ARRENDAMENTO
DENÚNCIA DE CONTRATO
ARRENDAMENTO DE DURAÇÃO LIMITADA
ARRENDAMENTO PARA COMÉRCIO OU INDÚSTRIA
REVOGAÇÃO
Sumário

I - Com o contrato de duração limitada, o legislador do RAu pretendeu revitalizar o mercado habitacional, na medida em que o senhorio passou a poder, tal como o inquilino, “denunciar” o contrato.
II -A posição do inquilino relativamente à “destruição” do contrato continua a ser mais fortemente tutelada do que a do senhorio, pois que, em paralelo com possibilidade de “denunciar” o contrato para impedir a sua renovação automática, é-lhe aberta também a possibilidade de, a qualquer momento, discricionariamente, e mediante uma simples comunicação escrita a enviar ao senhorio, “revogar” o contrato, bastando, como na “denúncia”, que o faça com a antecedência mínima de 90 dias sobre a data em que pretende que a mesma opere os seus efeitos.
III-O DL 275/95 de 30/9 introduziu os contratos de duração limitada no âmbito dos arrendamentos para o exercício do comércio ou indústria ou de profissão liberal, ou outra aplicação lícita do prédio.
IV- Fora do campo dos contratos de duração limitada, estão, no âmbito do RAU, todos os outros, nos quais o senhorio não pode impedir a renovação automática do contrato por “denúncia”, e que em função dessa realidade limitativa passou a usar-se referirem-se como “vinculísticos”.
V- A expressão “revogar” utilizada no art 100º/4 RAU - disposição aplicável aos contratos de arrendamento para comércio ou indústria por força do art 117º/2, e aos contratos de arrendamento urbano para qualquer outra aplicação lícita do prédio, por força do referido art 123º, todos do RAU - não se mostra como correcta, certo como é que, revogação, exprime, normalmente, um consenso entre as partes (o chamado «distrate») e no preceito em referência se usa o conceito de revogação para qualificar o acto através do qual o arrendatário, mediante declaração unilateral dirigida ao senhorio (e sujeita ao pré aviso de 90 dias que na mesma disposição se estabelece) pode fazer cessar o contrato antes de decorrido o prazo de 5 anos a que a lei, no seu interesse, sujeita o arrendamento
VI-A expressão “denúncia”, até à Lei 6/2006 de 27/2 (que introduziu o NRAU), correspondia à oposição à renovação – instrumento de que dispõe qualquer das partes para pôr fim ao contrato, no termo da sua duração, impedindo que ele se renove.
VII -Em face do regime estabelecido pela L 6/2006, há que conferir ao termo “denúncia”, não já o conteúdo de “oposição à renovação”, mas o de “revogação unilateral”
VIII- Apesar do art 98º e 117º do RAU exigirem que a estipulação de um prazo para a duração efectiva dos arrendamentos conste de cláusula inserida no texto escrito do contrato, não se mostra necessário que do próprio texto escrito do contrato conste expressis verbis que as partes pretendiam celebrar um contrato de duração limitada. A única exigência legal é, que o prazo conste inequivocamente de uma cláusula contratual.
IX - O estabelecimento de um ano como prazo para o contrato mostra-se incompatível com o regime de duração efectiva e não permite afirmar a existência da inequivocidade exigida pelos arts 98º/1 e 117º/1 do RAU.

Texto Integral

Acordam na 2ª secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa

I – “A”, Investimentos Industriais e Urbanos, S.A., intentou, em 1/8/2006, a presente acção declarativa, com processo ordinário, contra o Instituto de Gestão Financeira e de infra-estruturas, I.P., pedindo a sua condenação a pagar-lhe a quantia de € 90.300.00, acrescida de juros, até integral e efectivo pagamento, sendo os vencidos em 27/7/2006 no valor de € 1.463.18.
Alegou que tendo celebrado com o R., em 16/6/2004, contrato de arrendamento referente a parte de uma fracção autónoma de que é proprietária, este lhe comunicou a denúncia desse arrendamento em 24/10/2005, com referência ao dia 30/10/2005. Entende que tal declaração será irrelevante até à data de renovação seguinte -15/6/2006 - pelo que, até então, o contrato se manteve válido, devendo o R. ser condenado no pagamento das rendas vencidas e não pagas, até àquela data, no valor peticionado.
O R. contestou, referindo ter exercido o direito que lhe assistia de proceder à revogação unilateral do contrato, admitindo tê-lo feito com violação do prazo de antecedência legal de 90 dias, pelo que apenas deverá ser condenado no pagamento das rendas vencidas e não pagas referentes a esse período. Mais se defendeu por excepção, sustentando que perdeu o interesse no locado em função da privatização dos serviços do Notariado, decisão de ordem politica que lhe é alheia e por isso configura alteração das circunstâncias para o efeito do art 437º CC, impondo-se a resolução do contrato.
A A. replicou, sustentando a improcedência da excepção e a inaplicabilidade aos autos do regime legal defendido pelo R.

Foi proferido despacho saneador e procedeu-se à selecção da matéria de facto, que foi objecto de reclamação.
Realizado o julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, condenando o R. a pagar à A. a quantia de € 25.800,00 acrescida de juros à taxa legal até integral e efectivo pagamento sendo os vencidos até à sentença no valor de € 4.3131,19, absolvendo-a do restante peticionado.
II - Do assim decidido apelou a A. que concluiu as respectivas alegações nos seguintes termos:
1-O grande drama dos senhorios, em Portugal, desde, pelo menos, 17/4/1919, conforme DL n° 5 411, de 12/4, artigo 106º., resultou da obrigatoriedade, imposta, imperativamente, pela legislação portuguesa, de duração de contratos de duração indeterminada, renováveis indefinidamente, querendo o inquilino.
2-Legislação especial que alterou o código Civil de Seabra (1867-1967), que continha um artigo (1 600°) segundo o qual "a locação pode fazer-se pelo tempo que aprouver aos estipulantes, salvas as disposições dos artigos seguintes", respeitando-se assim, o principio básico da liberdade contratual, aplicável no Direito Civil.
3-Na esteira da legislação especial para os contratos de arrendamento, o actual Código Civil, de 1966, entrado em vigor em 1/6/1967, continha o famoso artigo 1095° do seguinte teor: "Nos arrendamentos a que  esta secção se refere, o senhorio não goza do direito de denúncia, considerando-se o contrato renovado se não for denunciado, pelo arrendatário, nos termos do artigo 1055°".
4-Este princípio restritivo da liberdade contratual, pelas razões que são conhecidas, manteve-se em vigor até à aprovação do regime do Arrendamento Urbano (RAU) pelo DL n° 321-B/90, de 15/10, que entrou em vigor em 14/11/1990.
5-A partir da entrada em vigor deste DL, passaram a existir contratos de arrendamento de duração limitada (efectiva), denunciáveis quer pelos inquilinos, quer pelos senhorios, desde que tais contratos se sujeitassem aos requisitos previstos no RAU: para habitação (artigos 98° a 109°); para comércio ou indústria (artigos 110° a 120°); para o exercício de profissões liberais (artigos 121° e 122°); para outros fins não habitacionais (artigo 123°).
6-A estipulação do regime de "contratos de duração limitada" (subsecção I da secção VI do RAU), está sujeita aos seguintes requisitos: Obrigatoriedade da inserção, no contrato, de uma cláusula que fixe, inequivocamente, o regime de "duração efectiva" ou limitada. O prazo para a duração efectiva dos arrendamentos não pode ser inferior a cinco anos".
7-Estes requisitos resultam da análise dos artigos, conjugados, 98° n°1 e 2, 117°, n°1 e 2, 121° e 123° do RAU.
8-O Conselheiro do S.T.J., Jorge Alberto Aragão Seia, infelizmente já falecido, na obra clássica "Arrendamento Urbano, 7a edição, Revista e Actualizada, Livraria Almedina, pág. 128, sintetizou, lapidar e magistralmente, tal matéria no sentido propugnado pela apelante (Vide, brevitatis causa, as presentes alegações, página 11, in fine e 12 e a transcrição pertinente da citada obra constante das mesmas páginas.
9-O R. não quis sujeitar o contrato a tais requisitos, nem tal regime lhe convinha, nem continua a convir, só se sujeitando a ele em casos raros, quando o senhorio, no seu interesse, o impuser. Na verdade,
10-A única cláusula do contrato de arrendamento celebrado entre senhoria e inquilino, respeitante à duração do contrato, é do seguinte teor: O arrendamento é celebrado pelo prazo de um ano, com início na data da sua assinatura, renovável por iguais períodos, se não for denunciado nos termos legais".
11-Qualquer contrato de arrendamento celebrado, antes ou depois da entrada em vigor do RAU, fixa o prazo do contrato ou, pelo menos, estabelece os parâmetros da sua fixação, sempre tendo havido cláusulas legais supletivas da não previsão do prazo (Vide, actualmente. o artigo 1026° do C.Civil).
12- A fórmula usada pelos serviços do Estado, com vista à celebração de contratos de duração indeterminada, antes da entrada em vigor do RAU, em nada difere, no que concerne à estipulação do prazo, da utilizada no contrato de arrendamento em apreço, como se mostra das fotocópias de 4 contratos de arrendamento que se juntam (doc. n° 1. 2, 3 e 4), sendo certo que o contrato titulado pelo documento n°4 foi celebrado em 1/5/1995, posteriormente à entrada em vigor do RAU e continua a ser de duração indeterminada.
13-Não consta do texto do contrato de arrendamento em causa não só cláusula especifica que fixe o prazo de duração efectiva como qualquer expressão, ou sequer, palavra donde, de longe ou de perto, se possa concluir que o R. quis celebrar um contrato de arrendamento de duração efectiva, nos termos dos citados artigos do RAU.
14-Pelo contrário, a cláusula sétima inculca, claramente, que o R. quis celebrar um contrato de longa duração, muito superior a cinco anos, renovável, indefinidamente, sendo ele o inquilino ou qualquer serviço do Ministério da Justiça ou de qualquer outro Ministério.
15-A A., como senhoria em largas dezenas de contratos de arrendamento, em locais situados na Av…, ou nas limítrofes, em Castelo Branco, a conselho do seu advogado, o signatário, é que quis celebrar um contrato de duração limitada, como acontece com todos os contratos novos que celebrou desde a entrada em vigor do RAU, mas o R., que, como é habitual, elabora o texto dos contratos, não acordou na respectiva alteração, pelo que a minuta elaborada selo R. não sofreu qualquer alteração, como é normal em contratos de arrendamento em que os Serviços do Estado são inquilinos.
16-A apelante abriu uma excepção, celebrando um contrato de duração indeterminada, como acontece com outros senhorios dos Serviços do Estado, porque estes serviços pagam pontualmente as rendas e estas são de montante superior às do mercado, o que se justifica, porque os senhorios correm o risco de não voltarem a dispor da posse efectiva do local arrendado, por longo lapso temporal.
17-Sendo, imperativamente, a duração do contrato de duração limitada, de cinco anos, e constando do contrato em causa que o prazo é de 1 ano, não é possível concluir, com base na interpretação do contrato, que se trata de um contrato de duração limitada, visto que não é possível meter cinco anos num ano.
18-Tal interpretação violaria o artigo 9°, n°2 do Código Civil, uma vez que não tem, "na letra da lei, um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expressa".
19-Resulta provado das presentes alegações (ponto IV) e da Petição Inicial que o R. deve ser condenado a pagar, à recorrente, a quantia de 90.300,00 C. acrescidos de juros legais à taxa de 4% até integral pagamento, desde a data do não pagamento das rendas devidas.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

III – O tribunal de 1ª instância julgou como provados os seguintes factos:
1-A Autora é proprietária e legitima possuidora do prédio urbano sito na Rua ..., gaveto da Av…, n°…, freguesia e concelho de Castelo Branco, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … e registado na Conservatória do Registo Predial de Castelo Branco sob o n°….
2-Por contrato de arrendamento de 16 de Junho de 2004, na qualidade de senhoria, deu de arrendamento ao Instituto de Gestão Financeira e de infra-estruturas, e este tomou de arrendamento. parte da fracção autónoma L, no piso 1 e escritório no piso 2, com comunicação por escada privativa, com exclusão do logradouro e terraço do prédio identificado, conforme o anexo (Planta) (doc. n° 3 e 4), cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
3-A referida fracção destinou-se à instalação e funcionamento de Serviços Públicos, designadamente de serviços dos Registos e Notariado (cláusula segunda do doc. n° 3).
4-O arrendamento teve início em 16 de Junho de 2004 (doc. n° 3 in fine) e foi celebrado pelo prazo de um ano (cláusula terceira do mesmo documento).
5-A renda mensal acordada foi de 12 900 € (doze mil e novecentos euros) (cláusula quarta), a pagar no primeiro dia útil do mês anterior àquele a que disser respeito, nos escritórios da A., na Av…, n ° …, Castelo Branco (Vide cláusulas quarta e décima).
6-Porque o inquilino carecia de realizar obras de adaptação necessárias ou úteis ao exercício da sua actividade, a A. autorizou tais obras, tendo entregue àquele, em 16 de Junho de 2004, as respectivas chaves dos locais dados de arrendamento (Vide cláusula terceira. sexta e último § do doc. n° 3).
7-O inquilino pagou pontualmente a renda acordada, até uma determinada altura, sendo a última que pagou correspondente ao mês de Novembro de 2005.
8-Acontece que o referido Instituto de Gestão Financeira e de infra-estruturas, por ofício de 13 de Outubro de 2005, recebido em 18 do mesmo mês, informou a Autora de que "as instalações em epígrafe, que foram objecto de contrato de arrendamento celebrado em 16 de Junho de 2004 com essa firma deixaram de ter interesse para o Ministério da Justiça, uma vez que a respectiva área passou a ser largamente excessiva para os serviços que é necessário instalar na presente data, sendo financeiramente incomportável manter o arrendamento, que não tem utilidade"(doc. n° 5).
9-"Nesta conformidade, vimos manifestar a nossa intenção de resolver o contrato de arrendamento em vigor, por acordo, e de imediato, pelo que solicitamos a vossa disponibilidade para tal efeito". (doc. n° 5 assinado pelo Presidente do Conselho directivo, “C”)
10-Em 24/ 10/2005, o mesmo Instituto de Gestão Financeira e de infra-estruturas enviou à autora o escrito de fls. 24, com o seguinte teor: "Na sequência do nosso ofício anterior n° 11 819, de 13 de Outubro, tenho a honra de informar que o contrato de arrendamento em epígrafe cessará em 30 de Outubro próximo, pelo que as chaves das instalações poderão ser levantadas nas Conservatórias, a que já foi comunicado esta situação, a partir desta data" (doc. n° 6 assinado pelo Presidente do Conselho Directivo. “C”).
11-A autora respondeu por carta de 11 de Novembro de 2005, enviada sob registo e com aviso de recepção, a qual foi recebida em 14/11/2005 (doc. n°. 7). carta que aqui se dá por reproduzida para todos os efeitos legais.
12-A A. diligenciou junto do aludido Instituto de Gestão Financeira e de infra-estruturas solucionar o litígio pela via extrajudicial, como se mostra das cartas que lhe enviou, registadas e com aviso de recepção: de 1/2/2006 (doc. n° 8). 1 de Março de 2006 (doc. n° 9) e 30/03/2006 (doc. n° 10), que se dão por integralmente reproduzidas.
13- O Instituto de Gestão Financeira e de infra-estruturas apenas respondeu com o oficio datado de 7/3/2006, em que alega que "a manutenção do referido contrato prejudicaria gravemente o interesse público (doc n° 11) e com o ofício de 13/4/2006, em que se limita a dizer que "compreende" a posição da Autora, mas que "não a pode aceitar" (doc. n°. 12).
14- O Instituto de Gestão Financeira e de infra-estruturas pagou as rendas respeitantes ao mês de Novembro de 2005 e as anteriores.
15-O Instituto de Gestão Financeira e de infra-estruturas. I.P., instituto público, dotado de autonomia administrativa, financeira e património próprio, nos termos do disposto no art. 12° do Decreto-Lei n° 128/2007 de 27 de Abril, que aprovou a Lei Orgânica deste organismo, sucedeu nas competências e atribuições do Instituto de Gestão Financeira e Patrimonial da Justiça. ao abrigo do disposto no art. 14° do mesmo diploma.
16-Posteriormente à celebração do contrato em causa e devido à privatização do serviço do notariado e à não concretização da criação de uma 2° Conservatória do Registo Predial naquela área geográfica, verificou-se que o espaço arrendado não mais se adequava ao funcionamento dos Serviços de Registo e Notariado. tornando-se inútil para o R. por ter dimensão e custo desajustado para a instalação apenas de uma Conservatória do Registo Predial e de uma Conservatória do Registo Comercial.
17-Estando o imóvel devoluto, por falta de utilidade das instalações para o réu.

IV – Há que apreciar no presente recurso a questão de saber se o contrato causa de pedir na acção, ao contrário do que foi entendido na 1ª instância, não constitui um contrato de arrendamento de duração efectiva mas antes de duração indeterminada, de tal modo que a comunicação enviada pela R. ao A. não haja de ser tida como “revogação” do contrato, mas antes como de “denúncia” (com o sentido de oposição à respectiva renovação).
Caso a resposta a esta questão seja a de que se está na presença de um contrato de arrendamento de duração indeterminada, e que, consequentemente, o contrato se deve ter como válido até 15/6/2006 como a A. o sustenta, haverá que apreciar se procede a excepção da alteração das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar, e se, procedendo, o seu efeito será o de se haver como resolvido o contrato desde a referida comunicação de 24/10/05, não sendo devidas, então, as rendas peticionadas pela A.

Impõe-se, em primeiro lugar, definir a lei aplicável aos factos relevantes na acção, tendo presente que o contrato de arrendamento em causa nos autos – indiscutivelmente de arrendamento “para outros fins não habitacionais”  - foi celebrado em 16/6/04 e a comunicação que a R. dirigiu à A., e a que esta pretende que se dê efeito de oposição à renovação do contrato,  data de 24/10/05.

È pacifico na acção que a lei nela aplicável é o RAU (e o subsequente DL 257/95 de 30/9) pois que foi no domínio temporal destes diplomas que ocorreu a celebração do contrato, bem como a realização da referida comunicação, e que os próprios efeitos desta, mesmo que lhe seja dado o conteúdo de oposição à renovação do contrato, se esgotam antes da entrada em vigor do NRAU (L 6/2006 de 27/2 que entrou em vigor em 28/6/06).
Com efeito, resulta do princípio geral de aplicação das leis no tempo constante do art 12º CC, que é a lei em vigor ao tempo da conclusão do contrato que regula as condições da sua validade formal e substancial e o potencial dos seus efeitos, e que, quanto aos efeitos jurídicos do contrato que se traduzam em situações duradouras, se devem respeitar os já produzidos sob o domínio da lei antiga, o que no caso se aplica aos efeitos extintivos da referida comunicação da R. à A.

Na situação do presente recurso, o que está em questão é, sobretudo, qualificar esta comunicação, dirigida pela R. à A. em 24/10/05, como tratando-se de “revogação”, ou de “denúnica”, e extrair dessa qualificação os correspondentes efeitos sobre a duração do contrato.

Ora, tal qualificação dependerá, em última análise, de saber se se está na presença de um contrato de arrendamento de duração limitada ou de duração ilimitada.

Para o que importa convocar as disposições legais que no âmbito de aplicação temporal do RAU regem a respeito da duração do contrato.

O art 10º do RAU refere que o prazo do arrendamento urbano é de 6 meses, se outro não for determinado pela lei, pelas partes, ou estabelecido pelos usos.
O art 68º/1 preceitua que o arrendatário pode impedir a renovação automática do contrato procedendo à denúncia regulada no art 1055º do CC, e o seu nº 2 diz que a denúncia pelo senhorio só é possível nos casos previstos na lei e pela forma nela estabelecida.

No regime do RAU constitui excepção a esta segunda regra – a de que o senhorio não pode impedir a renovação automática do contrato por denúncia – o contrato de duração limitada, com a previsão do qual o legislador pretendeu  revitalizar o mercado habitacional. È que, no âmbito deste contrato, o senhorio passou a poder, tal como o inquilino, “denunciar” o contrato, embora com uma grande assimetria entre os dois, já que enquanto ele o tem de fazer com um ano de antecedência sobre o fim do prazo, ou da sua renovação, e por notificação judicial avulsa do inquilino, este, o pode fazer a qualquer tempo, desde que com uma antecedência mínima de 90 dias sobre a data em que operam os seus efeitos e meramente mediante uma comunicação escrita a enviar ao senhorio.

A previsão do contrato de duração limitada, no que respeita aos contratos de arrendamento habitacional, decorre dos arts 98º e ss do RAU, referindo logo o  nº 1 do art 98º que, “as partes podem estipular um prazo para a duração efectiva dos arrendamentos urbanos para habitação, desde que a respectiva cláusula seja inserida no texto escrito do contrato, assinado pelas partes” e estabelecendo o nº 2 desta disposição legal que «o prazo referido no número anterior não pode, contudo, ser inferior a 5 anos». O art 100º explicita que estes contratos, de duração limitada, celebrados nos termos do art 98º se renovam automaticamente, no fim do prazo – que já vimos ser, no mínimo, de 5 anos – e por períodos mínimos de 3 anos se outro não estiver especialmente previsto, «quando não sejam denunciados por qualquer das partes». O seu nº 2 refere que a denúncia, assim prevista, quando seja operada pelo senhorio, tem de ser feita por notificação judicial avulsa do inquilino e requerida com um ano de antecedência sobre o fim do prazo, ou da sua renovação, e o nº 4 dessa norma que «o arrendatário, pode denunciar o contrato nos termos referidos no nº 1, bem como revogar o contrato, a todo o tempo, fazendo-o meramente mediante uma comunicação escrita a enviar ao senhorio, com uma antecedência mínima de 90 dias sobre a data em que operam os seus efeitos».

Como se vê deste nº 4 do art 100º, a posição do inquilino relativamente à “destruição” do contrato continua  a ser mais fortemente tutelada do que a do senhorio, pois que, em paralelo com a ampla possibilidade de denunciar o contrato para impedir a sua renovação automática, é-lhe aberta também a possibilidade de, a qualquer momento, discricionariamente, e mediante uma simples comunicação escrita a enviar ao senhorio, revogar o contrato, bastando, como na denúncia, que o faça com a antecedência mínima de 90 dias sobre a data em que pretende que a mesma opere os seus efeitos. O que significa, na prática que um contrato que ambas as partes pretenderem por um prazo de 5 anos pode ver-se extinto pelo inquilino, sem qualquer justificação, ao fim de uma curta vigência de 91 dias…
  
O DL 275/95 de 30/9 [1] , [2],  introduziu os contratos de duração limitada no âmbito dos arrendamentos para o exercício do comércio ou indústria ou de profissão liberal, ou outra aplicação lícita do prédio.
O art 117º do RAU (aditado por este DL 275/95), sob a epígrafe, “Estipulação de prazo de duração efectiva”, refere no seu nº 1, que «as partes podem convencionar um prazo para a duração efectiva dos arrendamentos urbanos para comércio ou indústria, desde que a respectiva cláusula seja inequivocamente prevista no texto do contrato, assinado pelas partes», acrescentando o seu nº 2 que, «aos contratos para comércio ou indústria de duração limitada, celebrados nos termos do número anterior, aplica-se, com as necessárias adaptações, o regime dos arts 98º a 101º, salvo o disposto no artigo seguinte».[3]

E o aditado art 123º do RAU – na redacção do DL 275/95 – refere que  «aos contratos de arrendamento urbano para qualquer aplicação lícita do prédio, não habitacional e diferente das constantes dos capítulos III e IV do presente diploma, pode ser aplicável a disposto nos arts 117º a 120º, sem prejuízo do disposto no número seguinte. [4]

Fora do campo destes contratos de duração limitada a que se esteve a fazer referência, estão, no âmbito do RAU, todos os outros, nos quais, como acima se referiu, o senhorio não pode impedir a renovação automática do contrato por “denúncia”, e que, em função dessa realidade limitativa, passou a usar-se referirem-se como “vinculísticos” [5]. É que, no tocante aos mesmos, o arrendatário dispõe, afinal, de uma posição tendencialmente perpétua pelo «jogo das renovações automáticas» [6], podendo, ao contrário do senhorio, impedir a renovação automática do contrato através da denúncia regulada no art 1055º CC.
E sucede ainda, como acima se pretendeu evidenciar, que nestes contratos vinculisticos , de duração indeterminada, o arrendatário não tem direito, como o tem no âmbito dos de duração limitada, a “revogar” o contrato.

Diga-se de passagem que a expressão “revogar” utilizada no art 100º/4 –     aplicável aos contratos de arrendamento para comércio ou indústria por força do já mencionado art 117º/2, e aos contratos de arrendamento urbano para qualquer outra aplicação lícita do prédio,  por força do referido art 123º, todos do RAU - não se oferece como  correcta, certo como é que, revogação, exprime, normalmente, um consenso entre as partes (o chamado  «distrate», como se vê pelo art 62º do RAU [7])  e no preceito em referência, 100º nº 4 - «se usa o conceito de revogação para qualificar o acto através do qual o arrendatário, mediante declaração unilateral dirigida ao senhorio (e sujeita ao pré aviso de 90 dias que na mesma disposição se estabelece) pode fazer cessar o contrato antes de decorrido o prazo de 5 anos a que a lei, no seu interesse, sujeita o arrendamento».[8]
 
Do que se disse, resulta a importância da dicotomia, arrendamento de duração limitada/ilimitada, pois que só no âmbito daquele é que uma comunicação como o do R. nestes autos poderia extinguir o contrato por “revogação”, como este o pretende, limitando-se no âmbito de um contrato de duração ilimitada a poder produzir os efeitos – menos vantajosos para a inquilino – de “denúncia”.
 
Deve fazer-se notar também, como, aliás, em cima, já se teve o ensejo de o referir ainda que de passagem, que a expressão “denúncia”, como o põe em evidência Pinto Furtado [9], até à Lei 6/2006 de 27/2 (que introduziu o dito NRAU), correspondia à oposição à renovação – instrumento de que dispõe qualquer das partes para pôr fim ao contrato, no termo da sua duração, impedindo que ele se renove, ou, como aquele autor especificamente a define, «manifestação de vontade, revelada por parte de um dos contraentes perante o outro, com determinada antecedência, a comunicar, afastando a prorrogação legal, que cessará o contrato com a expiração do termo respectivo»
Hoje, em face do regime estabelecido pela L 6/2006, há que conferir ao termo “denúncia”, não já o conteúdo de “oposição à renovação”, mas o de “revogação unilateral” [10].
Flutuações terminológicas, que, para além de encerrarem imprecisões conceituais, só complicam a compreensão  da sucessão das leis no tempo em matéria de arrendamento, tornando-se por isso criticáveis.

Saber se o contrato dos autos encerra um contrato de arrendamento de duração limitada ou ilimitada, depende, em última análise, da respectiva interpretação, maxime a da sua  cláusula 3ª - única que se refere ao “Prazo” – embora sem que a mesma seja desligada do seu contexto contratual.

Saliente-se, neste aspecto, que a A., ora apelante, na réplica, tendo alegado que as partes não pretenderam celebrar um contrato de duração limitada (art 28º), referiu, ainda que de forma algo abstracta, que o R., enquanto instituto integrado no Estado, lhe apresentou o texto do contrato com um protótipo elaborado pelos seus técnicos de direito, e que ele se limitou a aceitar, apesar de não lhe convir, porque o senhorio Estado não admite alterações ao texto (arts 33 a 35º). E salientou que o que interessa ao Estado, na posição de arrendatário, é celebrar contratos de duração ilimitada, porque (praticamente) insusceptíveis de serem extintos pelo senhorio, enquanto que a ela o que lhe interessava, à semelhança do que tem vindo a fazer desde a entrada em vigor do RAU, era celebrar contrato de duração limitada, mas que anuiu à realização de contrato de duração ilimitada na medida em que a renda lhe era favorável. E sustenta que deverá ser em função desta lógica que se deverá interpretar  a referida cláusula 3ª onde se diz que «o arrendamento é celebrado pelo prazo de um ano, com inicio na data da sua assinatura, renovável por iguais períodos, se não for denunciado nos termos legais».  

Ora do que a A. alegou na réplica, o que resulta é que A. e R. não chegaram “a conversar” sobre se queriam um contrato de duração limitada ou ilimitada, pelo que se desconhece a «vontade subjectiva comum das partes» e se desconhece igualmente se o R. chegou a conhecer a vontade e o entendimento do A. sobre o referido contrato.
E assim, por falta de alegações das partes a este nível, resta ao intérprete atentar no sentido objectivo do texto contratual, vale dizer, saber qual o sentido «que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário» deduziria do comportamento do declarante, nos termos do nº 1 do art 236º do CC [11].

Tem sido discutido na jurisprudência se a circunstância de o art 98º do RAU exigir no seu nº 1, que a estipulação de um prazo para a duração efectiva dos arrendamentos urbanos para habitação conste de cláusula inserida no texto escrito do contrato, e do art 117 º -  como se viu aplicável aos arrendamentos para outros fins não habitacionais, em função do disposto no art 123º - parecer ir ainda mais longe exigindo que o prazo para a duração efectiva dos arrendamentos urbanos para comércio ou indústria, conste de cláusula «inequivocamente» prevista no texto do contrato, implicaria que do texto desses contratos de duração limitada se fizesse constar «uma cláusula expressa dizendo que os sujeitos contratuais adoptam tal regime legal»[12], isto é, que do próprio texto escrito do contrato constasse expressis verbis que as partes pretendiam celebrar um contrato de duração limitada .
 
Parece ser hoje pacifico que «a lei não exigiu que as partes adoptassem a designação legal ou nomen júris de contrato de duração limitada ou efectiva, mas apenas que convencionassem um prazo para tal duração e que tal prazo constasse de uma cláusula contratual inequívoca, isto é, de forma clara, sem ambiguidades, cláusula essa que estivesse plasmada no texto do contrato» Acrescentando-se,  «claro que as partes podem celebrar o contrato indicando expressamente que o pretendem fazer no regime de duração limitada e, simultaneamente, fixar o prazo, o que se traduzirá numa cautela adicional que em nada as prejudica (quod abundat non nocet), antes pelo contrário, mas a única exigência legal é, como deflui do texto legal transcrito, que tal prazo conste inequivocamente de uma cláusula contratual, portanto inserta no texto contratual assinado pelos contraentes», concluindo-se que, «o que aí deve ser inequivocamente previsto é a cláusula respeitante à convenção das partes sobre o prazo para a duração efectiva do arrendamento e não a indicação de que adoptam tal regime». [13]
.
Na situação do contrato dos autos, a fixação da duração limitada (ou efectiva) não se encontra referida expressamente no enunciado contratual.
Sucede que as partes estabelecerem um prazo para a duração do contrato – de um ano - inferior ao mínimo legal para os contratos de duração limitada  - que, como se viu, é de cinco anos.
Ora, o prazo de cinco anos para os contratos de duração limitada – sejam eles para arrendamento para comércio, indústria, profissão liberal ou outros fins lícitos – é imperativo.
Diz a R., simplistamente, que se deverá convolar esse prazo de um ano para o legal de cinco (cfr art 16º da contestação).
Só que a mesma, para assim concluir, está a partir do princípio de que se está na presença de um contrato de duração limitada, quando, o que está precisa e previamente em questão, é saber se com a fixação contratual de um prazo de um ano para a duração do contrato, se pode objectivamente pretender que as partes  contrataram um arrendamento de duração limitada.
Ao contrário do que foi entendido na sentença recorrida, parece-nos evidente que não.
Se, de facto, os referidos arts 98º/1 e 117º/1 do RAU não exigem que as partes façam referência expressa no texto do contrato à duração limitada deste, será inultrapassável que exigem que a cláusula referente à fixação do prazo ao contrato seja tal, que resulte inequívoco que se pretendem vincular daquela  forma.
Ora a partir do momento em que o prazo é um elemento próprio da essência do contrato de arrendamento – e também do de duração ilimitada  - quando as partes expressamente nada refiram a respeito da pretendida duração limitada deste, e estipulem prazo para o mesmo diferente do de cinco anos, não poderá sustentar-se estar em causa contrato de duração limitada, pois que nessas circunstâncias não é inequívoco que as partes quiseram vincular-se desse modo. Bem pelo contrário, e como a apelante o põe em relevo nas alegações da presente apelação: o recurso ao prazo contratual de um ano é típico dos contratos de arrendamento vinculisticos … pelo que estipular um prazo de um ano resulta ambíguo relativamente ao carácter limitado ou ilimitado da duração do contrato.
E essa ambiguidade, no caso do contrato dos autos, não resulta afastada com os mais dizeres da referida cláusula 3ª, pois que nela apenas se acrescenta, também ambiguamente, «renovável por iguais períodos, se não for denunciado nos termos legais…»   
O estabelecimento de um prazo de um ano mostra-se incompatível com o regime de duração efectiva e não permite afirmar a existência da inequivocidade exigida pelos arts 98º/1 e 117º/1 do RAU.

No caso do contrato dos autos há ainda um elemento coadjuvante no sentido de se não está na presença de contrato de duração limitada e que resulta do teor da sua cláusula 7ª, referente à cessão da posição contratual, na medida em que ficou estipulado que «a senhoria autoriza o inquilino a ceder as instalações objecto do presente contrato a qualquer outro serviço do Ministério da Justiça, ou de qualquer outro Ministério». Com efeito, que necessidade é que se poderia ter de uma cláusula deste tipo num contrato de duração de um ano que se quisesse de duração limitada?

Um declaratário normal, colocado na posição do declaratário real, entenderia a cláusula 3ª do contrato (conjugada com a 7ª) como referente a um contrato de duração ilimitada.
Por outro lado, atribuir-se àquela cláusula o sentido de valer como cláusula referente a um contrato de duração limitada, implicaria que esse sentido não colhesse o mínimo de correspondência com o texto do documento como o exige o nº 1 do art 238º para os negócios formais.
 
Donde se conclui que o contrato dos autos é um contrato de duração ilimitada, e que, consequentemente, a comunicação operada pelo R. com vista à respectiva extinção, não pode qualificar-se como de “revogação” para o efeito do art 100º/4 (ex vi do art 117º/2 e 123º), mas apenas como de “denúncia” para o fim da renovação em curso.
O que significa que até tal data – 15/6/2006 - o R. esteve vinculado às obrigações que sobre ele impendiam enquanto inquilino, de entre as quais avulta a de pagar renda.
Ora, tendo pago rendas apenas até à de Novembro de 2005, mantêm-se em dívida relativamente às rendas referentes a Dezembro de 2005 e às de Janeiro a Junho de 2006, num total de sete rendas, num valor global de 90.300,00 €, a que acrescerão os juros peticionados à taxa de 4% respeitantes às rendas em divida à medida que se foram vencendo.  

Há no entanto que saber se a excepção peremptória com que o R. se defendeu, referente à alteração superveniente das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar, se mostra procedente, e se, com as consequências com que o mesmo o pretendeu, obstaculizando a que continuassem a ser devidas as rendas contratuais.

È que, ao contrário do que o afirma a apelante nas suas alegações, não teria sido possível ao R. ter interposto recurso da decisão proferida na 1ª instância referente àquela excepção, pela simples razão de que naquela instância não se apreciou a excepção em causa, antes se entendeu que a questão que a mesma representava tinha resultado prejudicada pela decidida improcedência da acção em função da caracterização do contrato como de duração limitada.
Quer dizer, ao contrário do que a apelante o sustenta, não está em causa a aplicação do art 684º-A/1 do CPC - na medida em que nesse preceito se pressupõe que o tribunal de 1ª instância tenha apreciado os vários fundamentos da defesa, o          que in casu, como se referiu, não sucedeu – antes está em aplicação o disposto no art 715º/2 CPC, no qual se exige a este tribunal da Relação que, ainda que com sacrifício de um grau de jurisdição, se substitua ao tribunal recorrido na decisão da questão que o tribunal de 1ª instância teve como prejudicada pela solução dada ao litigio, desde que para tanto disponha dos elementos necessários.

Na situação concreta dos autos, em que, ainda por cima, foi opção do Exmo Juiz a quo ter feito prosseguir a acção para julgamento apenas para melhor se ponderar a referida alteração de circunstâncias, não poderá sustentar-se haver falta de elementos.

Trata-se o art 437º do CC de disposição de cariz claramente excepcional, cuja aplicabilidade resulta de uma cumulação (difícil) de requisitos, alguns dos quais enunciados em função de conceitos indeterminados, e pela qual se pretende, em última análise, o reequilíbrio pela equidade de um contrato cujo cumprimento, alteradas as circunstâncias em que assentou a decisão de contratar, repugna à boa fé.

È sabido que normalmente é rejeitada a aplicação do instituto em causa ao arrendamento, na medida em que o legislador pretendeu que o risco deste contrato corresse por conta dos seus dois intervenientes, acrescendo que dispõe de uma regra especifica a respeito do risco, a do art 1040º/2 CC, nos termos da qual a privação ou diminuição da coisa locada, não imputável ao locador nem aos seus familiares, só permite a redução da renda no caso de uma ou outra exceder um sexto da duração do contrato [14] .
Não deixará, no entanto, de ser, excepcionalmente possível fazer operar a alteração das circunstâncias no campo do arrendamento.

Na situação dos autos, os fundamentos factuais alegados pelo R para fazer valer a excepção peremptória modificativa que está em apreciação - «alterações estruturais no âmbito dos serviços para os quais o imóvel havia sido arrendado», cfr art 32º da contestação -  e que, realizado o julgamento se vieram a concretizar no facto de «posteriormente à celebração do contrato o espaço em causa não mais se adequar ao funcionamento dos Serviços de Registo e Notariado,  devido à privatização do serviço do notariado e à não concretização da criação de uma 2ª Conservatória do Registo Predial naquela área geográfica, tornando-se esse espaço inútil para o R. por ter dimensão e custo desajustado para a instalação apenas de uma Conservatória do Registo Predial e de uma Conservatória do Registo Comercial – dificilmente alcançariam subsunção adequada na «alteração das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar».
È que a alteração relevante dessas circunstâncias há-de ocorrer, por definição, nas circunstâncias vigentes no momento em que o negócio foi concluído, o que à partida exclui a actuação do art 437º relativamente a circunstâncias que à data do contrato já não existiam.
È o caso da privatização dos serviços do notariado que foi consabidamente efectuada em 4/2/2004 (DR nº 29-I Série A de 4/2/2004).
 Se, desajustadamente, o R. chegou a pretender em Junho de 2004, data da celebração do contrato, instalar no locado serviços do notariado, como fez constar da cláusula 2ª do mesmo, só pode tê-lo feito por erro – isto é, por falsa representação da realidade - na medida em que então, já a actividade em causa estava privatizada. Sucede que a alteração das circunstâncias tal como é gizada no art 437º nada tem a ver com o erro, a que deverá acudir, antes, o erro na base do negócio (art 252º/2 CC).
Por outro lado, não podem constituir circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar as motivações para contratar do foro individual ou unilaterais, e isso ainda que o declaratário as conheça, ou não deva ignorar a essencialidade delas para o declarante.
Ora em lado algum dos factos alegados o R. fez alusão ao carácter comum das circunstâncias em que ele e a A. contrataram como concretamente o fizeram, sendo que quem pretende a actuação do disposto no art 437º tem que demonstrara que a circunstância cuja alteração invoca, foi tida (tomada), também pela outra parte, como integrando a base do negócio.
È por isso que Menezes Cordeiro exclui das «circunstâncias relevantes» as alterações que digam respeito a «aspirações subjectivas extra-contratuais das partes» e as que dizem respeito às «aspirações subjectivas contratuais de apenas  uma das partes». [15]
         Competia ao R. ao invocar a excepção em causa, referir que circunstâncias foram essas relativas aos serviços a instalar no locado que não apenas foram conhecidas pela A. no momento da contratação, mas que esta tomou também como base para a disciplina que em concreto veio a acordar com o R. para o contrato, isto porque as circunstâncias a que o art 437º se reporta têm de ser comuns a ambos os contraentes e terem servido objectivamente de base ao contrato[16].
Sucede que o R. obliterou totalmente este aspecto.

Também o R. nenhum cuidado colocou na configuração da anormalidade do que pretendeu ter constituído alteração das circunstâncias.
È que o art 437º exige que a alteração das circunstâncias, pressuposto primeiro da intervenção correctiva que lhe subjaz, seja «anormal», o que significa, no mínimo, imprevisível. «É que uma alteração previsível permite que as partes contratantes, à data da contratação, se pudessem e devessem precaver relativamente a essa alteração, possibilitando um juízo deste tipo: se o não fizeram foi, ou porque o não quiseram, pretendendo com esse seu silêncio conseguir algum efeito que a interpretação do contrato se encarregará de revelar, ou porque estavam em erro, não representando, ou representando incorrectamente aquela previsível alteração (e neste caso haverá que aplicar o regime do erro)» [17]

Por isso cabia ao R. ter alegado que era desrazoável prever no momento da celebração do contrato que o serviço do notariado se iria privatizar – o que, como já se viu, não era apenas previsível, mas, inclusivamente, já sucedera… - como seria então desrazoavel (politicamente) prever que não se iria concretizar a criação de uma 2ª Conservatória do Registo Predial naquela área geográfica, o que ele não fez[18] ,.
 Segundo Almeida Costa [19] a resolução ou modificação do contrato em virtude da actuação do disposto no art 437º do CC depende dos seguintes requisitos: que a alteração diga respeito às circunstâncias em que se alicerçou a decisão de contratar; que essas circunstâncias hajam sofrido uma alteração anormal; que a estabilidade do contrato envolva lesão para uma das partes; que tal manutenção do contrato ou dos seus termos afecte gravemente os princípios da boa fé; que a situação não se encontre abrangida pelos riscos próprios do contrato; e que inexista mora do lesado.

Ora já se viu como o R. não alegou factos suficientes para concretizar os dois primeiros requisitos, pelo que necessariamente improcederá a excepção com que se defendeu.

Não logrou, pois, o R. extinguir, ou apenas modificar, a obrigação contratual acima referida, consistente no pagamento das rendas desde a de  Dezembro de 2005 à de Junho de 2006.

V - Pelo exposto, acorda este tribunal em julgar procedente a apelação, revogando a sentença recorrida e condenando o R. a pagar à A. a quantia  de € 90.3000,00, acrescida da importância de 1.463,18 € referente aos juros calculados até 27/7/2006, bem como a dos juros que entretanto se venceram e vencerão sobre a referida importância à taxa  legal até efectivo pagamento.

Custas na 1ª instância e nesta pelo R.

Lisboa, 3 Março de 2011
                                              
Maria Teresa Albuquerque
Isabel Canadas
José Maria Sousa Pinto    
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[1] - Este DL não é aplicável aos contratos celebrados antes da sua entrada em vigor – cfr seu art 6º
[2] - Lê-se no preâmbulo do DL 257/95 de 30/9: «Cabe agora estender a reforma aos arrendamentos destinados ao comércio, indústria e ao exercício de profissões liberais, e bem assim, aos contratos destinados a outros fins não habitacionais. Também neste domínio a reanimação do mercado de arrendamento passará pela possibilidade, reconhecida às partes, de conferir natureza temporária aos contratos de arrendamento, podendo ainda ser convencionado um prazo para denúncia por parte do senhorio».
[3] - Este artigo seguinte - 118º - com a epígrafe “Renovação e denúncia”, preceitua no seu nº 1que «os contratos de arrendamento a que se refere o artigo anterior renovam-se automaticamente no fim do prazo, por igual período, se outro não estiver expressamente estipulado, quando não sejam denunciados por qualquer das partes», e no seu nº 2, que «as partes podem livremente convencionar um  prazo para a denúncia do contrato pelo senhorio, desde que a respectiva cláusula seja reduzida a escrito».
[4] - «Se o contrato de arrendamento se destinar ao exercício de uma actividade não lucrativa, podem as partes, em alternativa e de forma expressa, convencionar a respectiva sujeição ao regime dos arts 98º a 101º do presente diploma».
[5] - Segundo Pinto Furtado, “Curso de Direito dos Arrendamentos Vinculísticos”, 2ª ed, 119, «são arrendamentos vinculísticos os dos prédios em que o senhorio não poderá resolver o contrato nos termos gerais, mas vinculado a casos taxativamente enumerados na lei, nem os poderá denunciar no seu termo de duração, senão também em condições legalmente fixadas, prorrogando-se automaticamente, se o arrendatário não quiser usar em tempo da sua livre faculdade de denúncia».
[6] - A expressão em causa é de Oliveira Ascensão e Menezes Leitão em “Resolução do Arrendamento com fundamento na realização de obras não autorizadas”, O Direito 125, 427 –
[7] - A respeito do distrate, cfr Ac STJ 9/5/2006 (Sebastião Póvoas) em www dgsi pt.
[8] - Aragão Seia, “Arrendamento Urbano”, 1995, p 444
[9]- Igualmente, Pinto Furtado, obra citada, 890
[10] - Mais uma vez, Pinto furtado, obra citada, p 905 e também p  885.
[11] - Diz Pais de Vasconcelos, «Teoria Geral do Direito Civil», p 367, a respeito deste art 236º do CC: «(…)em função do disposto no nº 2 do art 236º CC «o primeiro critério de interpretação (da declaração negocial) é a vontade subjectiva comum das partes, (…) sempre que haja convergência quanto ao sentido objectivo e quanto ao sentido subjectivo das declarações negociais» (…) [11]. «A regra contida no nº 2 do art 236º, que exprime o principio “falsa demonstratio non nocet”, faz prevalecer o sentido subjectivo, quando seja comum, mesmo que o sentido objectivo seja divergente. Ainda que o sentido objectivo das declarações negociais não coincida com o seu sentido subjectivo, é de acordo com este – sentido subjectivo- que a declaração negocial deve valer, sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante« (…) « Não é sequer exigido o acordo ou o consenso nesse sentido: basta que ele seja conhecido pelo declaratário» (…) «A vontade real do declarante só poderá ser desconsiderada quando o sentido objectivo da declaração for diferente do seu sentido subjectivo e o declaratário não conhecer o seu real sentido subjectivo. Neste caso a declaração negocial será interpretada de acordo com o seu sentido objectivo, mas com uma limitação subjectiva: salvo se o declarante não puder razoavelmente contar com ele» ; sendo que não se trata da determinação de qual foi de facto a expectativa do declarante em relação ao entendimento do declaratário, mas sim a expectativa que o mesmo declarante, posto na posição típica do declaratário, deveria ter tido razoavelmente perante aquela declaração, segundo os padrões éticos da regra de ouro e do imperativo categórico» (…) «O sentido objectivo da declaração é determinado pelo sentido que um declaratário normal, colocado na posição do declaratário real, possa deduzir do comportamento do declarante» (…) Conclui o autor que se vem a citar que, «o que releva é o sentido típico que um declaratário típico teria tipicamente entendido naquela situação típica».
[12] - Ac STJ 20/1/2010, Álvaro Rodrigues, in www.dgsi.pt
[13] - Citado Ac STJ 20/1/2010; cfr também,  Ac STJ 12/5/2005  (Bettencourt Faria) e Ac RL 23/9/2003   e de 23/2/2010 (Rosa Ribeiro Coelho), todos acessíveis em www.dgsi.pt
[14]- Cfr Menezes Cordeiro, “Da Alteração das Circunstâncias” – Separata dos Estudos em memória do Prof Paulo Cunha, Lisboa 1987, p 42, e respectiva nota nº 76 onde se contém ampla referência a jurisprudência nesta matéria.              
[15] - Estudo atrás referido ( nota 14) p 65 e ss 
[16] - Neste sentido, Oliveira Ascenção, “Teoria Geral do Direito Civil”, 1992, p 126; também castro Mendes, “Teoria Geral do Direito Civil”, 1973, p 167 que refere ser a base do negócio o «conjunto de circunstâncias conhecidas das partes ou que se pode esperar que o sejam, com fundamento na actual ou superveniente verificação das quais o contrato foi celebrado e que explicam ou justificam essa celebração em concreto”
[17]- Almeida Costa, “Direito das Obrigações”, 1984, p 226
[18] - E que em bom rigor, nem chegou a alegar na contestação, local e momento próprios para o efeito, onde apenas se referiu à privatização dos serviços do notariado…
[19] - Obra citada, p 225 a 230