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CONTRA-ORDENAÇÃO AMBIENTAL
ARMAZENAGEM DE RESÍDUOS
RECOLHA DE RESÍDUOS
REENVIO PREJUDICIAL
Sumário
I – O conceito de armazenagem não pode ser coincidente com o de recolha, isto é, tem que entender-se que a preparação de resíduos para o seu transporte, ainda que implique deposição, mistura e mudança de transporte, não constitui armazenamento. II – Armazenamento sujeito à licença é a deposição temporária e controlada de resíduos, por prazo determinado, antes do seu tratamento, que excluí as operações de apanha, selectiva ou indiferenciada, de triagem e ou mistura de resíduos com vista ao seu transporte, que constituem a recolha de resíduos. III – Sendo certo que os tribunais nacionais estão sujeitos ao princípio da interpretação conforme ao direito comunitário, não o é que o Tribunal da Relação esteja obrigado a suscitar o reenvio prejudicial. IV – Uma vez que a decisão da Relação que decide o recurso em processo contra-ordenacional é passível de recurso extraordinário de fixação de jurisprudência, nos termos do disposto no art. 437.º n.º 2, do Código de Processo Penal, na esteira de João Mota de Campos, nestes casos não é obrigatório o reenvio prejudicial.
Texto Parcial
Nos presentes autos de recurso, acordam, em conferência, os Juízes da 9ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: A “Inspecção…”, em PCO Processo de contra-ordenação. com o n.º CO/002725/07, pela decisão de fls. 816 a 832, de 17/09/2009, condenou a Arg. Arguido/a/s. “G…, Ld.ª”,… pessoa colectiva,…, pela seguinte forma: “Face ao exposto decide-se:
a) Condenar a arguida na coima de €30.000,00 (Trinta Mil Euros), pela prática de uma contra-ordenação p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 23º, n.º 1, e 67º, n.º 1, alínea b) do Decreto-Lei n.º 178/2006, de 5 de Setembro, sancionável com coima de €7.500,00 a €44.890,00;
b) Condenar a arguida no pagamento das custas do processo, nos termos do disposto no art.º 58º da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto, na redacção dada pela Lei 89/2009, de 31 de Agosto, no montante de €100,00 (Cinquenta Euros), correspondente a encargos com comunicações, nomeadamente com as notificações efectuadas.”.
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Não se conformando com esta condenação, a Arg. impugnou judicialmente esta decisão, para os Juízos Criminais de Loures, nos termos da motivação de fls. 926 a 939. Após audiência de discussão e julgamento, realizada em 25/05/2010, foi proferida a sentença de fls. 972 a 981, que julgou improcedente a impugnação, decidindo nos seguintes termos: “Pelos fundamentos expostos, julga-se procedente a acusação, por provada, e em consequência mantém-se a decisão administrativa, condenando-se a Recorrente “G…., Lda.”, pela prática de uma contra-ordenação prevista e punida pelos artigos 23º, n.º 1 e 67º, n.º 1, alínea b) do Decreto-Lei n.º 178/2006, de 5 de Setembro, na coima de € 30.000,00 (trinta mil euros). Condena-se ainda a Recorrente nas custas, nestas se incluindo duas UC de taxa de justiça. …”.
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Voltando a não se conformar, a Arg. interpôs recurso para este Tribunal da Relação, nos termos da motivação de fls. 1006 a 1025, concluindo da seguinte forma: “…
1. A sentença recorrida, em sede de enquadramento jurídico dos factos, parte do conceito geral e corrente de descarga e conclui, apoiando-se no conceito jurídico de descarga, que a Recorrente procedeu à deposição de resíduos nas suas instalações sitas em Sacavém.
2. E, como no errado entender da sentença recorrida, qualquer deposição temporária de resíduos consubstancia uma operação de armazenamento, considerou que a Recorrente procedeu a uma operação de gestão de resíduos sujeita a licenciamento e decidiu pela manutenção da decisão administrativa que condenou a Recorrente.
3. A decisão recorrida incorreu pois numa grave inversão metodológica e numa manifesta confusão conceptual.
4. A armazenagem sujeita a licenciamento depende de três pressupostos: que seja uma deposição (i) temporária (ii) controlada e (iii) por prazo determinado antes do seu tratamento, valorização ou eliminação, sendo que no caso sub judice nenhum deles se verifica.
5. A sentença recorrida procedeu a uma errada interpretação do disposto no art. 3.º g) e art. 3.º b) do DL 178/2006, de 5 de Setembro e incorreu em erro sobre a norma aplicável ao considerar que a conduta da Recorrente era subsumível ao disposto no art. 23.º n.º 1 e 67.º n.º 1 b) do mesmo diploma legal.
6. Apenas se encontrando provado que a Recorrente recebeu resíduos nas suas instalações de Sacavém e que os fez transportar no mesmo dia para outras instalações licenciadas sitas no Barreiro, deveria a sentença recorrida ter procedido à aplicação do art. 23.º n.º 4 do DL 178/2006, de 5 de Setembro, primeira parte “Não estão sujeitas a licenciamento nos termos do presente capítulo as operações de recolha e de transporte de resíduos”, concluindo pela absolvição da Recorrente quanto à contra-ordenação pela qual foi administrativamente condenada.
7. A sentença impugnada ao confirmar a decisão administrativa de condenação da ora Recorrente sem que a conduta assumida por esta se encontre tipificada na lei como contra-ordenação, viola o disposto no artigo 1.° do RGCO e no artigo 1.º da LQCOA, preceitos que exigem que para uma conduta humana assumir a característica de infracção contra-ordenacional torna-se indispensável que coincida formalmente com a descrição feita numa norma legal que preveja uma coima.
8. A sentença recorrida, ao acolher o entendimento da decisão administrativa quanto à determinação do montante da coima aplicável, não procedeu a uma correcta ponderação das circunstâncias legalmente previstas para o efeito - nomeadamente a escassa gravidade da conduta e a diminuta ou inexistente culpa da Recorrente - violando frontalmente o art. 18.º do RGCOC e o art. 20.º n.º 1 e n.º 2 da LQCOA.
9. Os artigos 9.º e 10.º da Directiva nº 2006/12/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de Abril, e respectivos Anexos I A e 1 B, devem ser interpretados no sentido de que as actividades de “armazenagem” ou “acumulação” de resíduos que não antecedam imediatamente quaisquer operações de “valorização” ou “eliminação” não se encontrem sujeitos a licenciamento/autorização a emitir por uma autoridade competente nacional.
10. Os artigos 9.º e 10.º da Directiva nº 2006/12/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de Abril, e respectivos Anexos I A e 1 B, devem ser interpretados no sentido de que as actividades de “armazenagem” ou “acumulação” de resíduos que antecedam imediatamente a simples actividade de “transporte” de resíduos não se encontrem sujeitos a licenciamento/autorização a emitir por uma autoridade competente nacional.
11. Os tribunais portugueses estão vinculados pelo direito comunitário a interpretar os artigos 3.º, al. b) e 23.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 178/2006, de 5 de Setembro, no sentido de que as actividades de “armazenagem” ou “acumulação” de resíduos que não antecedam imediatamente quaisquer operações de “valorização” ou “eliminação” não se encontrem sujeitos ao licenciamento/autorização previsto nos artigos 9.º e 10.º da Directiva nº 2006/12/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de Abril, e respectivos Anexos I A e 1 B.
12. O Tribunal ad quem, uma vez que constitui objecto do presente recurso a correcta interpretação do direito comunitário e irá julgar em última instância, está legalmente obrigado, nos termos do disposto no último parágrafo do artigo 267.º do TUE, a promover o reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeia a propósito das questões suscitadas nas três conclusões anteriores. NESTES TERMOS E NOS DEMAIS DE DIREITO APLICÁVEIS, a) Deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a sentença recorrida e absolvendo a Recorrente da prática da contra-ordenação pela qual vem injustamente condenada; b) Deverá, nos termos do artigo 267.º do Tratado da União Europeia, serem submetidas ao Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias as questões prejudiciais colocadas pela Recorrente, como é de JUSTIÇA! …”. * O Exm.º Magistrado do MP Ministério Público. respondeu ao recurso, nos termos de fls. 1030 a 1039, concluindo da seguinte forma: “…
1º. Em face da factualidade assente, a não provada e a respectiva motivação, conclui-se que douta sentença proferida não nos merece qualquer censura, pois bem ajuizou da prova produzida em audiência, fazendo correcta qualificação dos factos e aplicando correctamente a coima;
2º. Não existe qualquer errada subsunção da matéria de facto provada ao direito nem tão-pouco na determinação da medida da coima aplicável;
3º. Os factos provados não recaem na previsão do artigo 23º, n.º 4 do Decreto-Lei n.º 178/2006, de 5 de Setembro pelo que não pode concluir-se que não estejam sujeitos a licenciamento.
4º. A actividade verificada, e praticada pela recorrente, recai na definição de “armazenagem” e não estando licenciada, pratica a contra-ordenação prevista no artigo 23º, n.º 1 e 67º, n.º, 1, alínea b) do mesmo diploma legal;
5º. Atendendo à falta de licenciamento para as operações de gestão de resíduos, atendendo a que a arguida tinha conhecimento que estava obrigada a obter a competente licença para proceder à gestão de resíduos nas suas instalações e que actuava sem essa mesma licença, atendendo aos seus antecedentes contra-ordenacionais, ao dolo;
6º. ao benefício económico consubstanciado no não pagamento dos montantes inerentes à obtenção do licenciamento em causa e, por fim, atendendo à moldura abstracta para a coima em causa, sancionável com coima entre 7.500 €uros a 44.890 €uros, entendemos que a coima aplicada - de 30.000 €uros - é adequada e proporcional;
7º. O Decreto-Lei n.º 178/2006, de 5 de Setembro, que estabelece o regime geral de gestão de resíduos, transpôs para a Ordem Jurídica interna a Directiva n.º 2006/12/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de Abril, e a Directiva n.º 91/689/CEE, do Conselho, de 12 de Dezembro, de onde decorre a consagração do princípio do licenciamento das operações de gestão de resíduos;
8º. O Decreto-Lei n.º 178/2006, de 5 de Setembro, não viola as Directivas enunciados estando correctamente interpretadas e transpostas para o Direito Interno;
9º. Não padece, pois, a sentença recorrida de qualquer vício nem violou qualquer preceito legal. Deverá, assim, manter-se a douta sentença recorrida. Vossas Ex.ªs, porém, decidindo, farão a habitual JUSTIÇA. …”. * Este recurso foi admitido pelo despacho de fls. 1040. * A Exm.ª Senhora Procuradora-Geral Adjunta apôs o seu visto (fls. 1046). * A sentença (ou acórdão) proferida em processo penal integra três partes distintas: o relatório, a fundamentação e o dispositivo. A fundamentação abrange a enumeração dos factos provados e não provados, relevantes para a decisão, e que o tribunal podia e devia investigar; expõe os motivos de facto e de direito que fundamentam a mesma decisão e indica, procedendo ao seu exame crítico e explanando o processo de formação da sua convicção, as provas que serviram para fundamentar a decisão do tribunal. Tais provas terão de ser produzidas de acordo com os princípios fundamentais aplicáveis ou seja o princípio da verdade material; o princípio da livre apreciação da prova e o princípio “in dubio pro reo”. Igualmente é certo que, no caso vertente, tendo a prova sido produzida em sede de audiência de julgamento, está sujeita aos princípios da publicidade bem como da oralidade e da imediação. A decisão em crise fixou a matéria de facto da seguinte forma: “Factos provados: Consideram-se provados os seguintes factos com relevância para a decisão da causa: a) No dia 21 de Maio de 2007, pelas 08h45, no âmbito de uma acção inspectiva às instalações da empresa “F…, SA.”, sita em … sita em…, foi verificado que este operador de gestão se encontrava em funcionamento, tendo iniciado a sua actividade em 1973, dedicando-se desde então à recolha, triagem e armazenamento de resíduos de papel, cartão e plástico. b) Em 2006, foram recepcionadas cerca de 44.000 toneladas de resíduos na sua maioria papel e cartão (revistam, arquivos, tipografia, “tetrapack”, bobines, aparas brancas, jornal, cartão, farripas, etc.), sendo cerca de 430 toneladas de resíduos plásticos de pequenas dimensões. c) Os resíduos resultantes da actividade resumem-se a metais ferrosos (desperdícios de arame resultantes do processo de enfardamento), paletes de madeira (associadas ao transporte de resíduos) e óleos usados (resultantes da manutenção efectuada às viaturas e às máquinas à unidade). d) No dia 21-12-2006 foram enviadas paletes de madeira da empresa “F…, S.A.” para a Recorrente “I…, Lda.” - Sacavém, tendo sido preenchida a guia de acompanhamento de resíduos n.º 6892017 e a guia de transporte n.º 54 273. e) No dia 03-07-2007 foram enviadas paletes de madeira da empresa “F…, S.A.” para a Recorrente “I…, Lda.” - Sacavém, tendo sido preenchida a guia de acompanhamento de resíduos n.º 8389059 e a guia de transporte n.º 55 579. f) Na guias de acompanhamento de resíduos mencionadas em d) e e) constam o código LER 150103 e na identificação do meio de transporte a matrícula 20-66-SG. g) Nas datas referidas em d) e e) a Recorrente não era possuidora de qualquer licença para a operação de resíduos em Sacavém. h) No dia 21-12-2006 foram enviadas as paletes de madeira referidas em d) da Recorrente - S para o Parque Industrial da Quimigal, sito no Barreiro, que também lhe pertence, tendo sido preenchida a guia de acompanhamento de resíduos n.º 3167064. i) No dia 03-07-2007 foram enviadas paletes de madeira referidas em e) da Recorrente - S para o Parque Industrial da …, sito no Barreiro, que também lhe pertence, tendo sido preenchida a guia de acompanhamento de resíduos n.º 7784001. j) Nas guias de acompanhamento de resíduos referidas em h) e i) constam o código LER 150103 e na identificação do meio de transporte a matrícula 05-62-QC. k) A arguida foi condenada numa coima de € 5.000,00, no processo de contra-ordenação CO/00777/2004, em 30-08-2006, pela prática de uma contra-ordenação prevista e punida nos termos previstos nos termos dos artigos 8º, nº 1 e 20º nº 1 do Decreto-Lei nº 239/97 de 9 de Setembro, relativa à ausência de autorização prévia para as operações de gestão de resíduos na sua unidade sita na Quinta …, Sacavém, no dia 05-11-2003. l) A arguida também foi arguida no processo de contra-ordenação n.º CO/002147/2006. m) Em 17-04-2001 a arguida apresentou junto do presidente da Câmara Municipal de… o pedido de certidão de aprovação de localização para a instalação do seu centro de triagem de resíduos recicláveis. n) Em 09-08-2001 a arguida deu entrada na ex-DRAOT LVT do pedido de licenciamento da sua estação de triagem. o) Em 12-12-2001 o Técnico da Câmara Municipal de …, F…, propôs a emissão de parecer favorável a título precário e por três anos, à localização para a instalação de um Centro de Triagem de Resíduos recicláveis. p) Em 14-12-2001 foi proferido despacho pelo Sr. Vereador da Câmara Municipal de …, o qual concordou com o teor da informação prestada anteriormente. q) Em 04-11-2002 a arguida deu entrada junto da ex-DRAOT LVT do pedido de autorização prévia para uma unidade de triagem sita em Sacavém, juntando para o efeito o ofício nº 273 da Câmara Municipal de…. r) Em 05-06-2003 a arguida juntou diversos documentos no processo 949/DSMAGR/24/2001 referente à sua unidade de triagem de Sacavém, entre os quais Certidão da aprovação de localização emitida pela Câmara Municipal de …. s) Em 30-09-2003 a CCDR LVT informou a arguida que o seu processo 949/DSMAGR/24/2001 não se encontrava em condições de prosseguir, uma vez que a certidão emitida pela Câmara Municipal de … constituía um documento a título precário. t) Em 24-11-2004 a Câmara Municipal de … emitiu uma informação de clarificação da informação nº 169 emitida em 12/12/2001. u) Em 15-03-2004 o recurso hierárquico apresentado pela arguida foi indeferido pelo Sr. Secretário de Estado do Ambiente. v) A arguida intentou contra o Ministério das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente Acção Administrativa Especial, em 18-06-2004. w) Em Março de 2005 a arguida requereu novamente junto da Câmara Municipal de … a emissão de parecer que atestasse a compatibilização da referida unidade. x) A arguida encomendou um estudo geotécnico justificativo da segurança das construções existentes na …, em Sacavém, à empresa “G…SA,” que juntou ao processo em curso na autarquia. y) O referido estudo concluiu no sentido da existência de condições de segurança nas construções existentes na …. z) Em 10-08-2005 a empresa “L…., Lda.” autorizou a arguida a instalar uma estação de Triagem e Transferência de Resíduos no antigo armazém de têxteis existente na … e a executar todos as obras necessárias para o efeito. aa) A arguida requereu em 10-08-2007 à C… um pedido de licenciamento de Alvará de Gestão de Resíduos para a unidade que possui em… Loures. bb) A arguida dirigiu com data de 24-10-2007 à C… um pedido de informação relativamente ao pedido de licenciamento de Alvará de Gestão de Resíduos para a unidade que possui em … Loures. cc) A arguida tinha conhecimento que estava obrigada a obter a competente licença para proceder à gestão de resíduos nas suas instalações e que actuava sem essa mesma licença. dd) A Recorrente é possuidora de licença para Sacavém desde 2009. Factos não provados: Não se provou o seguinte: A Recorrente apenas procedeu ao transbordo de contentores entre camiões.”. * Como dissemos, o art.º 374º/2 do CPP Código de Processo Penal. determina que, na sentença, ao relatório se segue a fundamentação que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direitos, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal. A redacção deste preceito inculca a ideia, que a obediência a regras de bom senso, clareza e precisão apoiam, de que a fundamentação da decisão se repartirá pela enumeração dos factos provados, depois dos não provados e, seguidamente, pela exposição dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão com o exame crítico das provas. Necessário e imprescindível é que o tribunal indique os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência se possa controlar a razoabilidade da convicção sobre o julgamento do facto provado ou não provado Relativamente à fundamentação de facto, cf. a jurisprudência plasmada no Ac. STJ de 17/11/1999, relatado pelo Sr. Conselheiro Martins Ramires, in CJSTJ, III, p. 200 e ss., do qual citamos: “O entendimento do STJ sobre o cumprimento deste preceito encontra-se sedimentado: trata-se de exposição tanto quanto possível completa, mas concisa, dos motivos de facto e indicação das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal, sem necessidade de esgotar todas as induções ou critérios de valoração das provas e contraprovas, mas permitindo verificar que a decisão seguiu um processo lógico e racional na apreciação da prova, não sendo ilógica, arbitrária contraditória ou violadora das regras da experiência comum ... .”. Também neste sentido, ver Maria do Carmo Silva Dias, in “Particularidades da Prova em Processo Penal. Algumas Questões Ligadas à Prova Pericial”, Revista do CEJ, 2º Semestre de 2005, pp. 178 e ss., bem como a doutrina e a jurisprudência constitucional citadas. No mesmo sentido, cf. Sérgio Gonçalves Poças, in “Da sentença penal – Fundamentação de facto”, revista “Julgar”, n.º 3, Coimbra Editora, p. 21 e ss.. Ver ainda José I. M. Rainho, in “Decisão da matéria de facto – exame crítico das provas”, Revista do CEJ, 1º Semestre de 2006, pp. 145 e ss. donde citamos: “Em que consiste portanto a especificação dos fundamentos que foram decisivos para a formação da convicção? Consiste simplesmente na indicação das razões fundamentais, retiradas a partir das provas segundo a análise que delas fez o julgador, que levaram o tribunal a assumir como real certo facto. Ou, se se quiser, consiste em dizer por que motivo ou razão as provas produzidas se revelam credíveis e decisivas ou não credíveis ou não decisivas. No primeiro caso o tribunal explica por que julgou provado o facto; no segundo explica por que não julgou provado o facto. … a motivação não tem porque ser extensa, de modo a significar tudo o que foi probatoriamente percepcionado pelo julgador. Pelo contrário, deve ser concisa, como é próprio do que é instrumental, conquanto não possa deixar de ser completa.”. Ver, por último, o acórdão do Tribunal Constitucional de 17/01/2007, in DR, 2ª Série, n.º 39, de 23/02/2007, que decidiu, além do mais, “Não julgar inconstitucional a norma dos artigos 374.º, n.º 2, e 379.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal, interpretados no sentido de que não é sempre necessária menção específica na sentença do conteúdo dos depoimentos da arguida e das testemunhas de defesa.”.. No cumprimento desse dever, a decisão recorrida fundamentou a sua decisão de facto seguinte forma: “O tribunal fundou a sua convicção no teor dos documentos de fls. 6, 8, 10 a 22, 82/83, 105/106, 204/210, 399/406 e 407 a 806, em conjugação com as declarações da testemunha B…(inspector), quanto ao que verificou aquando da inspecção à empresa F…, bem como em conjugação com as declarações da testemunha C… (o qual presta assessoria técnica à Recorrente), quanto à organização empresarial da Recorrente e aos factos verificados nos dias 21-12-2006 e 03-07-2007, bem como quanto às diligências para obtenção da licença e à sua obtenção. A convicção sobre o elemento subjectivo alicerçou-se no conhecimento dessas mesmas diligências encetadas pela Recorrente para obtenção de licença: não é credível que pensasse estar tacitamente licenciada (como afirmou a última testemunha) ou que pensasse que factos como os dos autos não revestissem de carácter ilegal (como também afirmou a última das testemunhas referidas) se foi sempre desenvolvendo diligências para obtenção do licenciamento e se (até como afirmou a última testemunha) em Sacavém apenas desenvolvesse acções como a destes autos. O facto não provado derivou do confronto das guias de acompanhamento de resíduos em causa e das próprias declarações da testemunha C… que descreveu a actividade da Recorrente em Sacavém para além da troca de veículos – como afirmou para os factos em causa e que não mereceu credibilidade no contexto das demais declarações. Em concreto, das suas declarações resultou a este Tribunal que em Sacavém a Recorrente procede à colocação dos resíduos que recebe em vários contentores de vários clientes num contentor maximizado a fim de rentabilizar o transporte para o Barreiro, não afigurando assim credível que nos caso dos autos – e sem qualquer explicação que o sustentasse – se tivesse limitado a proceder à passagem do contentor de um veículo para outro veículo.”. * O processamento das contra-ordenações ambientais rege-se pela Lei Quadro das Contra-ordenações Ambientais, aprovada pela Lei 50/2006, de 29/08 Que entrou em vigor em 03/09/2006., Entretanto alterada pela Lei 89/2009, de 31/08, que entrou em vigor em 05/09/2009.. Esta Lei, no seu art.º 2º/1, estabelece como regime subsidiário o disposto no RGCO Regime Geral das Contra-Ordenações, constante do DL 433/82, de 27/10, que entrou em vigor em 01/11/1982, com as várias alterações que entretanto lhe foram introduzidas., aprovado pelo DL 433/82, de 27/10, que, por sua vez, no art.º 41º/1, quanto ao processamento, remete subsidiariamente para as normas processuais penais Já quanto ao direito subsidiário substantivo, remete para o Código Penal (art.º 32º).. Nos recursos da sentença proferida em sede de impugnação judicial, o Tribunal da Relação só conhece da matéria de direito (art.º 75º/1 do RGCO), salvo no caso de se verificarem os vícios referidos no art.º 410º/2 do CPP, que são de conhecimento oficioso Cf. Ac. do STJ de 19/10/1995, in DR 1ª Série A, de 12/28/1995, que fixou jurisprudência no sentido de que é oficioso o conhecimento, pelo tribunal de recurso, dos vícios indicados no art.º 410.º/2 CPP.. Não tem aplicação nestes recursos a limitação pelo conteúdo da decisão recorrida, nem pelas alegações do recorrente, nos termos do disposto no art.º 75º/2 do RGCO Neste sentido, cf. Simas Santos e Jorge Lopes de Sousa, in “Contra-ordenações – Anotações ao Regime Geral”, Vislis Editores, 4ª ed., 2007, págs. 573 e 574.. Da leitura das conclusões da motivação do recurso, afigura-se-nos que as questões fundamentais que a Recorrente suscitou como fundamento do seu recurso são as seguintes:
I) A decisão recorrida considerou erradamente ter a Recorrente armazenado os resíduos em causa, porque os factos dados como provados não integram o conceito de armazenagem consagrado no DL 178/2006, de 05/09;
II) Se assim se não entender, deve o tribunal desencadear o reenvio prejudicial, para interpretar o conceito de armazenagem consagrado na Directiva 2006/12/CE, que o DL 178/2006 transpôs para a ordem jurídica interna. * Cumpre decidir. (…) * Isto posto, analisemos as questões suscitadas pela Recorrente. I) A gestão de resíduos é legalmente disciplinada pelo Regime Geral da Gestão de Resíduos Doravante “RGGR”., aprovado pelo DL 178/2006, de 05/09 Que entrou em vigor em 10/09/2006., que transpôs para a ordem jurídica interna as Directivas 2006/12/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 05/04, e 91/689/CEE, do Conselho, de 12/12. Importa referir que, entretanto, estas directivas foram revogadas pelo art.º 41º da Directiva 2008/98/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19/11. Nos termos do art.º 40º/1, esta Directiva devia ter sido transposta para o direito interno até 12/12/2010, o que ainda não aconteceu, estando, portanto, Portugal em falta. São operações de gestão de resíduos as de recolha, transporte, armazenagem, triagem, tratamento, valorização e eliminação (art.º 2º/1 do RGGR). Algumas dessas operações estão sujeitas a licenciamento: as de armazenagem, triagem, tratamento, valorização e eliminação (art.ºs 9º/2 e 23º/1 do RGGR). Também se não podem descarregar resíduos em locais não licenciados para a realização de operações de gestão de resíduos (art.º 9º/3). Assim, em geral, não estão sujeitas a licenciamento as operações de recolha e de transporte de resíduos (art.º 23º/4 do RGGR). O que está aqui em causa é, pois, determinar se os factos provados integram o conceito de armazenagem, consagrado no art.º 3º/b) do RGGR. A esse propósito contém a decisão recorrida o seguinte: “… Considerando os factos provados sob as alíneas d), e), f), h), i) e j), entendemos que a Recorrente procedeu a uma operação de armazenagem: a Recorrente recebeu os resíduos em Sacavém – acompanhados de guias de acompanhamento e num determinado veículo – e daí reenviou-os para o Barreiro no mesmo dia – acompanhados de outras guias de acompanhamento e noutro veículo, ou seja, procedeu à descarga dos resíduos em Sacavém – veja-se a definição contida no artigo 3º, alínea g): «descarga» é “a operação de deposição de resíduos” – e como esta (deposição) foi temporária e por prazo determinado – o qual foi efectivamente curto – procedeu à armazenagem. E face ao facto provado descrito em g) e cc), forçosamente se conclui que a Recorrente incorreu na contra-ordenação de que vem acusada. …”. O RGGR consagra, entre outras, as seguintes definições:
“…
b) «Armazenagem» a deposição temporária e controlada, por prazo determinado, de resíduos antes do seu tratamento, valorização ou eliminação; … g) «Descarga» a operação de deposição de resíduos; … t) «Recolha» a operação de apanha, selectiva ou indiferenciada, de triagem e ou mistura de resíduos com vista ao seu transporte; …”. Ora, o conceito de armazenagem não pode ser coincidente com o de recolha, isto é, tem que entender-se que a preparação de resíduos para o seu transporte, ainda que implique deposição, mistura e mudança de transporte, não constitui armazenamento. Quanto ao conceito de armazenagem importa ter em conta que a Directiva 2006/12/CE não continha no seu art.º 1º a sua definição, fazendo-o por remissão para o Anexo II A, que descreve as operações que devem ser sujeitas a licenciamento. Nesse anexo refere-se “D 15 Armazenamento antes de uma das operações enumeradas de D 1 a D 14 (com exclusão do armazenamento temporário, antes da recolha, no local onde os resíduos foram produzidos).”. Por sua vez a referida Directiva 2008/98/CE, no seu preâmbulo, a este propósito, refere o seguinte Importa ter em conta que, conforme decidiu no acórdão do TJCE de 05/04/1979, caso Bouchereau, Col. P. 1999: “Após a expiração do período fixado para a implementação da directiva, um Estado-membro não pode invocar o seu direito interno – mesmo quando a violação deste seja passível de sanções penais – que não haja ainda sido adaptado ás exigências da directiva.”.: “… (15) É necessário fazer a distinção entre o armazenamento preliminar de resíduos antes da recolha, a recolha de resíduos e o armazenamento de resíduos antes do tratamento. Os estabelecimentos ou empresas que produzam resíduos no âmbito das suas actividades não deverão ser considerados envolvidos na gestão de resíduos nem sujeitos a autorização para o armazenamento dos referidos resíduos antes da recolha. (16) O armazenamento preliminar de resíduos referido na definição de "recolha" é entendido como uma actividade de armazenamento antes da recolha nas instalações onde os resíduos são descarregados a fim de serem preparados para posterior transporte para outro local para efeitos de valorização ou eliminação. Tendo em vista o objectivo da presente directiva, há que fazer a distinção entre o armazenamento preliminar de resíduos antes da recolha e o armazenamento de resíduos antes do tratamento, em função do tipo de resíduos, das dimensões e do período de armazenamento e do objectivo da recolha. Esta distinção deverá ser feita pelos Estados-Membros. O armazenamento de resíduos antes da valorização durante um período igual ou superior a três anos e o armazenamento de resíduos antes da eliminação durante um período igual ou superior a um ano estão sujeitos à Directiva 1999/31/CE do Conselho, de 26 de Abril de 1999, relativa à deposição de resíduos em aterros. …”. E, no seu art.º 3º, contém as seguintes definições: “… 10. "Recolha", a colecta de resíduos, incluindo a triagem e o armazenamento preliminares dos resíduos para fins de transporte para uma instalação de tratamento de resíduos; … 14. "Tratamento", qualquer operação de valorização ou de eliminação, incluindo a preparação prévia à valorização ou eliminação; …”. No art.º 23º impõe que os Estados-Membros sujeitem a licenciamento o tratamento de resíduos. Tendo em conta todos estes elementos, entendemos ser de concluir que o armazenamento sujeito à licença de que a Recorrente não dispunha é a deposição temporária e controlada de resíduos, por prazo determinado, antes do seu tratamento, que excluí as operações de apanha, selectiva ou indiferenciada, de triagem e ou mistura de resíduos com vista ao seu transporte, que constituem a recolha de resíduos. No caso concreto, está provado que os resíduos foram enviados para instalações, não licenciadas para armazenamento, da Recorrente e que esta, nos mesmos dias, os reenviou para outras instalações suas, sendo que os veículos que efectuaram um e outro transportes não foram os mesmos. Não sabemos se os resíduos foram descarregados para o solo e depois para outro meio de transporte, se foram directamente de um camião para outro, por quanto tempo exacto estiveram nas instalações da Recorrente, a que operações foram nela sujeitas. O que sabemos é que foram reenviadas nos mesmos dias para outro local. De qualquer forma, não vemos como, com estes elementos, se possa concluir que estiveram armazenados nas instalações da Recorrente. Pelo contrário, é forçoso concluir que se tratou de uma operação de recolha. Como dissemos, as operações de recolha e de transporte de resíduos não estão sujeitas a licenciamento (art.º 23º/4 do RGGR). Nos termos do disposto no art.º 75º do RGCO, a decisão do recurso pode alterar a decisão do tribunal recorrido sem qualquer vinculação aos termos e ao sentido da decisão recorrida. É o que faremos, considerando que as operações dadas como provadas na decisão recorrida não integram o conceito de “armazenamento” mas sim o de “recolha”. Esta não está sujeita a licenciamento (art.º 23º do RGGR), pelo que se não pode concluir que a Recorrente tenha praticado uma contra-ordenação p. e p. pelo disposto no art.º 67º/1-b) do RGGR, razão pela qual deve ser absolvida. É, pois, procedente, nesta parte o recurso. * II) Cremos que sendo julgado procedente o recurso naquela parte, fica prejudicada a apreciação da II questão suscitada, isto é o reenvio prejudicial, que só interessava à Recorrente na medida em que tribunal considerasse que os factos provados integravam o conceito de “armazenagem” e estavam sujeitos a licenciamento, o que não aconteceu. De qualquer forma, sempre diremos que, sendo certo que os tribunais nacionais estão sujeitos ao princípio da interpretação conforme ao direito comunitário, não o é que este tribunal esteja obrigado a suscitar o reenvio prejudicial. Na verdade, apesar de não haver recurso ordinário desta decisão, ela sempre será passível de recurso extraordinário de fixação de jurisprudência, nos termos do disposto no art.º 437º/2 do CPP. Ora, como João Mota de Campos In “Direito Comunitário”, vol. II, edição da Fundação Calouste Gulbenkian, 5ª ed., 1997, a págs. 458 a 461, donde citamos: “… Outra questão que se nos põe é, no entanto, a de saber se estão sujeitas à obrigação de reenvio as jurisdições inferiores nos casos em que, dado o valor da causa ou a natureza do processo, não há recurso ordinário das suas decisões. Esta questão suscitou algumas dúvidas No seu Acórdão COSTA/ENEL, de 15 de Julho de 1964 (proc. ° 6/64, Col. p. 1141) o TJCE pronunciou-se no sentido de que «as jurisdições nacionais (no caso concreto o giudice conciliatori — juiz de paz — de Milão) cujas decisões são, como no caso subjudice, sem recurso, devem solicitar ao Tribunal que julgue a título prejudicial...» A questão não parece no entanto ter ficado definitivamente resolvida e é curioso que até agora não haja sido frontalmente encarada. Pela nossa parte entendemos que os tribunais de instância não estão sujeitos à obrigação de reenvio mesmo quando julguem em causas que não admitem recurso. Porquê?
— Pelas razões já indicadas (supra n. ° 294) um erro de interpretação cometido pelos tribunais inferiores num julgamento insusceptível de recurso (portanto de pequena monta) não é de molde a comprometer seriamente a unidade de interpretação do direito comunitário, que em tais casos corre apenas os riscos a que está sujeito o próprio direito nacional.
— Por outro lado, impor o reenvio sempre que as jurisdições inferiores julguem sem recurso significaria uma enorme sobrecarga de trabalho para o TJCE e um considerável alongamento de processos que, pela sua natureza e reduzido valor, precisamente aconselham um julgamento rápido.
— O TJCE não pretendeu certamente, no Acórdão COSTA/ENEL, resolver uma questão que não lhe fora posta no processo nem o havia sido antes. O considerando acima transcrito surge incidentalmente, não se podendo concluir daí que o Tribunal haja querido tomar sobre a questão uma posição frontal e definitiva. — Consoante o TJCE entendeu no Acórdão de 24.5.1977, proc.° 107/76, HOFFMANN LAROCHE, Col. p. 957, o n.° 3 do art.° 177.° «a notamment pour but de prévenir que s 'établisse, dans un Etat membre quelconque, une jurisprudence nationale ne concordant pas avec les règles du droit communautaire» (n.° 5, p. 973). Também no caso CILFIT (Ac. de 6.10.1982, proc.° 283/81, Col. p. 3415) o Tribunal reafirmou que o n.° 3 do art.° 177.° «visa, particularmente, evitar que se estabeleçam divergências de jurisprudência no interior da Comunidade sobre questões de direito comunitário». O efeito útil do art. ° 177. ° não impõe, como vimos, a obrigatoriedade de reenvio em todos os casos em que as decisões não sejam susceptíveis de recurso. E o critério do efeito útil é, como se sabe, aquele que o TJCE mais utiliza no exercício da sua actividade interpretativa. Ora, não são os tribunais inferiores, julgando em causas que não admitem recurso, que estabelecem a jurisprudência que pode pôr em risco a interpretação uniforme do direito comunitário. A função de fixar a jurisprudência incumbe aos tribunais supremos.Os erros de interpretação do direito comunitário cometidos por um tribunal de instância poderão ser corrigidos, se não no próprio processo, em processo ulterior. Note-se, porém, que no citado Acórdão de 24.5.1977, HOFFMANN-LAROCHE, o TJCE deu a entender, no n.° 6 do acórdão (p. 973), que o reenvio por um Tribunal de instância seria obrigatório no caso de a decisão a proferir não ser susceptível de recurso e de as partes não terem possibilidade de instaurar uma acção em que a questão julgada a título cautelar não pudesse ser objecto de julgamento de fundo. Convém no entanto não valorizar demasiado esta decisão, porque o Tribunal fora, no caso concreto, chamado a resolver a questão da admissibilidade ou não do reenvio a título prejudicial de questões de interpretação suscitadas no âmbito de procedimentos cautelares. — O confronto com o regime CECA não favorece a tese da obrigatoriedade de reenvio pelos tribunais de instância. Com efeito, no quadro CECA (cf art. ° 41. °) apenas se previu a obrigatoriedade de reenvio das questões prejudiciais de validade — e nunca das questões de interpretação. Seria surpreendente que, ao prescrever a obrigação de reenvio da questão prejudicial de interpretação, os autores dos Tratados tivessem querido não apenas inovar em relação ao regime CECA mas ir tão longe — e a nosso ver imprudentemente — nesse esforço de inovação. — Finalmente, a redacção do art.° 177.° não impõe, mesmo analisada literalmente, a interpretação favorável à obrigatoriedade do reenvio. Bem pelo contrário — pensamos nós. A disposição alude «às jurisdições nacionais cujas decisões não são susceptíveis de recurso»; a obrigação de reenvio está pois relacionada com a natureza do tribunal e não com a natureza do processo (critério «organicista»). Ora, as decisões dos tribunais inferiores são normalmente susceptíveis de recurso. Se se tivesse pretendido impor o reenvio em todos os casos em que a decisão não estivesse sujeita a recurso, a redacção correcta seria outra. Por ex.: «Quando a questão tenha sido suscitada num processo cuja decisão não admita recurso...». Esta redacção, que abarcaria as decisões dos tribunais supremos e as dos tribunais inferiores não passíveis de recurso, seria certamente mais adequada. Assim, tendo em conta o alto nível técnico da redacção do Tratado de Roma, cremos ser de repudiar uma interpretação que não conduzindo a um resultado satisfatório ainda por cima só seria admissível no pressuposto de uma redacção pouco feliz do art.° 177.0. V., neste sentido, o Advogado-Geral LAGRANGE in R. T.D.E. , 1974 e M. Pépy, CDE, 1966, p. 31; e Pierre PESCATORE, O Recurso Prejudicial do art. ° 177.° do Tratado CEE e a Cooperação do Tribunal com as jurisdições nacionais, in Bol. Min. ° Justiça — Doc. e Direito Comparado, n.° 22, 1985, pp. 7 a 71 (28-29). …”. A norma que actualmente rege o reenvio prejudicial é similar à referida por este autor no seu texto. Cf. o art.º 267º da nova numeração do Tratado da União Europeia: “O Tribunal de Justiçada União Europeia é competente para decidir, a título prejudicial: a) Sobre a interpretação dos Tratados; b) Sobre a validade e a interpretação dos actos adoptados pelas instituições, órgãos ou organismos da União. Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada perante qualquer órgão jurisdicional de um dos Estados-Membros, esse órgão pode, se considerar que uma decisão sobre essa questão é necessária ao julgamento da causa, pedir ao tribunal que sobre ela se pronuncie. Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam susceptíveis de recurso judicial previsto no direito interno, esse órgão é obrigado a submetera questão ao Tribunal. Se uma questão desta natureza for suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional relativamente a uma pessoa que se encontre detida, o Tribunal pronunciar-se-á com a maior brevidade possível.”., entendemos que nestes casos não é obrigatório o reenvio prejudicial. ***** Nestes termos e nos mais de direito aplicáveis, julgamos procedente o recurso e, consequentemente, revogamos a sentença recorrida, na parte em que condenou a Recorrente, assim absolvendo esta. Sem custas.
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Notifique. Após trânsito, cumpra-se o disposto no art.º 55º/3 da Lei 50/2006, de 29/08 (Comunicação desta decisão ao IGAOT). D.N..
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Elaborado em computador e integralmente revisto pelo relator (art.º 94º/2 do CPP).