Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
FACTURA
FACTURA CONFERIDA
TÍTULO EXECUTIVO
EXECUÇÃO
Sumário
I - A factura conferida é uma nota de venda de mercadoria com a indicação do respectivo preço e contendo uma declaração de conformidade pelo comprador; o extracto de factura é uma espécie de letra sacadas pelo vendedor de mercadorias (a crédito), quando comerciante por grosso, sobre o respectivo comprador, no montante do preço em dívida - tal como a livrança, o cheque e a letra, exerce plenamente a função titular, incorporando autonomamente a obrigação original, e é transmissível mediante endosso. II - O extracto de factura, criado pelo Decreto nº 19490, de 21 de Março de 1931, para valer como título executivo deverá ser assinado pelo devedor; reconduz-se à categoria dos documentos particulares assinados pelo devedor e referidos na alínea c) do art. 46 do CPC.
Texto Integral
Acordam na Secção Cível (2ª Secção) do Tribunal da Relação de Lisboa:
*
I - «“A” – Químico Comercial, Lda.» intentou execução comum, para pagamento de quantia certa, contra «“B” – Nutrição e Produtos Naturais, Lda.»
Referiu a exequente, em resumo, ter apresentado no Cartório Notarial de Protesto de Letras de Lisboa, para protesto por falta de pagamento, a factura nº .../2008 de 12-9-2008 no valor de € 9.113,12, e que tendo a executada sido notificada para proceder ao pagamento daquela quantia, correspondente ao valor de fornecimento dos bens em dívida, em virtude da sua não comparência foi lavrado instrumento de protesto contra a devedora «“B”- Nutrição e Produtos Naturais, Lda.».
Liquidou a exequente a obrigação exequenda em € 11.195,18, acrescida de juros sobre o capital em dívida (€ 9.113,12).
Juntou aos autos o aludido instrumento de protesto, bem como a referida factura.
Na sequência foi proferido despacho que rejeitou oficiosamente a execução por ser manifesta a falta de título executivo.
Desta decisão apelou a exequente, concluindo nos seguintes termos a respectiva alegação de recurso:
A) O extracto de factura – vulgo factura – foi criado pelo Decreto-Lei 19.490 de 21 de Março de 1931 – que se encontra ainda em vigor – constituindo assim um novo título de crédito, obrigatoriamente emitido em representação de todas as vendas a prazo entre comerciantes sempre que o preço não fosse representado por letras.
B) O extracto de factura representa sempre uma transacção comercial real e é um título exequível, independentemente, da assinatura do assinante não ser reconhecida pelo notário.
C) Nos termos do artigo 10º do citado diploma legal, sob a epígrafe “Protesto de Extracto de factura”, estabelece-se que o extracto pode ser protestado por falta de pagamento, o qual será lavrado mediante apresentação do extracto.
D) As facturas emitidas pela Exequente e ora Recorrente à Executada foram sujeitas a protesto no Cartório Notarial do Protesto de Letras de Lisboa, o qual notificou a Executada para, na qualidade de devedora pagar à “A”, Lda. os valores apostos nas facturas que constituem o título executivo.
E) A força executiva de que ora se cuida procede não do Código de Processo Civil mas sim da legislação específica, respeitante ao extracto de factura
F) Assim, o título apresentado pela Exequente e ora Recorrente é subsumível na previsão da alínea d) do artigo 46º do CPC e nessa medida constitui título executivo.
G) A decisão recorrida violou a alínea d) do artigo 46 do CPC e bem assim as disposições do Decreto-Lei 19.490 de 21 de Março de 1931, designadamente os seus artigos 10º e seguintes.
*
II - Com interesse para a decisão haverá que salientar:
1 – No requerimento executivo afirmou a exequente apresentar como título executivo uma «factura».
2 – Tal documento consiste na denominada «Factura nº .../2008», de que se encontra cópia a fls. 4, emitida em papel em que se encontra impresso o nome da exequente, dirigida á executada, com data de 12-9-2008, no valor de € 9.113,12 e da qual não consta qualquer assinatura.
2 - Dessa «factura» foi lavrado instrumento de protesto em 26-1-2011 no Cartório Notarial do Protesto de Letras de Lisboa, consoante documento de fls. 3, do qual consta, designadamente, que a aqui exequente «apresentou neste Cartório Notarial, para protesto por falta de pagamento; uma factura emitida por “A” – Químico Comercial, Lda. em doze de Setembro de dois mil e oito do montante de nove mil cento e treze euros e doze cêntimos» e ainda que o «responsável para com o portador foi notificado pelo apresentante, conforme cópia da carta aviso e respectivo talão de registo que se arquivam, não tendo comparecido neste Cartório».
3 - A decisão recorrida rejeitou oficiosamente a execução por entender ser manifesta a falta de título executivo, considerando que as facturas podem servir de título executivo desde que se indique o preço devido e haja uma declaração de recebimento por parte do adquirente e da factura dos autos não constar a assinatura da executada.
*
III – Consoante resulta do art. 684, nº 3, do CPC, o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação. Assim, tendo em conta o teor do despacho recorrido, verificamos que a única questão que se nos coloca é a de se os documentos juntos aos autos pela exequente como título executivo conformam, efectivamente, um título executivo.
*
IV - Determina o art. 45 do CPC que toda a execução tem por base um título pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva.
O título é, de facto, o suporte da execução – atente-se a que mesmo a legitimidade do exequente e do executado por ele se aferem (art. 55 do CPC).
Entre os vários documentos particulares que poderão ser considerados títulos executivos encontram-se as facturas conferidas e os extractos de factura.
Aliás, na versão do CPC anterior à Reforma introduzida pelo dl 329-A/95, de 12-12, a alínea c) do art. 46 enumerava entre os títulos executivos «as letras, livranças, cheques, extractos de factura, vales, facturas conferidas e quaisquer outros escritos particulares, assinados pelo devedor, dos quais conste a obrigação de pagamento de quantias determinadas ou de entrega de coisas fungíveis».
Ora, a actual alínea c) do art. 46 ao conferir exequibilidade aos «documentos particulares assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas dele constantes, ou de obrigação de entrega de coisa ou de prestação de facto» inclui entre aqueles «as letras, as livranças, os cheques, os extractos de factura, os vales e as facturas conferidas, que, na redacção anterior à revisão de 1995-1996, eram objecto de referência expressa, que o DL 329-A/95 suprimiu porque desnecessária» ([1]).
Como decorre do que supra expusemos, a exequente quando do requerimento executivo menciona como título executivo uma «factura»; já na alegação de recurso aludiu ao «extracto de factura – vulgo factura», apontando para a previsão da alínea d) do art. 46 do CPC e defendendo que a força executiva do título por si apresentado procede da legislação específica respeitante ao extracto de factura.
Haverá, antes de mais, que precisar conceitos, designadamente, distinguir as facturas conferidas - porque essas, que não uma simples factura ([2]), é que constituirão título executivo - do extracto de factura.
Na definição de Manuel de Andrade ([3]), as facturas conferidas «são notas de venda de mercadorias com a indicação dos respectivos preços e contendo uma declaração de conformidade pelo comprador»; os extractos de factura «são uma espécie de letras sacadas pelo vendedor de mercadorias (a crédito), quando comerciante por grosso, sobre o respectivo comprador, no montante do preço em dívida».
Já Lopes Cardoso ([4]) ensinava, no que às facturas conferidas concerne: uma factura «é a nota, passada por ocasião duma venda mercantil, da quantidade, qualidade e preço das coisas vendidas, e das condições essenciais da venda … Não é um título formal mas o uso consagrou certas regras de forma a que obedece. Assim, é geralmente escrita em papel impresso com o nome da firma do vendedor e seu domicílio; leva impressa a designação de factura, tem um número de ordem e é datada … A conferência deve constar da factura de modo claro, pelas palavras “Conferi” ou “Conferida”, ou outras de igual significado, seguidas da assinatura do comprador». Mas, o original da factura, mesmo conferido, nunca se poderá admitir como título exequível quando respeite a venda entre comerciantes, a isso se opondo o art. 3 do Dec. nº 19490.
Quanto ao extracto de factura, instituído pelo Dec. nº 19 490, de 21-3-1931 como documento obrigatório dos contratos de venda mercantil a prazo, entre comerciantes, quando não se saquem letras pelo respectivo preço, explica o mesmo autor ([5]) que «tal como a livrança, o cheque e a letra, exerce plenamente a função titular, incorporando autonomamente a obrigação original, e é transmissível mediante simples endosso», só quando satisfazendo todas as condições de forma estabelecidas no artigo 3º do citado Decreto nº 19490 podendo servir de base à acção executiva e que a «falta de qualquer dessas condições inutiliza-o totalmente como título executivo».
Efectivamente, o extracto de factura foi criado pelo Decreto n° 19.490 de 21-3-1931, sendo que segundo o seu art. 1° «nos contratos de compra e venda mercantil a prazo celebrados entre comerciantes domiciliados no continente e ilhas adjacentes, sempre que o preço não seja representado por letras, deve, no acto de entrega real, presumida ou simbólica da mercadoria, passar-se uma factura ou conta, que será acompanhada de um extracto, nos termos do art. 3°».
Atento o § 1 do art. 1, o comprador ficaria com a factura e o vendedor com o extracto, depois de por aquele conferido e aceite e de acordo com o § 2 do mesmo artigo, não sabendo o comprador escrever o extracto seria assinado a seu rogo, com intervenção de duas testemunhas.
O referido art. 3 determinava que o mencionado extracto era a base indispensável de qualquer procedimento judicial destinado a tornar efectivos os direitos do vendedor e os requisitos que o mesmo deveria conter; o art. 12 assinalava que as acções fundadas em extractos começariam por penhora, como a acção executiva do art. 615 do Código de Processo então em vigor. O art. 14 esclarecia que contra o comprador que não tenha devolvido o extracto ou que o haja devolvido sem assinatura, «tem o portador legítimo acção ordinária ou sumária, conforme o valor do crédito».
Assim, Alberto dos Reis ([6]) referia que embora o então nº 4 do art. 46 do CPC exigisse que os títulos ali mencionados estivessem assinados pelo devedor, se suscitava a questão de saber se era indispensável a assinatura autógrafa, devendo ter-se como certo que o extracto de factura é título executivo mesmo quando assinado a rogo do comprador e devendo entender-se que o CPC (de 1939) não alterou o regime do Dec. nº 19490 no tocante aos requisitos de exequibilidade do extracto de factura. Todavia, acrescentava que o art. 12 acima mencionado fora revogado pelo art. 3 da lei preambular do CPC de 1939 e que a atribuição de força executiva ao extracto de factura pelo art. 46 do CPC «significa manifestamente que, com base neste título, se pode promover a execução adequada, ou seja, a execução para pagamento de quantia certa» ([7]). Actualmente, a propósito do extracto de factura diz-nos Amâncio Ferreira ([8]):
«Os extractos de factura, criados pelo Decreto nº 19490, de 21 de Março de 1931, mantêm-se como títulos executivos, nos termos da alínea c) do nº 1 do art. 46º do CPC. Documentam contratos de compra e venda mercantil a prazo celebrados entre comerciantes, sempre que o preço não seja representado por letras. Efectuada a venda, o comprador fica com a factura e o vendedor com o extracto, depois de conferido e aceite por aquele (art. 1º e § 1º do Decreto nº 19490).
O extracto de factura transmite-se mediante simples endosso, devendo o seu legítimo possuidor apresentá-lo a pagamento no dia do seu vencimento ou no seguinte primeiro dia útil, se aquele for feriado…O extracto é passível de protesto (por falta de aceite, de devolução ou de pagamento) ainda que não dependa dele a responsabilidade dos aceitantes, nem a dos respectivos dadores de aval».
Do que viemos expondo resulta que, para valer como título executivo, o extracto de factura deverá ser assinado pelo devedor – ou por outrem, a rogo e nos termos previstos no Dec. nº 19490; aliás, como decorre do § 1º do art. 1 daquele Decreto, o vendedor fica com o extracto depois de «conferido e aceito» pelo comprador e como resulta do art. 14 do mesmo diploma, detendo um extracto não assinado o vendedor recorrerá à acção declarativa.
O extracto de factura reconduzir-se-á, pois, à categoria dos documentos particulares assinados pelo devedor e referidos na alínea c) do art. 46 do CPC, sem justificação de recurso à alínea d) do mesmo artigo quando confere exequibilidade aos documentos a que por disposição especial seja atribuída força executiva.
Ora, desde logo a «factura» documentada a fls. 4 não contém qualquer assinatura.
Assim, aquele documento não poderá conformar um extracto de factura exequível, ao contrário do pretendido pela apelante.
Mesmo que qualificável como diverso título particular a falta da assinatura impediria que constituísse título executivo.
Inexistindo documento reconduzível a um título executivo a presente apelação não poderia proceder.
*
V – Face ao exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar a apelação improcedente confirmando a decisão recorrida.
Custas pela apelante.
*
Lisboa, 31 de Março de 2011
Maria José Mouro
Teresa Albuquerque
Isabel Canadas
---------------------------------------------------------------------------------------- [1] Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, «Código de Processo Civil Anotado», vol. I, 2ª edição, pag. 93. [2] A factura corresponderá ao documento passado pelo vendedor ao comprador em que aquele faz a discriminação completa das mercadorias vendidas, indicando as despesas que efectuou, as vantagens que concede nos preços e as condições de entrega e de pagamento. [3] «Noções Elementares de Processo Civil», pag. 65. [4] «Em Manual da Acção Executiva», Almedina, 1992, pags. 45-46. [5] Obra citada, pags. 42-43. [6] Em «Processo de Execução», vol. I, pags. 166-167 e 178. [7] No acórdão do STJ de 14-12-94, publicado na Colectânea de Jurisprudência, ano II, tomo 3, pag. 178, entendeu-se que o Decreto-Lei nº 29 637, que aprovou o Código de Processo Civil de 1939, ao incluir no elenco dos títulos executivos o extracto de factura, revogou o artigo 12º do Decreto nº 19 490, que impunha a sua emissão ao comerciante-vendedor e que sendo a norma constante deste preceito, complementar do artigo 3º, desse mesmo Decreto, a sua revogação arrastou a revogação deste. Também no seu acórdão de 29-2-96, publicado na Colectânea de Jurisprudência, ano IV, tomo 2, pag. 13, o STJ considerou que o legislador pretendeu, com o artigo 12º do Decreto nº 19 490 de 21-3-1931, elevar à categoria de título executivo o extracto de factura e, assim, regular o procedimento judicial referido no artigo 3º do mesmo Diploma, em termos executivos e que a revogação desse artigo 12º pelo artigo 3º do Decreto-Lei nº 29 637 que aprovou o Código de Processo Civil de 1939, esvaziou de conteúdo o artigo 3º do Decreto nº 19 490, pois este só alcançava sentido útil enquanto se completava com o artigo 12º. [8] Em «Curso de Processo de Execução», 12ª edição, pag. 40, nota 58.