Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
AQUISIÇÃO DE DIREITOS
IMÓVEL
USUCAPIÃO
EXPROPRIAÇÃO AMIGÁVEL
DECLARAÇÃO DE UTILIDADE PÚBLICA
COMPRA E VENDA
NULIDADE
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
PRESCRIÇÃO
Sumário
I - Tendo adquirido validamente a parcela em questão pela via da expropriação por utilidade pública, a entidade expropriante não poderá invocar o instituto da usucapião, quer para efeitos de reconhecimento do seu direito de propriedade, quer para se eximir ao pagamento da “justa indemnização”. II - Sendo a expropriação uma forma originária de aquisição de direitos reais sobre imóveis, tal aquisição é constitutiva e não translativa, valendo mesmo quando não seja dirigida contra o verdadeiro titular. III - O aparecimento do verdadeiro titular após a celebração do contrato de expropriação amigável, previsto nos arts. 36º e 37º do CE, em nada afectará os efeitos de tal contrato, nomeadamente a validade da aquisição pela entidade expropriante, implicando apenas para esta a obrigação de reposição da situação indemnizatória. IV - Embora a aquisição de da propriedade pela entidade expropriante só se consume pela escritura de “expropriação”, tal aquisição não perde a natureza de uma aquisição originária por via de um processo expropriativo. V - Como tal, a escritura de “expropriação” não comporta qualquer negócio de compra e venda, sendo nela, tão só, negociado, o montante da indemnização e a forma do respectivo pagamento tal negócio, sendo-lhe inaplicável o regime da venda de bens alheios. VI - Possuindo o verdadeiro titular um meio para se ressarcir do montante que lhe é devido junto da entidade expropriante, não poderá o mesmo mover acção de enriquecimento sem causa contra aquele a quem primeira e indevidamente fora paga a indemnização pela entidade expropriante. VII - A especial natureza da indemnização em causa – não configurando um preço, nem uma indemnização proprio sensu –implicará a sua sujeição ao prazo ordinário de prescrição de 20 anos, previsto no art. 309º do CC para as obrigações em geral. (Sumário da Relatora)
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa (7ª Secção):
I. RELATÓRIO
A (…) e seu marido (…), e B (…) e seu marido (…), intentaram a presente acção declarativa sob a forma de processo ordinário, contra:
1 - “ I --- S.A.”;
2 - “EP--- S.A.”,
alegando em síntese:
em data não posterior a Abril de 1969, a 1ª Ré desenvolveu na freguesia de ---s, concelho de ---, um Loteamento Rural a que deu o nome de “---”, que incluía 64 lotes de terreno;
por escritura pública lavrada no dia 31 de Outubro de 1974, no --- Cartório Notarial de ---, a 1ª Ré declarou vender a J (…) e este declarou comprar àquela, livre de quaisquer ónus ou encargos, o lote --- do referido loteamento, mais exactamente “um prédio rústico composto de terreno para fins hortícolas, com a área de 5.000 metros quadrados, sito em --- ---, ---, na então freguesia de ---, concelho de ---, designado por lote ---, confrontando do Norte com lote 48, do Sul com “---.”, do Nascente com o lote --- e do Poente com ---”, pelo preço de Esc. 400.000$00;
logo após a escritura, o adquirente tratou de fazer delimitar fisicamente o lote de terreno, mandando colocar nele os habituais marcos;
após o falecimento do pai das Autoras, em 5 de Maio de 1979, e da mãe das Autoras, em 15 de Março de 2006, as herdeiras deram início ao processo de declaração de bens para efeitos de pagamento do imposto de selo junto da Repartição de Finanças competente;
ao recolherem a documentação necessária para relacionarem os diversos bens imóveis, depararam-se com a inusitada circunstância de o prédio adquirido pelo seu pai se ter, pura e simplesmente, eclipsado do cadastro matricial do actual concelho de ---, área da qual o prédio passou a fazer parte, com a criação deste novo Município;
e de ter desaparecido o pedido de inscrição matricial apresentado pela “---” em 24 de Outubro de 1974, na então Repartição de Finanças do Concelho de ---;
foram informadas que o artigo ---º, secção ---, da freguesia de --- em que se encontrava matricialmente inscrito o prédio de que o lote fora desanexado havia sido suprimido, dando origem aos prédios nºs --- --- e ---;
em face destas constatações, dirigiram-se ao local onde o prédio se situava verificaram que, pura e simplesmente, desaparecera, dado que, no sítio onde deveria estar, existe agora uma via rápida – a IC 22 – que o atravessou pelo meio, ocupando-o praticamente na sua totalidade;
após várias averiguações, verificou-se que a quase totalidade da área do prédio em questão, que era de 5000 m2, preenchia exactamente a parcela --- a expropriar;
colheram também a informação de que a dita parcela ---fora adquirida à 1ª Ré pela extinta “J.A.E.”, por escritura de expropriação amigável, celebrada no dia ---, de uma série de parcelas necessárias à edificação da dita via rápida, contra o recebimento de uma indemnização de Esc. 540.000.000$00;
a 1ª Ré sabia e tinha a obrigação de saber que fornecera ao primitivo adquirente do lote em causa uma planta do loteamento que no local promovera e que, vendido este mesmo lote por escritura pública e recebido do comprador o seu preço, lhe não era lícito voltar a vendê-lo como se seu fosse, não podendo ignorar que o local onde o lote se situava era precisamente o mesmo e único local a que correspondia a Parcela --- objecto da expropriação;
a “J.A.E.” não se revestiu das mínimas cautelas, boa-fé e segurança ao proceder à aquisição de um terreno alegadamente propriedade da 1ª Ré, quando na escritura a própria “---” o declara omisso na matriz, acrescentando que fizera no próprio dia da escritura a respectiva participação, a ser desanexado de um outro prédio, o ---, e quando a mesma “J.A.E.” dispunha de uma planta onde o lote em questão surgia claramente assinalado, com o número bem visível, constituindo a dita parcela 9C;
quanto ao lote --- a que os autos dizem respeito, a escritura celebrada em 20 de Maio de 1991 é nula porque foi alienado um bem alheio, sem que o vendedor e aqui 1º Réu possuísse qualquer legitimidade – artigo 892.º do Código Civil;
não sendo possível a restituição da coisa vendida aos seus proprietários, não sendo possível que quem a vendeu a venha agora a adquirir no intuito de convalidar o contrato e fazer desaparecer a sua insanável nulidade, só resta encontrar uma solução que reponha a situação o mais próximo possível do que ela seria se a venda nula não tivesse ocorrido e a coisa não tivesse perecido;
a única solução possível é a da indemnização segundo o regime da nulidade, nos termos dos artigos 286.º, 289º e 1271.º do Código Civil;
o valor do terreno em Fevereiro de 2007 era de Esc. 35.585.000$00 (agora 177.500,00€), aplicando-se as taxas de juros sucessivas até à data, como considerar a valorização do imóvel;
caso se entenda que não se verifica a nulidade, então, ao menos, a 2ª Ré enriqueceu injustificadamente e sem causa à custa das Autores, porque se apropriou do lote que lhes pertencia sem que com eles tivesse celebrado qualquer negócio que legitimasse a respectiva aquisição ou, nos termos da lei, sem que o tivesse expropriado e pago;
ainda assim, nos termos do disposto no artigo 480º do Código Civil, sempre o cálculo da indemnização não seria diverso.
Em consequência, pede:
1. A condenação das RR. a verem declarada nula e de nenhum efeito, no que ao lote 64, propriedade dos Autores diz respeito, a compra e venda por que se traduziu a escritura outorgada em ---, no ---º Cartório Notarial de --- de folhas --- v do Livro de Notas nº ---.
2. Em consequência da nulidade de tal negócio, e dado o perecimento total e definitivo do lote em questão, serem as Rés solidariamente condenadas a indemnizarem os Autores pelo valor actualizado do mesmo lote e que se fixa na quantia de 177.500,00€, acrescida dos juros que, à taxa legal, se vierem a vencer.
3. Caso assim não se entenda, a condenação da 2ª Ré, nos mesmos moldes e pelo mesmo montante, a indemnizar os Autores com fundamento no enriquecimento sem causa.
A 1ª Ré apresentou contestação, invocando a incompetência territorial do tribunal, bem como a prescrição do direito dos AA.
A 2ª Ré, E.P., contestou invocando a prescrição do direito dos AA., formulando pedido reconvencional de reconhecimento da aquisição pela 2ª Ré da Parcela 9C, por usucapião.
Foi proferida sentença que, julgando a acção parcialmente procedente e a reconvenção procedente e, em consequência:
a) condena a Ré “---” a pagar aos AA. a quantia de 77.584,77€, actualizada de acordo com a evolução do índice de preços no consumidor, com exclusão da habitação publicados pelo INE;
b) absolve a 1ª Ré “I--- S.A.” do pedido;
c) reconhece que a “EP –” é proprietária do lote de terreno, de 5000 m2, objecto do contrato de compra e venda pública lavrada no dia 31 de Outubro de 1974, no Cartório Notarial de--- incluído no prédio --- da secção cadastral --- da freguesia de ---s, desanexado ao prédio descrito com o nº --- em 31 de Janeiro de 1971 dando origem à descrição nº --- na Conservatória do Registo Predial, declarando-se que tal terreno é parte integrante das parcelas --- objecto de expropriação.
A Autora interpôs recurso de apelação, concluindo a respectiva motivação, com as seguintes conclusões:
1. O tribunal deveria ter considerado que o direito à indemnização inovado teria prescrito, no mínimo, três anos após a abertura do IC22, ou seja, em 1997, uma vez que o IC22 abriu em 1994.
2. Pelo que, requer a revogação da sentença na parte em que não aceita a invocada excepção peremptória de prescrição, requerendo que se considere a invocada prescrição do direito dos AA., nos termos e para os efeitos dos arts. 498º e 482º do CC, absolvendo-se a Ré do pedido.
3. Conforme é reconhecido na própria sentença, estão preenchidos os requisitos da usucapião, previstos nos arts. 1287º, 1294º, al. a) do CC, pelo que, e independentemente de qualquer outra solução de direito, deveria o tribunal reconhecer o direito de aquisição originária da propriedade do terreno por usucapião a favor da 2ª Ré.
4. A E.P. tem a posse do terreno que ocupa de forma pública, pacífica e de boa-fé, por um prazo superior a 15 anos, na convicção de que é proprietária e preenche todos os requisitos para o reconhecimento da usucapião do terreno.
5. E nesse caso deverá ser sempre reconhecido a aquisição do direito de propriedade do terreno por usucapião, com o que se determinaria também o impedimento dos efeitos jurídicos dos factos articulados pelos AA., determinando a absolvição do pedido da Ré.
6. Não procede o argumento de que pela natureza da expropriação não é aplicável o instituto da venda de bens alheios. Também não procede a argumento de que a venda de bens alheios é ineficaz em relação ao real proprietário.
7. No caso concreto, o real proprietário ficou sem a propriedade do terreno, pelo que as AA. têm interesse e legitimidade para arguir a nulidade da compra e venda de bens alheios e nada neste preceito obsta a que um terceiro venha arguir essa nulidade.
8. A consequência da nulidade da venda de bens alheios é nos termos do art. 894º, nº1, que o comprador tem o direito de exigir a restituição integral do preço”, e no caso concreto, as AA. dispõem de interesse e legitimidade para, tendo arguido a nulidade da compra e venda, por venda de bens alheios, reclamarem a restituição integral do preço directamente de quem a recebeu indevidamente a indemnização, a 1ª Ré.
9. Em consequência, deverá ser revogada parcialmente a sentença sob recurso, considerando-se a nulidade da compra e venda de bem alheio efectuada pela 1ª Ré, e em consequência, ordenar-se que a 1ª Ré proceda à restituição integral do preço indevidamente recebido pelo terreno, nos termos dos arts. 892º e 894º, nº1 do CC.
10. E mesmo que assim se não entendesse, sempre terá de se aceitar e dar provimento ao pedido de enriquecimento sem causa contra a 1ª Ré, I---, pois que a 1ª Ré enriqueceu, sem qualquer causa justificativa, ao receber uma indemnização por um terreno de que não era proprietária.
11. Não obstante o instituto do enriquecimento sem causa ser subsidiário, e caso não se considere a nulidade da compra e venda, às AA. não assiste outra forma de reacção directamente contra quem injustamente enriqueceu e se locupletou à custa do seu empobrecimento.
12. Pelo exposto, caso não entenda revogar a sentença quanto à nulidade da compra e venda de bens alheios, então sempre se deverá considerar que se encontram reunidos os requisitos do enriquecimento sem causa, condenando a 1ª Ré na restituição integral do montante recebido indevidamente a título de indemnização pela expropriação do terreno.
13. Em qualquer caso, o montante da indemnização deverá ser reduzido em função da área efectivamente ocupada pela radial de Odivelas, isto é, pela área de 2.875 m2 e não pela totalidade da área da parcela.
14. Neste caso, e aceitando o critério utilizado pelo tribunal, a restituição da indemnização pela expropriação do terreno deverá ser de 44.611,24 €, actualizado de acordo com os índices de preço do consumidor, com exclusão da habitação, publicado pelo INE, desde Maio de 1992.
Conclui, ainda e em suma que, deverá o tribunal:
a) revogar a sentença e considerar provada a prescrição de um eventual direito de indemnização das AA., nos termos e para os efeitos dos arts. 498º e 482º do CC, e, em consequência, absolver a 2ª Ré do pedido, nos termos dos arts. 496º e 493º, ns. 1 e 3.
b) Considerar provada a reconvenção, reconhecendo a aquisição originária do direito de propriedade por usucapião pela 2ª R. do terreno.
c) Em consequência, considerar que a mesma é factor impeditivo do direito das AA., absolvendo a Ré do pedido.
d) Caso assim se não entenda, deve revogar parcialmente a sentença, e declarar a nulidade de compra e venda do terreno por venda de bem alheio, ordenando-se à 1ª Ré que proceda à restituição integral do preço recebido indevidamente.
e) Caso assim se não entenda, deverá condenar a 1ª Ré a restituir integralmente o preço recebido, com fundamento em enriquecimento sem causa.
f) Em qualquer caso, o montante da indemnização a restituir deverá corresponder à área de terreno ocupada, ou seja, 2.875 m2, e a indemnização deverá ser de 44.611,24 €, actualizada nos termos expostos.
Os AA. apresentaram contra alegações pugnando pela manutenção do decidido.
A 1ª Ré, apresentou contra alegações, concluindo pela procedência do recurso quanto à alegada prescrição do direito à indemnização dos AA., ou, caso assim se não entenda, mantendo-se a decisão recorrida, excepto quanto ao montante indemnizatório, que deverá ser reduzido para 44.611,24 €.
II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO.
Considerando que as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste tribunal, as questões a decidir são as seguintes:
1. Aquisição da parcela de terreno por usucapião por parte da Ré, enquanto facto “impeditivo” do direito das AA. ao recebimento da indemnização.
2. Aplicação do regime da venda de bens alheios e pedido de restituição integral do preço à 1ª Ré.
3. Condenação da 1ª Ré na restituição integral do montante recebido indevidamente a título de indemnização, com fundamento em enriquecimento sem causa.
4. Redução do valor da indemnização para 44.611m24 €.
5. Prescrição.
III – FUNDAMENTAÇÃO
A. Matéria de facto.
São os seguintes, os factos dados como provados na decisão recorrida:
A. A fls. --- do Livro --- da ---ª Conservatória do Registo Predial de ---(actualmente da Conservatória do Registo Predial de ---, para onde este Livro transitou), encontrava-se descrito, sob o nº ---, um prédio rústico com a área de 84,6862 hectares (alínea A) dos Factos Assentes).
B. Consta do referido Livro que, em 12 de Outubro de 1966, é desanexado deste prédio um lote de terreno com a área de 50 hectares, o qual passou a constituir a descrição nº --, de fls. --- do Livro -------, com as seguintes confrontações: Norte – ---; Sul --- Poente --- (alínea B) dos Factos Assentes).
C. O lote de terreno descrito em foi inscrito a favor da “E---, SARL” (alínea C) dos Factos Assentes).
D. Após a desanexação referida em B), o prédio com a descrição predial nº ... ficou com a área de --- hectares e, no seu todo, tem as seguintes confrontações: Norte – ---, Sul – ---, Nascente – ---, Poente – --- (alínea D) dos Factos Assentes).
E. E ficou inscrito a favor da “I---, SA, ora 1ª Ré (alínea E) dos Factos Assentes).
F. Mais consta que o referido prédio, a 10 de Outubro de 1969, foi sujeito a um loteamento composto de sessenta e quatro lotes, numerados de 1 a 64, dando-se como reproduzida a descrição de cada lote, atenta a sua extensão (alínea F) dos Factos Assentes).
G. Em data não posterior a Abril de 1969, a 1ª Ré desenvolveu na então freguesia de ---, concelho de ---, um loteamento rural, a que deu o nome de “---”, que incluía 64 lotes de terreno, numerados de 1 a 64 (alínea G) dos Factos Assentes).
H. O último dos lotes criados foi o lote nº ---, descrito a fls. --- do Livro ---, “com a área de 5.000 metros quadrados, confrontando do norte com o lote ---, do sul ---., do nascente com o lote --- e do poente com ---” (alínea H) dos Factos Assentes).
I. O lote nº --- foi desanexado do prédio descrito sob o nº --- a fls. --- do Livro ---, em 31 de Janeiro de 1972, identificado como fazendo parte do inscrito na matriz sob o artigo --- secção ---, e ficou a constituir o prédio descrito sob o nº --- do livro B-77 (alínea I) dos Factos Assentes).
J. Consta da descrição nº ---, correspondente ao terreno com a área de 50 hectares, sob a apresentação de 16 de Setembro de 1969, que “Do prédio supra --- é desanexado um lote de terreno coma área de 745 m2, que vai ser descrito sob o nº ---, a fls. --- do Livro ---” (alínea J) dos Factos Assentes).
L. Consta da referida descrição nº ---, sob a apresentação nº ---, de 30 de Novembro de 1971 “Declaro que do prédio constante da descrição --- é desanexada uma parcela de terreno com a área de 370.000 m2, que vai ser descrita sob o nº --- a fls. --- do Livro -------. Requerimento – declaração datada de 29 de Novembro de 1971” (alínea L) dos Factos Assentes).
M) Consta da descrição nº ---, sob a apresentação nº ---, de 9 de Dezembro de 1971, que “Fica declarado que o prédio constante da descrição supra ---, depois dos destaques dele efectuados, e constantes dos seus averbamentos nºs 1 e 2, ficou reduzido à área de 129.255 m2, a confrontar de norte com ---., de nascente com ---, de poente com -- e de sul com a ---, com o valor de 80.000.000$00. Faz parte do inscrito na matriz sob o artigo 9 da secção E. Requerimento – declaração datado de 6 de Dezembro de 1971” (alínea M) dos Factos Assentes).
N. Consta da descrição nº ---, sob a apresentação nº ---, de 25 de Fevereiro de 1972, que “Uma parte do terreno constante da descrição supra nº ---, com a área de 20.592 m2, foi dividida em 52 lotes, com as áreas de (…)” (alínea N) dos Factos Assentes).
O. Consta da descrição nº ---, que “correspondente à parcela para construção com a área de 370.000 m2, sita na ---, freguesia de ---, a confrontar do Norte com a ---, do sul com ---., de nascente com --- e da frente com ---; Fazia parte do inscrito na matriz sob o artigo --da secção --”, e , sob a apresentação nº --- de 9 de Abril de 1974, que: “Nº 1 – Do prédio supra nº --- são desanexados dois lotes de terreno com a área de 340 m2 cada um, que vão ser descritos sob os nº --- a fls. 189º e --- a fls. 1990 do Livro ---” (alínea O) dos Factos Assentes).
P. Consta da descrição nº ---, sob a apresentação nº ---, de 9 de Abril de 1974, que “Nº 2 – Do prédio supra nº --- são desanexados 4 lotes de terreno com as áreas de 255 m2, 255 m2, 340 m2 e 345 m2, que vão ser descritos respectivamente sob os nºs ---a fls. 190v, --- a fls. 191, --- a fls. 191 e 29.489 a fls. 192, todos do Livro ---” (alínea P) dos Factos Assentes).
Q. Consta da descrição nº ---, sob a apresentação nº ---, de 3 de Agosto de 1978, que: “Nº 3 – Do prédio supra nº --- são desanexados 12 lotes de terreno, com as áreas de 500 m2, 540 m2, 578 m2, 578 m2, 540 m2, 486 m2, 524 m2, 500 m2, 540 m2, 756 m2, 540 m2, 540 m2, que vão ser descritos sob os nºs --- a fls. 105v, --- a fls. 106, --- a fls. 106, --- a fls. 107, --- a fls. 106v, --- a fls. 108, --- a fls. 108v, --- a fls. 109, --- a fls. 109v, --- a fls. 110, --- a fls. 110v, e --- a fls. 111 do Livro B 88. Requerimento – declaração de 25 e Julho de 1978” (alínea Q) dos Factos Assentes).
R. Consta da descrição nº ---, sob a apresentação nº ---, de 11 de Maio de 1983, que: “Nº 4 – Ao prédio nº --- fica anexada uma parcela de terreno com a área de 1146 m2, desanexada do descrito sob o nº --- a fls. 17 do Livro B-54, passando o mesmo a ter a área de 362,654 m2” (alínea R) dos Factos Assentes).
S. Em 5 de Julho de 1969, J (…) ajustou com a 1ª Ré a compra do lote nº --- do loteamento referido em G), pelo preço de Esc. 400.000$00, ficando acordado dar de sinal a quantia de Esc. 80.000$00, seguida de 48 prestações mensais (alínea S) dos Factos Assentes).
T. Em 24 de Outubro de 1974, J (…) pagou a sisa devida relativa à aquisição em causa (alínea T) dos Factos Assentes).
U. Por escritura pública lavrada no dia 31 de Outubro de 1974, no 12º Cartório Notarial de Lisboa, a 1ª Ré declarou vender a J (…) e este declarou comprar àquela, livre de quaisquer ónus ou encargos, o lote --- do loteamento referido em G), mais exactamente “um prédio rústico composto de terreno para fins hortícolas, com a área de 5.000 metros quadrados, sito em ---, ---, na então freguesia de ---s, concelho de ---, designado por lote ---, confrontando do Norte com lote ---, do Sul com “---.”, do Nascente com o lote --- e do Poente com --- Faustino”, pelo preço de Esc. 400.000$00 (alínea U) dos Factos Assentes).
V. O lote objecto da escritura referida em U) encontrava-se descrito na Conservatória do Registo Predial de ---, ---a secção, sob o nº ---, a fls. 145 do Livro --- e inscrito na mesma Conservatória a favor da sociedade vendedora pela inscrição número ---, a fls. 46 do Livro ---7 (alínea V) dos Factos Assentes).
X. E acrescentava-se também que o lote em apreço não possuía inscrição própria na matriz, tendo sido requerida pela 1ª Ré a desanexação do prédio rústico em que matricialmente estava integrado e que constituía o artigo número ---, secção ---, da matriz cadastral da freguesia de ---s (alínea X) dos Factos Assentes).
Z. Lê-se na descrição nº --- de fls. ---, do Livro ---, que foi requerida a descriminação do prédio adquirido na matriz em 24 de Outubro de 1974 (alínea Z) dos Factos Assentes).
AA. Em 9 de Janeiro de 1975, J (…) requereu a inscrição definitiva a seu favor do prédio que adquirira, inscrição essa que ficou com o número ---, a fls. 80 Vº do Livro --- (alínea AA) dos Factos Assentes).
BB. No dia 5 de Maio de 1979, faleceu J (…), deixando como únicos herdeiros sua mulher, D (…), também (…), e duas filhas, A (…) e B (…) (alínea BB) dos Factos Assentes).
CC. As herdeiras de J (…) declararam o referido prédio para efeitos de instauração do processo de imposto sucessório por morte de J (…) (alínea CC) dos Factos Assentes).
DD. Na sequência do requerimento apresentado em 23 de Janeiro de 1980, na 1ª Secção da Conservatória do Registo Predial ---, o prédio foi inscrito a favor das herdeiras do falecido J (…), inscrição esta que tem o número ---, a fls. 63v, do Livro G-73 (alínea DD) dos Factos Assentes).
EE. Em 16 de Março de 2006, faleceu D (…), deixando como únicas herdeiras as suas duas filhas, ora Autoras (alínea EE) dos Factos Assentes).
FF. No dia 20 de Maio de 1992, foi outorgada no --- Cartório Notarial de --- uma escritura de expropriação, na qual figura como primeira outorgante e entidade expropriante A Junta Autónoma das Estradas e como segunda outorgante a sociedade “I---, S.A.”, com o seguinte teor:
“Que acordam na expropriação amigável de um terreno neste processo designado por «PARCELA NOVE, NOVE C e NOVE S», propriedade da sociedade representada pelos segundos outorgantes e que se destina à construção da Obra: IC vinte e dois – RADIAL DE ODIVELAS, cujo projecto foi aprovado por despacho do Secretário de Estado das Vias de Comunicação, de vinte e três de Junho de mil novecentos e oitenta e nove.
“Que o prédio expropriado tem actualmente a seguinte composição:
UM: - Parcelas NOVE e NOVE C – terreno para construção urbana com a área de cento e trinta e sete mil oitocentos e cinquenta metros quadrados, na freguesia de Odivelas, no concelho de Loures, a confrontar do norte, sul, nascente e poente com a sociedade “I--, S.A.”, omisso na matriz, tendo sido feita hoje a competente participação, e, a desanexar do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de ---, sob o número vinte mil novecentos e trinta e sete do livro B- cinquenta e nove, onde se encontra registada a aquisição a favor da sociedade representada pelos segundos outorgantes pela inscrição número vinte e um mil duzentos e vinte e nove do livro G – vinte e oito;
DOIS – Parcela NOVE S – Composta pelos seguintes imóveis:
“a) – Lote de terreno para construção designado pelo número CATORZE, com a área de cinco mil cento e quarenta e três metros quadrados, sito no lugar de Granjas Nova Odivelas, freguesia de Odivelas, onde se encontra registada a aquisição a favor da representadas dos segundos outorgantes pela cota G-um;
“b) – Lote de terreno para construção designado pelo número QUINZE, com a área de cinco mil cento e oitenta metros quadrados, sito na ---, referida, omisso na matriz mas já pedida a sua inscrição, descrito na referida Conservatória sob a ficha zero dois mil duzentos e vinte da freguesia de Odivelas, onde se encontra registada a aquisição a favor da sociedade representada pelos segundos outorgantes pela cota G-UM;
“c) – Prédio rústico, composto de terreno para construção, com a área de cinco mil cento e oitenta e sete metros quadrados, designado por lote DEZASSEIS, sito no lugar de ---, ---, freguesia de ---, no concelho de ---, omisso na respectiva matriz, tendo já sido pedida a sua inscrição e descrito na citada Conservatória sob o número vinte e sete mil trezentos e trinta e nove do livro B- setenta e sete;
“d)- Prédio rústico, composto de terreno com a área de cinco mil metros quadrados, designado por lote DEZOITO, sito no referido lugar de ---, omisso na respectiva matriz, tendo já sido pedida a sua inscrição e descrito na citada Conservatória sob o número vinte e sete mil trezentos e trinta e nove do livro B- setenta e sete;
“e)- Prédio rústico, composto de terreno com a área de cinco mil metros quadrados, designado por lote DEZANOVE, sito no referido lugar de ---, omisso na respectiva matriz, tendo já sido pedida a sua inscrição e descrito na citada Conservatória sob o número vinte e sete mil trezentos e trinta e nove do livro B- setenta e sete;
“f)- Prédio rústico, composto de terreno com a área de cinco mil e oito metros quadrados, designado por lote VINTE, sito no referido lugar de --- omisso na respectiva matriz, tendo já sido pedida a sua inscrição e descrito na citada Conservatória sob o número --- do livro ---;
“g)- Prédio rústico, composto de terreno com a área de cinco mil duzentos e dezassete metros quadrados, designado por lote TRINTA E UM, sito no referido lugar de ---, omisso na respectiva matriz, tendo já sido pedida a sua inscrição e descrito na citada Conservatória sob o número --- do livro ---. Que os imóveis identificados nas alíneas c) a g), inclusive, se encontram registados a favor da sociedade representada pelos segundos outorgantes pela inscrição número --- do livro ---, da citada Conservatória do Registo Predial de ---.
“Que a expropriação foi declarada de Utilidade Pública, no Diário da República, Segunda Série, número cento e dez, de treze de Maio de mil novecentos e noventa e dois. “Que o valor acordado como indemnização pela expropriação das referidas parcelas é de QUINHENTOS E QUARENTA MILHÕES DE ESCUDOS.
“Que aquela indemnização representa a verba global a atribuir por todos os prejuízos causados na propriedade perfeita dos expropriados, ficando a cargo deles o pagamento de quaisquer ónus ou encargos a que porventura esteja sujeito nesta data o referido prédio.
“Que a referida importância será paga, após aprovação desta escritura pelo Presidente da Junta Autónoma das Estradas, até trinta de Maio de mil novecentos e noventa e dois (…)”, conforme documento de fls. 70 a 76 (alínea FF) dos Factos Assentes).
GG. Consta de fls. 111 um ofício da 2ª Ré, datado de 30.12.1993, dirigido à Conservatória do Registo Predial de Odivelas, com o seguinte teor: “(…) Assunto: “IC 22 – Radial de Odivelas” – Expropriações: Registo a favor do Estado. JAE – Parcela 9-9C-9S. “(…) Relativamente à 1ª parcela a registar, verifica-se que por lapso foi indicada a descrição nº --, quando deverá ser a descrição nº --- solicitando-se a devida alteração (…)” (alínea GG) dos Factos Assentes).
HH) Consta da descrição nº ---, sob a apresentação nº ---, de 29 de Dezembro de 1993, a “Desanexação da parcela --- e ---, com a área de 137.850 m2, para o nº ---”, passando a constar da descrição nº --- o seguinte: “URBANO – Quinta ... – Sul: ---, S.A.; Nascente: ---; Poente: ---. Área: 224.804 m2 – Lote de terreno para construção – Omisso desde 931231 – V.V.: 18 500 000$00. Desanexado do descrito sob o nº ---, fls. 17 do ---” (alínea HH) dos Factos Assentes).
HH2. Consta da descrição nº ---, pela apresentação ---, de 97/07/30, que foram “Desanexados 42 lotes, com as áreas de 480 m2, 480 m2, 467,50 m2, 548,55 m2, 480 m2, 480 m2, 487,50 m2, 480 m2, 480 m2, 480 m2, 400 m2, 480 m2, 400 m2, 480 m2, 480 m2, 480 m2, 480 m2, 400 m2, 480 m2, 400 m2, 480 m2, 480 m2, 360 m2, 360 m2, 360 m2, 514 m2, 528 m2, 528 m2, 404 m2, 528 m2, 404 m2, 528 m2, 528 m2, 360 m2, 400 m2, 480 m2, 480 m2, 480 m2, 480 m2, 400 m2, 380 m2, 7.700 m2, descritos sob os nºs. 03258 a 03299, respectivamente. Área restante: 198.178,45 m2, sendo 127.781,68 m2, para ceder ao Município (os quais constituem as parcelas B) e C) com as áreas de 41.687,77 m2 e 86.093,91 m2, respectivamente), 39.910,90 m2 para zonas verdes e 30.485,87 m2 para arruamentos, estacionamentos e passeios.” (alínea HH)2 dos Factos Assentes).
HH)3 Consta da descrição nº ---, pela apresentação ---, de 97/09/23, a “Desanexação das parcelas B e C, com as áreas de 41.687,77 m2 e 86.093,91 m2 para os Nºs --- e --- de Odivelas” (alínea HH)3 dos Factos Assentes).
HH)4 Consta da descrição nº --- se seguinte descrição: “URBANO – Quinta ... – norte, sul, nascente e poente: I---, S.A. – ÁREA: 137 850 m2 – parcelas 9 e 9C – Omisso desde 020520 – V.V.: 100.000.000$00. Desanexado do nº --- a fls. --- do ---” (alínea HH)4 dos Factos Assentes).
II) Em --- é publicado no Diário da República, II Série, nº ---, a folhas ---7, a Declaração da Direcção de Serviços Regionais de Estradas de Lisboa, que declara que, por Despacho do Secretário de Estado das Vias de Comunicação de ---, foi aprovada a planta parcelar e o mapa de expropriações respeitantes ao IC22 – Radial de Odivelas (alínea II) dos Factos Assentes).
JJ) É também declarada por despacho de --- do Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações a utilidade pública das expropriações respectivas com carácter de urgência e autorizada a posse administrativa dos terrenos “sendo que, relativamente às parcelas ---, constam os seguintes elementos identificativos: “9 I--- “9C Idem, idem T. const. 1 650 “9S Idem, idem Semeadura 33 800” (alínea JJ) dos Factos Assentes).
LL) Sendo ainda anunciado que a planta parcelar fica patente para consulta durante 90 dias na Direcção de Estradas de Lisboa e na Direcção de Serviços Regional de Estradas de Lisboa, acompanhada das plantas anexas e dos elementos de identificação das parcelas a expropriar, conforme documento de fls. 175 e 176 (alínea LL) dos Factos Assentes).
MM) Em 21 de Outubro de 1991, a Junta Autónoma das Estradas, pelo ofício nº 3145, notificou a “I--- SA” da declaração de utilidade pública e da autorização para a posse administrativa dos terrenos necessários para a realização dos trabalhos necessários à construção do IC22 – Radial de Odivelas, designados por Parcela 9, 9C e 9S, conforme documento de fls. 177 (alínea MM) dos Factos Assentes).
NN) Consta do ofício de fls. 177 que: “(…) Segundo a respectiva planta parcelar que se anexa, é por aquela obra atingida a propriedade de V. Exa. na superfície que se apresenta assinalada a vermelho. “Nos termos do Artº 2º do Decreto-Lei nº 845/76 de 11 de Dezembro, dou do facto conhecimento a V. Exª(s), pedindo-lhe(s) que transmita a outros interessados, se os houver, e informá-lo(s) que solicitei ao Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa a designação dos peritos com vista à realização do(s) auto(s) de vistoria “ad perpetuam rei memoriam” e dos respectivos árbitros, nos termos dos Artºs 22 e 67 do Código de Expropriações. “A minuta de expropriação que acompanha este ofício, deverá ser preenchida e devolvida a esta Direcção de Estradas com a maior brevidade possível nos termos do Art. 40º do Decreto-Lei nº 845/76 (…)”(alínea NN) dos Factos Assentes).
OO. Na mesma data, e pelo ofício nº 3147, foi notificada a “I---” de que se iria realizar a vistoria “ad perpetuam rei memoriam” das parcelas 9, 9c e 9S, no dia 25 de Outubro de 1991, conforme documento de fls. 178 (alínea OO) dos Factos Assentes).
PP. No dia 22 de Outubro de 1991, pelo ofício nº 3200, é enviado à “I---SA” o extracto da planta parcelar, que por lapso não tinha acompanhado o ofício nº 3.145, conforme documento de fls. 179 (alínea PP) dos Factos Assentes).
QQ. No dia 25 de Outubro de 1991, a “I---SA” dirige uma carta com a referência nº 388/91-ADM/ds ao Director de Estradas de Lisboa, sob o Assunto “IC22-Radial de Odivelas/Expropriação das Parcelas ---, na ---”, no qual se intitula como proprietária daquelas parcelas, conforme documento de fls. 180 (alínea QQ) dos Factos Assentes).
RR) A 26 de Outubro de 1991, é realizada a vistoria “ad perpetuam rei memoriam” da parcela 9, na qual estiveram presentes em representação da “I---SA”, D-- e J.F., tendo a parcela a expropriar sido descrita como fazendo parte do prédio denominado ---, sito na freguesia de ---, concelho de ---s, inscrito na competente matriz cadastral da freguesia de ----, sob o artigo --- da secção ---, com a área de 1.650 metros quadrados, identificada como proprietária a “I--- S.A.”, e, relativamente à parcela 9C, com as seguintes confrontações: Norte: parte sobrante do prédio donde vai ser desanexada a parcela nº 15 da planta parcelar; Sul: parcela nº 9 da planta parcelar e parte sobrante do prédio donde vai ser desanexada; Nascente: parte sobrante do prédio donde vai ser desanexada a parcela nº 9 da planta parcelar; Poente: Parcelas nºs 15 e 16 da planta parcelar, conforme documento de fls. 180 a 182 (alínea RR) dos Factos Assentes).
SS. Em 6 de Novembro de 1991, pelo ofício nº 3395, foi notificada a “I---SA” a avaliação efectuada pela Junta Autónoma das Estradas para a expropriação das Parcelas 9, 9C e 9S, conforme documento de fls. 209 (alínea SS) dos Factos Assentes).
TT. No dia 28 de Novembro de 1991, a “I---SA”, por carta dirigida ao Director de Estradas de Lisboa, sob o assunto “IC22 – Radial de Odivelas/Expropriação das Parcelas 9, 9C e 9S”, no qual se assume como proprietária das parcelas identificadas, apresenta uma contra-proposta de valor indemnizatório para as parcelas 9, 9C e 9S (alínea TT) dos Factos Assentes).
UU. Em 13 de Janeiro de 1992, pelo ofício nº 89, é notificada a “I--- SA” da nomeação dos árbitros pelo Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, para as expropriações das Parcelas 9, 9C e 9S (alínea UU) dos Factos Assentes).
VV) Em 13 de Janeiro de 1992, é publicado no Diário da República, II Série, nº 110, a folhas 4252, o despacho de 29.04.1992 do Secretário de Estado das Obras Públicas que atento o despacho de 23.06.1989 do SEVC que aprovou a planta parcelar e o mapa de expropriações relativas ao IC22 – Radial de Odivelas declara a utilidade pública das expropriações das “parcelas de terreno nºs 9, 9C e 9S, necessárias à construção do IC22 – Radial de Odivelas, a seguir identificadas: “Número Nome e morada do proprietário Natureza das parcelas Áreas “da ou quantidades “parcela (metros quadrados) “9 I---SA, Avenida --- Lisboa “9C Idem, idem T. const. 1 650“9S Idem, idem Semeadura 33 800” (alínea VV) dos Factos Assentes).
XX. No terreno a que se reporta a escritura aludida em U) foi construída uma via rápida, a IC22, mais conhecida como Radial de Odivelas (resposta ao quesito 3º).
ZZ. A Radial de Odivelas atravessa o terreno pelo meio, ocupando-o cerca de 2875 m2 (resposta ao quesito 4º).
AAA. A quase totalidade dos 5.000 m2 de terreno objecto da escritura descrita em U) dos Factos Assentes integram-se nas denominadas parcelas 9 e 9C objecto da escritura de expropriação mencionada na alínea FF) (resposta ao quesito 5º).
BBB. Os Autores tomaram conhecimento dos factos constantes nas alíneas XX), ZZ) e AAA) a partir da data do falecimento de sua mãe, ao recolherem a documentação necessária para relacionarem os diversos bens imóveis do acervo da herança (resposta ao quesito 6º).
CCC. À data da celebração da escritura mencionada na alínea U), tratava-se de um terreno para fins hortícolas e é agora um terreno apto para construção (resposta ao quesito 7º).
DDD. Como decorre da escritura de expropriação a que se reporta a alínea FF), a 2ª Ré pagou à 1ª Ré, a título de indemnização, pela área global das parcelas 9, 9C e 9S, de 173.585 m2, o valor de quinhentos e quarenta milhões de escudos, o que se traduz num resultado de 3.110$87 por metro quadrado (resposta ao quesito 8º).
EEE. Após o tracejado do leito da nova rodovia, e das zonas laterais de protecção à via no lote 64, sobram duas pequenas pontas triangulares de terreno sem qualquer valia, conforme se pode visualizar no documento de fls. 69 e no documento de fls. 462. (resposta ao quesito11º).
FFF. Os Autores residem a 10 Km da radial de Odivelas (resposta ao quesito 17º).
GGG. Desde 21 de Outubro de 1991 que a 2ª Ré exerce a posse sobre a parcela 9C, sem a oposição de ninguém, à vista de todos, agindo como se fosse sua proprietária (respostas aos quesitos 20º, 21º, 22º e 23º).
B. O Direito.
1. Aquisição da parcela de terreno por usucapião por parte da 2ª Ré, enquanto facto “impeditivo” do direito das AA. ao recebimento da indemnização.
Embora o pedido formulado pela Ré a título reconvencional – de reconhecimento do seu direito de propriedade sobre o lote de terreno em questão – tenha sido julgado procedente (aliás, tal direito não é contestado nos autos por nenhum dos intervenientes processuais, nem sequer pelos AA.),
requer a 2ª Ré, E.P. – Estradas de Portugal, S.A., nas suas alegações de recurso, que se reconheça ter o mesmo adquirido tal direito de propriedade por usucapião.
Em primeiro lugar, tendo a Ré adquirido validamente a parcela em questão pela via da expropriação por utilidade pública, afigura-se-nos serem inaplicáveis ao caso as regras da aquisição por usucapião.
Em segundo lugar, ainda que se considerassem verificados os pressupostos para a sua aquisição por usucapião, nunca tal aquisição levaria ao efeito pretendido pela Expropriante – de se eximir ao pagamento do pagamento da justa indemnização aos autores.
Passamos, assim, a analisar a primeira das identificadas questões – aquisição da parcela expropriada por parte da entidade expropriante.
Por despacho de 31.07.89, do Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, foi declarada a utilidade pública das expropriações respeitantes às parcelas 9, 9C (nas quais se integra a quase totalidade do prédio comprado pelo pai das AA. por escritura pública de 31.10.1974) e 9S, com carácter de urgência e autorizada a posse administrativa dos terrenos.
A declaração de utilidade pública das parcelas a expropriar foi objecto de publicação no DR, 2ª Série de 13.05.1992.
E, no dia 20 de Maio de 1992, foi então outorgada a escritura pública de “expropriação”, em causa, pela qual “a entidade expropriante JAE e a 1ª Ré acordaram na “expropriação amigável” do referido terreno id. pelas parcelas 9, 9C e 9S, acordando como valor de indemnização pela expropriação das referidas parcelas a quantia de 540.000.000$00.
De tal circunstancialismo, resulta não nos encontramos perante uma mera aquisição de direito privado, tal como se encontra prevista no art. 2º do Código das Expropriações de 1991 (aprovado pelo DL nº438/91), em vigor à data da DUP em questão, mas perante uma denominada “expropriação amigável”, prevista nos arts. 32º a 36º.
Como afirma José Osvaldo Gomes, havendo aquisição por via de direito privado não haverá expropriação, nem mesmo amigável, pois nem sequer haverá declaração de utilidade pública – em tal caso, haverá um contrato de compra e venda ou de permuta, sujeito ao prescrito no código civil, não sendo aplicável ao caso o disposto nos arts. 32º a 36º do CE 91[1].
A exacta determinação dos efeitos da declaração de utilidade pública e a natureza jurídica de tal acto declarativo tem suscitado alguma polémica na nossa doutrina e jurisprudência.
Segundo Osvaldo Gomes, a declaração de utilidade pública não constitui um mero pressuposto do procedimento administrativo, pois é um acto administrativo nuclear do mesmo, representando o facto gerador da obrigação de indemnizar[2].
Segundo tal autor, embora a aquisição do direito de propriedade tenha lugar em momento posterior, com a investidura judicial do beneficiário da expropriação na propriedade dos bens expropriados, o efeito da declaração de utilidade pública é a oneração em termos reais dos bens nela vinculados[3].
“Nas expropriações normais, a declaração de utilidade pública onera em termos reais os bens imóveis em causa, constituindo ex novo poderes na esfera jurídica do expropriante e limitando concomitantemente os poderes do expropriado, mas mantendo, em regra, os seus poderes de gozo sobre os imóveis sujeitos à expropriação[4]”.
A declaração de utilidade pública é um acto de execução continuada, que impõe aos seus destinatários uma sujeição a determinados efeitos jurídicos, alguns dos quais se produzem desde logo, enquanto outros ficam relegados para momento posterior[5], não dispensando a entidade beneficiária da expropriação de ser investida na posse dos bens nem do respectivo direito de propriedade[6].
A aquisição dos direitos reais sobre imóveis pelo beneficiário da expropriação verifica-se no momento da outorga da escritura ou do auto, nas expropriações amigáveis (arts. 35º e 36º), e no momento da prolação do despacho de adjudicação da propriedade pelo juiz, nas expropriações litigiosas (arts. 50º, nº4 e 67º)[7].
“A expropriação é, essencialmente, a relação ou situação jurídica administrativa, pela qual o estado, face à utilidade pública envolvente que considerou existir, decide a extinção do direito subjectivo da propriedade ou de outros direitos reais sobre determinados bens, assumindo a titularidade do domínio pleno mediante o pagamento de uma justa ou adequada indemnização[8]”.
Ou seja, a expropriação por utilidade pública é, grosso modo, a privação forçada, motivada pela utilidade pública, mediante indemnização, de direitos privados, em regra relativa a imóveis[9].
E tal destinação a utilidade pública acompanhará o tempo de vida deste direito pela entidade expropriante para além do momento da sua aquisição, encontrando-se a expropriação condicionada pela subsistência da sua causa.
Assim, e, nomeadamente, o CE atribui, no seu art. 5º, ao expropriado, o direito a exigir a recuperação do bem no caso da sua não aplicação ao fim de utilidade pública justificativo da expropriação ou no caso de ter cessado a aplicação a esse fim directamente com base nela, mesmo na ausência da lei ou contra a lei.
É o denominado direito de reversão, que pode ser requerida no prazo de dois anos a contar da ocorrência do facto que a originou, direito que cessa, quando tenham decorrido 20 anos sobre a data da adjudicação, quando seja dado aos bens expropriados outro destino, mediante nova declaração de utilidade pública, quando haja renúncia expressa do expropriado.
Podendo o direito de reversão ser exercido pelo expropriado, com base no pressuposto previsto no nº1 do art. 5 – da cessação das finalidades da expropriação – “significa que a entidade beneficiária da expropriação deve manter a afectação do bem expropriado durante aquele prazo, se não quiser correr o risco de ser solicitada, com êxito, pelo anterior proprietário ou pelos seus herdeiros a reversão dos mesmos[10].
Como defende Fernando Alves Correia, a natureza jurídica da reversão constituiu uma verdadeira condição resolutiva, naturalmente de direito público, que, devido ao desaparecimento da causa expropriandi decorrente do não cumprimento da finalidade da expropriação, faz cessar os efeitos desta, impondo a repristinação das coisas no status quo ante restituindo o antigo proprietário o valor que tinha recebido na indemnização e recuperando a propriedade do bem[11].
“A natureza jurídica do direito de reversão está intimamente ligada à ideia de que o fim de utilidade pública justificativo da expropriação acompanha a vida deste instituto para além da sua consumação, em termos de a solidez da transferência da propriedade dos bens decorrente da expropriação para a entidade expropriante estar sujeita à condição resolutiva de esta dar ao bem expropriado o destino específico de utilidade pública[12]”.
Tal regime será, assim, dificilmente incompatível com o regime da aquisição de imóveis por usucapião[13], sendo que, como veremos mais adiante, a aquisição pela via expropriativa, tal como a aquisição por usucapião, constituiu uma forma de aquisição originária.
Com efeito, e embora se aceite que o Estado e as pessoas colectivas de direito público possam adquirir bens particulares através da usucapião[14], tal instituto só poderá ser usado dentro do âmbito previsto no art. 1304º, que consagra a aplicação subsidiária do regime do Código Civil ao direito de propriedade do Estado ou de quaisquer outras pessoas colectivas públicas[15].
De qualquer modo, e ainda que se considerasse que a 2ª Ré, E.P. – Estradas de Portugal, S.A., poderia ter adquirido as parcelas expropriadas pela via da usucapião, nunca a invocação de tal forma de aquisição poderia servir a finalidade de se eximir ao pagamento da respectiva indemnização.
Com efeito, e ainda que nos encontrássemos perante relações entre particulares e o adquirente houvesse adquirido a posse do prédio, por escritura de compra e venda celebrada com o anterior proprietário, nunca o comprador se poderia socorrer do instituto da usucapião para se eximir ao pagamento do respectivo preço ou de parte do mesmo, obrigação de pagamento que se encontraria sujeita ao prazo de prescrição ordinário de 20 anos.
Por outro lado, o Código das Expropriações prevê e regula expressamente a hipótese de não participação dos verdadeiros proprietários no processo expropriativo.
A expropriação é uma forma originária de aquisição de direitos reais sobre imóveis[16], sendo os direitos reais sobre imóveis adquiridos pelo expropriante independentemente dos anteriores proprietários.
Como afirma Oliveira Ascenção, na aquisição por expropriação, ao adquirente cabe uma posição que é absolutamente independente da que cabia ao anterior titular – não está sujeita ao título daquela situação: A aquisição é constitutiva e não translativa: “Por isso a expropriação vale mesmo que não seja dirigida contra o verdadeiro titular[17]”.
No processo de expropriação vigora o princípio da legitimidade aparente – nº3 do art. 9º do CE 91, sendo que a não participação dos verdadeiros titulares no processo expropriativo só em casos muito restritos determina a invalidade deste[18].
Assim, e quanto às expropriações amigáveis, dispõe o nº4 do art. 36º:
“Salvo caso de dolo ou culpa grave por parte da entidade expropriante, o aparecimento de interessados desconhecidos à data da celebração da escritura ou do auto apenas dá lugar à reconstituição que existiria se tivessem participado no acordo, nos termos em que este foi concluído”.
O aparecimento de interessados desconhecidos, na falta de dolo por parte da entidade expropriante, apenas implica a reposição da situação indemnizatória, como se eles tivessem acordado no montante que foi considerado.
E, ainda que tenha havido dolo “ela tem de indemnizar os referidos interessados que entretanto surgiram, independentemente do mencionado contrato, mas cujos efeitos não são afectados[19].
Como afirma Oliveira Ascenção, a relativa irrelevância do titular verdadeiro implica que, em tal caso, a situação real não é atingida, mas sim e apenas a indemnização[20].
Concluindo, manter-se-á, necessariamente, a obrigação, por parte da 2ª Ré, enquanto entidade expropriante (ou que sucedeu na posição daquela), de proceder ao pagamento da justa indemnização, em conformidade com o disposto nos arts. 62º, nº2, da Constituição, 1310º do Código Civil e 1º do CE 91.
2. Aplicação do regime da venda de bens alheios e pedido de restituição integral do preço à 1ª Ré.
Do que até agora ficou dito – e encontrando-se assente que a aquisição das parcelas em causa por parte da 2ª Ré teve a sua causa no processo expropriativo –, embora a aquisição da propriedade por parte da entidade expropriante só se tenha consumado com a celebração da escritura pública pela qual a entidade expropriante e o expropriado (proprietário aparente), tal aquisição não perde a natureza de uma aquisição originária por via de um processo expropriativo.
E, assim sendo, a denominada escritura de “expropriação” não comporta qualquer negócio de compra e venda, sendo através da mesma negociado, tão só, o montante da indemnização e a forma do respectivo pagamento.
Fernando Alves Correia pronuncia-se mesmo contra a expressão “expropriação amigável” utilizada pelo legislador, propondo a denominação de “acordo quanto à indemnização”: “a expropriação, como acto unilateral e autoritário, não tem nada de amigável, sendo sempre um acto ablativo de um bem ou de um direito patrimonial do particular, sem a vontade concordante deste ou até mesmo contra a sua vontade[21]”.
Como afirma Salvador da Costa, “os expropriados e os demais interessados outorgam no referido contrato (auto ou escritura previstos nos arts. 35º e 36º do CE 91) numa posição em que já não podem evitar a ablação do seu direito de propriedade ou outro, e só podem negociar sobre o montante indemnizatório, eventualmente em termos de evitar a via litigiosa para a sua fixação[22]”.
E, como tal, ser-lhe-á inaplicável o regime da venda de bens alheios.
De qualquer modo, sempre se dirá, que, da aplicação de tal regime, não resultaria, nunca, para o vendedor de coisa alheia a obrigação de entregar o preço indevidamente recebido ao verdadeiro proprietário mas, tão só, que tal venda sempre seria ineficaz perante este[23] (a transferência do preço para o verdadeiro proprietário pressuporia a manutenção da venda).
Como tal, surge destituída de qualquer fundamento a pretensão da 2ª Ré de que a 1ª Ré seria obrigada a entregar aos AA. o preço indevidamente recebido respeitante às parcelas em causa, com base na aplicação do regime da venda de coisa alheia.
3. Condenação da 1ª Ré na restituição integral do montante recebido indevidamente a título de indemnização, com fundamento em enriquecimento sem causa.
Ao receber uma indemnização por determinadas parcelas de terreno que lhe não pertenciam, a 2ª Ré obteve um enriquecimento sem causa.
Mas, tal como é referido na sentença recorrida, “não é seguro que o enriquecimento da 1ª Ré tenha ocorrido à custa do empobrecimento das AA. Na verdade, foi à custa de um pagamento indevido que ocorreu o enriquecimento e este provém da 2ª Ré”.
E, como afirma Francisco Manuel Coelho, a intervenção ou ingerência de uma pessoa nos direitos ou bens jurídicos alheios, através da alienação dos mesmos só pode trazer uma vantagem patrimonial ao autor daquela ingerência ou intervenção nos casos excepcionais em que a alienação da coisa alheia é eficaz em relação ao verdadeiro proprietário da coisa[24].
Ora, no caso em apreço, o acordo indemnizatório celebrado entre a entidade expropriante e a 1ª Ré, nunca teria qualquer eficácia perante os verdadeiros proprietários do terreno a expropriar.
Por outro lado, a acção de enriquecimento sem causa assume carácter subsidiário – art. 474º do CC –, e como já foi referido, os autores dispõem de outra via para serem indemnizados – através da atribuição de uma justa indemnização por parte da entidade expropriante, nos termos dos arts. 1310º do CC e 1º do CE.
Ou seja, como já foi referido, mantendo-se a validade da DUP e a aquisição das respectivas parcelas por parte da expropriante, os Autores terão direito à atribuição de uma justa indemnização, tal como se encontra prevista no art. 1º do CE, e não a haver para si o montante que a entidade expropriante terá indevidamente pago pelas mesmas à 1ª Ré.
Como refere Francisco Pereira Coelho, admitir uma concorrência de acções a favor do lesado surge como solução contrária à regra da subsidiariedade do enriquecimento sem causa prevista no art. 474º do CC[25].
Como tal, entende-se não se verificarem os pressupostos para a condenação da 1ª Ré no pagamento aos AA. do valor que recebeu da 2ª Ré a título de indemnização pela parcela aqui em causa (sem prejuízo do direito da 2ª Ré, à devolução do valor que pagou à 1ª Ré como contrapartida de tal parcela, com fundamento na repetição do indevido, uma das modalidades que pode revestir o enriquecimento sem causa).
4. Redução do valor da indemnização para 44.611m24 €.
Pretende a apelante que, tendo a Radial de Odivelas ocupado unicamente a área de 2.875 m2 e não os 5.000 m2 correspondentes à totalidade do prédio das AA., a indemnização deveria circunscrever-se à área efectivamente ocupada, reduzindo-se a indemnização para a quantia de 44.611,24 €.
Contudo, ficou demonstrado que, a Radial de Odivelas atravessa o terreno pelo meio, ocupando-o em cerca de 2,875 m2, e ainda que, “após o tracejado do leito da nova rodovia, e das zonas laterais de protecção à via no lote 64, sobram duas pequenas pontas triangulares de terreno sem qualquer valia, conforme se pode visualizar no documento de fls. 69 e no documento de fls. 462. (resposta ao quesito11º)”.
Ora, tal “ausência de valia” das parcelas sobrantes terá necessariamente de ser objecto de indemnização, quer por força do nº2 do art. 29º, do CE 91, que prevê que em caso de expropriação parcial a indemnização abranja os prejuízos causados nas partes sobrantes, quer por constituir fundamento de requerimento de expropriação total por parte do expropriado, nos termos do art. 3º, nº2.
Assim sendo, a indemnização a arbitrar aos AA. deverá corresponder ao valor total do prédio, tal como, e muito bem, foi decidido pela primeira instância.
5. Prescrição.
Do enquadramento dado ao direito de indemnização em causa, não será de aplicar o prazo prescricional de três anos previsto no art. 482º do CC para o enriquecimento sem causa.
E, temos muitas dúvidas de que se encontre sujeito ao prazo de três anos previsto no art. 498º, para a indemnização por factos ilícitos e pelo risco, como pretende a apelante.
Com efeito, e quanto à natureza jurídica da indemnização, surgem duas teorias.
Na primeira, a indemnização é um mero efeito do exercício do poder da expropriação – a expropriação concretizar-se-ia na produção de um dano legítimo ao qual corresponderia um dever de reparação, de um lado, e um direito de crédito de reparação do outro lado. A indemnização traduzir-se-ia numa mera atribuição de um direito de crédito ao expropriado.
Numa segunda teoria, seguida por Fernando Alves Correia, a indemnização é um elemento essencial do instituto da expropriação, sendo um dos elementos do seu próprio conceito[26]:
“Dado o carácter gravoso do instituto expropriatório, a Constituição e a lei garantem antecipadamente ao particular que não sofrerá qualquer dano patrimonial por efeito da expropriação sem a correspondente indemnização, independentemente do momento em que ela é paga[27]”.
O carácter essencial da indemnização no instituto expropriatório tornar-se-á mais claro se recorrermos ao princípio da protecção da confiança: tal princípio não pode garantir ao particular que a sua propriedade será mantida em quaisquer circunstâncias, mas garante-lhe um direito de indemnização no caso de o seu bem ser expropriado por motivos de interesse geral[28].
Como afirma ainda Salvador da Costa, a indemnização decorrente da expropriação plana fora do quadro da responsabilidade civil (por factos ilícitos, pelo risco, ou por incumprimento de obrigações), tendo a sua causa num facto lícito da administração, previsto na lei, em qualquer caso derivante de uma perda, cuja compensação a lei obriga – tem a estrutura a um tempo jurídica e económica, em correspondência tendencial ao valor dos bens expropriados[29].
A indemnização devida pelo acto expropriativo, não constitui um preço, pois não consubstancia uma venda mesmo forçada, nem assume uma indemnização proprio sensu, pois não se funda em responsabilidade do expropriante ou do beneficiário da expropriação – constituindo um elemento essencial do instituto expropriativo, traduz-se numa compensação destinada a restabelecer a igualdade perdida, colocando o expropriado na precisa situação em que se encontram os demais proprietários que, tendo bens idênticos, não foram sacrificados[30].
Ora, tal diferente natureza da indemnização em causa – o direito a uma justa indemnização é elevado a direito fundamental pelo nº2 do art. 62º da CRP –, e o facto de vigorar o princípio da legitimidade aparente (nº3 do art. 9º do CE), autorizando a entidade expropriante a aligeirar a investigação quanto ao real proprietário[31], levar-nos-á a considerar que o prazo de prescrição aplicável será o ordinário de 20 anos, previsto no art. 309º do CC para as obrigações em geral.
De qualquer modo, ainda que se entenda ser aplicável o prazo de três anos, previsto no 498º para o direito de indemnização em geral, o mesmo não se mostra decorrido no caso em apreço.
Segundo o art. 482º do CC, o prazo prescricional não se inicia nem corre enquanto o mesmo não puder ser exercido pelo respectivo titular:
“O direito à restituição por enriquecimento prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o credor teve conhecimento do direito que lhe compete e da pessoa do responsável, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do enriquecimento”.
O prazo da prescrição conta-se a partir “do momento em que o lesado teve conhecimento do seu direito, ou seja, a partir da data em que ele, conhecendo a verificação dos pressupostos que condicionam a responsabilidade, soube ter direito à indemnização pelos danos que sofreu[32]”.
Encontra-se provado que os AA. só tomaram conhecimento dos factos em apreço a partir da data do falecimento da mãe (ocorrido a 16 de Março de 2006), ao recolherem a informação necessária para relacionarem o acervo dos bens da herança (note-se que, tendo o pai das AA. comprado o prédio por escritura de 31.10.1974, o mesmo veio a falecer a 05.05.1979, tendo todo o processo expropriativo ocorrido posteriormente à morte deste).
Assim, tendo a acção sido instaurada em Abril de 2007 e mostrando-se a Ré citada nesse mesmo ano, não se tem por decorrido o prazo de prescrição do direito dos AA., considerando-se improcedente a invocada excepção.
IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar a apelação totalmente improcedente, mantendo-se na íntegra a decisão recorrida.
Custas a suportar pela apelante.
Lisboa, 15 de Fevereiro de 2011
Maria João Areias
Luís Lameiras
Roque Nogueira
----------------------------------------------------------------------------------------- [1] Cfr., “Expropriações Por Utilidade Pública”, Texto Editora, 1997, pag. 292. [2] Cfr., obra citada, pag. 327 e 328. [3] Cfr., obra citada, pag. 329 e 330. [4] Osvaldo Gomes, obra citada, pag. 331. [5] Cfr., Elias da Costa, “Guias da Expropriação Por Utilidade Pública”, Almedina, 2ª ed., pag. 24. [6] Cfr., Salvador da Costa, “Código das Expropriações e Estatuto dos Peritos Avaliadores, Anotados e Comentados”, Almedina, 2010, pag. 20. [7] Osvaldo Gomes, obra citada, pag. 333. [8] Freitas do Amaral, “Aspectos Jurídicos do Ordenamento do Território, Urbanismo e Habitação, Sumários de Lições”, Lisboa, 1970/1871, pag. 90 [9] “Salvador da Costa, “Código das Expropriações e Estatuto dos Peritos Avaliadores, Anotados e Comentados, Almedina, 2010, pag. 18. [10] Cfr., Fernando Alves Correia, “Manual do Direito do Urbanismo”, Vol. II, Almedina, pag. 329 e 330. [11] Obra citada, pag. 340. [12] Fernando Alves Correia, “As Grandes Linhas da Recente Reforma do Direito do Urbanismo Português”, Almedina, 1993, pags. 71 e 72, nota 52. [13] Sendo inadmissível que a entidade expropriante, tendo adquirido validamente determinada parcela pela via expropriativa, pudesse eximir-se ao instituto da reversão decorridos 10 anos sobre o despacho de adjudicação da propriedade por invocação das regras da usucapião. [14] Cfr., neste sentido, Fernando Pereira Rodrigues, “Usucapião, Constituição Originária de Direitos Através da Posse”, Almedina, 2008, pag. 34, e Durval Ferreira, “Posse e Usucapião”, Almedina, 2002, pag. 444. [15] Cfr., neste sentido, Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, Vol. III, Coimbra Editora, 2ª ed., reimpr., pag. 90. [16] Cfr., José Osvaldo Gomes, “Expropriações Por Utilidade Pública”, Texto Editora, 1997, pag.21, 37. [17] “Direito Civil Reais”, 5ª ed., Reimp., Coimbra, Editora, pag. 403. [18] Cfr. no sentido de que a validade da aquisição pela entidade beneficiária da expropriação não está dependente da subsistência do direito do expropriado, Carla Maria Vicente, “A urgência na Expropriação, Algumas Questões”, AA da FDL, 1999, pag. 16. [19] Cfr. Salvador da Costa, “Código das Expropriações e Estatuto dos Peritos Avaliadores, Anotados e Comentados”, Almedina, 2010, pag. 262. [20] Cfr., obra citada, pag. 403. [21] “Manual do Direito do Urbanismo”, Vol. II, Almedina, 2010, pag. 389. [22] Cfr., Salvador da Costa, obra citada, pag. 257. [23] Cfr., no sentido da ineficácia em face do verdadeiro proprietário, entre outros, Paulo Olavo Cunha, “Venda de Bens Alheios”, Rev. Ordem dos Advogados, Ano 47, Vol. II, 1987, pag. 464. [24] Cfr., “O Enriquecimento E o Dano”, Almedina, 2003, pag. 7 e nota1. [25] Cfr., “O Enriquecimento E o Dano”, pag. 10, nota 7 [26] “As Garantias do Particular na Expropriação por Utilidade Pública”, 1982, pag. 158. [27] Fernando Alves Correia, obra citada, pag. 161. [28] Fernando Alves Correia, “As Garantias (…), pag. 162 e 163. [29] Cfr. obra citada, pag. 144. [30] Cfr., José Osvaldo Gomes, “Expropriações Por utilidade Pública”, Texto Editora, 1997, pag. 34. [31] Como refere José Osvaldo Gomes, vigorando neste domínio o princípio da legitimidade aparente, “não é exigível uma averiguação exaustiva dos titulares dos imóveis expropriados, sob pena de se tornar impossível a concretização em certos casos das expropriações” – cfr., Expropriações Por Utilidade Pública”, pag. 319 [32] Cfr., Antunes Varela, “Das Obrigações Em Geral”, Vol. I, 10ª ed., pag. 626.