DEFESA POR EXCEPÇÃO
INÍCIO DA PRESCRIÇÃO
DIREITO DE REGRESSO
SUB-ROGAÇÃO
ACIDENTE DE VIAÇÃO
ACIDENTE DE TRABALHO
Sumário

1. A falta de resposta à excepção de prescrição não implica automaticamente a procedência da mesma, porquanto o efeito cominatório apenas se encontra estabelecido para os factos articulados.
2. Entre a seguradora cível e a laboral não existe nenhum vínculo legal ou contratual que crie uma responsabilidade solidária em sentido próprio, de responsabilidade comum, em que o devedor que satisfaz a totalidade da obrigação tem o direito de reaver dos co-obrigados a sua quota parte de responsabilidade (cfr. artigo 524º CC), típica do direito de regresso.
3. Embora a lei utilize a expressão «direito de regresso», tem sido entendido pela doutrina e jurisprudência maioritárias que o direito da seguradora laboral sobre a seguradora cível se configura como verdadeira sub-rogação.
4. Sendo o cumprimento pressuposto da sub-rogação, o prazo de prescrição de três anos previsto no artigo 498.º, n.º 1, CC, tem se ser contado a partir do cumprimento.
( Elaborado pela Relatora)

Texto Integral

Acordam na 6ª Secção Cível  do Tribunal da Relação de Lisboa.

I- RELATÓRIO
G. Companhia de Seguros, S.A., com sede em Itália e sucursal em Lisboa, intentou acção declarativa com processo sumário, contra S. – Ascensores e Escadas Rolantes, S.A., pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de € 21.478,05, acrescida de juros vincendos desde a citação até integral pagamento.
Alega para tanto, e em síntese, que celebrou contrato de seguro do ramo de acidentes de trabalho com a empresa P. – Empresa de Trabalho Temporário, Ld.ª, que à data de 30 de Março de 2006, abrangia os acidentes de trabalho que pudessem ocorrer com as trabalhadoras “A”, “B” e “C” que a R. exerce a actividade de comercialização, montagem e manutenção de elevadores.
E que no dia 30 de Março de 2006 as referidas trabalhadoras colocaram-se dentro de um ascensor existente  no local onde se encontravam a trabalhar para regressarem ao seu local de trabalho,  tendo o referido elevador caído no fosso da caixa do elevador devido a deficiente manutenção e excesso de peso.
Diz ainda que, em consequência da queda do ascensor, as referidas trabalhadoras sofreram lesões e períodos de ITA, tendo a A. suportado despesas no valor total de € 21.478,05, pretendendo exercer o seu direito de regresso  sobre a R..
Contestou a R. excepcionando, no que para o recurso releva, a prescrição, por os factos terem ocorrido entre  30 de Março de 2006 e 30 de Agosto de 2006 os pagamentos referidos na acção, com excepção do capital de remição e transportes referidos no doc. 14 e das custas dos doc. 15 a 18  anexos à petição inicial. E que, à data da citação (2009.11.04), já tinha decorrido o prazo de três anos previsto no artigo 498.º, n.º 1, CC.
Respondeu a A., deduzindo incidente de intervenção provocada da Zurich, para quem  a R. transferiu a responsabilidade civil por acidentes em elevadores por si conservados, incidente que foi admitido.
Contestou a chamada, e, no que ao recurso concerne,  fez sua a contestação da R., na parte relativa à prescrição.
Foi proferida sentença que, na parte que releva para o recurso, considerou verificada a excepção de prescrição,  à data da citação da R. já ter decorrido o prazo de três anos previsto no artigo 498.º, n.º 1, CC.
Inconformada, recorreu a A., apresentando as seguintes alegações:
« 1) Andou mal o Tribunal a quo ao julgar verificada a excepção de prescrição a que alude o nº 1 do art. 498º do Código Civil e ao absolver as Rés do pedido nos termos do nº 3 do art. 493º do Cód. Processo Civil;
2) Nos termos do disposto no art. 441º do Código Comercial a A. ficou sub-rogada em todos os direitos do segurado contra a Ré.
3) A norma aplicável é pois a constante do n.º 2 do art. 498º do Cód. Civil. Neste sentido o Acórdão do STJ, de 25.03.2010, in www.dgsi.pt "1.A norma constante do nº 2 do art. 498° do CC é analogicamente aplicável aos casos em que o direito ao reembolso se efectiva, não através da constituição de um direito de regresso nas relações internas entre responsáveis solidários, mas pela via da sub rogação legal. 2. Na verdade, assentando decisivamente a sub rogação, enquanto fonte da transmissão de um crédito, no facto jurídico do cumprimento, o prazo prescricional de curta duração, previsto no n°1 do art. 498°do CC, apenas se inicia — no que se refere ao direito ao reembolso efectivado através da figura da sub rogação — com o pagamento efectuado ao lesado, já que anteriormente a esse facto o demandante está privado da possibilidade de exercer o direito que lhe assiste no confronto do principal responsável pelo dano causado, constituindo restrição excessivamente onerosa a que decorreria da aplicação, nessas circunstâncias, de um prazo prescricional curto, contado da originária verificação do facto danoso na esfera do lesado."
4) A A. liquidou a indemnização em 30 de Agosto de 2006, com excepção do capital de remição e transportes referidos no doc. 14 e das custas dos docs. 15 a 18 anexos à p.i., os quais ocorreram em data posterior, em concreto em 24 de Novembro de 2006 (doc. 15 da p.i.), em 27 de Novembro de 2006 (doc. 16 da p.i.) e em 10 de Janeiro de 2007 (doc. 17 da p.i.).
5) Antes do pagamento da indemnização ao seu segurado, não tinha a A. legitimidade para pedir o reembolso às Rés.
6) Tendo a presente acção dado entrada no dia 2 de Novembro de 2009, e a Ré sido citada para os termos da mesma no dia 4 de Novembro de 2009.
7) Não obstante ter dado como assente a existência de pagamentos após o dia 30 de Agosto de 2006, não considerou o Tribunal a quo os mesmos.
8) Razão porque deveria o Tribunal a quo ter, ao contrário, ter considerado os pagamentos efectuados após 30 de Agosto de 2006 e, em conformidade, julgado a excepção invocada apenas parcialmente procedente - com referência aos pagamentos feitos pela A. até 30 de Agosto de 2006 - e improcedente quanto ao pagamento do capital de remição e transportes referidos no doc. 14 e das custas dos docs. 15 a 18 anexos à p.i., os quais ocorreram em data posterior, em concreto em 24 de Novembro de 2006 (doc. 15 da p.i.), em 27 de Novembro de 2006 (doc. 16 da p.i.) e em 10 de Janeiro de 2007 (doc. 17 da p.i.),
9) Os quais deverão ser considerados, revogando-se parcialmente a sentença recorrida.
10) Ao não o fazer violou quanto dispõe o artigo 306º, 498º n.º 2 do Código Civil e no art. 493º, n.º 3 e 787º do Cód. Proc. Civil.
11) Impondo-se, em consequência, a revogação parcial da sentença recorrida.
Nestes termos, nos mais de direito e sempre com o mui douto suprimento de V.Exas., deve dar-se provimento ao presente recurso, revogando-se parcialmente a sentença recorrida em conformidade com as presentes alegações, assim se fazendo
JUSTIÇA
Contra-alegou a R. S..., dizendo que a falta de resposta à excepção tem efeito cominatório, porque nada alegado na petição inicial contrariava a referida excepção, sendo irrelevante que tenha admitido pagamentos após  30 de Agosto de 2006, pois a excepção invocada abrangia a totalidade do pedido.
E que relativamente ao montante que está em causa no recurso, os pagamentos foram feitos no âmbito do processo laboral, em que a recorrente e a entidade patronal das sinistradas se deram como únicos responsáveis pelo acidente, pelo que não é verdade que se tivesse criado uma situação em que só a 2007.07.23, 2007.01.10, 2006.11.27 e 2006.11.24 a recorrida S... pudesse ter intervindo.
Diz ainda que se a recorrente descartou que a questão em causa fosse da competência dos tribunais do trabalho, não pode valer-se do cumprimento que teve lugar no Tribunal do Trabalho, num processo em que nenhuma das recorridas foi parte.  Sustenta que por não ter sido tida nem achada no controlo do timing do processo, não tem nexo que a contagem se faça nos termos do n.º 2 do artigo 498.º, sendo de aplicar o n.º 1, não tendo aqui aplicação o citado acórdão do STJ, por não haver sub-rogação alguma.
Afirma ainda que quanto às custas de parte constantes dos doc. 15 a 17 da petição inicial não faz sentido que o seu pagamento seja exigido à recorrida  por não ser parte no processo onde foram contada e a reclamação das mesmas ser  feita nos termos do artigo 33.º A, n.ºs  1 e 6 do Código das Custas, tendo caducado o direito de as exigir, caducidade que é do conhecimento oficioso.
Conclui pela confirmação da decisão recorrida.
2. Factualidade relevante para a apreciação da excepção de prescrição
Importa fixar os factos alegados relevantes para a apreciação da excepção de prescrição:
2.1. G. Companhia de Seguros, S.A. celebrou contrato de seguro do ramo de acidentes de trabalho com a empresa P. – Empresa de Trabalho Temporário, Ld.ª, que à data de 30 de Março de 2006, abrangia os acidentes de trabalho que pudessem ocorrer com as trabalhadoras “A”, “B” e “C” que a R. exerce a actividade de comercialização, montagem e manutenção de elevadores.
2.2. No dia 30 de Março de 2006 as referidas trabalhadoras colocaram-se dentro de um ascensor existente  no local onde se encontravam a trabalhar para regressarem ao seu local de trabalho,  tendo o referido elevador caído no fosso da caixa do elevador devido a deficiente manutenção e excesso de peso.
2.3. Em consequência da queda do ascensor, as referidas trabalhadoras sofreram lesões e períodos de ITA, tendo a A. suportado despesas no valor total de € 21.478,05.
2.4. Os pagamentos ocorreram entre 30 de Março de 2006 e 30 de Agosto de 2006, à excepção dos referidos nas alíneas seguintes.
2.5.  A quantia de € 8.415,69, a que se reporta o doc. 14 junto com a petição inicial, foi paga em 2007.07.23.
2.6. A quantia de € 115,70, a que se reporta o doc. 15 junto com a petição inicial, foi paga em 2006.11.24.
2.7. A quantia de € 125,00,  a que se reporta o doc. 16 junto com a petição inicial, foi paga em 2006.11.27.
2.8. A quantia de € 100,00,  a que se reporta o doc. 17 junto com a petição inicial, foi paga em 2007.01.10.
2.9. A quantia de € 71,40,  a que se reporta o doc. 18 junto com a petição inicial, foi paga em 2007.03.22.
2.10. A acção foi proposta em 2009.11.02  e a R. citada em 2009.11.04.
3. Do mérito do recurso
O objecto do recurso, delimitado pelas conclusões das alegações (artigo 684.º, n.º 3, e 685 A, n.º 1 CPC), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 660.º, n.º 2, in fine), consubstancia-se nas seguintes questões:
- alegado efeito cominatório da falta de contestação à excepção de prescrição;
- contagem do prazo de prescrição (dies a quo ) nos casos de sub-rogação legal.
Neste recurso, apenas está em causa a problemática da prescrição dos créditos enunciados nos pontos 2.5. a 2.9., não sendo esta a sede própria para saber se tais quantias são ou não efectivamente devidas.
3.1. Do alegado efeito cominatório da falta de contestação à excepção de prescrição
Sustenta a apelada que a falta de resposta à excepção tem efeito cominatório, porque nada alegado na petição inicial contrariava a referida excepção, sendo irrelevante que tenha admitido pagamentos após  30 de Agosto de 2006, pois a excepção invocada abrangia a totalidade do pedido.
Contrariamente ao pretendido pela apelada, a falta de resposta à excepção de prescrição não implica  automaticamente a procedência da mesma, porquanto o efeito cominatório apenas se encontra estabelecido para os factos articulados.
Desde a reforma do processo civil operada pelo Decreto-Lei 325-A/95, de 12 de Dezembro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei 180/96, de 25 de Setembro, que foi afastado o efeito cominatório pleno estabelecido para a falta de contestação nos processos sumário e sumaríssimo.
E, de todo o modo,  mesmo antes da reforma de 1995, o efeito cominatório pleno em matéria de excepção funcionava apenas no plano dos factos, pelo que, mesmo em processo sumário, a falta de contestação à excepção apenas tinha como consequência considerarem-se admitidos por acordo os factos articulados tipificadores de tal excepção, nos termos do artigo 490.º, n.º 1, ex vi  artigo 463.º, n.º 1, CPC, na versão anterior à reforma de 1995 (cfr. acórdão da Relação de Coimbra, de 1977.04.13,  Ferreira Pinto, C.J., de 1997, pg. 296).
Para além de a falta de contestação à excepção de prescrição não importar por si só a procedência da mesma, também é irrelevante que a apelada, na parte final da contestação, tenha pedido a procedência integral da prescrição, apesar de ter afirmado que os pagamentos — à excepção dos referidos em 2.5 a 2.9 — ocorreram até 2006.08.30.
A procedência ou improcedência da excepção assenta numa questão de direito, que há-de ser resolvida em função dos factos alegados.
3.2. Da contagem do prazo de prescrição na sub-rogação legal
Para uma melhor compreensão da questão em apreço importa clarificar a natureza do direito que a apelante se propôs exercer.
As vítimas do acidente ocorrido no elevador, que levou ao pagamento das quantias que são pedidas na acção, eram trabalhadoras da empresa que transferiu para a apelante (A.) a responsabilidade emergente de acidentes de trabalho,  e a apelada (R.)  era a empresa responsável pela manutenção do elevador onde ocorreu o acidente.
Assim, a seguradora laboral pretende ressarcir-se junto da  entidade responsável pela manutenção do elevador das quantias que despendeu com o sinistro.
O acidente integrante da causa de pedir configura-se simultaneamente como acidente de trabalho e acidente gerador de responsabilidade civil nos termos gerais.
Esta problemática, desenvolvida a propósito dos  acidentes que integram simultaneamente a categoria de acidentes de trabalho e acidentes de viação,  tem sido exaustivamente abordada pela  doutrina  e  jurisprudência,   em  especial  relativamente ao problema da cumulação das responsabilidades e  ao exercício da sub--rogação / direito de regresso do responsável pela indemnização devida pelo acidente de trabalho relativamente ao responsável pela indemnização emergente do acidente de viação (normalmente uma seguradora).
A questão não é despicienda, pois dela depende a determinação do regime legal aplicável, já que o artigo 498º, nº 2, CC fala em direito de regresso entre os responsáveis.
Embora em muitas legislações não exista uma diferença marcada entre direito de regresso e sub-rogação, a nossa doutrina distingue os dois institutos.
Nas palavras de Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Almedina, vol. II, 7ª edição,  pgs. 346-7,
“ É que, embora haja certa afinidade nas suas raízes, a sub-rogação e o direito de regresso constituem, no sistema legal português, realidades jurídicas distintas e, em determinados aspectos mesmo opostas.
A  sub-rogação, sendo  uma  forma de  transmissão  das obrigações, coloca o sub--rogado na titularidade do mesmo direito de crédito (conquanto limitado pelos termos do cumprimento) que pertencia ao credor primitivo. O direito de regresso  é um direito nascido ex novo  na titularidade  daquele que extinguiu, no todo ou em parte,  a relação creditória anterior ou aquele à custa de quem a relação foi considerada extinta.
A sub-rogação  envolve um benefício concedido (umas vezes por uma ou outra parte; outras pela lei),  a quem, sendo terceiro, cumpre, por ter interesse na satisfação do interesse do credor. O direito de regresso, no caso da solidariedade passiva, é uma espécie de direito de reintegração (ou direito à restituição) concedido por lei a quem, sendo devedor perante o accipiens da prestação, cumpre, todavia, para além do que lhe competia no plano das relações internas “.
Relativamente a esta problemática da sub-rogação / direito de regresso nos acidentes que são simultaneamente acidente de trabalho e acidente de viação,  seguiremos de perto o acórdão da Relação de Lisboa, de 2007.11.29, Salazar Casanova, www.dgsi.pt.jtrl, proc. 9424/2007, para que remetemos para maiores desenvolvimentos.
À data do acidente em causa nos autos  encontrava-se em vigor a Lei 100/97, de 13 de Setembro, cujo artigo 31.º, epigrafado “Acidente originado por outro trabalhador ou terceiro» é do seguinte teor:
1 - Quando o acidente for causado por outros trabalhadores ou terceiros, o direito à reparação não prejudica o direito de acção contra aqueles, nos termos da lei geral. 
2 - Se o sinistrado em acidente receber de outros trabalhadores ou de terceiros indemnização superior à devida pela entidade empregadora ou seguradora, esta considera-se desonerada da respectiva obrigação e tem direito a ser reembolsada pelo sinistrado das quantias que tiver pago ou despendido.
3- Se a indemnização arbitrada ao sinistrado ou aos seus representantes for de montante inferior ao dos benefícios conferidos em consequência do acidente ou da doença, a desoneração da responsabilidade será limitada àquele montante.
4 - A entidade empregadora ou a seguradora que houver pago a indemnização pelo acidente tem o direito de regresso contra os responsáveis referidos no n.º 1, se o sinistrado não lhes houver exigido judicialmente a indemnização no prazo de um ano a contar da data do acidente.
5- A entidade empregadora e a seguradora também são titulares do direito de intervir como parte principal no processo em que o sinistrado exigir aos responsáveis a indemnização pelo acidente a que se refere este artigo.
Como sublinha Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Almedina, vol. I., 10ª edição, pg. 701, no âmbito da Lei 2127,  mas com plena actualidade,
a diversidade de tratamento, que acaba de ser apontada, mostra que a lei não coloca no mesmo plano os dois riscos com os quais o dano se relaciona. O risco próprio do veículo causador do acidente  funciona como uma causa mais próxima  do dano que o perigo inerente à laboração  da entidade patronal” .
Este autor remete para a anotação efectuada na RLJ 103º/25, onde se lê, a este propósito, que
Quando assim seja [quando o acidente de trabalho é simultaneamente um acidente de viação causado por terceiro] é sabido que a ocorrência, situada na zona dos riscos próprios da relação de trabalho, não deixa de onerar a entidade patronal. Mas essa circunstância não impede que, ao mesmo tempo, lhe deva ser aplicável o regime privativo da causa próxima  do facto danoso, que é o acidente de viação, devendo facultar-se ao sinistrado  a possibilidade legal de reagir  não só contra o causador do acidente, como contra as demais pessoas  responsáveis pelos riscos próprios dos veículos de circulação terrestre.
     As razões que justificam a responsabilidade dessas pessoas tanto colhem no caso de o acidente de viação atingir a vítima fora do círculo da sua actividade profissional, nenhuma relação tendo com os acidentes de trabalho, como na hipótese de ela ser mortalmente atingida ou corporalmente atingida em pleno local de trabalho ou no exercício da sua actividade.”
Mais adiante, a pg. 26, escreve este autor que
a lei não hesitou em colocar em planos diferentes a responsabilidade do patrão e a responsabilidade do causador do acidente, depois de eficazmente assegurado o direito da  vítima  à indemnização contra qualquer deles.
     O risco da relação de trabalho aparece como uma causa remota do dano, situada num segundo plano; o facto ilícito culposo de terceiro é, por seu turno,  a causa próxima ou imediata, destacada  para o primeiro plano da responsabilidade no domínio das relações internas  entre obrigados “.
Do exposto resulta que a lei considera que a responsabilidade primária é a responsabilidade civil emergente de acidentes de viação, reconhecendo à seguradora laboral que indemnizou o sinistrado o direito de ser reembolsada pela totalidade do que prestou junto do responsável pelo sinistro.
O que fica dito relativamente  aos acidentes de viação  vale relativamente a outros acidentes geradores de responsabilidade civil.
Assim, entre a seguradora cível e a laboral não existe nenhum vínculo legal ou contratual que crie uma responsabilidade solidária em sentido próprio, de responsabilidade comum, em que o devedor que satisfaz a totalidade da obrigação tem o direito de reaver dos co-obrigados a sua quota parte de responsabilidade (cfr. artigo 524º CC), típica do direito de regresso.
A prestação efectuada pelo responsável cível é idónea para liberar o responsável laboral, mas a inversa já não é verdadeira; o responsável laboral pode reaver do responsável cível tudo o que pagou ao sinistrado,  mas o responsável cível não tem qualquer direito sobre o responsável laboral. Precisamente porque as duas responsabilidades se situam em planos diversos, como se referiu supra: o responsável cível é o primeiro obrigado.
A seguradora laboral tem direito a ser reembolsada de tudo o que prestou, enquanto entidade  interessada na cumprimento da obrigação,  e  não   enquanto  co-devedor (cfr. artigo 592º CC). No fundo, a seguradora laboral substitui-se ao sinistrado no exercício do direito à indemnização contra o responsável cível na exacta medida do que cumpriu, o que configura uma situação de sub-rogação.
Embora a lei utilize a expressão «direito de regresso», tem sido entendido pela doutrina e jurisprudência maioritárias que o direito da seguradora laboral sobre a seguradora cível se configura como verdadeira sub-rogação. Refira-se que a Lei 1942, de   27 de Março  de 1936, que antecedeu a  Lei 2127,  de 3 de Agosto de 1965, que por seu turno antecedeu a Lei 100/97,  falava em sub-rogação (artigo 7º da citada Lei 1942).
A este propósito vejam-se os acórdãos da Relação do Porto, de 2009.06.23, Canelas Brás, de 2007.06.18, Manuel Capelo, de 2007.01.25, Fernando Batista,  de 2006.02.16, Amaral Ferreira, www.dgsi.pt.jtrp, proc. 0826443, 0732889, 0636971, 0533830, respectivamente.
Se se tratasse de direito de regresso em sentido próprio, o prazo de prescrição seria de três anos a contar do cumprimento, conforme expressamente dispõe o artigo 498º, nº 2, CC.
Tratando-se de sub-rogação, e porque estamos no âmbito da responsabilidade extra--contratual, o prazo de prescrição é de três anos, nos termos do artigo 498º, nº 1, CC.
O problema põe-se relativamente ao dies a quo.
Configurando a sub-rogação uma transmissão do crédito, em princípio o direito teria o mesmo conteúdo que tinha na esfera do credor, designadamente para efeito de prescrição: o prazo de prescrição deveria ser o do antigo credor.
Tal solução, porém, afigura-se desajustada.
Com efeito, o direito de reembolso do terceiro que cumpre a obrigação apenas nasce com o cumprimento, e opera na sua estrita medida.
Por outras palavras: sendo o cumprimento pressuposto do seu direito, é evidente que ele só pode ser exercido depois do cumprimento – a fonte da transmissão do crédito é o facto jurídico do cumprimento (Galvão Teles, Obrigações, Coimbra Editora, 7ª edição, pg. 283).
Considerar a data do acidente como dies a quo, abstraindo da data do pagamento, poderá conduzir à situação absurda de o direito prescrever antes de poder ser exercido, mesmo antes de ter nascido, como se dá conta no acórdão do STJ, de 2000.04.13, Sousa Inês, www.dgsi.pt.jstj,  proc. 00B200
O disposto nos dois números do art.º 498.º, não é mais do que a aplicação da regra geral já antes estabelecida no art.º 306.º, n.º 1 do mesmo Código, onde se determina que o prazo de prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido.
Não pode ser de outro modo. A regra é tão elementar que não se concebe que alguém venha defender que o prazo de prescrição de um direito possa começar a correr ainda antes de o direito se subjectivar, de o respectivo titular o poder exercer, inclusive com o perigo de o direito prescrever ainda antes de poder ser exercido.”
Assim, quer se entenda subsumir a situação dos autos ao disposto no nº 2 do artigo 498º CC, por aplicação analógica, quer ao nº 1, conjugado com o preceituado no artigo 306º, nº 1, CC, nos termos do qual o prazo de prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido, o prazo de prescrição de  três anos tem de ser contado a partir do cumprimento.
A este propósito afiguram-se pertinentes as considerações expendidas  a este propósito no acórdão do STJ, de  2010.03.25, Lopes do Rego, www.dgsi.pt.jstj, proc.2195/06.0TVLSB.S1. Após se enunciar a divergência jurisprudencial existente sobre esta matéria, e de referir vários acórdãos do STJ no sentido da aplicabilidade, por analogia, do regime contido no n.º 2 do artigo 498.º a situações em que o direito ao reembolso do demandante se funda na figura da sub-rogação, só se iniciando o prazo prescricional contra ele no momento em que ocorre o cumprimento da obrigação que gera a transmissão do crédito, lê-se:
“ É a esta corrente jurisprudencial que inteiramente se adere.
Não se nega que — se nos movermos num plano estritamente lógico-jurídico, adoptando uma metodologia interpretativa que estaria mais próxima de uma «jurisprudência de conceitos» - poderia efectivamente ser-se levado a considerar que, assentando a subrogação legal na estrita ideia de transmissão do crédito (que não sofre qualquer alteração objectiva), o transmissário sucederia estritamente na posição jurídica do transmitente, devendo, consequentemente, suportar, nos precisos termos em que a este eram oponíveis, as excepções contra ele invocáveis.
Não pode, porém, olvidar-se que tal diferenciação radical de regimes entre a subrogação e o direito de regresso, assente na respectiva fisionomia dogmática ou conceitual, e não na ponderação dos interesses que lhe vão subjacentes, acaba por conduzir a um tratamento injustificadamente diferenciado de situações que, de um ponto de vista material, não merecem a aplicação de regimes radicalmente divergentes (podendo conduzir, em última análise, a uma verdadeira impossibilidade prática de obtenção pelo interessado do reembolso através da via da subrogação, bastando que tenha ocorrido uma dilação significativa - e não necessariamente imputável ao credor subrogado, podendo a demora radicar numa situação litigiosa quanto ao apuramento exacto dos danos causados pelo sinistro - entre os momentos do evento danoso e daquele em que se realizou o cumprimento que gera a subrogação).
E essa dualidade de tratamentos torna-se particularmente injustificável se tivermos presente que não tem havido no ordenamento jurídico uma separação, clara e estanque, entre o âmbito de aplicação das figuras da subrogação e do direito de regresso, não sendo poucos os casos em que se discute o enquadramento e qualificação jurídica do direito ao reembolso em certa situação específica, bem como aqueles em que tal fundamento tem oscilado ao longo do tempo e da sucessão de regimes legais (veja-se o Ac de 5/11/09, por nós relatado no p. 3162/08.5TBLRA.C1.S1).
Por outro lado, movendo-nos no plano da responsabilidade extracontratual, estamos confrontados com um prazo prescricional de curta duração - 3 anos -drasticamente encurtado relativamente ao prazo da prescrição ordinária, podendo facilmente transmutar-se num prazo exíguo ou insuficiente para o exercício do direito que, por subrogação, advém e quem cumpriu a obrigação no confronto do lesado e se pretende reembolsar à custa do lesante e principal responsável, colocando-o numa situação de excessiva onerosidade: na verdade, e como é óbvio, se esse prazo curto se contar a partir da originária ocorrência do facto danoso, irrelevando de todo, para tal efeito, o momento em que ocorreu o acto de cumprimento que gera a subrogação, o demandante fica inelutavelmente sujeito ao decurso desse prazo prescricional curto contado de um momento em que está absolutamente privado da possibilidade de exercer o direito ao reembolso, pela via da subrogação,              podendo facilmente tal prazo estar já inelutavelmente exaurido no momento em que o cumprimento teve lugar “.
No sentido de o prazo prescricional opera relativamente a cada pagamento parcelar e não a partir do último pagamento se pronunciaram os acórdãos da Relação de Lisboa, de 2009.05.26, Abrantes Geraldes, www.dgsi.pt.jtrl, proc. 2491/2006.7TBBRR, e da Relação do Porto, de 2004.09.16, Fernando Oliveira, www.dgsi.pt.jtrp, 0434073.
Pelo exposto, a apelação procede: a prescrição não operou relativamente aos créditos enunciados em 2.5. a 2.9.
Dispõe o artigo 715.º, n.º 2, CPC, que, se o tribunal recorrido tiver deixado de conhecer certas questões, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio, a Relação, se entender que a apelação procede e nada obsta à apreciação daquelas, delas conhecerá no mesmo acórdão em que revogar a decisão recorrida, sempre que disponha dos elementos necessários.
Estando a apreciação dos créditos não prescritos dependente  de matéria controvertida, a apurar em 1.ª instância, não opera o mecanismo da substituição.
Os autos terão de prosseguir nessa parte.
                                                    *
4. Decisão
Termos em que julgando a apelação procedente, revoga-se a decisão recorrida na parte em que julgou prescritos os créditos enunciados em 2.5. a 2.9., determinando o prosseguimento dos autos nessa parte,  mantendo-a na parte restante.

Custas pela apelada.

 Lisboa, 17 de Fevereiro de 2011

Márcia Portela
Pereira Rodrigues
Fernanda Isabel Pereira