ii) DA ILICITUDE DA DENÚNCIA, POR PARTE DA RÉ, DO CONTRATO CELEBRADO COM A AUTORA

O que pressupõe a análise, designadamente:


a. Da qualificação jurídica do contrato celebrado entre autora e ré e o regime jurídico que o regulamenta;
b. Da violação das regras da concorrência e da violação do Regulamento (CE) nº 1475/95;


Qualificou a sentença recorrida o acordo celebrado entre as partes como um contrato de concessão comercial, corroborando o invocado pela autora na p.i., qualificação que a ré/recorrida discorda, defendendo, ao invés, que a relação estabelecida entre autora e ré contém elementos que correspondem ao figurino típico do contrato de franquia.

Ambas as partes aceitam, no entanto, que estamos perante um contrato de distribuição.

Como é sabido, a comercialização dos bens e a sua distribuição na sociedade pode ser feita de forma directa do produtor ao consumidor ou de forma indirecta. A distribuição indirecta pode ser integrada, na qual existe uma coordenação entre a produção e a comercialização, de tal modo que o distribuidor é integrado em circuitos próprios do produtor ou, ao invés, não integrada, na qual não há coordenação, actuando os distribuidores sem concertação com os produtores.

É precisamente na distribuição indirecta integrada que pressupõe, em regra, a celebração entre o produtor e os distribuidores de instrumentos contratuais, que estão englobados os contratos de agência, de concessão, de franquia e de livre organização de cadeias – v. neste sentido ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Do Contrato de Concessão Comercial, R.O.A., ano 60, Vol. II – Abril de 2000, 598-613.

O contrato de concessão comercial apresenta, dentro dos contratos de distribuição, um perfil característico, operando, em regra, em áreas que exigem investimentos significativos e que o produtor dos bens ou serviços a distribuir não queira ou não possa ele próprio efectuar, sendo geralmente utilizado na distribuição de produtos de elevador valor, como sucede nos veículos automóveis – v. ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, ob. cit., loc. cit.

Esta figura contratual constitui, pois, simultaneamente, um método de organização das relações entre produtor e distribuidor e uma técnica de distribuição de produtos no mercado. A operação económica que subjaz a este contrato, intermediando a produção e o consumo, visa precisamente a comercialização de um produto ou gama de produtos.

A concessão comercial apresenta-se como um contrato juridicamente inominado, que tem sido caracterizado como envolvente de uma relação contratual duradoura entre um comerciante independente (o concessionário) que actua em nome e por conta própria, e que se obriga a comprar a outro (o concedente) determinada quota de bens de marca, promovendo a sua revenda ao público em determinada área territorial, e, frequentemente, com direito de exclusividade, obrigando-se o concedente, a celebrar com o primeiro sucessivos contratos de compra e venda e a fornecer-lhe alguns dos meios necessários ao exercício da sua actividade – cfr. neste sentido acs. S.T.J, de 01.02.2001, C.J., ano IX, T. 1º, 90, de 10.10.2006 (Pº 06A2132) e de 15.11.2007 (Pº 07B3933) acessíveis na Internet, no sítio www.dgsi.pt.

No mesmo sentido esclarece HELENA BRITO, O Contrato de Concessão Comercial, 179, que são indispensáveis à caracterização deste contrato, a relação duradoura entre o produtor e o distribuidor, a actuação do concessionário em nome e por conta própria, a obrigação do concessionário promover a revenda dos bens adquiridos ao concedente na respectiva zona, constituindo os bens produzidos ou distribuídos pelo fornecedor o objecto mediato do contrato, a obrigação futura de compra e venda por concessionário e concedente dos produtos objecto do contrato e obrigação do concessionário de orientar a sua actividade em função das finalidades do contrato e do concedente lhe fornecer os meios necessários ao exercício da sua actividade. E, agindo o concessionário em seu nome e por sua conta, é ele o proprietário dos produtos que distribui e a sua contrapartida económica traduz-se na diferença entre o preço por que compra os produtos e o preço por que os revende.

Por seu turno, o contrato de franquia caracteriza-se como sendo aquele pelo qual o franquiador concede ao franquiado, mediante determinada contrapartida monetária inicial e subsequente, a utilização, em certa zona geográfica, sob o seu controlo de fiscalização, de marcas, nomes, insígnias, processos de fabrico ou técnicas comerciais que acompanham a negociação pelo franquiado de bens adquiridos ao franquiador.

Muito embora se possam evidenciar vários elementos distintivos entre estas duas figuras jurídicas, que muitas vezes se aproximam, os principais residem, por um lado, na designação unitária que envolve a franquia, o que não sucede na concessão comercial em que o concessionário actua na vida comercial com o seu nome e insígnia, inexistindo neste qualquer licença de utilização de bens imateriais. E, por outro lado, na remuneração, pois na franquia, o franquiador recebe uma contrapartida do franquiado, envolvendo uma quantia inicial (entry fee) e uma comissão no decurso do contrato (royalties). Na concessão comercial, o concedente não é remunerado, em caso algum, pelo concessionário – v. a propósito, JOSÉ ALBERTO VIEIRA, O Contrato de Concessão Comercial, reimpressão, 63-66.

No caso vertente, o contrato, sob a designação de Contrato de Concessionário “BB”, foi celebrado entre as partes por tempo indeterminado, e nos termos do qual a ré se obrigava a fornecer à autora veículos automóveis e peças da marca “BB” e esta, por sua vez, se obrigava a pagar o preço desses produtos e promover a sua venda e prestar assistência pós-venda, no concelho de Lisboa, com excepção da freguesia dos Olivais, nunca recebendo a autora, da ré, qualquer remuneração dispondo antes de uma margem de comercialização na venda dos produtos “BB” – v. Nºs 1 a 8 da Fundamentação de Facto.

Pela análise dos termos do mencionado acordo, sob a designação de Contrato de Concessionário “BB”, há que concluir que foi, efectivamente, celebrado um contrato de concessão comercial.

A particular estrutura jurídica do contrato de concessão comercial - aquisição e revenda dos produtos do concedente – confere-lhe a natureza de um contrato atípico, não se enquadrando em nenhum dos contratos legalmente previstos e não possuindo regulamentação legal própria, apesar da sua tipicidade social, colocando-se, então, a questão de saber qual o seu regime jurídico.

Com efeito, a regulamentação jurídica deste tipo de contrato, e de acordo com a autonomia privada das partes, consagrada no artigo 405º do Código Civil, tem de se encontrar, no convencionado pelas partes contratantes – cláusulas negociais - e, na sua falta, pelas normas gerais dos contratos e, se necessário, pelas normas específicas que regem os contratos que com ele apresentem maior analogia, de acordo com o disposto no artigo 10º do Código Civil.

E, o contrato tipificado cuja estrutura apresenta maior afinidade com o contrato de concessão comercial, é o contrato de agência, regulado pelo Decreto-Lei n.º 178/86, de 3 de Julho, alterado pelo Decreto-Lei n.º 118/93, de 13 de Abril.

Quanto à aplicação analógica do regime do contrato de agência, o próprio nº 4, in fine, do preâmbulo do citado Dec-Lei 178/86, de 3 Julho, salienta expressamente que relativamente a este último (contrato de concessão) detecta-se no direito comparado uma certa tendência para o manter como contrato atípico, ao mesmo tempo que se vem pondo em relevo a necessidade de se lhe aplicar, por analogia - quando e na medida em que ela se verifique - o regime da agência, sobretudo em matéria de cessação do contrato.


Verifica-se, pois, alguma similitude do regime jurídico do contrato de agência e dos contratos de distribuição não tipificados, como é o caso do contrato de concessão comercial.

Resulta do artigo 1º do Decreto-Lei n.º 178/86, de 3 de Julho que o contrato de agência é aquele pelo qual uma das partes se obriga a promover por conta de outrem a celebração de contratos de modo autónomo e estável, mediante retribuição, em certa zona ou no âmbito de determinado círculo de clientes.

É um contrato oneroso, tendencialmente estável, não necessariamente em regime de exclusividade, em que o agente, por conta do principal, em certa zona geográfica, angaria clientes, promove produtos e, sob acordo especial, celebra contratos.

A diferença entre a posição do concessionário e a do agente ocorre essencialmente porque o primeiro age, como acima ficou dito, em nome próprio e por conta própria, auferindo o lucro e assumindo o prejuízo decorrente da sua actividade. Por seu turno, o agente age, em regra, em nome próprio e por conta do principal, mediante retribuição dessa actividade.

Mas a referida diferença não impede a aplicação analógica se o concessionário agiu semelhantemente ao agente, angariando clientes, atraindo-os, e disso tenha advindo vantagem económica para o concedente.

Assim, relevam no contrato de concessão comercial em causa as declarações negociais das partes, desde que lícitas, ou seja, que não contrariem normas imperativas do ordenamento jurídico e, por analogia, com as necessárias adaptações, o referido regime legal previsto para o contrato de agência.

É consabido que os contratos celebrados por tempo indeterminado são livremente denunciáveis por qualquer das partes.

A denúncia, meio extintivo de relações obrigacionais duradouras, consubstancia-se na declaração dirigida por um dos contraentes ao outro, em regra com certa antecedência sobre o termo do contrato, de não pretender a renovação ou continuação da relação contratual, de eficácia ex nunc, independentemente de justa causa – v. artigo 224º, nº 1, do Código Civil.

A denúncia reveste, portanto, a natureza de um poder potestativo, de carácter discricionário.

E, o contrato de concessão comercial, sendo um contrato duradouro, também é susceptível de ser denunciado a todo o momento.

Preconizava o artigo 28º do citado Dec-Lei 178/86, na primitiva redacção, que a denúncia do contrato de agência celebrado por tempo indeterminado era permitida desde que comunicada ao outro contraente, por escrito, com a antecedência mínima de 90 dias (contratos com duração superior a um ano), salvo convenção de prazo mais longo.

E, na redacção dada pelo Dec-Lei 118/93, de 13 Abril, o prazo previsto no artigo 28º, nº 1, al. c) para a comunicação à parte contrária da denúncia, foi encurtado, exigindo-se agora uma antecedência mínima de três meses (contratos com duração superior a três anos).

Se o denunciante não respeitar o prazo de pré-aviso constitui-se na obrigação de indemnizar o outro contraente pelos danos causados com a falta de pré-aviso, em conformidade com o disposto no nº 1 do art. 29º do mesmo diploma.

Esta imposição legal (aplicável, se necessário, por via analogia ao contrato de concessão), condicionando a produção de efeitos da denúncia, que está na disponibilidade potestativa de qualquer uma das partes, tem por objectivo a protecção de interesses legítimos da outra parte para que, nesse período temporal, tenha oportunidade de se preparar, atenuando as consequências, porventura prejudiciais, da cessação do contrato.

Mas, no caso em análise, ficou estipulado o direito de denúncia com um pré-aviso de dois anos e um prazo de um ano para o caso excepcional de reorganização da rede de concessionários da ré – v. Nºs 10 e 11 da Fundamentação de Facto.

Ficou, por outro lado, demonstrado que a concedente, a ora ré, enviou à concessionária, a autora, a carta datada de 22.06.1999, através da qual confirma ter decidido proceder à reorganização total da sua rede de concessionários e, em conformidade com o acordado entre as partes, denunciou o contrato, o qual cessaria os seus efeitos no termo do prazo de um ano a contar da data da recepção da carta – v. Nºs 12 e 88 da Fundamentação de Facto.

Acresce que igualmente ficou provado que a ré pretendia proceder a uma reestruturação da rede de concessionário, através de uma redução do número de concessões existentes, redução essa que seria alcançada através de aquisição, fusão ou expansão das concessões, aumentando as áreas geográficas, o que implicava profundas alterações a nível económico e financeiro para os concessionários – v. Nºs 54 a 58 da Fundamentação de Facto.

Mais se provou que a ré se reuniu, em 16.07.1998, com os seus concessionários para apresentar a sua nova política, através da criação do que designou de Costumer Marketing Área e que foi detalhadamente explicitada à autora, na carta de 02.06.1999. Todavia, já em Janeiro de 1999, a ré se reuniu com a autora, comunicando-lhe a possibilidade de constituição de uma nova sociedade, englobando a autora e outros dois concessionários, projecto esse que, apesar das negociações então encetadas, não chegou a ter viabilidade, por falta de adesão de uma dessas concessionárias, que não a autora, o que levou à não inclusão da autora na rede de concessionários “BB” – v. Nºs 59 a 81, 85 e 86º da Fundamentação de Facto.

Utilizou, pois, a concedente o prazo especial de pré-aviso, convencionado a seu favor, apoiado na circunstância de a denúncia do contrato se circunscrever no âmbito da sua reorganização da rede de concessionários.

Verificada que estava a mencionada condição de reorganização da rede de concessionários, podia a concedente, em princípio, provocar a cessação do contrato de concessão em causa, um ano depois da data da comunicação à concessionária da sua vontade de proceder á denúncia do contrato.

E foi o que aconteceu no caso vertente, tal como foi convencionado pelas partes no âmbito da sua liberdade contratual, sem violação de qualquer normativo legal de pré-aviso.

E assim foi entendido na sentença recorrida, razão pela qual ali se considerou prejudicada a apreciação das restantes questões suscitadas pelas partes a esse respeito, já que não se verificavam os pressupostos da indemnização pretendida pela ré/concessionária.

Invocou, todavia, a autora, desde logo na petição inicial e agora no recurso de apelação, o disposto no Regulamento (CE) nº 1475/95, que segundo defende foi violado pela ré, mais invocando a violação das regras da concorrência e a actuação com abuso de posição dominante.

É certo que o Regulamento (CE) nº 1475/95, da Comissão, de 28.06.95 (JO L 145/25 de 29.06.95), já substituído pelo Regulamento (CE) nº 1400/2002 de 31.07.2002 (JO L 203/30 de 01.08.2002) visa a aplicação do nº 3 do artigo 85º do Tratado CE a certas categorias de acordos de distribuição e de serviço de venda e pós-venda.

Isenta, no entanto, o referido Regulamento da proibição prevista no artigo 81º, nº 1 do Tratado CE, os acordos, através dos quais, um fornecedor encarrega um revendedor autorizado a promover a distribuição de veículos automóveis num território e se compromete a reservar-lhe, no âmbito desse território, o fornecimento de veículos e de peças sobresselentes.

Igualmente ali se consagram diversas condições para a concessão dessa isenção, prevendo-se exigências mínimas no que respeita à duração e cessação da distribuição e dos serviços de venda e pós-venda, por forma a limitar a dependência dos distribuidores aos fornecedores em acordos de curta duração ou acordos termináveis com um período curto de pré-aviso.

A este propósito refere-se no considerando (2) que: Se é certo que as obrigações enumeradas nos artigos 1º, 2º e 3º têm geralmente por objectivo ou efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência no mercado comum e são, geralmente susceptíveis de afectar o comércio entre Estados-membros, a proibição constante do nº 1 do artigo 85º do Tratado, pode, no entanto, por força do nº 3 do artigo 85º, ser declarada inaplicável a essas obrigações, ainda que unicamente em certas condições.

E, salienta-se no considerando (19) que: O nº 3 pontos 2 e 3 e o nº 3 do artigo 5º fixam condições mínimas de isenção no que se refere à duração e à resolução do acordo de distribuição e de serviços de venda e pós-venda, porque, devido aos investimentos do distribuidor para melhorar a estrutura da distribuição e do serviços de assistência dos produtos contratuais, a dependência do distribuidor face ao fornecedor é consideravelmente acrescida em caso de acordo concluídos a curto prazo ou resolúveis a curto prazo. Todavia, para não entravar o desenvolvimento de estruturas flexíveis e eficazes de distribuição, é conveniente reconhecer ao fornecedor um direito extraordinário de pôr termo ao acordo, caso se revele necessário proceder à reorganização de toda a sua rede ou de uma parte substancial da mesma (bold e sublinhado nosso).


Com efeito, o artigo 5º, nº 2 do citado Regulamento nº 1475/94 prevê que a duração do acordo seja, pelo menos, de cinco anos ou que o pré-aviso para a denúncia do acordo celebrado por período indeterminado seja, pelo menos, de dois anos para as duas partes. No entanto, o mesmo preceito prevê o direito do fornecedor fazer cessar o contrato mediante um pré-aviso de, pelo menos, um ano em caso de necessidade de reorganizar a totalidade ou uma parte substancial da rede de distribuição.

Assim, e muito embora não esteja aqui em causa uma relação jurídica transfronteiriça – entendimento defendido no Acs STJ de 21.04.2005 (Pº 04B3868), e de 05.03.2009 (Pº 09B0297), acessíveis em www.dgsi.pt - a verdade é que tão pouco ocorre violação do regime consagrado no citado Regulamento, sendo certo que tão pouco se suscita aqui qualquer princípio de defesa da concorrência no mercado comum, nem resultou que a concedente haja explorado abusivamente de uma posição dominante que tenha por objecto ou como efeito impedir, falsear ou restringir a concorrência – cfr. a este propósito, MARIA HELENA BRITO, ob. cit., 252-258.

O primeiro pedido indemnizatório formulado pela autora está assente no desrespeito do prazo de pré-aviso de denúncia do contrato e na violação das normas da concorrência o que, a verificar-se, seria fundamento de indemnização pelos danos daí decorrentes.

Sucede, porém, que, como se deixou referido, a denúncia foi efectuada em perfeita observância do prazo estipulado pelas partes, e igualmente previsto nas disposições legais susceptíveis de aplicação.

Conforme resulta do acima exposto, não está verificada a ilicitude da denúncia do contrato de concessão comercial, que constitui o pressuposto básico do funcionamento da responsabilidade civil.

Falecendo tal pressuposto essencial à procedência da reclamada pretensão indemnizatória, há que concluir no sentido de que a

autora (concessionária) não tem direito a exigir da ré (concedente) a pretendida indemnização por danos emergentes ou lucros cessantes.

Improcede igualmente, nessa parte, o recurso de apelação da autora (concluões 30ª a 37ª ).

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iii) A INDEMNIZAÇÃO DE CLIENTELA PETICIONADA PELA RÉ/CONCESSIONÁRIA E OS RESPECTIVOS PRESSUPOSTOS DE APLICAÇÃO DO ARTIGO 33º DO DECRETO-LEI Nº 178/86.


Conforme resulta do preceituado no artigo 33º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 178/86, de 3 de Julho, o agente tem direito, após a cessação do contrato, a uma indemnização de clientela, desde que tenha angariado novos clientes para a outra parte ou aumentado, substancialmente, o volume de negócios com os já existentes, e a última venha a beneficiar, consideravelmente, após a cessação do contrato, da actividade desenvolvida pelo primeiro ou este deixe de receber qualquer retribuição por contratos negociados ou concluídos, após a cessação do contrato, com aqueles clientes.

Doutrina e Jurisprudência reconhecem, unanimemente, que não está aqui, em rigor, uma indemnização, porque não depende da alegação e prova pelo agente dos danos por ele sofridos, antes se tratando, de uma compensação a seu favor após a cessação do contrato, pelas vantagens patrimoniais que o principal continuará a obter, findo o contrato, por virtude do incremento de clientela proporcionado pelo agente, sendo certo que esse benefício que, na vigência do contrato, era comum ao agente e ao principal, após a cessação do contrato, passará a aproveitar apenas ao principal.

Como se afirmou no Ac. STJ de 15.11.2007 (Pº 07B3933), acessível no citado sítio da Internet, a ideia que só é razoável compensar o agente pelo que fez no passado na medida em que isso venha a repercutir-se directamente em benefício do principal, ou seja, quando este tenha efectivo acesso à clientela angariada pelo primeiro no quadro de uma continuidade.

Segundo ANTÓNIO PINTO MONTEIRO, RLJ, 130º,154, a indemnização de clientela constitui, no fundo, uma compensação a favor do agente, após a cessação do contrato, pelos benefícios que o principal continue a auferir com a clientela angariada ou desenvolvida pelo agente. Ela é devida seja qual for a forma por que se põe termo ao contrato ou o tempo por que este foi celebrado … e acresce a qualquer outra indemnização a que haja lugar (por exemplo, por falta ou insuficiência de pré-aviso ou por violação do contrato pelo principal).

Mesmo que o agente não sofra um prejuízo específico justifica-se essa compensação pelos benefícios que a outra parte venha a conseguir, independentemente de eles já se terem verificado, bastando a possibilidade de eles virem a ocorrer.

Como se infere do citado artigo 33º, nºs 1 a 3, o agente tem direito, após a cessação do contrato, a uma indemnização de clientela, desde que verificados, cumulativamente, os seguintes requisitos:

i) A angariação pelo agente de novos clientes para a outra parte ou o aumento substancial do volume de negócios com os existentes - nº 1, alínea a).
ii) A cessação do contrato por motivos não imputáveis ao agente – nº 3
iii) A possibilidade de o principal vir a beneficiar, consideravelmente, após a cessação do contrato, da actividade desenvolvida pelo agente – nº 1, alínea b).
iv) O agente deixe de receber qualquer retribuição por contratos negociados ou concluídos, após a cessação do contrato, com os clientes referidos na alínea a) – nº 1, alínea c).

Quanto à verificação do primeiro apontado requisito há que atentar nas relações comerciais entre o principal e o agente, nomeadamente no espaço temporal durante o qual as mesmas se desenvolveram. E, se nesse período o agente logrou aumentar as vendas dos produtos do principal, ponderar sobre o empenho daquele na divulgação dessa marca, atentar no investimento em infra-estruturas, em pessoal, em publicidade e, finalmente, na capacidade de fidelização da clientela na zona de actuação do agente.

Quanto ao segundo requisito (negativo) há que ponderar se o agente deu causa à cessação do contrato de agência

O terceiro requisito do direito de indemnização ou compensação de clientela, previsto na alínea b) do nº 1 do aludido artigo reporta-se ao benefício que o principal possa vir a retirar da actividade de angariação de clientela desenvolvida pelo agente.

Releva fundamentalmente a circunstância de o principal ficar em condições de continuar a usufruir da actividade anteriormente desenvolvida pelo agente, quer por via da sua exploração directa do mercado, como também por via indirecta, ou seja, através de outros agentes que venham a operar na zona territorial em que o agente cessante exerceu a sua actividade comercial.

Acresce que, para a determinação do montante indemnizatório deverá recorrer-se a critérios de equidade, de acordo com o disposto no artigo 34º do Decreto-Lei nº 178/86, mas em função do rendimento médio anual (margem de lucro líquido) auferido durante os últimos cinco anos ou a média do período em que o contrato esteve em vigor.

In casu, a ré/concedente, porque defende que o contrato em causa não se traduz num contrato de concessão comercial, entende, por conseguinte, não lhe ser aplicável o regime da indemnização de clientela previsto para o contrato de agência

Sucede que o contrato celebrado entre autora e ré é, indubitavelmente, um contrato de concessão comercial. E, tratando-se de um contrato atípico - pese embora a tipicidade social de que goza - a sua regulamentação rege-se, como acima ficou dito, pelo clausulado entre as partes, desde que lícito. Na falta de convenção entre as partes, aplicar-se-ão as normas gerais dos contratos e igualmente o regime das cláusulas contratuais gerais (caso o contrato haja sido concluído através de cláusulas dessa índole) e, se necessário, pelas normas específicas que regem os contratos que com ele apresentam maior analogia que, no caso do contrato de concessão é, com efeito, o contrato de agência – v. neste sentido ANTÓNIO PINTO MONTEIRO, RLJ 130, 120.

É certo que a indemnização ou compensação de clientela a que se reportam os mencionados artigos 33º e 34º do Decreto-Lei nº 178/86, de 3 de Julho, sendo própria do regime do contrato de agência, poderá ser extensível, por analogia, ao contrato de concessão comercial.

A aplicação do regime do contrato de agência, no que concerne à indemnização de clientela, ao contrato de concessão comercial, não tem tido um tratamento unívoco na doutrina e na jurisprudência.

Defende JOSÉ ALBERTO VIEIRA, ob. cit., 127, que o artigo 33º do Decreto-Lei nº 178/86 é uma norma injuntiva. A esfera de protecção da norma é a defesa do agente na extinção do contrato. A sua ratio, dada a similitude da situação material do concessionário em face do agente é perfeitamente idêntica. Em concomitância, a técnica de extensão analógica das regras injuntivas do tipo afim tem aqui mais um exemplo de exequibilidade. Portanto, as cláusulas contratuais do contrato de concessão comercial, no qual as partes acordem o afastamento de qualquer indemnização de clientelas, são nulas por violarem uma norma injuntiva.

Por seu turno, saliente RUI PINTO DUARTE, Tipicidade e Atipicidade dos contratos, 133-144, que a aplicação das normas sobre contratos típicos e atípicos não pode ser feita de forma mecânica; também aqui os juízos subsuntivos não são suficientes para a aplicação do Direito; também aqui a aplicação da norma não pode ser feita na ignorância dos resultados a que conduz; também aqui o aplicador do Direito deve procurar encontrar entre o comando abstracto e o comando concreto (resultante da aplicação analógica – no sentido clássico – daquele) a proporção que o legislador quis. Mais: a procura de semelhanças não pode ser feita exclusivamente entre o tipo social em que se integre o contrato em discussão e os contratos típicos com ele aparentados; tem de ser feita (também) a propósito da questão jurídica específica do contrato, regulando o que estiver em causa”.

E, assim, também alguma jurisprudência, designadamente do Supremo Tribunal de Justiça, tem vindo a defender a aplicação do regime da indemnização de clientela, previsto nos artigos 33º e 34º do Decreto-Lei nº 178/86, aos contratos de concessão comercial, ainda que as partes hajam clausulado no sentido de uma renúncia antecipada a tal indemnização, cominando com nulidade tal cláusula, fundando essa solução, justamente, na natureza imperativa ou injuntiva do referido artigo 33º.

Apelam tais sectores da doutrina e da jurisprudência ao desequilíbrio que, em regra, se verifica entre a posição do contraente principal (concedente) e do agente (concessionário), sendo frequente a ocorrência de situações em que o agente (ou o concessionário) se limita a aderir a um clausulado geral que não é objecto de negociação prévia, o que justifica a nulidade dessa cláusula de renúncia antecipada à indemnização de clientela – v. neste sentido, Acs. STJ de 15.11.2007 (Pº 07B3933 ) e de 05.03.2009 (Pº 09B0297) e Acs. R.L. de 29.03.2007 (Pº 2985/06-6 ) e de 12.05.2009 (Pº 763/05.7TVLSB-7 ).

Por outro lado, e ao invés, ELSA VAZ DE SEQUEIRA, Contrato de Franquia e Indemnização de Clientela”, Estudos dedicados ao Prof. Doutor

Mário Júlio de Almeida Costa, 483 e 484 (referindo-se ao contrato de franquia, mas que tem perfeita aplicação ao contrato de concessão comercial) salienta que a aplicação das regras do contrato de agência é o resultado da insuficiência da regulamentação das partes, se elas tivessem regulado não era necessário recorrer ao contrato de agência (bold e sublinhado nossos ). Pelo que, em princípio, essas normas (artigos 33.º e 34.º do Dec.-Lei n.º 178/86, de 3.7) não revestem carácter imperativo quando aplicadas ao contrato de franquia (ou ao contrato de concessão, diremos nós). Isso não invalida que, na hipótese de as partes terem acordado um sistema desfavorável ao franquiado para o momento da cessação do contrato, os mecanismos gerais do direito funcionem, nomeadamente, os artigos do Código Civil sobre vícios da vontade, sobre a boa fé e, sobretudo, os mecanismos de tutela previsto no diploma que regula as cláusulas contratuais gerais, já que, regra geral, estes contratos são concluídos com recurso a este tipo de instrumentos.”

Ora, muito embora se entenda que a norma do artigo 33º do Decreto-Lei nº 178/86, que atribuí ao agente o direito de indemnização de clientela, tem natureza imperativa e, portanto, não pode tal direito ser alvo de renúncia antes da cessação do contrato, a verdade é que se trata de uma regra aplicável ao contrato de agência.

A propósito da concretização da regulamentação contratual nos contratos atípicos, esclarece PEDRO PAIS DE VASCONCELOS, Contratos atípicos, 369-370 que:
“Aplicar os preceitos do tipo de referência de acordo com o seu sentido imanente próprio, sem o adaptar ao sentido imanente da regulação contratada, resultaria em tipificar esse contrato, em reconduzi-lo forçadamente àquele tipo. O contrato deixaria de ser atípico e tornar-se-ia típico.
O sentido interno da regulação contratada é diferente do sentido próprio do tipo de referência. É essa diferença que justifica que ele se considere atípico, é essa diferença que torna negativo o juízo de correspondência àquele tipo. Se essa diferença não existisse ou não fosse relevante o contrato seria típico, o juízo de correspondência àquele tipo teria sido positivo. Não sendo recondutível ao tipo de referência, não lhe pertencendo, algo existe de diferente que foi suficientemente relevante para afastar a qualificação.

E refere ainda mais adiante: De entre os preceitos que na lei constam na regulação do tipo de referência, os que aí encontram natureza dispositiva seriam sempre de qualquer modo afastados ou derrogados pelas estipulações contrárias ou incompatíveis da regulação contratada. Mas não só esses são derrogados. Também aqueles preceitos que no tipo de referência têm natureza injuntiva podem ser derrogados se contrariados por estipulações da regulação contratada. A sobrevalorização dos preceitos do tipo de referência aos da regulação contratada só seria possível se o contrato fosse típico e se pertencesse ao tipo de referência.

E conclui, esclarecendo que: Só pode subsistir então um carácter injuntivo em tais preceitos, caso se conclua que, atentas as circunstâncias, se mantêm no caso concreto e no contrato atípico as razões de ordem pública que fundaram a injuntividade que tinham no tipo de referência. A injuntividade dos preceitos em questão é então tributária directamente da Ordem Pública.”

No caso vertente, defende a ré/concedente, para justificar a falta de fundamento da pretensão da autora, que esta, enquanto concessionária, e nos termos contratualizados, renunciou à indemnização.

E, consta, efectivamente, da cláusula 21.8 do contrato em causa que “excepto na medida em que for imposto por lei, a “BB” não pagará qualquer compensação ao concessionário em consequência da cessação do presente contrato, seja por que razão for”.

Convencionaram, portanto, as partes, que a concedente não pagaria qualquer compensação à concessionária em consequência da cessação do contrato em causa nos autos, independentemente de qualquer motivação.

É certo que se trata de uma cláusula contratual no exclusivo interesse da concedente, nada se tendo convencionado quanto à desobrigação da concessionária e que, a ressalva efectuada na mencionada cláusula revela o reconhecimento que a mesma poderia envolver a violação de normas legais imperativas.

No caso em apreciação, é de afastar a aplicação do preceituado no artigo 809º do Código Civil, já que a situação em causa não é de cessação do contrato por incumprimento definitivo ou mora do devedor.

Por outro lado, é consabido que o artigo 33º do Decreto-Lei nº 178/86 visa evitar o enriquecimento do principal à custa do agente, tanto mais que este tem, em regra, menor capacidade negocial que aquele.

No caso vertente, e ainda que se admita que possa existir uma situação de menor capacidade negocial, por parte da autora, enquanto concessionária, face à ré, a verdade é que tão pouco resultou provado que o contrato em causa não tenha sido alvo de prévia negociação, e que o mesmo se insira num eventual e típico contrato de adesão, já que nada foi alegado nesse sentido.

E, tendo presente a estrutura das normas jurídicas que visam regular o contrato de agência e, ponderando as declarações negociais constantes do contrato de concessão comercial em causa nos autos, não se vê como aplicar uma norma de um contrato típico – ainda que imperativa para esse contrato – a um contrato atípico, inexistindo, como inexiste, no contrato aqui em apreciação, qualquer lacuna a preencher, e sabendo-se que a aplicação analógica de normas legais pressupõe que exista uma lacuna que careça de regulação, como se estatui o artigo 10.º, n.ºs 1 e 2 do Código Civil.

No caso destes autos, não se vislumbram motivos que levem a impor, por invocação da analogia, a um contrato atípico, e contra estipulação expressa dos contraentes, uma norma prevista pelo legislador para um outro contrato – v. neste sentido Ac. R.L. de 29.04.2010 (Pº 2334/04.6TVLSB.L1-2), acessível no citado sítio da Internet, aresto que foi subscrito pela aqui relatora e 2ª adjunta, ali ambas na qualidade de juízas adjuntas.

Assim sendo, nessa parte, o recurso sempre soçobraria.

Mas, ainda que assim se não entendesse e se seguisse a tese da aplicação do regime da indemnização de clientela previsto nos artigos 33º e 34º do Decreto-Lei nº 178/86 aos contratos de concessão comercial, à mesma situação se chegaria, por não estarem preenchidos os respectivos pressupostos para a procedência da peticionada indemnização. Senão vejamos,

É, de facto, inequívoco que não foi a autora que deu causa à cessação do contrato.

Ficou provado nos autos que:
§ a autora se dedicou exclusivamente á promoção dos produtos da marca “BB”, sem que, no entanto, tal tivesse correspondido a uma exigência da ré;
§ ao longo de cinquenta anos a autora fidelizou clientes à “BB” e aumentou o negócio da marca;
§ no exercício da respectiva actividade comercial, a ré e os concessionários que substituíram a autora, vão beneficiar da actividade desenvolvida pela autora, de promoção da marca “BB” e da fidelização de clientela;
§ a autora não vai beneficiar, no futuro, de qualquer tipo de compensação no trabalho de angariação dos produtos da ré que realizou durante a vigência da concessão
– v. Nºs 45, 49 a 51 da Fundamentação de Facto.

E, igualmente ficou demonstrado que a ré não procede à venda de quaisquer produtos “BB” ao público, mas apenas à sua rede oficial de concessionários, distribuídos por zonas geográficas por todo o

país, e que a angariação de clientela para os concessionários “BB” se deve essencialmente à notoriedade da marca “BB” – v. Nºs 48 e 52 da Fundamentação de Facto.

E, se é certo que a autora fidelizou clientes à “BB” e aumentou o negócio da marca, a verdade é que não ficou demonstrada a angariação de novos clientes, nem que o aumento do volume de negócios com a clientela já existente haja sido substancial, como o exige a alínea a) do nº 1 do artigo 34º do DL 178/86.

Defende mesmo LUÍS MANUEL TELES DE MENEZES LEITÃO, A Indemnização de Clientela no Contrato de Agência, 52, que a dimensão do benefício terá de ser determinada por comparação da extensão e duração dos negócios angariados pelo agente com outros negócios do principal em que ele não tenha tido intervenção.

In casu, e no que concerne ao volume de negócios apenas se provou que:
§ Durante o ano de 1995, a autora vendeu 1262 veículos automóveis, e comprou á ré viaturas e peças no valor total de 3.187.026 contos;
§ Durante o ano de 1996, a autora vendeu 1369 veículos automóveis, e comprou à ré viaturas e peças no valor total de 3.560.587 contos;
§ Durante o ano de 1997, a autora vendeu 1143 veículos automóveis, comprou à ré viaturas a peças no valor total de 3.343.387 contos;
§ Durante o ano de 1998, a autora vendeu 872 veículos automóveis, e comprou à ré viaturas e peças no valor total de 2.806.366 contos;
§ Durante o ano de 1999, a autora vendeu 785 veículos automóveis, e comprou à ré viaturas e peças no valor total de 2.629.138 contos.
– v. Nºs 20, 21, 24, 25, 28, 29, 33, 36, 39, 41 da Fundamentação de
Facto.
Da enumerada prova produzida há que concluir que o volume de vendas, pelo menos nos últimos anos, não é de molde a considerar que tenha ocorrido um aumento substancial dos negócios entre autora e ré, muito pelo contrário. Admite-se, todavia, que a circunstância de a ré ter atribuído novas concessões em 1997 e 1998, nos concelhos de Sintra e Lisboa, respectivamente, não terá sido, por certo, alheia ao demonstrado declínio das vendas – v. Nºs 32 e 35 da Fundamentação de Facto.

Ficou também apurado nos autos que a ré e os concessionários que substituíram a autora vão beneficiar da actividade por esta desenvolvida na promoção da marca “BB” e na fidelização de clientela, mas não resultou da prova produzida em que medida tal sucedeu, por forma a possibilitar a conclusão de que a ré teve um benefício considerável com aquela actividade, após a cessação do contrato, razão pela qual sempre se mostraria adequado o entendimento do Tribunal a quo ao considerar que não era possível formar um juízo contributivo da actividade da autora para a marca “BB” que permitisse conceder à autora a peticionada indemnização de clientela.

Em face do exposto, quer pela via da interpretação do estipulado entre as partes, quer pela aplicação ao caso vertente das regras dos artigos 33º e 34º do Decreto-Lei nº 178/86, sempre à mesma solução se chegaria, qual seja, à improcedência, também nessa parte, da apelação (concluões 38ª a 42ª).

Improcede, consequentemente, in totum, a apelação da autora, mantendo-se a decisão recorrida, pese embora com distinta fundamentação.

*
A apelante será responsável pelas custas respectivas nos termos do artigo 446º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.

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c) RELATIVAMENTE À APELAÇÃO DA RÉ

Þ DA PROCEDÊNCIA (ainda que parcial) OU IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO RECONVENCIONAL DEDUZIDO PELA RÉ

Deduziu a ré o pedido reconvencional consistente na condenação da autora a pagar-lhe a quantia de € 154.221,37, acrescida de juros de mora vencidos desde o dia 30.11.2000 e vincendos até integral e efectivo pagamentos.

Invoca, para tanto, que tal montante corresponde ao saldo da conta corrente existente entre autora e ré e que, na reunião levada a efeito em Junho de 2000, os representantes da autora reconheceram perante os representantes da ré tal crédito a favor desta e que, não obstante a ré haja concedido um prazo de 10 dias para a autora proceder à liquidação desse saldo, por carta datada de 2.11.2000, a autora não efectuou esse pagamento.

Na réplica, a autora negou ter reconhecido o crédito invocado pela ré, alegando não ter a ré lançado a crédito da autora, entre 1997 e 1999, diversos montantes relativos a acertos de DVAA, créditos de incentivos de frota, os quais a autora liquidou em € 69.459,60, requerendo a autora que esse montante seja compensado no valor peticionado, na reconvenção, pela ré.

Na tréplica, a ré aceita não ter lançado a crédito da autora, na conta corrente, o valor de € 69.459,60, por a autora não ter preenchido as condições de cuja verificação cumulativa a ré faz depender a atribuição aos seus concessionário dos denominados “incentivos de frota”. Rejeitou, assim, que deva ser operada a compensação de créditos, antes se devendo manter o pedido formulado na reconvenção.


Em face aos termos da reconvenção, resultou apurado nos autos que: À semelhança do que sucedia relativamente aos demais concessionários da rede ““BB””, a autora e a ré mantinham entre si uma conta-corrente onde eram lançadas, a débito, as facturas referentes ao fornecimento de peças e material diverso e a conta de Imposto Automóvel e, a crédito, não só os pagamentos efectuados pela autora, mas também as notas de crédito regularmente emitidas pela ré referentes a incentivos de frota e acertos de descontos de peças (DVAA - Descontos por Volume Anual Acordado) – v. Nº 112 da Fundamentação de Facto.

E, provado ficou também que, entre 1997 e 1999, a ré deixou de lançar a crédito da autora, a quantia de € 4.826,62, referentes a acertos de DVAA e, € 69.459,60, referente a créditos de incentivos de frota – v. Nºs 113 e 114 da Fundamentação de Facto.

Mas, a existência dos invocados créditos da autora sobre a ré, não ficou demonstrada, conforme resulta da resposta negativa dada ao quesito 70.

Sucede, no entanto, que ficou provado que, em 24.06.2000, a conta corrente mantida entre autora e ré apresentava um saldo positivo, a favor desta, de pelo menos Esc. 16.025.578$00, que a autora não pagou à ré e que, no dia 26 de Julho de 2000, logo, em momento posterior, a ré creditou à autora o valor de € 22.605,13 (Esc. 4.531.922$00) – v. Nºs 115, 116 e 118 da Fundamentação de Facto.

Tal significa que subsiste o saldo positivo a favor da ré, no montante de € 57.330,12 (79.935,25-22.605,13/Esc.16.025.578$00–4.531.922$00), o que sempre conduzirá à procedência parcial da reconvenção.

Esse valor em dívida era até ao momento ilíquido, já que o montante da obrigação apenas agora se fixou. Dai que, sobre ele apenas incidirão juros de mora, à taxa legal, a partir da data do presente acórdão, atenta a regra "in iliquidis non fit mora", expressa na 1ª parte do n.º 3 do artigo 805º do Código Civil.

Julga-se, assim, parcialmente procedente a apelação da ré, razão pela qual se revoga, nessa parte, a decisão recorrida, substituindo-se por outra, em que se condena a autora a pagar à ré a quantia de €57.330,12, acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a data do presente acórdão.

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Apelante e apelada serão responsáveis pelas custas, na proporção dos respectivos vencimentos, nos termos do artigo 446º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.


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IV. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes desta 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar:

a) Improcedente o recurso de agravo interposto pela autora, mantendo-se o despacho recorrido;
b) Improcedente o recurso de apelação interposto pela autora, mantendo-se, mas com diversa fundamentação, a decisão recorrida quanto aos pedidos formulados pela autora;
c) Procedente o recurso de apelação interposto pela ré, razão pela qual se revoga, nessa parte, a sentença recorrida, julgando-se o pedido reconvencional parcialmente procedente e condenando-se a autora a pagar à ré a quantia de € 57.330,12, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data do presente acórdão.

Condenam-se no pagamento das custas, a autora, com relação aos recursos de agravo e de apelação por si interpostos e, autora e ré, na proporção dos respectivos decaimentos, na apelação interposta pela ré.

Lisboa, 10 de Fevereiro de 2011

Ondina Carmo Alves - Relatora
Maria da Luz Borrero Figueiredo
Ana Paula Boularot