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SUSPENSÃO DE DELIBERAÇÃO SOCIAL
DIREITO À INFORMAÇÃO
SOCIEDADE COMERCIAL
ASSEMBLEIA GERAL
CONVOCATÓRIA
DELIBERAÇÃO DA ASSEMBLEIA GERAL
ANULAÇÃO DE DELIBERAÇÃO SOCIAL
Sumário
1. No C.S.C. não se exige, em geral, que do aviso convocatório de uma assembleia geral conste um grau de pormenor tão elevado que contemple o próprio teor das propostas a apresentar à assembleia, contentando-se a lei com a identificação do “thema deliberandum”. 2. A violação do dever de informação apenas acarreta a anulação da deliberação tomada e não a sua nulidade – cfr. art. 58º, n.º 1, al. c) e n.º 4 do CSC 3. A deliberação tomada em assembleia geral cuja convocatória não mencione claramente o assunto sobre o qual se pronunciou a assembleia é meramente anulável e não nula. (Elaborado pelo Relator)
Texto Integral
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa.
I- RELATÓRIO
A … intentou no dia 24-05-2010 o presente procedimento cautelar contra H..., E… e G…Lda., como preliminar da acção de invalidade (anulação ou declaração de nulidade) das deliberações sociais tomadas na Assembleia Geral extraordinária da requerida que teve lugar a 15/05/2010, requerendo a suspensão das mesmas deliberações.
Alegou, no que releva para a apreciação do presente recurso, que:
- é sócio da sociedade requerida, com uma quota que corresponde a 35% do capital social;
- na Assembleia Geral extraordinária da requerida que teve lugar a 15/05/2010 foram aprovadas deliberações sociais pelas quais foi nomeado um gerente à sociedade e foram ratificados os actos anteriormente praticados por esse gerente (funcionário da requerida);
- a referida assembleia não foi regularmente convocada, porquanto o aviso convocatório é vago, indeterminado e contém fórmulas “passe partout”, no tocante à ordem de trabalhos elencada;
- tal ofende o chamado princípio da “pertinência da ordem do dia”, na medida em que o aviso convocatório não concretiza nem individualiza quem é o gerente que se pretende ver nomeado, nem as razões de tal proposta;
- desconhece os actos e ou contratos que foram praticados pelos funcionários da sociedade requerida;
- o requerente esteve presente na assembleia geral, tendo sido representado pelo seu mandatário, e votou contra aquelas deliberações;
- o terceiro ponto da ordem de trabalhos (assuntos diversos) é inválido, pois não foram dadas a conhecer quais as matérias de que a assembleia-geral extraordinária pretendia tratar, nem os factos ou fundamentos desses assuntos, tendo sido votadas na assembleia a coberto de tal aviso convocatório;
- de acordo com o art. 5º dos Estatutos da requerida só os sócios podem ser nomeados gerentes e o gerente ora nomeado não é sócio da sociedade;
- os sócios são titulares de um direito especial à gerência;
- as duas deliberações inscritas sob os pontos 1 e 2 do aviso convocatório são inválidas e a que incidiu sob o ponto 3 é inexistente.
Citada a requerida, veio esta deduzir oposição, na qual alegou, nomeadamente, que a sociedade se obriga com a assinatura de dois sócios/gerentes; que as partes sabiam o conteúdo de todos os pontos da convocatória da assembleia-geral; que o requerente tinha conhecimento que o único funcionário a ser proposto para gerente só podia ser o Sr. F…, o qual, desde a sua admissão na sociedade, sempre exerceu de facto funções de gerente; e que foi o próprio requerente que se afastou da gerência da sociedade, não tendo sido destituído da sua gerência.
Após algumas vicissitudes, no dia 26-11-2010, a Sra. Juíza, após considerar ser inútil a produção de prova, proferiu a seguinte decisão: “ Com interesse para a decisão da questão mostram-se assentes os seguintes factos: 1 - O presente procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais foi interposto, em 24/05/2010, por A … contra H..., E… G…, Lda. 2 - É requerido seja decretada a suspensão das deliberações sociais aprovadas na Assembleia Geral extraordinária da requerida que teve lugar a 15/05/2010 pelas quais foi nomeado um gerente à sociedade e foram ratificados os actos anteriormente praticados por esse gerente. 3 - Alega os seguintes fundamentos: - o aviso convocatório não continha a identificação do gerente a nomear nem as razões de ser ou motivadoras da nomeação; - tais razões motivadoras não foram postas à disposição dos sócios na sede da sociedade nos 15 dias que antecederem a reunião; - não foram dados a conhecer aos sócios, nem na convocatória nem na sede, nem na assembleia, quais os actos e ou contratos que foram praticados e celebrados e que foram objecto de ratificação; - nos termos do pacto só os sócios podem ser nomeados gerentes e o gerente ora nomeado não é sócio da sociedade. 4 - O requerente esteve presente na assembleia realizada no dia 15 de Maio. Conclui arguindo a invalidade das deliberações sem qualificar juridicamente o vício que entender verificar-se.
* Compulsado o sistema informático constata-se que até à data o requerente não intentou acção de anulação das deliberações sociais cuja suspensão é aqui requerida. * Sendo o procedimento cautelar sempre dependente da causa que tenha por fundamento o direito acautelado, o prosseguimento e julgamento da providência só faz sentido se e enquanto ao requerente assistir o direito de peticionar em acção de mérito aquilo que em sede cautelar peticiona. No que às deliberações sociais respeita, dispõe o art. 59°, n° 2, que a acção de anulação das deliberações sociais tem de ser proposta no prazo de 30 dias a contar da data em que foi encerrada a assembleia (no caso de o sócio impugnante nela ter estado presente). Assim, caso se verifique o decurso de prazo de interposição da acção de anulação sem que esta tenha sido intentada, torna o prosseguimento do procedimento cautelar inútil, já que o vício da deliberação cuja suspensão se requer estará sanada. Convém aqui esclarecer que o prazo de 30 dias previsto no art. 59° n.º2 do Código das Sociedades Comerciais é um prazo substantivo absolutamente independente do prazo de 30 dias previsto no art. 389° n.º l, al. a) e n.º 2 do Código de Processo Civil, e que não pode ser alargado por via daquela disposição do Código de Processo Civil - a pendência do procedimento cautelar não impede o decurso do prazo previsto no art. 59° n.º2 do Código das Sociedades Comerciais - neste sentido, entre outros, os Acs. STJ de 11/05/98, in BMJ 487°-249, STJ de 11/03/99, in BMJ 485°-352, RC de 12/12/00, in CJ-XXV-V-38, STJ de 29/03/00, in BMJ 495°-334 e Abrantes Geraldes in Temas da Reforma do Processo Civil, Tomo IV, Procedimentos Cautelares Especificados, pág. 93. No caso concreto, o requerente invoca que a convocatória era vaga por não concretizar nem quem era o gerente a nomear nem qual a razão de ser de tal nomeação nem especificar quais os actos a ratificar. Invoca ainda a violação do direito à informação por esses mesmos elementos em falta na convocatória não estarem disponíveis na sede da empresa nos 15 dias que antecederam a reunião e por também na assembleia não terem sido indicados os actos a ratificar. Por último invoca a violação do pacto social por, de acordo com o mesmo, só poderem ser nomeados gerentes os sócios da sociedade. Ora todos os fundamentos invocados se reconduzem ao vício da anulabilidade. No que ao aviso convocatório e falta de informações respeita, por força do artigo 248°, n° 1, é aplicável às assembleias gerais das sociedades por quotas o disposto no art. 289°, n° 1, al. c), que impõe que "durante os 15 dias anteriores à data da assembleia geral devem ser facultados à consulta dos accionistas, na sede da sociedade, as propostas de deliberação a apresentar à assembleia pelo órgão de administração, bem como os relatórios ou justificação que as devam acompanhar". É igualmente aplicável o art. 290°, n° 1, que dispõe que "Na assembleia geral o accionista pode requerer que lhe sejam prestadas informações verdadeiras, completas e elucidativas que lhe permitam formar opinião fundamentada sobre os assuntos sujeitos a deliberação." Releva ainda o art. 58° nº1, al. c) que prevê que são anuláveis as deliberações que «Não tenham sido precedidas do fornecimento ao sócio de elementos mínimos de informação», e o n° 4, do art. 58°, que estabelece que devem ser considerados elementos mínimos de informação: as menções exigidas pelo art. 377° n° 8 e a colocação de documentos para exame dos sócios no local e durante o tempo prescritos pela lei ou pelo contrato. Quanto ao conteúdo da convocatória há que atender ao art. 377° nº 5, nos termos do qual são menções obrigatórias da convocatória a matéria prevista no art. 171° (menções em actos externos), o local, dia e hora da reunião, a indicação da espécie da assembleia, os requisitos a que estejam eventualmente sujeitos a participação e o exercício do direito de voto e a ordem do dia, acrescentando o nº 8 do mesmo artigo que o aviso convocatório deve mencionar claramente o assunto sobre o qual a deliberação será tomada. As matérias sobre que vão incidir os trabalhos e deliberações da assembleia são assim, necessária e obrigatoriamente, fixados antes da assembleia e publicitados na convocatória, essencialmente para facultar aos intervenientes a adequada preparação daquelas discussões e deliberações. Daqui resulta que as propostas devem respeitar os assuntos definidos na ordem de trabalhos, seguindo um percurso de sucessivas concretizações: de entre a capacidade da pessoa jurídica e a competência do órgão são seleccionados os assuntos a deliberar, de entre estes e no seu âmbito as propostas, que vão suportar as deliberações. A ratio que preside à fixação prévia da ordem de trabalhos e à sua comunicação é-nos exemplarmente indicada por Eduardo de MeIo Lucas Coelho (in A Formação das Deliberações Sociais - Assembleia Geral das Sociedades Anónimas, Coimbra Editora, 1994, pgs. 101, 102) como sendo a "elucidação dos sócios sobre as matérias a deliberar; evitar que a boa-fé dos ausentes seja surpreendida com deliberações sobre assuntos não incluídos na ordem do dia." Por força das citadas disposições legais e como consagração do direito dos sócios à informação consagrado no art. 21°, n° 1, aI. c), não só a convocatória tem que ser clara e indicar com precisão a matéria a decidir como o sócio tem direito a ser informado sobre os assuntos que integram a ordem de trabalhos quer através da consulta das propostas que vão ser submetidas à votação nos 15 dias que antecedem a assembleia quer através de pedidos de informação formulados na própria assembleia. A violação de qualquer um destes preceitos acarreta a anulabilidade das deliberações (art. 58°, n° 1, al. c) e n° 4, 59°, n.º 2, al. c) e 290°, n° 3). Daqui resulta que os factos descritos e alegados são reconduzíveis ao vício de anulabilidade, ou seja, a invalidade invocada pela requerente reconduz-se, claramente, à anulabilidade da deliberação social. Tal implica, como supra já deixámos expresso, que o decurso do prazo de 30 dias previsto no art. 59° nº2 do Código das Sociedades Comerciais sem que tenha sido interposta a competente acção de anulação (prazo que terminou no dia 15 de Junho), sanou tal vício. E assim sendo, o prosseguimento do presente procedimento cautelar, face ao efeito que se pretendia nele fazer valer - por dependência absoluta da acção a intentar - é inútil - art. 287°, al. e) do Código de Processo Civil, o que há que declarar, ficando prejudicada a apreciação do mérito da presente providência - neste sentido o já citado Ac. STJ de 29/03/00. Pelo exposto, julgo extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide, do presente procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais interposto por A ... contra H..., E... e G..., Lda. Custas pelo requerente - art. 450°, n° 3, do Código do Processo Civil.”
Não se conformando com tal decisão, o requerente interpôs recurso de apelação, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
1. O aviso convocatório da Assembleia-geral extraordinária realizado na sede da requerida em 15 de Maio de 2010, pelas 9.30h, ofende, em toda a linha e extensão o chamado princípio da pertinência á ordem do dia" pois contém fórmulas vagas e sem qualquer densificação material objectiva o que leva e acarreta a invalidade, na sua forma mais grave (nulidade) das deliberações tomadas sobre os pontos um e dois da ordem de trabalhos; 2. o artigo 5° dos Estatutos da Sociedade requerida diz que " A administração dos negócios da sociedade e a sua representação, em juízo e fora dele, incumbe a todos os sócios que, desde já, ficam nomeados gerentes, sendo, porém, necessária a assinatura de dois gerentes para obrigar validamente a sociedade";
3. A gerência da sociedade encontra-se, desde o seu inicio, cometida aos sócios da mesma e a mesma encontra-se limitada ao número de três titulares que têm que ser sócios da sociedade, nos termos do citado artigo 5° do Pacto Social referido;
4. Assim, a tomada de deliberação que incidiu sobre a nomeação de um funcionário para gerente da sociedade requerida contraria frontalmente o disposto no artigo 5° dos Estatutos da Sociedade, uma vez que todos os sócios são titulares de um direito especial à gerência e o consentimento não foi pedido nem dado para que operasse a supressão desse direito especial de que são titulares os sócios e gerentes designados "ab initio", situação que viola norma impositiva a que alude o artigo 24° n° 5 do CSC, acarretando a necessária nulidade da deliberação tomada em sede de reunião magna;
5. O aviso convocatório elaborado pelo sócio subscritor do mesmo deveria conter, clara e objectivamente, o assunto ou assuntos sobre os quais as deliberações devem ser tomadas pelos presentes, a coberto do artigo 377° n° 8° do CSC, o que não ocorreu no caso em análise, como forma de protecção dos sócios de forma a evitar decisões surpresa;
6. A deliberação tomada sobre o ponto primeiro da ordem de trabalhos porque tomada contrariando o disposto na norma injuntiva ou impositiva plasmada no artigo 5° dos Estatutos e ainda contrariando a norma injuntiva prevista no artigo 24° n° 5 do CSC, deve ser havida e considerada como sendo uma deliberação tomada fora da ordem do dia;
7. Essa deliberação deve ser havida como nula pois viola o chamado "princípio da pertinência á ordem do dia" de que fala o Professor Pinto Furtado, nas suas lições, a coberto da jurisprudência contida no Acórdão do STJ, de 17 de Fevereiro de 1970, BMJ, n° 149°, página 247 e ainda na afirmação do Sr. Juiz Conselheiro Moitinho de Almeida, na sua obra “Anulação e Suspensão de deliberações sociais" quando afirma que " ... a irregularidade da deliberação fora da ordem constitui nulidade não só porque o conteúdo de tal deliberação não está, por sua natureza, sujeito a deliberação dos sócios, nos termos do artigo 56° n° 1 alínea c) do C.S.C. mas também porque essa deliberação não foi antecedida de convocação de acordo com a alínea a) do mesmo normativo ... " pelo que, ao decidir como se decidiu no Tribunal "á quo", tal decisão ofende, em nosso entendimento, uma errada interpretação das normas estatutárias contidas no artigo 5° do Pacto Social e ainda o disposto no artigo 56° n° 1 do C.S.C por força do artigo 24° n° 5 do CS.C;
8. Acresce que o artigo 56° do C.S.C, no dizer de Carneiro da Frada, na sua obra, "Deliberações sociais inválidas, 1988, página 333"," ... não contém uma enumeração taxativa das deliberações havidas como nulas ... " pelo que a violação da norma injuntiva ou imperativa constante do artigo 5° dos Estatutos da Sociedade recorrida contende com o cerne da deliberação tomada pois só os sócios podem ser gerentes da sociedade e existe mesmo um direito especial à gerência por parte de todos os sócios da sociedade requerida na providência cautelar, tal como é mencionado no artigo 24° n° 5 do CCS, situação que, tendo acontecido em termos de deliberação expressa em acta, acarreta a nulidade absoluta de tal deliberação tomada em Assembleia-geral pelo que existe, em nosso entendimento, uma errada interpretação de tais comandos normativos mencionados pelo Tribunal /I a quo";
9. O mesmo se diga da deliberação incidente sobre o ponto dois da ordem de trabalhos que não diz objectivamente nem enuncia quais os actos alegadamente praticados pelo funcionário como se de um gerente se tratasse, como, quando e porque o foram, em clara violação ao disposto no artigo 5° dos Estatutos da Sociedade recorrida bem como do artigo 24° n° 5 do CSC, situação que, a par do que se defendeu anteriormente, acarreta a nulidade da deliberação tomada que não a sua anulabilidade, como se infere desses normativos “ex vi" Artigo 56° n° 2 do C.S.C, na interpretação de que este normativo expressa uma mera enunciação de causas de nulidade que não é taxativa e comporta outras causas de nulidade apesar de as mesmas não virem enunciadas nesse normativo;
10. Aliás, pensamos que a deliberação sobre tal ponto da ordem de trabalhos que incide sobre um ponto da ordem de trabalhos sem qualquer objectividade e sem qualquer materialização em actos e factos concretos que tenham sido alegadamente praticados pelo referido funcionário, representa uma ficção ou mera aparência de deliberação que não tem qualquer materialidade no plano real e do concreto limitando-se a reproduzir fórmulas "passe partoute" o que determina a sua inexistência jurídica, vicio mais gravoso e que é de conhecimento oficioso pelo Tribunal, pelo que também sobre este segmento da norma entendemos ter sido violado o disposto no artigo 56° n° 2 do C.S.C, pela decisão plasmada em la instância;
11. Assim, entendemos que, em face do alegado, as deliberações tomadas em sede de Assembleia-geral extraordinária, realizada a 15 de Maio de 2010, pelas 9.30h, na sede da requerida, devem ser havidas como nulas e juridicamente inexistentes, com todas as consequências legais pelo que, em nosso modesto entendimento, o Tribunal " a quo" fez uma errada interpretação dos comandos legais nomeadamente do artigo 59° nº 2 do C.S.C ao tipificar as deliberações tomadas na AG referida como anuláveis quando deveriam ser consideradas nulas e juridicamente inexistentes, a coberto do artigo 56° n° 1 alíneas a) e d) do CSC, pelas razões invocadas nas conclusões destas alegações e nomeadamente porque as mesmas contendem com normas impositivas dos Estatutos como resulta da ofensa do artigo 5° do Pacto Social da recorrida e por violação da norma injuntiva constante do artigo 24° n° 5 do C.S.C;
12. Assim, entendemos que, em face do afirmado, deve prosseguir a presente instância com vista á realização da audiência de discussão e julgamento que permita, posteriormente, ao recorrente fazer prevalecer-se do prazo da nulidade das deliberações tomadas e apresentar a respectiva acção de declaração de nulidade ou inexistência jurídica de tal tais deliberações, assim se fazendo justiça, no caso dos autos em apreciação, revogando-se a decisão proferida pelo Tribunal " a quo" que julgou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide.
A requerida apresentou contra-alegações, nas quais propugnou pela manutenção do julgado.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
***
II. Nos termos dos art.ºs 684º, n.º 3, e 685º-Aº, n.º 1, do C.P.Civil, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo do disposto na última parte do n.º 2 do art.º 660º do mesmo Código.
As questões a decidir resumem-se, essencialmente, a saber se os vícios que o requerente aponta às deliberações tomadas na assembleia-geral da requerida realizada no dia 15/05/2010 se reconduzem ao vício da anulabilidade, como se entendeu na decisão recorrida, ou da nulidade/inexistência, como propugna o apelante.
III. O Direito:
Em causa está, desde logo, o facto de saber se o aviso convocatório, relativamente à ordem de trabalhos, é vago, indeterminado e contém fórmulas “passe partout”.
No aviso convocatório em apreço refere-se que a Assembleia-Geral Extraordinária tem a seguinte ordem de trabalhos:
“Ponto 1 – Nomeação de Gerente
Ponto 2 – Ratificação de actos de gerência praticados por funcionário da sociedade.
Ponto 3 – Assuntos Diversos”.
Sustenta o apelante que nesse aviso não se individualiza quem é o gerente que se pretende nomear, as razões motivadoras de tal proposta de nomeação, nem se identifica o funcionário a nomear e não se identificam os actos praticados pelo dito funcionário e a sua repercussão nos negócios da sociedade, tendo sido violado o princípio da “pertinência à ordem do dia” (art. 377º, n.º 5, al. e) e n.º 8 do CSC), sendo as deliberações assim tomadas inexistentes ou nulas. Quanto à ordem do dia:
Por força do estatuído no art. 248º, n.º 1, do CSC é aplicável às sociedades por quotas o disposto no art. 377º do referido diploma legal.
E, nos termos do n.º 5 al. e) desta última disposição legal, a convocatória deve conter a ordem do dia.
Acrescentando o n.º8 que:
“O aviso convocatório deve mencionar claramente o assunto sobre o qual a deliberação será tomada. Quando este assunto for a alteração do contrato, deve mencionar as cláusulas a modificar, suprimir ou aditar e o texto integral das cláusulas propostas ou a indicação de que tal texto fica à disposição dos accionistas na sede social, a partir da data da publicação, sem prejuízo de na assembleia serem propostas pelos sócios redacções diferentes para as mesmas cláusulas ou serem deliberadas alterações de outras cláusulas que forem necessárias em consequência de alterações relativas a cláusulas mencionadas no aviso”.
De igual modo, é aplicável às sociedades por quotas o disposto no art. 289º, n.º 1, als. c) e d) onde se prescreve, em sede do direito à informação, que durante 15 dias anteriores à data da assembleia geral, devem ser facultados à consulta dos accionistas, na sede da sociedade:
c) “as propostas de deliberação a apresentar à assembleia pelo órgão de administração, bem como os relatórios ou justificação que as devam acompanhar”;
d) “quando estiver incluída na ordem do dia a eleição de membros de órgãos sociais, os nomes das pessoas a propor, as suas qualificações profissionais, a indicação das actividades profissionais exercidas nos últimos cinco anos, designadamente no que respeita às funções exercidas noutras empresas ou na própria sociedade, e do número de acções da sociedade de que são titulares”.
Deste conjunto de normas deriva que não se exige, em geral, que do aviso convocatório conste um grau de pormenor tão elevado que contemple o próprio teor das propostas a apresentar à assembleia, contentando-se a lei com a identificação do “thema deliberandum”. Quanto ao ponto 1 da ordem de trabalho:
No aviso convocatório refere-se::
“Ponto 1 – Nomeação de Gerente”
Ora, tal indicação expressa claramente, embora de forma sucinta, o assunto colocado à deliberação dos sócios.
É certo que não se indica o nome do gerente a nomear.
Porém, tal informação deveria, como vimos, estar à disposição dos sócios na sede da sociedade, sendo que, tal como se refere na decisão recorrida, a violação do dever de informação apenas acarreta a anulação da deliberação tomada e não a sua nulidade – cfr. art. 58º, n.º 1, al. c) e n.º 4 do CSC Quanto ao ponto 2 da ordem de trabalhos:
Também relativamente a este ponto consta da ordem de trabalhos o assunto a tratar: ratificação de actos de gerência praticados por funcionário da sociedade.
É certo que a convocatória não fornece qualquer elemento sobre o tipo de actos a ratificar, o nome de quem os praticou e durante que período.
Porém, tais elementos informativos deveriam constar da proposta de deliberação e estar à disposição dos sócios na sede da sociedade, enquadrando-se os mesmos no direito de informação (vide art. 289º, n.º 1, al. c) do CSC), cuja eventual violação acarreta a anulação da deliberação tomada e não a sua nulidade – cfr. art. 58º, n.º 1, al. c) e n.º 4 do CSC.
Ainda que se entendesse que a convocatória não mencionava claramente o assunto sobre o qual se pronunciou a assembleia, ainda assim a deliberação tomada apenas estaria ferida de anulabilidade (al. a) do art. 58º-4 CSC)- cfr. Pinto Furtado, Deliberações de Sociedades Comerciais, pags. 579 e 580); e Ac STJ de 26-02-2004, relatado pelo Cons. Pires da Rosa, CJ-STJ 2004, tomo I, pag. 80.
É que no domínio das sociedades a regra é a anulabilidade. Os casos de nulidade são taxativos, se bem que abranjam situações de grande amplitude (art. 56º do CSC) – cfr. Meneses Cordeiro, SA: Assembleia Geral e Deliberações Sociais, 2007, pag. 18.3
Divergimos, por isso, do entendimento defendido pelo Dr. Moutinho de Almeida (in Anulação e Suspensão de Deliberações Sociais, 4ª ed. pag. 114), o qual sustenta que constitui nulidade a deliberação fora de ordem, por o seu conteúdo não estar, por natureza, sujeito a deliberação dos sócios (art. 56-1, al. c)), mas também porque não foi antecedida de convocação (al. a) do art. 56).
Efectivamente, a deliberação em apreço estava, por natureza, sujeita a deliberação dos sócios (pois que a competência pertencia à assembleia geral e não se trata de uma deliberação de objecto física ou naturalmente impossível) e seria uma ficção entender que não houve convocatória pelo simples facto de não ter sido clarificado um dos assuntos submetidos à assembleia.
Rigorosamente, uma mera irregularidade não se transforma numa falta (absoluta) de convocação.
Como refere o Prof. Pinto Furtado (ob. cit. pag. 579), a equiparação dos casos descritos no n.º 2 do art 56º tem natureza excepcional e não é, portanto, extensível a outras hipóteses, não previstas, com fundamento em paridade ou maioria de razão.
Quanto ao conteúdo das deliberações de nomeação de um gerente e de ratificação dos actos praticados pelo funcionário:
Dispõe o art. 56º, n.º 1 als. c) e d) que são nulas as deliberações dos sócios:
“c) Cujo conteúdo não esteja, por natureza, sujeito a deliberação dos sócios; d) Cujo conteúdo, directamente ou por actos de outros órgãos que determine ou permita, seja ofensivo dos bons costumes ou de preceitos legais que não possam ser derrogados, nem sequer por vontade unânime dos sócios”.
De sua vez, prescreve o art. 55º que: “Salvo disposição legal em contrário, as deliberações tomadas sobre assunto para o qual a lei exija o consentimento de determinado sócio são ineficazes para todos enquanto o interessado não der o seu acordo, expressa ou tacitamente”.
Diz o apelante, relativamente ao conteúdo da deliberação que nomeou um funcionário da requerida como gerente, ser a mesma nula por violar o art. 5º dos Estatutos, onde se estatui que “a administração dos negócios da sociedade e a sua representação em juízo e fora dele, activa e passivamente, incumbe a todos os sócios que, desde já ficam nomeados gerentes, sendo, porém, necessária a assinatura de dois gerentes para obrigar validamente a sociedade”.
Sustenta ainda que desde 1980 o número de gerentes se encontra delimitado ao número de três e que aquele art. 5º exige um requisito especial para que alguém possa ser designado gerente: o ser sócio da sociedade.
Acrescenta que foi violado o seu direito especial à gerência, sendo a deliberação nula (art. 24º, n.º 5, do CSC).
Porém, independentemente da questão de saber se a simples nomeação no pacto social de todos os sócios como gerentes implica a concessão de um direito especial à gerência, não decorre da deliberação em apreço que o requerente tivesse sido destituído do cargo de gerente, não se retirando tal do simples facto de ter sido nomeado um outro gerente.
Por outro lado, a designação de gerentes compete aos sócios se o contrato de sociedade não dispuser diversamente – art. 246º, n.º 2, al. a)
Ora, ainda que se entendesse que o art. 5º do pacto proibia a nomeação de mais de 3 gerentes e exigisse que estes fossem sócios, a deliberação tomada apenas seria anulável e não nula (art. 58º, n.º 1, al. a)), na medida em que o conteúdo da deliberação não seria ofensiva de qualquer norma legal que não pudesse ser derrogada por vontade unânime dos sócios (al. d) do n.º 1 do art. 56º).
Relativamente ao conteúdo da deliberação que ratificou os actos praticados pelo funcionário nomeado gerente, sustenta o apelante que a mesma não se materializa em actos e factos concretos que tenham sido alegadamente praticados pelo referido funcionário, representa uma ficção ou mera aparência de deliberação que não tem qualquer materialidade no plano real e do concreto, limitando-se a reproduzir fórmulas "passe partoute" o que determina a sua inexistência jurídica.
Porém, e de acordo com o que consta da respectiva acta, os actos ratificados foram praticados pelo funcionário F..., e traduziram-se em compras, admissão de pessoal e contactos com fornecedores.
Consta ainda que o referido funcionário geriu de facto a sociedade, ao longo de 11 anos.
Assim, embora a deliberação não descrimine os actos e os contratos realizados por aquele funcionário, os mesmos são determináveis pelas partes interessadas (sociedade e terceiros).
Efectivamente, a deliberação reporta-se aos actos jurídicos já realizados pelo funcionário, em nome da sociedade requerida, até à data da deliberação.
Deste modo, menciona-se na deliberação a origem e a natureza dos actos, o que permite delimitar o seu conteúdo.
Assim, a deliberação em apreço não é nula ou inexistente.
Concluímos, pois, que os vícios de que poderiam padecer as deliberações tomadas seria a anulabilidade.
Consequentemente, como se decidiu na decisão recorrida, tendo já decorrido o prazo de 30 dias para a instauração da acção de anulação a que alude o art. 59º do CSC, sem que a mesma tenha sido proposta, mostra-se prejudicado o conhecimento do mérito da providência cautelar.
Improcede, por isso, a apelação.
Sumário (da responsabilidade do relator):
1. No C.S.C. não se exige, em geral, que do aviso convocatório dem uma assembleia geral conste um grau de pormenor tão elevado que contemple o próprio teor das propostas a apresentar à assembleia, contentando-se a lei com a identificação do “thema deliberandum”.
2. A violação do dever de informação apenas acarreta a anulação da deliberação tomada e não a sua nulidade – cfr. art. 58º, n.º 1, al. c) e n.º 4 do CSC
3. A deliberação tomada em assembleia geral cuja convocatória não mencione claramente o assunto sobre o qual se pronunciou a assembleia é meramente anulável e não nula.
***
IV. Decisão:
Pelo acima exposto, julga-se a apelação improcedente, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pelo apelante.
Notifique.
Lisboa,15 de Fevereiro de 2011
Manuel Ribeiro Marques - Relator
Pedro Brigton - 1º Adjunto
Anabela Calafate – 2ª Adjunta