SUSPEIÇÃO
Sumário

I - O pedido de suspeição, tal como o de escusa, são situações especiais e excepcionais que só podem ter como fundamento circunstâncias muito concretas, designadamente as previstas no artigo 127.º n.º 1 do Código de Processo Civil.
II - Do proferimento de despachos com que o Requerente não concorde apenas se pode retirar a conclusão que o Exmo Juiz da causa teve um entendimento factual e jurídico não coincidente com o do Requerente.
III - Mas não pode este retirar daí a conclusão de que existem razões ponderosas para suspeitar da imparcialidade de quem assim decidiu.
(ISM).

Texto Integral

1. A…, Advogado, identificado nos autos, deduziu incidente de suspeição do Exmo. Senhor Juiz da causa, alegando, no essencial e em resumo, que o Exmo. Juiz, dos actos praticados no processo, revela «inimizade grave em relação ao Requerente e «grande intimidade» com a Ré e os seus representantes. Invoca ainda que «o disposto no artigo 127.º, n.º 1, alínea g)», do Código de Processo Civil, «interpretado no sentido de que os factos concretos praticados no processo não são suficientes para revelar a inimizade grave e a grande intimidade entre o juiz e alguma das partes, infringe o disposto na Constituição e os princípios nela consignados, designadamente nos seus artigos 2.º, 20.º n.º 1 e 4, 203 e 222.º n.º 5».
O Requerente não indicou prova testemunhal.
O Exmo. Juiz diz que não conhece pessoalmente o Requerente e não tem inimizade nem intimidade com qualquer das partes nem com os seus representantes.
Cumpre apreciar e decidir.

2. O pedido de suspeição, tal como o de escusa, são situações especiais e excepcionais que só podem ter como fundamento circunstâncias muito concretas, designadamente as previstas no artigo 127.º n.º 1 do Código de Processo Civil.
No caso concreto, e com o devido respeito, não se verifica qualquer razão para a existência deste incidente porquanto os factos que o Requerente atribui ao Exmo. Juiz para fundamentar a «grave inimizade» para com ele e a «grande intimidade» com a Ré e os seus representantes inserem-se na obrigação de condução dos autos e no proferimento de vários despachos, devidamente fundamentados, ao longo deste longuíssimo processo.
E dada a extensão dos factos invocados pelo Requerente no seu requerimento inicial remetemos para a sua enumeração nessa peça processual.
As situações invocadas pelo Requerente não são, de forma alguma, enquadráveis no âmbito do incidente de suspeição. No que respeita à apreciação das várias situações no processo e à sua decisão, devidamente fundamentada, é matéria que só poderá ser sindicável através de eventual recurso onde estas decisões serão impugnadas.
Em face destes elementos, este incidente de suspeição tem inevitavelmente que improceder.
O facto de existirem decisões com que o Requerente não concorde e até as considere injustas, daí não se pode concluir que exista inimizade grave do Exmo. Juiz em relação ao Requerente nem grande intimidade em relação à outra parte. Existem formas de atacar essas decisões através da via do recurso quando a decisão seja recorrível.
Do proferimento de despachos com que o Requerente não concorde apenas se pode retirar a conclusão que o Exmo. Juiz da causa teve um entendimento factual e jurídico não coincidente com o do Requerente. Mas não pode este daí retirar a conclusão que existem razões ponderosas para suspeitar da imparcialidade de quem assim decidiu.
Entendemos também que esta interpretação não viola qualquer princípio constitucional, designadamente os constantes das disposições citadas pelo Requerente.
Na verdade o Requerente não pode dizer que foi privado de qualquer direito fundamental com as decisões proferidas. Pelo contrário, ele continua a poder exercer esse seu direito através de recurso para os tribunais comuns e também para o Tribunal Constitucional.
Não pode ser o Requerente a considerar que uma decisão, proferida por um Juiz, é inconstitucional só porque, sendo-lhe desfavorável, a considera violadora da lei.
Por estas razões deve o incidente de suspeição improceder.

3. Nos termos do disposto no artigo 130.º n.º 3 do Código de Processo Civil há que apreciar se a Requerente procedeu de má fé.
No caso concreto, tendo em conta o disposto no n.º 2 do artigo 456.º do Código de Processo Civil, a conduta do Requerente poderia qualificar-se como uma pretensão cuja falta de fundamento não devia ser ignorada [(alínea a)] ou como tratando-se de um uso manifestamente reprovável do processo com vista a entorpecer a acção da justiça [alínea d)]. Em qualquer das situações teria que ficar demonstrado que o Requerente agiu com dolo ou com negligência grave.
De acordo com os elementos de que dispomos, consideramos que, em rigor, se não pode dizer que o Requerente tenha agido com dolo ou negligência grave. É certo que a sua conduta não nos parece ser a mais adequada. Mas entendemos que não há razões suficientes para a classificarmos de litigância de má fé. Parece ser mais uma questão de animosidade perante uma situação processual que não lhe estará a ser favorável a que acresce o factor de se tratar de Advogado em causa própria.
 
4. Pelo exposto, sem necessidade de mais e maiores considerações, indefere-se o presente incidente de suspeição.

Custas pelo Requerente, fixando a taxa de justiça em 15 UCs. (artigo 16.º n.º 1 do Código das Custas Judiciais).
Notifique.

Lisboa, 21 de Fevereiro de 2011.

(Luís Maria Vaz das Neves – Presidente do Tribunal da Relação)