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OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
OPOSIÇÃO À PENHORA
TÍTULO EXECUTIVO
CONTRATO DE MÚTUO
NULIDADE DO CONTRATO
CONTRATO ENTRE AUSENTES
ABUSO DE DIREITO
VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM
CONTRATO DE CRÉDITO AO CONSUMO
RESTITUIÇÃO
Sumário
1. Nos contratos entre ausentes a manifestação de vontade dos contraentes não se dá em simultâneo, sendo desfasadas no tempo. 2. O regime previsto nos artigos 6.º, n.º 1 e 7.º, n.º 1, do Decreto-Lei 359/91, de 21 de Setembro [nos termos do qual deve ser entregue um exemplar do contrato ao consumidor no momento da assinatura, sob pena de nulidade], aplica-se também aos contratos entre ausentes. 3. Trata-se de uma invalidade mista, que apenas pode ser invocada pelo consumidor. 4. É discutível a aplicação do instituto do abuso do direito para paralisar a invocação de nulidade do contrato por parte do consumidor, designadamente quando este beneficiou dos efeitos do contrato por um período mais ou menos prolongado antes de invocar a nulidade. 5. Não se configura como abuso do direito a invocação da nulidade do contrato de mútuo por parte do consumidor que nunca recebeu a cópia do contrato celebrado e cancelou o pagamento da 1.ª prestação que tinha sido debitada na sua conta bancária, quando se apercebeu que a quantia mutuada não fora depositada na sua conta, conforme estava convencido que sucederia. 6. Não há que condenar a restituição da quantia mutuada em sede de oposição à execução, pois a pretensão do executado é a extinção da execução. 7. Nem pode a execução prosseguir com base no título que formaliza o negócio nulo, atenta a diversa natureza das obrigações em causa (obrigação de pagamento das prestações emergentes do contrato de mútuo versus obrigação de restituição da quantia mutuada com fundamento na nulidade do contrato). 8. Na compra e venda financiada estamos perante uma relação tripartida, que envolve, para além do mutuante e mutuário — partes nos autos —, o vendedor que forneceu o bem e a quem a apelante entregou directamente o montante mutuado, e que não figura nos autos. 9. No caso dos contratos de compra e venda e mútuo coligados, a obrigação de restituição da quantia mutuada em caso de nulidade do contrato de mútuo cabe ao vendedor, a quem foi entregue pelo mutuante, e não ao mutuário. ( Da responsabilidade da Relatora)
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa
1. Relatório
Por apenso aos autos de acção executiva comum que Banco …. , S.A., com sede na Av. ..., , Lisboa, move contra N... , com residência em ..., ..., veio este deduzir oposição à execução e penhora tendente a obter a extinção da mesma, alegando, em síntese, que:
- Em Fevereiro de 2008 é contactado telefonicamente pela empresa “P….. C…. ..., S.A., a qual o informa que lhe coubera em sorte um prémio, devendo dirigir-se ao Hotel ..., em Sintra;
- Foi assediado para adquirir um cartão Key Club, o qual lhe proporcionava descontos em vários produtos, bem como em viagens;
- Foi-lhe dito que com a aquisição daquele cartão de descontos ganhava um voucher e estadia que lhe dava direito a “ (...) 4 dias / 3 noites de alojamento no ALGARVE, ILHAS CANÁRIAS ou RIO de JANEIRO, no período compreendido entre 30 de Outubro a 30 de Março, exceptuando-se os períodos de Fim de Ano, Carnaval e Páscoa”;
- Referindo não ter capacidade financeira foi-lhe transmitido que poderia recorrer ao credito através do Banco … , S.A.;
- Subscreveu o contrato de associação ao Key Club;
- Assinou o rosto do contrato de crédito, mas era, tão somente, uma proposta de crédito que se fazia ao Banco, não resultando qualquer obrigação de imediato para o executado, pois o crédito teria de ser aprovado pelo exequente;
- Não conhece o seu conteúdo porque não lhe foi nunca entregue cópia;
- Não assinou o verso do mesmo;
- Em 17 de Março de 2008, o executado viu debitada na sua conta bancária a primeira prestação a favor da exequente;
- O executado contactou de imediato a “K…. P…. II, S.A., no sentido de aclarar a situação e pôr termo aos contratos, mas disseram-lhe que tal já não era possível.
Conclui pela procedência da oposição e levantamento da penhora efectuada.
Notificado, o exequente apresentou contestação, pugnando pela improcedência da oposição à execução, argumentando, em suma, que:
- O opoente assinou o contrato e procedeu à entrega dos seus elementos de identificação;
- A exequente financiou e entregou o montante à “P... II, S.A”;
- Foi entregue cópia do contrato de crédito;
Foi dispensado o despacho saneador.
Procedeu-se a julgamento, tendo sido proferida sentença que, julgando a oposição à execução e penhora procedente, determinou a extinção da execução e o levantamento da penhora.
Inconformada, recorreu a exequente, apresentando as seguintes conclusões:
«I. Foi oferecido pela Exequente aos autos de execução que moveu contra os executados um título executivo em conformidade com todas as exigências especificadas no artigo 46°, n° 1, línea c) do CPC.
II. A Exequente ofereceu aos autos título executivo bastante, constituído por um contrato de mútuo devidamente subscrito pelos Executados.
III. O contrato de mútuo aqui em causa é um contrato celebrado entre ausentes.
IV. Dispõe o art° 6° nº 1 do DL 359/91, de 21.09 “O contrato de crédito deve ser reduzido a escrito e assinado pelos contraentes, sendo obrigatoriamente entregue um exemplar ao consumidor no momento da respectiva assinatura .”
V. E nos termos do art° 7° n° 1 do mesmo diploma, a inobservância do tal imposição acarreta a nulidade do contrato.
VI. Contudo, tal segmento normativo tem em vista e, em todo o caso — mesmo que não fosse essa a intenção do legislador —, apenas se pode aplicar aos contratos entre presentes,
VII. Em causa, reitera-se, está um contrato entre ausentes.
VIII.Pelo que caberia entender, na modesta opinião da ora Recorrente, que não poderia o Tribunal a quo decidir pela nulidade do contrato com base na não entrega de um exemplar do mesmo ao mutuário.
IX. Os contratos entre ausentes, isto é, aqueles em que as declarações de vontade e as assinaturas que as consubstanciam e evidenciam, são apostas em momentos diferenciados pelos outorgantes, são legalmente admissíveis, produzindo os seus efeitos jurídicos depois de concluídos.
X. Tais contratos apenas se concluem com a aceitação na forma legalmente exigida e que, quando for a escrita, tem de conter as assinaturas dos contraentes.
XI. A teleologia da lei — DL359/91 — qual seja a protecção do consumidor, não é frustrada com as assinaturas em "décalage" dos outorgantes do contrato, mesmo que a última a ser aposta seja a do credor, desde que, após a assinatura deste, seja enviada ao devedor um exemplar totalmente assinado.
XII. O referido contrato foi sempre cumprido pela Exequente e cumprido pelo Executado com o pagamento da primeira prestação.
XIII. Diga-se ainda que o lapso temporal entre a exigível análise pelo executado relativamente à sua possibilidade de cumprimento de obrigações que se propôs assumir e que, efectivamente, assumiu e a verificação da sua impossibilidade de cumprimento e consequente e efectivo incumprimento das obrigações assumidas foi de 2 (dois meses).
XIV. Pelo que, ocorre comportamento subsequente comprovativo de que o Executado aceitou a validade do contrato de mútuo/crédito, com a recepção do contrato de mútuo assinado pela mutuante e com o pagamento da primeira prestação, posteriormente cancelada.
XV. Sendo que o não cumprimento subsequente por parte do executado apenas poderá revelar ligeireza na análise feita pelo mesmo relativamente às suas responsabilidades.
XVI. Não podendo tal ligeireza premiar-se com uma total desresponsabilização das obrigações assumidas, penalizando-se a ora Recorrente que, contrariamente ao Executado, cumpriu os seus deveres contratuais, designadamente financiando os Executados junto da P… II, S.A., prestadora dos serviços Key Club que os Executados pretendiam usufruir.
XVII. Ficou provada a correcta identificação contratual (contrato de mútuo), identificação da fornecedora do serviço financiado (P… II, S.A.), tipo de bem ou serviço (serviço Key Club), montante financiado e período/prazo de pagamento.
XVIII. Ficou provado que o Executado recorrido estava consciente do custo do serviço Key Club.
XIX. Ficou provado que o Executado recorrido declarou vontade de adesão ao serviço Key Club.
XX. Ficou provado que o Executado recorrido não tinha possibilidade de pronto pagamento do referido serviço.
XXI. Ficou provado, por fim, que na sequência da impossibilidade de realizar o pronto pagamento do serviço que o "entusiasmou", pelo que o Executado recorrido solicitou financiamento junto do Banco E…, o qual o concedeu!
XXII. O Executado, desde a data da subscrição do contrato de mútuo (13/02/2008) até à data do incumprimento (21/04/2008), assumiu um comportamento que criou na Exequente, ora Recorrente, legítima confiança na conformidade contratual iniciada com a proposta enviada pelo próprio Executado.
XXIII. Neste sentido, será de aplicar-se a figura do abuso de direito, uma vez que dispõe o art.° 334° do CC que é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular excede manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.
XXIV. Não podendo proceder a nulidade do contrato de mútuo, sendo este um contrato celebrado entre ausentes, não fazendo sentido, salvo melhor opinião, que se exija a entrega de um exemplar do mesmo ao consumidor logo após nele colocar a sua assinatura, se nele não consta nem vai imediatamente constar a assinatura do mutuante.
XXV. Mesmo que, por qualquer circunstância, se considerasse existir qualquer nulidade do contrato, o que se nega veemente, a mesma a teria os efeitos retroactivos nos termos do art. 289° do Código Civil, o que implicaria a obrigação do mutuário restituir o capital mutuado.
XXVI. Para além do que o consumidor beneficia do conhecimento do teor da proposta de contrato desde que a assinou e remete à Exequente para validação — e podendo até ficar, corno ficou, com urna cópia da mesma para sua orientação e segurança pessoal — gozando ainda do período de tempo adicional que decorre entre a sua entrega ao mutuante e o recebimento do exemplar já assinado por este; para a sua apreciação, a cumular com o aludido período legal de reflexão.
XXVII. Assim, entende-se que ficam legal, sensata e razoavelmente defendidos os interesses do consumido/Executado, parte tendencialmente mais frágil no negócio, nos termos acima expostos.
NESTES TERMOS,
E nos melhores de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá o douto despacho ser revogado e substituído por outro que se coadune com a pretensão exposta, porquanto, verifica-se uma incorrecta apreciação e aplicação da lei, pelo que deverá ser substituído por outro que ordene o prosseguimento dos autos de Execução n° 14148/09.2T2SNT-A»
Contra-alegou o executado, concluindo assim:
«A. O presente recurso versa, em exclusivo, sobre matéria de Direito. Por via disso o Recorrente deverá tomar uma posição clara nas suas conclusões, máxime, sobre as questões jurídicas que são objecto do recurso, especificando as normas que no seu entender, foram violadas, o erro de interpretação que imputa à Douta Decisão recorrida e /ou o erro de determinação da norma aplicável que considera ter sido cometido.
B. O que, in casu, não sucedeu.
C. Termos em que, impende sobre o Meritíssimo Juiz Relator proceder em conformidade com o preceituado no nº 3 do artigo 685ºA do CPC, sem prejuízo de o Recorrente, independentemente do convite do Tribunal, poder fazê-lo de modo espontâneo.
D. O documento junto com o requerimento executivo denominado "contrato de mútuo" consubstancia, atento o seu processo de elaboração, um "contrato entre ausentes: na sua formação concorreram a sociedade comercial "P…. II, S.A.", vendedora do cartão KeyClub (que aqui serviu de intermediária), o comprador/Recorrido e a entidade financiadora "Banco E… S.A." / Recorrente, com intervenções separadas no tempo.
E. Configura um contrato de crédito para aquisição de bens de consumo, regulado pelo Decreto-Lei n° 359/91, de 21.09, que procedeu à transposição para o direito interno das Directivas do Conselho das Comunidades Europeias n°s 87/102/CEE, de 22.12.86 e 90/88/CEE, de 22.02.90.
F. Dispõem os artigos 6°, n° 1 e 7°, n° 1, ambos do identificado Diploma Legal, que os contratos de crédito ao consumo devem ser celebrados por escrito e no momento da subscrição do contrato, o consumidor deve receber um exemplar do mesmo, sob pena de nulidade.
G. Refere o n° 4 do citado artigo 7° que a inobservância dos requisitos constantes do artigo 6°, presume-se imputável ao credor e a invalidade do contraio só pode ser invocada pelo consumidor.
H. As realidades da prática comercial actual, designadamente no sector da vende de cartões turísticos que dão acesso a viagens e serviços hoteleiros (como é o caso dos autos) impõem a adopção de uma interpretação rígida/restritiva do disposto nos citados artigos 6° n° 1 e 7° n° 1. do referido Decreto-Lei n° 359/91, de 21.09, a apliicar aos denominados de "contrato entre ausentes".
I. Trata-se, assim, de uma solução que encontra eco na imprescindível harmonia entre a necessidade da tutela ampla do consumidor e a prossecução de uma conduta negocial sustentada na boa fé que se impõe, norteie todo o processo de formação e execução contratual.
J. No presente pleito, a entidade financiadora, aqui Recorrente, seja através da sua intermediária, no acto da subscrição/assinatura pelo Recorrido, seja directamente, após a análise, assinatura e concessão do crédito, não procedeu à entrega do exemplar daquele contrato ao Recorrido (Vide a citada alínea cc) dos Factos Provados da Douta Sentença Impugnada).
K. A falta de entrega de exemplar do contrato no acto da assinatura do mesmo, conduzirá sempre, e ainda no caso dos denominados de "contrato entre ausentes", à nulidade do contrato a invocar pelo Recorrido, pois só assim se permite a plena defesa do objectivo constitucional e legalmente fixado de protecção dos direitos / interesses do consumidor — intenção do legislador que se encontra explanada no preâmbulo do citado Diploma Legal.
L. O imperativo período de reflexão e o direito legal de revogação do Recorrido sobre o escrito/documento denominado "contrato de mutuo" (cujo exemplar não ficou na sua posse, nem lhe foi mais tarde enviado) ficaram, em definitivo, prejudicados.
M. O artigo 334° do Código Civil acolhe uma concepção objectiva do Abuso de Direito, segundo a qual não é necessário que o titular do direito actue com consciência de que excede os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim económico ou social do direito: basta que a actuação do abusante, objectivamente, contrarie aqueles valores.
N. Em nada se infere que do comportamento do Recorrido (tanto à data da subscrição / assinatura do denominado "contrato de mútuo"; como posteriormente) resultasse a aceitação e / ou a validação daquele contrato.
O. O quadro factual em que actuou o Recorrido (a parte mais fraca no contexto negocial) não é susceptível de configurar Abuso de Direito, punido à luz do referido artigo 334° do Código Civil; não fora a actuação do Recorrente e da sua intermediária no negócio jurídico em causa, incompatível com a ponderação e salvaguarda dos direitos do consumidor, não poderia o Recorrido invocar a nulidade do contrato, que é legitima.
P. Nos presentes autos, está em causa uma compra e venda financiada, em que coexistem dois contratos distintos e autónomos: um contrato de compra e venda e um contrato de crédito, com uma ligação funcional entre os mesmos.
Q. As consequências decorrentes da nulidade do contrato de crédito, por incumprimento do disposto no citado artigo 6°, do citado Decreto-Lei n° 359/91, de 21.09, terão de ser encontradas de acordo com o indispensável tratamento unitário dos dois contratos (compra e venda e mútuo) prescrito pelo artigo 12° do daquele Diploma Legal, o que conduz a que, declarado nulo o denominado "contrato de mútuo", também será nulo o contrato de compra e venda.
R. Não podemos retirar de um contrato de mútuo nulo, consequência que não seja a prevista no artigo 289° do Código Civil e não qualquer outra resultante das cláusulas do mesmo contrato, precisamente, porque é nulo.
S. Impondo às partes a reposição da situação anterior à celebração do(s) contrato(s) nulo(s), restituindo tudo o que tiver sido prestado, máxime, o preço: tal obrigação de restituição apenas impenderá sobre quem o mutuante pagou, ou seja, no caso sub judice, sobre a entidade vendedora – " P... II Comercializacão de Cartões de Desconto,S.A." e não sobre o Recorrido cue nada recebeu, pelo que,consequentemente, nada terá a restituir.
NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO, SEMPRE COM 0 MUI DOUTO SUPRIMENTO DOS VENERANDOS JUÍZES DESEMBARGADORES DO TRIBUNAL DA RELAÇÃ0 DE LISBOA, DEVERÁ O PRESENTE RECURSO SER JULGADO IMPROCEDENTE, MANTENDO-SE, NA ÍNTEGRA A DOUTA DECISÃO RECORRIDA, ASSIM SE FAZENDO A COSTUMADA JUSTIÇA».
2. Fundamentos de facto
A 1.ª instância considerou provados os seguintes factos, que não foram objecto de impugnação:
a) No dia 13 de Fevereiro de 2008, o executado foi contactado, telefonicamente, para o seu telemóvel, por uma funcionária da sociedade comercial denominada “P….C… ..., S.A, que se identificou como C… da Key Club.
b) A qual, dando-lhe os “parabéns”, comunicou ao executado que acabava de ganhar um prémio, que podia levantar no Hotel ..., em Sintra.
c) Mais lhe referiu, que o dito prémio teria obrigatoriamente que ser levantado no citado Hotel ..., em Sintra, no próprio dia 13 de Fevereiro de 2008.
d) Com esse fim, no âmbito da acção promocional levada a cabo pela citada sociedade “P…C…. ... S.A., o executado deslocou-se ao referido hotel.
e) Em representação da “P…. II, S.A., foi o executado recebido por um funcionário que se identificou de V…. .
f) O funcionário V…. comunicou ao executado que o prémio em causa consistia num voucher de estadia que lhe dava direito a “ (. . .) 4 dias / 3 noites de alojamento no ALGARVE, ILHAS CANÁRIAS ou RIO de JANEIRO, no penado compreendido entre 30 de Outubro a 30 de Março, exceptuando-se os períodos de Fim de Ano, Carnaval e Páscoa”.
g) Para beneficiar do referido prémio, aquele funcionário, sempre em representação da P…. II, S.A.”, comunicou ao executado que este teria de assinar um contrato de associação, com indicação de que tal contrato lhe conferiria vantagens de desconto.
h) Do impresso do dito contrato constava um destacável com os dizeres “Bónus 10.000 PONTOS”.
i) Nesse mesmo dia (13/02/08) o executado subscreveu o documento denominado contrato de Associação KEYClub Premium, com o n.º 1133, para aquisição de um cartão, que lhe permitia adquirir todo um conjunto de bens e serviços.
j) Desse contrato, além dos dados manuscritos relativos à identificação do executado, consta a indicação do nome da sociedade “P….. C…....., S.A”.
k) A celebração do mencionado Contrato de Associação ao “KEYClub” para aquisição de um cartão comportava encargos para o executado.
l) Para poder suportar esses encargos, e simultaneamente à outorga do aludido Contrato de Associação ao “KEYClub”, no Hotel ..., em Sintra, o executado subscreveu o documento junto aos autos com o requerimento executivo, denominado Contrato de Mútuo.
m) Aquele documento, além da identificação do executado como 2° Outorgante -parte devedora e do exequente, Banco … S.A., como 1° Outorgante - Mutuante, no topo direito consta o logótipo do KEYClub e ainda a indicação do valor total de € 4.664,32 correspondente à opção “B” da opção de financiamento, bem como o fornecedor (no campo Descrição do Bem fornecido e condições particulares de financiamento) “P…C…. ..., S.A,
n) Quando o executado assinou a frente da primeira página do denominado Contrato de Mútuo, não foi tal documento assinado, nem acordado, com a presença de alguém que representasse a exequente.
o) Apenas estava presente o funcionário da sociedade “P…. II S.A., V… .
p) Identificação do executado e demais inserções escritas, foram feitas pelo funcionário V….. .
q) No acto, o funcionário V… disse ao executado que não precisava de dispor do valor do cartão, bastando assinar o documento em causa denominado Contrato de Mútuo, que depois de analisado, aceite e assinado pelo Banco ….. S.A., lhe seria remetido pelo correio, com o respectivo plano de pagamentos.
r) Pois, apesar de ter o nome de Contrato Mútuo era, tão somente, uma proposta de crédito que se fazia ao Banco, não resultando qualquer obrigação de imediato para o executado.
s) Identificação do executado e demais inserções escritas foram feitas pelo funcionário V….
t) Mais lhe foi dito, no dia da subscrição, pelo referido V… , que ficasse tranquilo, porquanto:
a) Banco E…. era uma instituição bancária credível que, desde há muito, trabalhava com a “P…. II S.A.”;
b) o valor total apresentado naquela proposta de crédito, a ser concedido pelo Banco E…. , seria creditado na conta do executado, este, por sua vez, daria instruções ao seu banco para pagar ao KeyClub, ficando a pagar mensalmente, ao exequente a quantia aproximada de € 160,69;
c) Que podia a qualquer momento pôr termo aos contratos, sem quaisquer encargos.
u) Passado cerca de um mês o dito contrato de crédito não lhe era remetido.
v) Em 17 de Março de 2008, o executado viu debitada na sua conta bancária a primeira prestação a favor da exequente.
w) Sem que tivesse sido creditada, na sua conta bancária, a mencionada quantia de € 4.664,32.
x) O executado contactou de imediato a “KEY….. , S.A., no sentido de aclarar a situação e pôr termo aos contratos, mas disseram-lhe que tal já não era possível.
y) O mesmo tempo que junto do seu banco, diligenciou, com êxito, no sentido de anular a transferência bancária/ordem de pagamento da primeira prestação de € 160,69 a favor da exequente.
z) Em todo o processo que levou à assinatura pelo executado dos documentos denominados de Contrato de Associação e Contrato de Mútuo, o funcionário V…. usou de enorme persistência, pressão e agressividade.
aa) Firmando que o Prémio que estavam a atribuir só se manteria por aquele dia.
bb) E, caso o executado não assinasse de imediato os documentos, perderia direito ao prémio e ao Bónus de 10.000 pontos.
cc) Nem na data da sua subscrição/assinatura (13/02/08), nem posteriormente, foi entregue ao executado um exemplar do denominado Contrato de Mútuo junto aos autos com o requerimento executivo.
dd)Situação que se mantém até à presente data.
ee) As cláusulas insertas no verso do identificado Contrato de Mútuo, não foram lidas nem explicadas ao executado no acto da outorga da proposta de crédito, nem posteriormente.
ff) O Mesmo acontecendo com o texto constante da frente do Contrato, onde o executado se limitou a apor a sua assinatura.
gg) A assinatura do executado não está aposta, após as cláusulas insertas no verso do Contrato.
hh) A entidade fornecedora do serviço “P... II, S.A.” efectuou uma proposta ao Opoente no sentido de oferecer a este a possibilidade de acesso a serviços hoteleiros contratados a Bem como oferecer o acesso a outros benefícios, tais como o desconto no preço de compra de produtos nos estabelecimentos comerciais que utilizam a marca “Key … ”, devidamente identificados com um dístico auto- colante.
ii) A adesão a este serviço denominado de “Key …. ” permitiria ao Opoente adquirir bens e serviços, com desconto face ao preço normal de venda ao público, nas lojas e empresas aderentes,
jj) Bem como a proceder à marcação de viagens a preço reduzido.
kk) O executado após a subscrição do contrato referido em 15° da petição inicial, não exerceu o seu direito de denúncia dentro do prazo de reflexão.
3. Do mérito do recurso O objecto do recurso, delimitado pelas conclusões das alegações (artigo 684.º, n.º 3, e 685.º A, n.º 1 CPC), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 660.º, n.º 2, in fine), consubstancia-se nas seguintes questões:
- Alegado não cumprimento pela recorrente do disposto no artigo 685º A, n.º 2, CPC;
- Aplicabilidade do regime estabelecido nos artigos 6.º, n.º 1, e 7.º, n.º 1, do Decreto-Lei 359/91, de 21 de Setembro (nulidade do contrato de crédito quando não é entregue um exemplar ao consumidor no momento da assinatura) aos contratos entre ausentes;
- Alegado abuso de direito na invocação da nulidade por parte do consumidor;
- Obrigação de o mutuário de restituir a quantia mutuada nos termos do artigo 289.ºCC.
3.1. Do alegado não cumprimento pela recorrente do disposto no artigo 685.º A, n.º 2, CPC
Sustenta o apelado que o apelante não deu cumprimento aos ónus impostos pelo n.º 2 do artigo 685.º A, n.º 2, CPC, pretendendo que o Relator dê cumprimento ao disposto no n.º 3 do referido preceito legal.
A circunstância de se tratar de questão prévia da competência do Relator, nos termos do artigo 700.º, n.º 1, alínea a), CPC, não impede que sobre ela se pronuncie a Conferência, já que é a esta que cabe a decisão final (cfr. artigo 700.º, n.º 3, CPC).
Apreciando:
Dispõe o artigo 685.º A, n.º 2, CPC, que, versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar:
a) As normas jurídicas violadas;
b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas;
c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada.
Sendo estas especificações omitidas, deve o Relator deve convidar o recorrente a completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las, no prazo de cinco dias, sob pena de se não conhecer do recurso, na parte afectada.
No caso vertente, não se vislumbra qualquer omissão por parte da apelante.
Compulsadas as alegações, mostram-se devidamente identificadas as normas jurídicas que a apelante considera terem sido violadas (artigos 6.°, n.º 1, e 7.º, n.º 1, Decreto-Lei 359/91, de 21 de Setembro, 334.º e 289.º CC), por entender que a obrigação de entrega ao consumidor de um exemplar do contrato de mútuo no momento da assinatura não se aplica aos contratos entre ausentes, que a invocação da nulidade pelo apelado implica abuso do direito por ter aceite o mesmo e só ter reagido dois meses depois, e porque, a declaração de nulidade do contrato de mútuo implica para o mutuário a restituição da quantia mutuada.
A apelante deu cabal cumprimento aos ónus que sobre si impendiam relativamente às conclusões das alegações, carecendo em absoluto de fundamento a pretensão do apelado da necessidade de formulação de convite de aperfeiçoamento das conclusões da apelante.
Improcede, pois, a questão prévia suscitada pelo apelado.
3.2. Da aplicabilidade do regime estabelecido nos artigos 6.º, n.º 1, e 7.º, n.º 1, do Decreto-Lei 359/91, de 21 de Setembro (nulidade do contrato de crédito quando não é entregue um exemplar ao consumidor no momento da assinatura) aos contratos entre ausentes
A sentença recorrida considerou nulo o contrato de crédito celebrado entre apelante e apelado por não ter sido entregue ao apelado, no momento da assinatura, um exemplar desse contrato.
Não está em causa que apelante e apelado celebraram um contrato de crédito para aquisição de bens de consumo, sujeito à disciplina legal do Decreto-Lei 359/91, de 21 de Setembro, em que é patente um propósito de tutela do consumidor, o elo mais frágil da relação contratual.
Dispõe o artigo 6.º, n.º 1, do citado diploma que o contrato de crédito deve ser reduzido a escrito e assinado pelos contraentes, devendo ser entregue um exemplar ao consumidor no momento da assinatura, cominando o n.º 1 do artigo 7.º do mesmo diploma com a nulidade a inobservância do preceituado no n.º 1 do artigo 6.º.
E, de acordo com n n.º 4 do artigo 7.º citado, a inobservância daqueles requisitos presume-se imputável ao credor, e a invalidade apenas pode ser invocada pelo consumidor, em cujo exclusivo interesse foi estabelecido.
O apelado invocou a nulidade pelo que era lícito ao tribunal dela conhecer.
Sustenta a apelante que, tratando-se de contrato entre ausentes, as normas supra referidas não logram aplicação.
Nas palavras de Galvão Teles, Direito das Obrigações, Coimbra Editora, 7.ª edição, pg. 64:,
«A proposta e aceitação podem ser simultâneas (ou com intervalo escasso, praticamente irrelevante) e fala-se de contrato entre presentes; ou podem ser claramente afastadas no tempo e então o contrato diz-se entre ausentes. A proximidade ou distanciamento físico das partes não é essencial para caracterizar o contrato como pertencendo a uma ou outra das duas espécies. Por exemplo, A entrega a B, em mão, uma carta com determinada proposta e pede-lhe que responda mais tarde; passado dias B entrega por sua vez a A, também em mão, uma resposta escrita afirmativa: o acordo considera-se entre ausentes. Inversamente, existe acordo entre presentes se a proposta é feita pelo telefone, por fax ou outro meio de comunicação à distância e o destinatário que está ao aparelho receptor ou junto dele, transmite in continuo a sua aceitação»
Não se questiona que estamos perante um contrato entre ausentes face ao facto enunciado sob a alínea n), já que a manifestação de vontade dos contraentes não se dá em simultâneo, apresentando-se desfasadas no tempo.
A questão a apreciar -reside em saber se os artigos 6.º, n.º 1, e 7.º, n.º 1, Decreto--Lei 359/91, de 21 de Setembro, não logram aplicação no caso do contrato entre ausentes, como pretende a apelante.
A resposta não pode deixar de ser negativa, acompanhando-se a sentença recorrida.
O legislador não desconhecia a realidade das compra e vendas e prestações de serviço financiadas, que envolvem três contraentes — o financiador; o vendedor / prestador de serviços; e o consumidor —, como se alcança do artigo 12.º do diploma legal em apreço.
Nestas situações, normalmente o contacto se estabelece entre o consumidor e o vendedor/prestador de serviço, não tendo aquele qualquer contacto com o financiador.
Ora, não podendo o legislador ignorar que uma parte considerável dos contratos de crédito ao consumo são contratos entre ausentes, se pretendesse excepcionar tais situações, certamente o teria feito de modo expresso.
Discorda-se frontalmente da apelante quando afirma que a teleologia da lei — Decreto-Lei 359/91 — qual seja a protecção do consumidor, não é frustrada com as assinaturas em "décalage" dos outorgantes do contrato, mesmo que a última a ser aposta seja a do credor, desde que, após a assinatura deste, seja enviada ao devedor um exemplar totalmente assinado.
Com efeito, a ser assim, se esvaziaria completamente de conteúdo a imposição legal da entrega de um exemplar ao consumidor no momento da assinatura, pois também no contrato entre presentes o envio posterior também salvaguardaria a protecção do consumidor!
A protecção conferida pela lei ao consumidor é a mesma, independentemente da forma de celebração do contrato.
Sublinhe-se que a contagem do prazo para ser exercido o direito de revogação do contrato se conta a partir da assinatura do contrato, atento o disposto no artigo 8.º, n.º 1, do citado diploma:
«Com excepção dos casos previstos no n.º 5 [renúncia ao exercício do direito de resolução em caso de entrega imediata do bem] a declaração negocial do consumidor relativa à celebração de um contrato de crédito só se torna eficaz se o consumidor não a revogar, em declaração enviada ao credor por carta registada com aviso de recepção e expedida no prazo de sete dias úteis a contar da assinatura do contrato, ou em declaração notificada ao credor, por qualquer meio, no mesmo prazo». (sublinhado nosso).
O rigor com que o legislador delineou o direito à revogação não se compadece com incertezas acerca do momento da conclusão do contrato — é o momento da assinatura pelo consumidor que marca o início do prazo de reflexão para o eventual exercício do direito de revogação.
Evitam-se, assim, discussões acerca do momento a partir do qual é contado o prazo para a revogação, como sucederia se se considerasse o momento do envio do exemplar assinado pelo mutuante ao consumidor.
A protecção do consumidor prosseguida pelo citado Decreto-Lei não se compadece com interpretações restritivas que subtrairiam do regime da nulidade por falta da entrega de um exemplar do contrato ao consumidor no momento da assinatura as situações de contratos entre ausentes, que integram uma parte significativa dos contratos de crédito ao consumo.
São as entidades financiadoras que têm de se adaptar à lei, e não a lei aos interesses daquelas.
Como se escreveu no acórdão do STJ, de 1999.06.02, Quirino Soares, www.dgsi.pt.jstj, proc. 99B387,
«Os interesses do "consumidor", prevalecentes no espírito do mencionado diploma regulamentador do crédito ao consumo, não podem, no que ao âmbito do período de reflexão importa, ficar dependentes das conveniências burocráticas ou organizacionais do "credor"».
Assim, a assinatura do consumidor deverá ser a última a ser aposta, para que se cumpra o imperativo legislativo.
Por outro lado, é sintomático que o legislador tenha optado pela nulidade, ainda que invocável apenas pelo consumidor, e não pela anulabilidade (cfr. artigo 7.º, n.º 3, do citado diploma).
Sublinhe-se que, no caso vertente, nem sequer se provou que tivesse sido entregue um exemplar do contrato devidamente assinado pelo mutuante ao apelado (cfr. alínea cc da matéria de facto: «Nem na data da sua subscrição/assinatura (13/02/08), nem posteriormente, foi entregue ao executado um exemplar do denominado Contrato de Mútuo junto aos autos com o requerimento executivo».).
No sentido de que o regime dos artigos 6.º, n.º 1, e 7.º, n.º 1, do Decreto-Lei 359/91, de 21 de Setembro, se aplica também aos contratos entre ausentes se pronunciaram os acórdãos do STJ, de 2010.01.07, Maria dos Prazeres Beleza; de 2009.07.07, João Camilo; de 2007.10.30, Fonseca Ramos; de 1999.06.02, Quirino Soares; www.dgsi.pt.jstj, proc. 08B3798, 6773/04.4TVLSB, 07A3048, 99B387, respectivamente; e da Relação de Lisboa, de 2009.01.20, Graça Amaral; 2007.06.28, Ferreira Lopes; 2007.12.18, Maria José Mouro; de 2006.11.09, Fátima Galante; de 2006.05.09, Maria Amélia Ribeiro; de 2006.05.09, Rosa Maria Ribeiro Coelho; de 2005.06.02, Salazar Casanova; de 2004.11.25, Ferreira Lopes, www.dgsi.pt.jtrl, proc. 10300/2008, 4307/2007, 8226/2007, 7333/2006, 12156/2005, 12155/2005, 4336/2005, 7589/2004, respectivamente.
Consigna-se que, contrariamente ao afirmado na conclusão XXVI, não resulta da matéria de facto provada que o apelado tenha ficado com uma cópia da proposta do contrato, sendo certo que tal circunstância, a existir, não sanaria a nulidade do contrato de mútuo decorrente da não entrega no momento da assinatura.
A sentença recorrida não merece censura nesta parte.
3.3. Do alegado abuso do direito por parte do apelante ao invocar a nulidade
Sustenta a apelante que a invocação da nulidade do contrato de mútuo por parte do apelado configura abuso do direito, na modalidade de venire contra factum proprium, por ocorrer comportamento subsequente comprovativo de que o executado aceitou a validade do contrato de crédito com a recepção do contrato de mútuo assinado pela mutuante, com o pagamento da primeira prestação, posteriormente cancelada. E que o não cumprimento subsequente apenas poderá revelar ligeireza de análise feita pelo mesmo relativamente às suas responsabilidades.
Conclui dizendo que o apelado, desde a data da subscrição do contrato de mútuo (2008.02.13) até à data do incumprimento (2008.04.21), assumiu um comportamento que lhe criou legítima confiança na conformidade contratual iniciada com a proposta enviada pelo próprio apelado.
A problemática da paralisação da nulidade através da invocação do abuso do direito no caso das nulidades que prescrevam formas legais para certos actos jurídicos é delicada, atenta a natureza imperativa dos preceitos que a impõem e o conhecimento oficioso das mesmas, devendo nestes casos a solução para uma invocação abusiva ser encontrada à luz de outros institutos, v.g., a culpa in contrahendo, ou noutros institutos, como a conversão e a redução. A propósito da inalegabilidade de vícios formais veja-se Meneses Cordeiro, Da Boa Fé no Direito Civil, Almedina, II, pg. 771 e ss.
No caso vertente estamos perante uma invalidade mista, em que apenas ao consumidor é lícito invocar a nulidade, estando os inconvenientes supra enunciados mitigados.
A jurisprudência tem recorrido à figura do venire contra factum proprium quando o consumidor invoca a nulidade do contrato depois de ter usufruído das vantagens do mesmo durante um período mais ou menos dilatado.
Trata-se normalmente de situações em que o bem financiado é um automóvel, que o consumidor utilizou até ser demandado pelo incumprimento, altura em que invoca a nulidade do contrato.
A título meramente exemplificativo refiram-se os acórdãos da Relação de Lisboa, de 2007.04.24, Carlos Moreira; de 2007.06.28, Ferreira Lopes; de 2005.05.09, Maria Amélia Ribeiro; de 2006.05.09, Rosa Maria Ribeiro Coelho; de 2006.06.02, Salazar Casanova, www.dgsi.pt.jtrl, proc. 10379/2006, 4307/2007, 12156/2005, 12155/2005, 4336/2005, respectivamente.
Entendimento diverso foi, porém, expresso no acórdão do STJ, de 2007.10.30, Fonseca Ramos, www.dgsi.pt.jstj, proc. 07A3048
«Mas poder-se-á questionar se ao invocar a nulidade do contrato, o Réu não age com abuso do direito, já que pagou dez prestações e só depois da resolução do contrato pela Autora invoca, na contestação, a invalidade do contrato.
Na ponderação de saber se houve abuso do direito — art. 334º do Código Civil - excepção material de conhecimento oficioso – o Tribunal deve actuar com prudência quando se está perante uma relação de consumo, onde é patente a desigualdade de meios entre o fornecedor dos bens ou serviços e o consumidor, sendo de equacionar se, ao actuar como actuou, a Autora, prevalecendo-se de superioridade negocial em relação a quem recorreu ao seu crédito, não infringiu ela mesmo, em termos censuráveis, os deveres cooperação, de lealdade, e informação, em suma os princípios da boa fé.
O Réu utilizou a viatura dez meses já que pagou 10 prestações mensais, deveria pagar 60 prestações.
Entendemos que, sopesada a gravidade do comportamento da Autora, profissional do no mercado de crédito com o arsenal de meios logísticos, marketing, publicidade, de que dispõe, o quadro factual em que o Réu (a parte mais fraca no contexto negocial, repetimos) invocou a nulidade, não exprime abuso do direito, por não ser clamorosa e chocantemente violadora das regras da boa-fé.
Não fora a actuação da Autora, incompatível com a ponderação e salvaguarda dos direitos do Réu consumidor, não poderia este invocar a nulidade do contrato.
Concluímos, que a pretensão do Réu não deve ser paralisada pela invocação do abuso do direito, sendo certo que nas relações de consumo a regra é a protecção do consumidor, só devendo ser desconsiderada, em casos de conduta, a todos os títulos censurável e injustificada, com grave prejuízo da contraparte, o que aqui não é evidente, sendo de acentuar que a actuação da Autora evidencia contornos tais que conduz a considerar que a actuação do Réu não cai na alçada daquele moderador instituto».
A situação dos autos é completamente diversa.
Não se vislumbra que comportamento do apelado possa ter criado na apelante a convicção de que este aceitava os termos do contrato.
Em primeiro lugar, não corresponde à matéria de facto provada que o contrato tenha sido cumprido pelo apelado com o pagamento da primeira prestação.
O que sucedeu foi que, sem ter recebido um exemplar do contrato de crédito — exemplar que, aliás, nunca lhe foi entregue, conforme alínea cc da matéria defacto — foi-lhe descontada a primeira mensalidade do empréstimo, a qual foi logo cancelada pelo apelado (cfr. alíneas u) a y) da matéria de facto).
O lapso temporal decorrido entre a assinatura da contrato até à data do incumprimento foi de pouco mais de dois meses, sendo certo que, reitera-se, o apelado nunca recebeu o exemplar do contrato que lhe competia.
A matéria de facto considerada provada não permite acompanhar a apelante na afirmação de que o não cumprimento do contrato pelo apelado apenas poderá revelar ligeireza na análise feita pelo mesmo relativamente às suas responsabilidades.
Na verdade, o que ficou demonstrado foi que o apelado foi sujeito a uma grande pressão e vítima de técnicas de venda particularmente agressivas (alíneas z) a bb), não lhe tendo sido explicadas as cláusulas contratuais (alíneas ee) e ff), para além de lhe terem sido dadas informações que não correspondiam à realidade, designadamente que poderia, a qualquer momento, pôr termo aos contratos sem quaisquer encargos (alínea t) parte final).
Aliás, é na sequência de tentativa infrutífera de pôr termo aos contratos que cancelou a transferência bancária da primeira prestação (alíneas x) e y) da matéria de facto.
Pelo exposto, não se pode afirmar que a actuação do apelado ao invocar a nulidade do contrato de mútuo — cujo exemplar que lhe era devido nunca foi entregue — configura qualquer abuso de direito. Quem foi vítima de actuação abusiva na contratação foi o apelado.
Como sublinha o acórdão do STJ, de 2010.01.07, Maria dos Prazeres Beleza, www.dgsi.pt.jstj, proc. 08B3798,
«Também não é significativo, por si só, o tempo que decorreu entre a celebração dos contratos e a propositura da presente acção (ou da citação da recorrente); a nulidade pode ser invocada a todo o tempo (naturalmente com o limite, genérico, da prescrição), nos termos do disposto no artigo 286º do Código Civil. Se o legislador pretendesse a sanação do vício pelo decurso do tempo tê-lo-ia provavelmente sancionado com a anulabilidade, como fez para os casos previstos no nº 2 do artigo 7º do Decreto-Lei nº 359/91. Assim sendo, haveria de ter sido alegada e provada matéria de facto que permitisse concluir que o não exercício anterior do direito de invocar a nulidade por falta de entrega oportuna de um exemplar da proposta de contrato tinha sido acompanhado de uma actuação dos consumidores apta a, objectiva e justificadamente, criar na recorrente a confiança de que a nulidade não seria suscitada, tornado claramente inaceitável que, ao arrepio dessa sua atitude, a viessem invocar, em violação da confiança que eles próprios (objectivamente, repete-se) criaram (cfr., por exemplo, os acórdãos deste Supremo Tribunal de 14 de Novembro de 2006, 3 de Julho de 2008, 18 de Dezembro de 2008 ou de 31 de Março de 2009, disponíveis em www.dgsi.pt como procs. nºs 06A3441, 08B2002, 08B3154 e 09A0537).
Com efeito, para ocorrer abuso de direito é imperioso que o modo concreto do seu exercício, objectivamente considerado, se apresente ostensivamente contrário “à boa fé, (a)os bons costumes ou (a)o fim social ou económico” do direito em causa (artigo 334º do Código Civil)».
Improcede a apelação também nesta vertente.
3.4. Da obrigação de o mutuário de restituir a quantia mutuada nos termos do artigo 289.º CC
Defende a apelante que, a ser nulo o contrato de mútuo, a declaração de nulidade tem efeitos retroactivos, nos termos do artigo 298.º CC.
A sentença, abordando expressamente esta questão, entendeu que o apelado não tem de restituir qualquer montante, porque a quantia mutuada foi entregue ao vendedor.
Independentemente da questão de fundo, a oposição à execução e à penhora não é o meio idóneo para se processar a restituição da quantia mutuada, ainda que ela fosse devida.
Apesar de a oposição se configurar como uma acção declarativa na dependência do processo executivo (Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, vol. III, pg. 307), a pretensão do executado é a extinção, total ou parcial, da execução, através da invocação de matéria de impugnação ou excepção, não podendo deduzir reconvenção, por esta não ser um meio de defesa, mas um contra-ataque (op. cit., pg. 321).
Nas palavras de Lebre de Freitas, A Acção Executiva depois da Reforma da Reforma, Coimbra Editora, 5.ª edição, pg. 171,
«A oposição do executado visa a extinção da execução, mediante o reconhecimento da actual inexistência do direito exequendo ou da falta dum pressuposto, específico ou geral, da acção executiva».
Assim, o n.º 4 do artigo 817.º CPC, introduzido pelo Decreto-Lei 38/2003, de 8 de Março, dispõe que a procedência da execução extingue a execução no todo ou em parte.
Nessa conformidade, não há que condenar à restituição da quantia mutuada em sede de oposição à execução.
Nem a execução pode continuar pela quantia cuja restituição pretende a apelante.
Como refere Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, vol. I, pg. 87,
«O título executivo constitui pressuposto de carácter formal da acção executiva, destinado a conferir à pretensão substantiva um grau de certeza reputado suficiente para consentir a subsequente agressão patrimonial aos bens do devedor. Constitui, assim, a base da execução, por ele se determinando o tipo de acção o seu objecto (n.º 1), assim como a legitimidade activa e passiva para a acção (art. 55-1).
O objecto da execução tem de corresponder ao objecto da situação jurídica acertada no título, o que requer a prévia interpretação deste. Assim, não é exequível, atenta a diversa natureza das obrigações em causa, o titulo que formalize um negócio jurídico nulo, mesmo quando a obrigação de restituição resultante da nulidade (art. 289 CC) tenha por conteúdo uma prestação materialmente idêntica à que o negócio tendia a constituir, como acontece, por exemplo, no mútuo superior a 3.000.000$00 celebrado por escrito particular, sem estipulação de juro».
Sempre se dirá que não impende sobre o mutuário a obrigação de restituir a quantia mutuada.
Na compra e venda financiada estamos perante uma relação tripartida, que envolve, para além do mutuante e mutuário — partes nos autos —, o vendedor que forneceu o bem e a quem a apelante entregou directamente o montante mutuado.
Não se questiona que a prestação possa ser feita a terceiro, quando convencionado (cfr. artigo 770.º, alínea a), CC), e que a obrigação do mutuante se considere cumprida com a entrega da quantia mutuada ao fornecedor.
E que os contratos de compra e venda e mútuo são distintos e autónomos, com o seu regime próprio.
No entanto, é inegável que se trata de contratos coligados, com uma estreita conexão funcional, conexão que não se esgota no momento inicial, como decorre da disciplina constante do artigo 12.º do Decreto-Lei 359/91, de 21 de Setembro, tributário da unidade económica da compra e venda para consumo financiada.
Dispõe o n.º 1 do artigo 12.º do citado diploma que se o crédito for concedido para financiar o pagamento de um bem vendido por terceiro, a validade e eficácia do contrato de compra e venda depende da validade e eficácia do contrato de crédito, sempre que exista qualquer tipo de colaboração entre o credor e o vendedor na preparação ou conclusão do contrato de crédito.
Não se exige, como sucede no caso do n.º 2 do mesmo artigo para que o consumidor possa demandar o credor em casos de incumprimento ou cumprimento defeituoso, a prova de que o contrato foi celebrado no âmbito de um acordo prévio entre credor e vendedor por força do qual o crédito é concedido exclusivamente pelo mesmo credor aos clientes do vendedor para a aquisição de bens fornecidos por este último.
Como se refere no acórdão da Relação de Lisboa, de 2005.06.02, Salazar Casanova, www.dgsi.pt.jtrl, proc. 4336/2005-8, os contratos não podem ser considerados individualmente, como se tivessem sido celebrados separadamente, em que o mutuário pedia directamente o empréstimo ao financiador e, com o produto do mútuo, pagasse o preço do bem adquirido.
Vejamos então qual o alcance do n.º 1 do artigo 12.º do referido diploma legal.
A este propósito, Gravato Moraes, A Unidade Económica dos Contratos, Sub Júdice, n.º 36, Jul-Set. 2006, pg. 25:
«Não se torna, pois, necessária uma cooperação qualificada, intensa ou estreita entre financiador e fornecedor. O qualificativo "qualquer" mostra que a colaboração ocasional, a colaboração sem acordo prévio, a colaboração com acordo prévio ou a colaboração exclusiva são subsumíveis à definição apresentada.
No fundo, pode até retirar-se a seguinte conclusão: "não importa qual" seja o tipo de cooperação entre credor e fornecedor cumpre-se o pressuposto em exame.
As situações contempladas encontram-se, assim, muito próximas dos indícios enunciados pela jurisprudência pela doutrina alemãs:
- a informação dada pelo vendedor ao consumidor acerca de um contrato de crédito (vg., por via das tabelas que dispõe referentes aos montantes das prestações a pagar ou das brochuras relativas a modos distintos de financiamento);
- a posse pelo vendedor de formulários de pedidos de crédito e até de contratos de crédito, o auxílio no seu preenchimento, a recolha de elementos do consumidor para posterior envio ao financiador ;
- a inexistência de um contacto directo entre o consumidor e o financiador;
- as circunstâncias de tempo e de lugar da conclusão dos contratos.»
Face à matéria provada (cfr. alíneas l) e ss.) encontra-se preenchida a previsão do n.º 1 do artigo 12.º do citado diploma legal.
É nesta perspectiva que deve ser equacionada a problemática da restituição da quantia mutuada na sequência da declaração de nulidade do contrato de mútuo.
Assim, afirma Gravato Moraes, Contratos de Crédito ao Consumo, Almedina, pg. 242:
«O negócio nulo não produz os efeitos principais a que tende. Se porventura foi entregue o dinheiro mutuado ao consumidor, (ou directamente ao fornecedor) ou paga por aquele já alguma importância ao dador de crédito, estamos no domínio das meras prestações de facto.
Perguntar-se-á qual a consequência que advém para o contrato ligado da nulidade do outro negócio.
O artigo 12.º, n.º 1 DL 359/91, dá-nos textualmente a resposta, conquanto de forma indirecta: o contrato oposto é afectado na mesma medida, ou seja, é igualmente nulo. Contudo, a invalidade da venda não resulta de uma vicissitude intrínseca à mesma mas é a ela exógena.»
Impor ao mutuário a restituição da quantia mutuada em caso de nulidade do contrato de mútuo consubstanciaria uma vitória de Pirro para o consumidor, como se refere no referido acórdão da Relação de Lisboa: ele que teve de recorrer ao crédito por não dispor de capacidade financeira ver-se-ia na contingência de ter de devolver uma quantia de que não dispõe.
Como se lê no referido acórdão,
«60. A dependência destes contratos leva a que o destino do mútuo seja o pagamento do preço (ou de parte dele, isso não importa pressupondo que o valor total da venda por ser superior ao da quantia mutuado foi pago previamente pelo comprador); o adquirente não recebeu a quantia mutuada nem era isso o que estava em causa, destinou-se esta directamente ao pagamento do preço da compra e venda que é o contrato final.
61. Ora se existe uma solidariedade relativamente ao fim do mútuo, o pagamento do preço, expressa em todo o processo negocial, afigura-se que se impõe, em atenção a essa unidade negocial, um desvio do regime que resultaria em matéria de restituição da quantia mutuada se este contrato fosse encarado isoladamente.
62. O tratamento unitário dos contratos iria, assim determinar que, muito embora o regime de nulidade atinente a um dos contratos (no caso, o contrato de mútuo) fosse visto à luz desse contrato, as sua consequências fossem já encaradas sob o prisma da finalidade prosseguida.
63. Então, assim sendo, essa interdependência levaria a considerar inválido o contrato de compra e venda; seria, pois, no plano dos efeitos que, como se salientou, a interdependência deveria ser encarada.
64. Se assim não fosse o reconhecimento da existência de uma união de contratos interdependentes não teria nenhum tratamento prático diverso daquele que teria se os contratos fossem tratados autonomamente.
65. Falar em união, assinalar as interdependências com as suas manifestações ao nível das próprias estipulações entre as partes, tudo isso não passaria de mero exercício académico sem nenhuma utilidade real: ainda que a interdependência fosse reconhecida face à união dos contratos, a consequência do reconhecimento da nulidade do mútuo seria sempre a mesma: impor-se ao mutuário a restituição da quantia mutuada».
Por todo o exposto, conclui-se, com o referido acórdão, que a restituição da quantia mutuada deve ser reclamada da vendedora.
Com efeito, por força da nulidade do contrato de compra e venda, deixou a vendedora do bem de ter fundamento para reter a quantia mutuada, sendo certo que a nulidade do contrato de mútuo resultou da actuação conjunta das duas.
No mesmo sentido refiram-se os acórdãos do STJ, de 2010.01.07, Maria dos Prazeres Beleza, de 2009.07.07; João Camilo, www.dgsi.pt.jstj, proc. 08B3798 e 6773/04.4TVLSB, respectivamente, e da Relação de Lisboa, de 2009.01.20, Graça Amaral; de 2008.06.19, Pedro Lima Gonçalves, www.dgsi.pt.jtrl, proc. 10.300/2008, e 3820/2008, respectivamente; e Gravato Moraes, op. cit., pg. 247.
4. Decisão
Termos em que, julgando a apelação improcedente, confirma-se a decisão recorrida.