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PROPRIEDADE INDUSTRIAL
CRIME
Sumário
Iº O art.324, do Código da Propriedade Industrial, sob a epígrafe “Venda, circulação ou ocultação de produtos ou artigos” pune com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias “quem vender, puser em circulação ou ocultar produtos contrafeitos, por qualquer dos modos e nas condições referidas nos artigos 321 a 323, com conhecimento dessa situação”; IIº Assim que o agente adquire produtos contrafeitos para os revender, está a introduzi-los no giro comercial, preenchendo-se de imediato o elemento “puser em circulação”, sendo irrelevante que no momento da detenção pela autoridade policial não se encontre a vender; IIIº A circulação que interessa ao preceito incriminador é a comercial, que vai desde a compra para revenda até à venda ao consumidor final; IVº Com aquele art.234, pretende-se evitar que o produto contrafeito entre no giro comercial, seja objecto de compra e venda comercial, o que só será possível com uma interpretação abrangente deste tipo de crime, que permita alcançar a primeira pessoa que adquire o produto contrafeito para revenda;
Texto Integral
I – Relatório
O Juiz de Instrução Criminal do Barreiro proferiu o seguinte despacho de pronúncia: “1. Sujeitos processuais Arguida: - A..., solteira, filha de …, residente no …. Assistentes: - J…, - L… & …, e - L’ …, todas requerentes da instrução. 2. Decisão comprovanda Despacho de arquivamento proferido pelo Ministério Público, constante de fls. 305 e ss., que concluiu pela não verificação dos elementos objectivos do tipo de crime de venda ou circulação de produtos contrafeitos, p. e p. pelo artigo 324º do Código da Propriedade Industrial. 3. Fundamentos da abertura de instrução No seu requerimento de abertura de instrução, de fls. 320 ss., alegam as assistentes, e em síntese, que a conduta da arguida indiciada nos autos – transporte de produtos contrafeitos, que sabia não serem originais, sem se encontrar autorizada pelas respectivas marcas, e que destinava à venda – integra o conceito de “pôr em circulação” e, desse modo, o crime de venda ou circulação de produtos contrafeitos, p. e p. pelo artigo 324º do Código da Propriedade Industrial. Entende a assistente que a actuação da arguida não se cinge a meros actos preparatórios, antes tendo praticado o referido crime e na forma consumada. Requerem, portanto, que seja proferido despacho de pronúncia contra a arguida, pela prática de um crime de venda ou circulação de produtos contrafeitos, p. e p. pelo artigo 324º do Código da Propriedade Industrial. 4. Diligências efectuadas Não foram requeridas, nem produzidas diligências probatórias de instrução. Realizou-se o debate instrutório com observância das formalidades legais. 5. Pressupostos processuais O Tribunal é competente e as assistentes têm legitimidade para promover a acção penal. O processo mostra-se isento de nulidades que o invalidem. Inexistem questões prévias ou incidentais das quais cumpra conhecer. 6. Discussão e apreciação A instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito, em ordem a submeter ou não a causa a julgamento (artigo 286º, nº 1, do Código de Processo Penal). Conclui o artigo 308º, nº 1 do Código de Processo Penal que se, até ao encerramento da instrução, tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificados os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o juiz, por despacho, pronuncia o arguido pelos factos respectivos; caso contrário, profere despacho de não pronúncia. Na instrução bastará a mera prova indiciária, não se exigindo ainda a certeza quanto ao mérito da questão. Tal como nota Germano Marques da Silva in Curso de Processo Penal, tomo III, Verbo, pág. 179, “a lei não exige (…) a prova no sentido de certeza moral da existência do crime, basta-se com a existência de indícios, de sinais de ocorrência de um crime, donde se pode formar a convicção de que existe uma possibilidade razoável de que foi cometido o crime pelo arguido. Esta possibilidade é uma probabilidade mais positiva do que negativa; o juiz só deve pronunciar o arguido quando pelos elementos de prova recolhidos nos autos forma a sua convicção no sentido de que é mais provável que o arguido tenha cometido o crime do que não o tenha cometido” . Impõe-se, deste modo, que a decisão instrutória assente num suporte factual fortemente indiciador sobre a verificação ou não da infracção. Ou seja, deverá o processo conter indícios suficientes, v.g., indícios que permitam concluir por uma possibilidade razoável de à arguida vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança. Passemos, pois, à análise concreta dos indícios constantes dos autos, a fim de aferir da sua suficiência para imputar à arguida a prática do crime que as assistentes a acusam e a submeter a julgamento. Das diligências realizadas em sede de inquérito importa elencar os elementos de prova que o processo encerra: - auto de notícia de fls. 8 e 8 v., que aqui se dá por integralmente reproduzido, onde entre o mais consta que no dia 30 de Julho de 2007, cerca da 14h20, no átrio do Hipermercado …, nesta urbe, a autoridade policial localizou a arguida A... a transportar um saco de plástico, no interior do qual encontravam-se produtos perfumantes que ostentavam nomes e logótipos que imitavam marcas conhecidas e prestigiadas; - auto de apreensão de fls. 9 (de 25 perfumes); - informação de registo das marcas de fls. 24 a 49; - exame pericial de fls. 22/23 e 50 a 57 (que concluiu que os produtos apreendidos não são artigos originais e que as expressões impressas nas embalagens daqueles perfumes são passíveis de se confundirem com as marcas registadas que pretendem reproduzir); - auto de interrogatório de arguida, de fls. 66/67, que aqui se dá por integralmente reproduzido, e entre o mais a arguida declarou que havia adquirido os produtos que lhe vieram a ser apreendidos a um individuo na Feira da Ladra, em Lisboa, bem sabendo que os mesmos não são originais, mas que os vende para sobreviver. Acrescentou que naquele momento não se encontrava a vender, encontrando-se no espaço comercial Feira Nova uma vez que tinha ido dar almoço aos seus filhos. - documentos de fls. 85 a 89, 98 a 103, 114 a 176; - certificado de registo criminal da arguida, de fls. 220 a 221; - fotografias dos produtos apreendidos, de fls. 229 a 247; - fotografias dos produtos originais, de fls. 256 a 296; - auto de inquirição da testemunha …, de fls. 301, que aqui se dá por integralmente reproduzido, tendo o mesmo declarado que abordou a arguida por se ter apercebido que a mesma transportava de forma oculta diversos perfumes que tinha no interior do saco. Acrescentou que a arguida não tinha consigo qualquer prova de compra dos perfumes, que o informou que se destinavam à venda, mas não mencionou qual era o preço. Mais informou esta testemunha, a fls. 304, que quando abordou a arguida, esta não se encontrava a abordar transeuntes. Do confronto dos elementos carreados para os autos resulta que a arguida sabia que os perfumes que detinha não eram originais e que os adquiriu para os vender, conforme declarou em sede de inquérito. Mais resulta do presente processo que no momento em que a arguida foi abordada por agente de autoridade não se encontrava a vender, nem a interpelar transeuntes, apenas detendo os referidos perfumes, ocultados no interior de um saco de plástico – numa superfície comercial, onde se tinha deslocado para dar de almoço aos seus filhos. Do confronto de todas as fotos (produtos apreendidos versus produtos originais), afigura-se-nos que as expressões e logótipos impressos nas embalagens de perfumes apreendidos à arguida são susceptíveis de criar confusão no consumidor médio, pois existem várias semelhanças com o grafismo dos artigos originais. Do teor das declarações da arguida em conjugação das regras da experiência comum resulta que a arguida sabia que os produtos que transportava eram reproduções ilícitas de artigos de marcas registadas, não podendo ser comercializados, que sabia que a sua conduta atentava contra a propriedade e o comércio exclusivo dos proprietários, que pretendia comercializar os produtos contrafeitos, sem que para isso estivesse devidamente autorizada, pretendendo obter um ganho patrimonial ilegítimo – até porque a arguida declarou que o faz para “sobreviver”, ou seja, para obter rendimentos. Mais sabendo necessariamente que a sua conduta é proibida e que incorria em responsabilidade criminal - tanto mais, que a arguida já foi julgada e condenada, por sentença transitada em julgado, pela prática de igual crime, por factos reportados a data anterior aos aqui em apreciação (14/11/2006) - fls. 221. Assim, o Tribunal socorreu-se das regras da experiência de vida e da normalidade para afirmar a intenção da arguida subjacente ao seu comportamento - refira-se, a este propósito, que, pertencendo as intenções à esfera intima de cada pessoa, o Tribunal só as pode apreender de forma indirecta, através da submissão de actos de natureza externa, empiricamente observáveis, ao crivo das regras da experiência e da ordem natural das coisas. Assim, do comportamento da arguida, é possível, com o auxílio das regras de experiência, inferir a intencionalidade que lhe esteve subjacente, bem como o conhecimento pela arguida do carácter censurável da sua conduta. * Deste modo, entendo resultarem suficientemente indiciados os seguintes factos: a) No dia 30 de Julho de 2008, pelas 14h20m, no Hipermercado …, a arguida detinha e transportava consigo, no interior de um saco, 25 perfumes, que ostentavam nos lugares próprios e usuais os símbolos, etiquetas e dizeres com inscrições de modelos e marcas, entre eles:
- 1 perfume com a inscrição Hypnotic;
- 3 perfumes com a inscrição Agqua di Gio;
- 2 perfumes com a inscrição Anaiss Anaiss;
- 2 perfumes com a inscrição Amore; e
- 1 perfume com a inscrição Mor Amor. b) Os produtos descritos na alínea a) não são artigos originais, sendo que as expressões impressas nas embalagens daqueles perfumes e os respectivos frascos são susceptíveis de sugestionar o público consumidor que, ao adquiri-las estaria convencido de que adquiria os verdadeiros perfumes das marcas registadas …, que pretendem reproduzir. c) Os referidos perfumes tinham sido pela arguida adquiridos na Feira da Ladra, em Lisboa, a pessoa não identificada, os quais destinava à venda ao público consumidor, com pleno conhecimento de que, aquando da sua produção, lhe haviam sido apostos todos os símbolos e referências das marcas atrás mencionadas, símbolos esses desenhados e apostos de tal forma que se tornavam semelhantes às verdadeiras marcas daqueles perfumes, marcas essas que a arguida bem sabia não estar autorizada a usar. d) Assistente J… é legítima titular do registo, entre outras, das marcas internacionais n.º … e n.º …, ambas com o descritivo “C…”. e) A assistente L… & … é legítima titular, entre outras, da marca internacional N.º …, com o descritivo “L…”. f) A assistente L’… por sua vez, celebrou com a legítima titular da marca comunitária N.º …, com o descritivo “A…”, um contrato de licença de exploração exclusiva, o qual abrange o registo daquela marca. g) A arguida sabia que aqueles artigos, que destinava à venda junto do público, não podiam ser comercializados por se tratar de reproduções ilícitas de artigos de marcas registadas, actuando com o propósito de obter para si uma vantagem patrimonial que não tinha direito, lesando os seus respectivos titulares. h) Actuou a arguida de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei. * As assistentes imputam à arguida a prática de um crime de venda, circulação ou ocultação de produtos ou artigos contrafeitos, p. e p. pelo artigo 324º do Código da Propriedade Industrial. Pune o citado normativo quem “vender, puser em circulação ou ocultar produtos contrafeitos, por qualquer dos modos e nas condições referidas nos artigos 321.º a 323.º, com conhecimento dessa situação”. Por seu turno, estabelece o artigo 224º do Código da Propriedade Industrial que aquele que adopta uma certa marca para distinguir os serviços ou produtos de uma actividade económica ou profissional gozará da propriedade e do exclusivo dela desde que satisfaça as prescrições legais, designadamente a relativa ao registo. De acordo com o artigo 7º do Código da Propriedade Industrial a prova dos direitos nele estabelecidos faz-se por meio de títulos de patente, modelo, desenho e de registo. O artigo 258º do Código da Propriedade Industrial, confere ao titular da marca – in casu as assistentes J.., S… e L… & .. - o direito de impedir terceiros, sem o seu consentimento, de usar, na sua actividade económica, qualquer sinal idêntico ou confundível com essa marca para produtos ou serviços idênticos ou afins àqueles para os quais aquela foi registada. Estendendo o no nº 4, do artigo 32º, do mesmo diploma legal, a protecção conferida pelo artigo 258º ao titular do direito de licença de exploração da marca, in casu à assistente L’... É através do registo que o interessado adquire o direito privativo da propriedade industrial que é o direito à marca, direito esse sobre um bem imaterial (um sinal), e que tem por conteúdo a exploração económica exclusiva desse sinal, com o objectivo de distinguir a proveniência empresarial de determinado produto ou serviço. E, como se trata de direito de propriedade, também aqui está presente o princípio da tipicidade, só merecendo protecção os direitos de propriedade industrial conferidos por lei – cfr. artigos 1303º, nº2 e 1306º, ambos do Código Civil. O Código da Propriedade Industrial, visando proteger os direitos conferidos nos termos das suas disposições, dispõe de um capítulo de infracções criminais contra a propriedade, onde se insere o crime de contrafacção de marca. Tais disposições incriminatórias visam, justamente, proteger os direitos de exploração económica exclusiva, proibindo terceiros de utilizar marcas registadas confundíveis no exercício de alguma actividade económica. Especificamente, o crime de marca contrafeita ou imitada (pela produção, colocação em circulação de produtos ou venda de artigos de marca contrafeita) protege, primordialmente, o direito de propriedade da marca, e só reflexamente, o interesse geral de o comércio se processar em termos de regular concorrência - vide neste sentido Ac. do Tribunal da Relação do Porto de 16/10/96. É que o crime de contrafacção não exige que o produto se destine ao mesmo tipo de clientela, que satisfaça desejos ou necessidades idênticas ou semelhantes aos produtos originais. Esta protecção é conferida pela incriminação da concorrência desleal (artigo 331º do Código da Propriedade Industrial), salvaguardando-se desta forma, o interesse público no regular funcionamento do mercado - neste sentido, vide António Tolda Pinto e Jorge Manuel Almeida dos Reis Bravo, in Colectânea de Legislação Penal Extravagante – Direito Penal Económico e Afim, Coimbra Editora, pág. 517. O tipo legal de crime estabelecido no supra referido artigo 324º do Código da Propriedade Industrial, também não protege, directamente, os direitos dos consumidores, uma vez que está apenas em causa a origem e não a qualidade do produto - neste sentido Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa de 05/02/86, in BMJ 359, pág. 770. Embora conste do mesmo tipo de ilícito, o conceito de contrafacção distingue-se do de imitação. Contrafacção será a reprodução ou cópia servil de outra marca enquanto que a imitação se traduz na semelhança de marcas que leva à confusão do consumidor No artigo 324º pune-se “uma conduta posterior ao acto de contrafacção, imitação ou uso de marca traduzida na venda, colocação à venda ou em mera circulação, sendo de salientar – com estranheza – que o legislador tenha optado por punir com uma moldura penal menos gravosa em relação à anterior” - António Augusto Tolda Pinto e Jorge Manuel Dias Bravo, in ob. cit., pág. 560. A menor gravidade da punição estabelecida pelo artigo 324º, poderá justificar-se uma vez que já não se exige a intenção específica de causar prejuízo ou obter um benefício, existindo um juízo de ilicitude diferenciado, pela diferente atitude de desvalor face ao direito. Resulta da factualidade indiciariamente assente que a arguida detinha mercadorias não originais destinadas a serem vendidas, mas que no momento da abordagem policial não se encontrava a vender, nem a interpelar potenciais clientes. Coloca-se então a questão de saber se esta conduta se apresenta como típica face ao disposto no artigo 324º do Código de Propriedade Industrial. Ora a fórmula “pôr em circulação produtos ou artigos com a marca contrafeita, imitada ou usada” do artigo 324º do Código de Propriedade Industrial, é uma fórmula ampla e genérica” - neste sentido Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra de 29/09/98, in CJ , ano XXIII, Tomo IV -, por forma a englobar qualquer detenção de mercadoria, que possa levar à entrada destas no mercado. No recente acórdão de 10/02/2010, proferido pelo Tribunal da Relação do Porto (Processo nº 5/06.8FBVRL.P1), disponível in www.dgsi.pt, entendeu-se que “preenche o elemento do tipo “puser em circulação” do crime de venda, circulação ou ocultação de produtos ou artigos (324º C. Propriedade Industrial) a conduta do agente que transporta produtos contrafeitos que destina vender”. É referido neste acórdão que “Se o conceito de venda é mais ou menos unívoco – ceder a troco de dinheiro -, quer seja a grande fábrica a fazê-lo, quer seja o pequeno vendedor ambulante, já o acto de colocação no mercado do produto contrafeito, de que fala a lei, será substancialmente diferente, dependendo da escala onde nos inserimos. No entanto, entendemos que a ele sempre presidirá a intenção de disseminar o produto no mercado. Ora, o que o arguido pretendia era vender os artigos que transportava. Queria, portanto, introduzi-los no circuito económico. Aliás, bem vistas as coisas esta colocação no mercado não ocorre, ou não ocorre apenas, com a venda a realizar pelo arguido: é anterior e aconteceu, desde logo, quando ele comprou os produtos, pois que a compra foi determinada pela intenção de os vender. Assim podemos afirmar que, pelo menos neste momento, os artigos contrafeitos entraram no giro comercial. E é precisamente neste mesmo sentido que vai toda a jurisprudência conhecida sobre a matéria. Conforme decidiu esta Relação no processo 0545151, de 29-3-2006 (JTRP00038999, referido no recurso), citando Carlos Codesso o legislador, ao falar em pôr em circulação “produtos ou artigos com marca contrafeita, imitada ou usada”, emprega uma fórmula ampla e genérica, de maneira a abarcar todos os modos possíveis de entrada de mercadorias nos circuitos económico-sociais, tais como expedir pelos CTT, transportar, trazer consigo etc., não restringindo o conceito a um acto específico. Em sentido concordante vai uma outra decisão desta relação, proferida em 5-2-2007 no processo 0714122, 5-2-2007 (JTRP00040845). Já em 16-12-1998 esta Relação do Porto decidiu, no processo 9640888, punir o agente que transportava em viatura automóvel, para ulterior venda, artigos com etiquetas neles apostas referidas a determinada marca registada, sabendo que tais artigos não eram genuínos dessa marca, com o propósito de obter ganhos económicos e de enganar os eventuais compradores, fazendo-lhes crer que se tratava de produtos genuínos, tudo com conhecimento de que a sua conduta era proibida. Mais recentemente, em 5-3-2008, esta mesma relação decidiu, no processo 0746287, que comete o crime do art. 324º do CPI o agente que transporta na sua viatura produtos contrafeitos, para venda em feiras. (…) Mas o certo é que quando o material contrafeito é dirigido ao mercado, tem como destino a venda, esta actuação tem, sempre, que ser enquadrada no conceito de colocação em circulação”. Assim e com efeito, no âmbito da referida norma não cabe só a conduta consistente na venda como, também, na colocação de produtos contrafeitos em circulação ou a sua simples ocultação. É, deste modo, indiferente à consumação do crime que a arguida tenha sido ou não surpreendida a vendê-los ao público consumidor. Se a previsão legal apenas se quisesse referir à actividade de venda de produto contrafeito, então não se vislumbraria a necessidade de, na mesma previsão típica, abarcar também a colocação em circulação e a ocultação – Ac. do Tribunal da Relação do Porto de 05-12-2007 (Processo nº 0714122), in www.dgsi.pt. No caso em apreço, não podemos olvidar que a arguida transportava vários perfumes (ocultados) num saco, que os havia adquirido em local e dia distintos dos da apreensão, que se encontrava em espaço público e que os iria destinar à (re)venda. Contudo, no exacto momento em que foi interceptada pela autoridade policial não se encontrava a vender, antes se tendo dirigido para aquele local a fim de prover à alimentação dos seus filhos – ou seja, na prática, a arguida encontrava-se a fazer uma interrupção do seu “período laboral” para o almoço. I.e., a arguida detinha a mercadoria, pronta a ser comercializada/vendida ao público. Após exame efectuado a tais mercadorias, constatou-se tratar-se de produtos não originais, imitações, não possuindo as características das marcas que pretendiam reproduzir (L…, A… e C…). A arguida não possuía autorização de qualquer das marcas apostas nos produtos para os comercializar. É nosso entendimento, que a conduta da arguida supra descrita preenche o pressuposto normativo de colocar em circulação no mercado, as mercadorias que o agente sabia contrafeitas. Nestes termos, impõe-se assumir a discordância com a posição manifestada pela Digna Procuradora-Adjunta do Ministério Público quando encerrou o inquérito com o despacho de arquivamento, julgando-se que a conduta da arguida não se cinge a actos preparatórios da comissão do crime de venda de produtos contrafeitos, mas sim como se deixou dito supra a actos de execução de pôr em circulação no circuito económico os referidos produtos. E, relativamente ao elemento subjectivo, o mesmo configura um tipo legal de crime doloso, que exige um elemento específico alternativo: a intenção de causar prejuízo a outrem ou de alcançar um benefício ilegítimo. Ora, tal benefício ilegítimo resultará do aproveitamento da marca de outrem, da sua publicidade e dos actos de falsa apresentação do produto contrafeito no mercado. Ao passo que o prejuízo resultará da lesão à propriedade industrial de outrem, pela utilização abusiva de marca. No crime de contrafacção, imitação ou uso ilegal de marca constitui um crime de perigo abstracto, não sendo necessário que, em concreto se verifique um prejuízo para outrem ou um enriquecimento para o agente. Em consonância, também se não exige que a marca tenha sido efectivamente usada, mas tão só que a contrafacção ou imitação tenha sido concretizada com o objectivo de ser utilizada como marca. O dolo do agente terá, assim, que abranger o perigo, no sentido de consciência da genérica perigosidade da sua acção. Basta ocorrer alguma das acções descritas no tipo legal de crime, tendo o agente a noção que a sua conduta apresenta uma certa danosidade social. Face à matéria indiciada e acima elencada, entende-se que o elemento subjectivo se encontra preenchido, pois, a arguida sabia que atentava contra os interesses dos legítimos titulares das marcas, pretendendo obter um ganho patrimonial ilegítimo, e não obstante saber que a sua conduta era proibida e punida por lei, não se absteve de actuar. E, assim, com a sua conduta a arguida incorreu na prática de um crime de venda, circulação ou ocultação de produtos ou artigos contrafeitos, p. e p. pelo artigo 324º do Código da Propriedade Industrial. Concluo, portanto, que se mostra preenchido o tipo criminal imputado, pelo que procede o requerimento de abertura de instrução. 7. Decisão Nesta conformidade, decido pronunciar, a fim de ser julgada em Processo Comum, com intervenção do Tribunal Singular, a arguida A..., Pela prática dos seguintes factos: 1. No dia 30 de Julho de 2008, pelas 14h20m, no Hipermercado .., a arguida detinha e transportava consigo, no interior de um saco, 25 perfumes, que ostentavam nos lugares próprios e usuais os símbolos, etiquetas e dizeres com inscrições de modelos e marcas, entre eles:
- 1 perfume com a inscrição Hypnotic;
- 3 perfumes com a inscrição Agqua di Gio;
- 2 perfumes com a inscrição Anaiss Anaiss;
- 2 perfumes com a inscrição Amore; e
- 1 perfume com a inscrição Mor Amor. 2. Os produtos descritos no número precedente não são artigos originais, sendo que as expressões impressas nas embalagens daqueles perfumes e os respectivos frascos são susceptíveis de sugestionar o público consumidor que, ao adquiri-las estaria convencido de que adquiria os verdadeiros perfumes das marcas registadas L.., A.. e C…, que pretendem reproduzir. 3. Os referidos perfumes tinham sido pela arguida adquiridos na Feira da Ladra, em Lisboa, a pessoa não identificada, os quais destinava à venda ao público consumidor, com pleno conhecimento de que, aquando da sua produção, lhe haviam sido apostos todos os símbolos e referências das marcas atrás mencionadas, símbolos esses desenhados e apostos de tal forma que se tornavam semelhantes às verdadeiras marcas daqueles perfumes, marcas essas que a arguida bem sabia não estar autorizada a usar. 4. Assistente J…, Société Anonyme é legítima titular do registo, entre outras, das marcas internacionais n.º … e n.º…, ambas com o descritivo “C…”. 5. A assistente L… & .. é legítima titular, entre outras, da marca internacional N.º …, com o descritivo “L…”. 6. A assistente L’.., Société Anonyme por sua vez, celebrou com a legítima titular da marca comunitária N.º …, com o descritivo “A…”, um contrato de licença de exploração exclusiva, o qual abrange o registo daquela marca. 7. A arguida sabia que aqueles artigos, que destinava à venda junto do público, não podiam ser comercializados por se tratar de reproduções ilícitas de artigos de marcas registadas, actuando com o propósito de obter para si uma vantagem patrimonial que não tinha direito, lesando os seus respectivos titulares. 8. Actuou a arguida de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
Pelo exposto, incorreu, a arguida, em autoria material, na prática de um crime de venda, circulação ou ocultação de produtos ou artigos contrafeitos, p. e p. pelo artigo 324º do Código da Propriedade Industrial. Prova: a dos autos, sendo: Pericial - exame pericial de fls. 22/23, 50/57. Documental … Testemunhal …. Oportunamente, remeta-se à distribuição”
Inconformado, o Ministério Público veio recorrer do mencionado despacho de pronúncia, oferecendo as seguintes conclusões: …….
O recurso foi admitido, com subida imediata, nos próprios autos e efeito suspensivo.
Uma vez remetido a este Tribunal, a Exmª Senhora Procuradora-Geral Adjunta limitou-se ao “visto”.
Efectuando o exame preliminar e compulsados os autos, verifica-se que é desde já pertinente proferir imediata decisão sumária, com fundamento no artigo 417º, nº 6, al. d), do Código do Processo Penal.
*
II – Objecto do recurso
De acordo com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário das Secções do STJ de 19.10.1995 (in D.R., série I-A, de 28.12.1995), o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo, contudo, das questões de conhecimento oficioso, designadamente a verificação da existência dos vícios indicados no nº 2 do art. 410º do Cód. Proc. Penal.
O recurso está limitado à pronúncia da arguida pela prática do crime de venda, circulação ou ocultação de produtos ou artigos contrafeitos, p. e p. pelo artigo 324º do Código da Propriedade Industrial.
*
III – Fundamentação É punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias quem vender, puser em circulação ou ocultar produtos contrafeitos, por qualquer dos modos e nas condições referidas nos artigos 321.º a 323.º, com conhecimento dessa situação – art.º 324.º, do Código da Propriedade Industrial.
Discute-se neste recurso o conceito de “puser em circulação” que integra o tipo do crime do art.º 324.º, do CPI.
São consideradas comerciais as compras de coisas móveis para revender – art.º 463.º, n.º 1, do Código Comercial.
São actos de comércio todos os que se acham especialmente regulados no Código Comercial – art.º 2.º, do C. Com.
São comerciantes as pessoas que, tendo capacidade para praticar actos de comércio, fazem deste profissão – art.º 13.º do C. Com.
A arguida tinha adquirido os perfumes na Feira da Ladra, em Lisboa, a pessoa não identificada, e destinava-os à venda ao público consumidor.
Estamos inquestionavelmente perante um acto de comércio praticado por um comerciante.
O DL 147/2003, de 11 de Junho, que aprovou o regime de bens em circulação objecto de transacções entre sujeitos passivos de IVA, no seu art.º 2.º, n.º 2, al. a), considera «bens em circulação» todos os que se encontrem fora dos locais de produção, fabrico, transformação, exposição, dos estabelecimentos de venda por grosso e a retalho ou de armazém de retém, por motivo de transmissão onerosa, incluindo a troca, de transmissão gratuita, de devolução, de afectação a uso próprio, de entrega à experiência ou para fins de demonstração, ou de incorporação em prestações de serviços, de remessa à consignação ou de simples transferência, efectuadas pelos sujeitos passivos referidos no artigo 2.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado.
São sujeitos passivos do IVA as pessoas singulares ou colectivas que, de um modo independente e com carácter de habitualidade, exerçam actividades de produção, comércio ou prestação de serviços, incluindo as actividades extractivas, agrícolas e as das profissões livres, e, bem assim, as que do mesmo modo independente, pratiquem uma só operação tributável, desde que essa operação seja conexa com o exercício das referidas actividades, onde quer que este ocorra, ou quando, independentemente dessa conexão, tal operação preencha os pressupostos da incidência real de IRS e de IRC – art.º 2.º, do Código do IVA.
Ora, aqui chegados, dúvidas inexistem que, por um lado, os perfumes que a arguida detinha entraram em circulação comercial – ou giro comercial - assim que ela os adquiriu para revenda, porque a sua compra se tratou de acto de comércio, e, por outro, para efeitos tributários, os mesmos bens são considerados em circulação porque, sendo por ela adquiridos, foram apreendidos já fora do local onde foram comprados.
Giro comercial em português, línea del negocio em espanhol ou line of business em inglês, são expressões com o mesmo sentido, de actividade comercial em curso. Por conseguinte, a partir do momento em que a arguida adquire os perfumes na Feira da Ladra para os revender, está a introduzir tais bens no seu giro comercial: estão em circulação na sua actividade comercial, circulação que só termina no consumidor final.
Não se vê outra interpretação possível de “puser em circulação” do art.º 234.º, do CPI.
É totalmente irrelevante que, no exacto momento em que foi interceptada pela autoridade policial, a arguida não se encontrasse a vender, por se ter dirigido para um local a fim de prover à alimentação dos seus filhos. A arguida nunca afastou a intenção de revender tais bens, pelo que desde a compra até à venda ao consumidor final estavam sempre em circulação.
Como bem cita o Tribunal a quo, é unânime a jurisprudência conhecida sobre esta matéria: Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra de 29/09/98, in CJ , ano XXIII, Tomo IV; Ac. de 10/02/2010, proferido pelo Tribunal da Relação do Porto (Processo nº 5/06.8FBVRL.P1), disponível in www.dgsi.pt; Ac. da Relação do Porto, processo 0545151, de 29-3-2006; Ac. da Relação do Porto, de 5-2-2007 no processo 0714122, 5-2-2007(JTRP00040845; Ac. da Relação do Porto, de 16-12-1998, processo 9640888; Ac. da Relação do Porto, de 5-3-2008, processo 0746287; e Ac. do Tribunal da Relação do Porto de 05-12-2007 (Processo nº 0714122), in www.dgsi.pt. O produto contrafeito (no caso) é posto em circulação assim que for vendido para revenda.
De resto, só assim faz sentido a previsão do art.º 234.º, do CPI. Pretende- -se evitar que o produto contrafeito entre no giro comercial, seja objecto de compra e venda comercial, o que só será possível com uma interpretação abrangente deste tipo de crime, que permita alcançar a primeira pessoa que adquiriu o produto contrafeito para revenda. Deixar de fora uma situação como a dos autos, em que a arguida, embora tendo adquirido os produtos contrafeitos para revenda, no momento da apreensão estava a dar comida aos filhos, seria de todo destituído de sentido e afrontava a previsão do art.º 234.º, do CPI.
O recorrente Ministério Público incorre em confusão quanto a actos preparatórios. A arguida já adquiriu os produtos para revenda, isto é, já os integrou na sua actividade comercial, pelo que são irrelevantes quer o momento quer o local da venda. A detenção dos produtos, mesmo não estando em local de venda, não pode ser considerada acto preparatório, porque o crime já está cometido aquando da compra para revenda. Não há, assim, que atender ao art.º 335.º, do CPI.
Também há alguma confusão quanto ao termo circulação. O recorrente interpreta-o de modo excessivamente literal, ou seja, produtos em circulação são os que foram comprados e estão a ser transportados para o local de venda. O abandono deste percurso, seja porque razões forem (no caso dar comida aos filhos), retiraria os bens de circulação. Nada mais errado. A circulação que interessa ao art.º 234.º é a comercial, que vai desde a compra para revenda até à venda ao consumidor final. Tudo isto é circuito comercial, com produtos em circulação.
O recurso só pode improceder.
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III – Decisão
Nestes termos, profere-se a presente decisão sumária, julgando improcedente o recurso, mantendo-se integralmente a decisão do Tribunal a quo.