RESPONSABILIDADE CIVIL
PRESSUPOSTOS
NEXO DE CAUSALIDADE
DANOS MORAIS
CORRESPONDÊNCIA
CTT
Sumário

1. O artigo 563.° do Código Civil consagrou a doutrina da causalidade adequada, na formulação negativa nos termos da qual a inadequação de urna dada causa para um resultado deriva da sua total indiferença para a produção dele , que, por isso mesmo, só ocorreu por circunstâncias excepcionais ou extraordinárias.
2. De acordo com essa doutrina, o facto gerador do dano só pode deixar de ser considerado sua causa adequada se se mostrar inidóneo para o provocar ou se apenas o tiver provocado por intercessão de circunstâncias anormais, anómalas ou imprevisíveis.
3. O montante da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais deverá ser calculado segundo critérios de equidade, devendo ser proporcionada à gravidade do dano, tomando em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida.
( Da responsabilidade da Relatora )

Texto Integral

TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

I – RELATÓRIO

A  intentou a presente acção declarativa, sob a forma de processo sumário, contra B  , SA, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de € 20.116,40, sendo € 15.116,40 a título de danos patrimoniais e € 5.000,00 a título de danos não patrimoniais.
Em abono da sua pretensão, alega a autora que, em virtude de não ter recebido uma carta que lhe foi enviada do Instituto do Emprego e Formação Profissional, faltou a uma convocatória deste Instituto e foi-lhe cancelada a prestação de desemprego que lhe tinha sido atribuída, no valor de € 15.116,40. Diz a autora que não recebeu tal convocatória porque a ré depositou o aviso de recepção para levantar a carta - contendo a convocatória - numa morada que não a sua, destinatária da carta, e que após lhe ter solicitado uma explicação para o sucedido a ré não o fez. Por não ter assumido o erro, o Instituto do Emprego e Formação Profissional, mesmo em sede de recurso não alterou a sua decisão de considerar a existência de falta injustificada, o que conduziu ao cancelamento da prestação de desemprego. Alega, ainda a autora, que em virtude do comportamento da ré sofreu transtornos e angústias, pois não aufere quaisquer outros rendimentos.
A ré contestou por impugnação, alegando desconhecer se efectivamente teria sido enviada a missiva em causa, alegando que não houve troca de correspondência, que explicou todo o sucedido à autora e colocando em crise os danos invocados.
Foi proferido despacho saneador onde, na ausência de quaisquer nulidades, excepções dilatórias ou peremptórias que importasse conhecer, se organizou a matéria de facto assente e a base instrutória, que não sofreram quaisquer reclamações.
Realizou-se audiência de discussão e julgamento com observância do formalismo legal e respondeu-se à matéria constante da base instrutória, a qual também não sofreu qualquer reclamação.
Foi proferida sentença que julgou improcedente a acção e absolveu a Ré do pedido.
Inconformada vem a A. apelar da sentença, tendo, no essencial, formulado as seguintes conclusões:
1. A sentença recorrida sofre dos vícios apontados na alínea c) do n°. 1 do artigo 668° do CPC: os fundamentos da decisão estão em oposição com a decisão.
2. Existe obrigação de indemnizar resultante da responsabilidade por factos ilícitos, quando se mostrem preenchidos os seguintes pressupostos: a) o facto , b) a ilicitude, c) a imputação do facto ao lesante, d) o dano e e) o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
3. Quanto ao facto ilícito e culposo, dúvidas não restaram ao tribunal "a quo" de que "Os serviços do Centro de Emprego enviaram à autora uma convocatória à qual a ré atribuiu o código ooooooo  e que não foi deixada na Rua …., n.° 6, em …. , conforme indicado pelo remetente, missiva que nunca chegou à posse da autora."
4. Ficou igualmente provado que sociedade Ré – …. , SA - agiu com culpa, pois, de acordo com a regra e a normalidade das situações (art. 487/2 do CC), podia e devia ter agido de outro modo: se a carta lhe foi entregue, tinha de a ter depositado na morada do remetente, pois a ré não demonstrou que algo impedisse tal situação.
5. Contudo o douto tribunal "a quo" podia e deveria ter ido mais longe, atendendo a que, como se admite na sentença, a Ré agiu com culpa.
6. Não obstante as diversas reclamações efectuadas e sabedora das implicações de um eventual erro da sua parte, a Ré nada fez no sentido de prestar, voluntariamente, como era seu dever, os esclarecimentos necessários à instrução de qualquer processo por parte da autora e bem ainda fazer prova junto do I.E.F.P., relativamente ao sucedido.
7. A Ré não procurou, como era seu dever, investigar os factos repondo a verdade quanto aos mesmos, não obstante os rogos insistentes da Autora nas várias missivas e reclamações apresentadas.
8. O segundo comportamento ilícito e culposo, por parte da Ré, encontra-se igualmente demonstrado e provado, a saber: "o facto de a ré jamais ter dado uma explicação para o facto de a autora não ter recebido o aviso de recepção", viabilizando desta forma a prova de que esta não recebeu a carta a que a Ré atribuiu o código ooooooooPT.
9. Ora, como consequência directa e necessária das condutas supra descritas, adoptadas pela Ré, resultaram para a autora prejuízos, provados nos autos: a A. deixou de auferir uma prestação de desemprego que em 2008 ascendia a 15.166,40 €.
10. Resulta, ainda, para a Recorrente danos morais, consubstanciados nas dificuldades sofridas com o facto de não ter percebido a importância devida a título de subsídio de desemprego.
11. Resta, por fim, verificar se existe nexo de causalidade entre facto e dano, o que salvo o devido respeito por opinião diversa, se encontra por demais demonstrado na factualidade dada como provada nos presentes autos.
12. A conduta da Ré conduziu indubitavelmente à perda do subsídio de desemprego devido à Recorrente, porquanto, na formulação do art. 563° do Código Civil, a Ré responde pelos danos que causou com a não entrega da comunicação.
13. Não se pode afirmar que o que conduziu à perda de subsídio de desemprego, foi o facto de o I.E.F.P. ter considerado a falta injustificada.
14. E que mediante aplicação de uma formulação negativa do principio da causalidade adequada, estaria na disponibilidade da Recorrente, a possibilidade de recurso para o TAF competente.
15. Tal questão nem se colocaria, caso a Recorrida tivesse depositado quer a carta quer o aviso no local devido! Ou prestado com verdade os esclarecimentos sobre o sucedido quando estes lhe foram requeridos! Tanto assim que,
16. Não obstante, sempre se dirá que a Autora apesar da ausência de conhecimentos jurídicos de que a maioria dos cidadãos padece, ainda apresentou reclamação graciosa, juntando toda a prova documental de que dispunha sem prejuízo das diversas reclamações\pedidos de informação previamente solicitados à Ré. Após tantas reclamações efectuadas pela Recorrente a Ré jamais poderia ignorar que a entrega não havia sido feita nas devidas condições.
17. Deste modo, a decisão proferida, atenta a factualidade supra descrita, podia e devia, considerar a intervenção da Recorrida a única capaz de produzir os danos descritos nos autos.
18. Considerando a actuação da Recorrida como determinante nexo de causalidade entre facto e dano, que ficou dado como provado de forma a preencher na íntegra o estatuído no artigo 483° do Código Civil.
19. Ao julgar de forma diferente, isto é, ao julgar improcedentes as pretensões da Autora, atendendo à factualidade dada como provada, a sentença enfermada nulidade prevista na alínea c) do n°. 1 do artigo 668° do Código de Processo Civil: verificando-se, assim, oposição entre os fundamentos e a decisão, o que é causa de nulidade da sentença, nulidade que se argui para todos os efeitos legais.
19. A Autora, ora Recorrente tudo fez para provar que não havia recebido a missiva que a convocava para estar presente no centro de emprego de ..., por diversas vezes se deslocou aos CTT e ao I.E.F.P. de …., no sentido de provar que nunca havia recebido qualquer comunicação.
20. Resulta do exposto que labora em erro o douto Tribunal "a quo" quando, procura fundamentar (a formulação negativa do artigo 563° do Código Civil) fazendo uso de factos que ocorreram ex post ao facto que esteve na origem do dano que a Recorrente reclama.
21. Pelo que, se por um lado a formulação negativa do artigo 563° do Código Civil visa limitar injustiças potencialmente criadas por uma perspectiva naturalista do mesmo (que encontra o seu campo de aplicação primacial no Direito Penal).
22. Não pode, por seu turno, servir de mote para criar situações de verdadeira impunidade como sucede no âmbito dos presentes autos, violando assim o preceituado nos artigos. 483° e 563° ambos do Código Civil.
Termos em que, deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência ser declarada a nulidade da decisão recorrida, revogada a decisão recorrida na parte em que julga ï precedente o pedido formulado pela Recorrente.
Corridos os Vistos legais,
Cumpre apreciar e decidir.
Como se sabe, sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio, é pelas conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 690º, nº 1, do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem.
Por outro lado, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando, assim, ius novarum, i.é., a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo.
No caso sub judice, emerge das conclusões da alegação de recurso que está em causa, no essencial, decidir se estão reunidos os pressupostos da obrigação de indemnizar, designadamente, o nexo de causalidade.

II – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
1. No dia 11-09-2007, o requerimento de prestação de desemprego apresentado pela autora foi deferido, tendo-lhe sido atribuído subsídio de desemprego no montante diário de € 13,26 (treze euros e vinte e seis cêntimos), por um período de 1140 (mil cento e quarenta dias), com início em 11-09-2007. (A))
2. Tal deferimento foi comunicado à autora, por carta registada com aviso de recepção, (B))
3. Em 29-11-2007, o Instituto do Emprego e Formação Profissional notificou a autora nos termos da carta junta a fls. 17 (doc. 3 junto à petição inicial), comunicando-lhe que "é nossa intenção anular a sua inscrição como candidato a emprego, como consequência de: falta injustificada a convocatória (...) em 2007-11-23." (C))
4. No dia 06-12-2007 a autora apresentou uma reclamação junto de B, dando-lhes conhecimento de que não recebeu a convocatória enviada pela IEFP.(D))
5. A ré remeteu essa reclamação para a ANACOM, tendo esta respondido por carta datada de 12-12-2007, junta a fls. 22 (doc. 7 junto à petição inicial). (E))
6. B não respondeu conforme carta junta a fls. 24 - doc. 8 - onde se diz que "Após averiguações junto do CDP da área da residência, e com o apoio do nosso sistema informático, só podemos dizer que o carteiro levou o registo para distribuição, e passou aviso em 20-11-2007 porque o destinatário estava ausente ou não atendeu, e o mesmo esteve avisado na loja de correios até 30-11-2007. Como não foi reclamado, foi devolvido ao remetente.". (Provado por doc. - art. 659/3 CPC).
7. Em 19-12-2007, o IEFP, enviou, por carta registada com aviso de recepção, a carta junta a fls. 18 (doc. 4 junto à petição inicial), comunicando, entre o mais à autora que: "Notifica-se V. Exa. de que por despacho do signatário (...) foi decidida a anulação da sua inscrição, como candidato a emprego neste centro de Emprego, com fundamento na sua actuação injustificada (por falta injustificada a convocatória), nos termos da alínea h) do n.º 1 do artigo 49.º do DL n.º 220/2006, de 3 de Novembro. A decisão ora notificada será comunicada à Instituição de Segurança Social competente para efeitos de cessação de pagamento de prestação de desemprego, em conformidade com o n.º 1 do art. 54.º e n.º 1 do art. 79.º do DL n.º 220/2006, de 3 de Novembro.". (F))
8. A autora enviou a  B , no dia 28-12-2007 a carta junta a fls. 25 - doc. 9 - onde consta: "... V. Sas não se responsabilizam por um acto cometido por um funcionário e que me está a penalizar seriamente, pois deixei de ter o direito ao subsídio de desemprego, que nesta altura era o único sustento que tinha. (...) Como tal, agradeço que V. Sas entendam que a declaração vossa em como não recebi a correspondência do Centro de Emprego não por a não querer receber, mas sim porque não me foi comunicado fará toda a diferença na minha vida (...) Aguardo assim que V. Sas tomem a atitude adequada a este problema e que me ajudem a resolver esta questão perante o Centro de Emprego.". (Provado por doc. - art. 659/3 CPC).
9. Por carta datada de 2008-01-03, B  responderam à autora, conforme doc. junto a fls. 55 - onde se refere que: "Esclarecemos que após ouvirmos o carteiro e o chefe do CDP da sua área de residência, foi afirmado que não se detectou qualquer anomalia na distribuição do registo referido por V. Exª.". (Provado por doc. - art. 659/3 CPC).
10. A autora interpôs recurso gracioso da decisão de anulação da sua inscrição para emprego proferida pelo Senhor Director do Centro de Emprego de ..., em 07/12/19, que foi indeferido conforme decisão sobre recurso junta a fls. 32 a 35 comunicada à autora em 2008-05-21 (doc. 12 junto à petição inicial). (Provado por doc. - art. 65913 CPC).
11. A autora interpôs recurso para a Comissão de Recursos que proferiu decisão conforme doc. 12, onde consta que "os documentos que veio juntar no recurso apresentado ao Vice-Coordenador Regional, emitido pelos CTT e pela Anacom não fazem prova de que houve erro por parte dos serviços. Alega no recurso apresentado a esta Comissão que a carta terá sido depositada em casa de uma vizinha, não logrando, contudo, prova-lo. Nestes termos e não havendo prova em contrário, presume-se que o aviso foi colocado correctamente na caixa de correio da ora recorrente, não tendo a mesma procedido ao seu levantamento em tempo útil". (G))
12. Em 31 de Agosto de 2007, a autora foi despedida pela sua entidade patronal (1º BI).
13. Em virtude do despedimento a autora apresentou junto da segurança social um requerimento de prestação de desemprego (2ºBI).
14. Os serviços do Centro de Emprego enviaram à autora uma convocatória datada de 16-11-2007 a solicitar a comparência da autora, naqueles serviços em 23-11-2007 (3º BI).
15. A tal convocatória foi atribuído o código RM249427188PT (4º BI).
16. No entanto, tal missiva que continha no seu interior a referida convocatória nunca chegou à posse da autora (5º BI)
17. Que apenas teve conhecimento da sua existência em momento posterior a 23-11-2007 (6º BI)
18. Pelo que a autora não compareceu no Centro de Emprego e Formação Profissional da área da residência em 23-11-2007 (7º BI).
19. A notificação referida em 3. foi efectuada em sede de audiência prévia, em virtude do referido em 16. a 18. (8º B.I).
20. A convocatória referida em 10. e 11. foi expedida, pelo Centro de Emprego de ……. no dia 16-11-2007 (art. 9º BI).
21. Em 19-11-2007 foi tentada a sua entrega, sem sucesso, por o endereço estar incorrecto ou ser insuficiente. Aguardando-se nova tentativa de entrega (art. 10º BI).
22. Em 20-11-2007 foi tentada nova entrega encontrando-se o destinatário ausente, empresa encerrada. Avisado na estação de …….(11º BI).
23. Em 30-11-2007 a carta foi devolvida ao remetente- Instituto de Emprego de ……. - por não ter sido reclamada (12º BI).
24. O aviso para levantamento da carta não foi deixado na Rua ……, conforme indicado pelo remetente. (14º BI).
25. A aldeia da ... é um meio rural, com poucos moradores, onde todas as pessoas se conhecem pelo nome.(art. 15º BI)
26. A Rua ……tem o código postal 0000-000 (art. 16ºBI).
27. A habitação onde é entregue a correspondência da autora tem uma porta principal para a Rua .... e uma porta secundária para a Travessa …… (art. 17º BI).
28. A autora sempre recebeu correspondência nestas duas moradas (art. 18º BI).
29. A ré jamais deu à autora uma explicação para o sucedido em 16º e 24º (art. 19º BI).
30. Na Rua d…… habita …C …  e não a autora (art. 21º BI).
31. C  e a autora estão de relações cortadas e não se falam (art. 22º BI).
32. Devido à anulação da inscrição referida em 7. a autora deixou de auferir a prestação de desemprego que em 17-12-2008 ascendia a 15.116,40 € (art. 23º BI).
33. Desde a data em que foi despedida que a autora não aufere qualquer rendimento (art. 24º BI).
34. Vivendo apenas do auxílio prestado pelo pai e demais familiares (art. 25º BI).
35. Sentiu-se a autora desamparada, ansiosa, nervosa em virtude desta situação (art. 26º BI).
36. Angustiada por não conseguir fazer face às despesas mais elementares (art. 27º BI).

II – FUNDAMENTAÇÃO DO DIREITO
1. Da nulidade da sentença
Sustenta a Recorrente que a sentença recorrida sofre dos vícios apontados na alínea c) do n°. 1 do artigo 668° do CPC, já que os fundamentos estão em oposição com a decisão.
Vejamos.
Dispõe, então, a alínea c), do nº 1, do artigo 668º, do CPC, que “é nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão”.
Porém, como repetidamente a jurisprudência vem fazendo notar, esta nulidade consubstancia um vício puramente lógico do discurso judicial e não um erro de julgamento, sendo que aquela apenas existe quando os fundamentos invocados pelo julgador devam conduzir logicamente a resultado oposto ao expresso na decisão.
Não se verifica tal vício em relação aos fundamentos que a parte, em seu entender, conclui verificarem-se para, com o apoio nos mesmos, se dever ter decidido de modo diverso[1].
Ora, lendo a sentença recorrida, é bom de ver que não nos deparamos com a oposição entre os fundamentos aduzidos e a decisão final, estando ambos em plena consonância. A sentença recorrida considera que não estão reunidos todos os pressupostos necessários à existência de responsabilidade civil extracontratual, por não se verificar nexo de causalidade entre a acção (ou omissão) dos CTT e o dano da A., fundamentando essa tomada de posição.
Assim sendo, não se verifica a arguida nulidade.
2. Da responsabilidade civil: pressupostos
Como faz notar a sentença recorrida, no caso concreto, a questão relativa à responsabilidade civil dos CTT, terá que ser analisada à luz da responsabilidade civil extracontratual. A este respeito aí se refere:
“Não se suscitam dúvidas que entre o Instituto do Emprego e Formação Profissional e a sociedade Ré CTT, Correios de Portugal, SA se estabeleceu um contrato de serviço postal, que se consubstancia numa prestação de serviços. É um contrato bilateral e consensual. O contrato de serviço postal tem como característica cumprir-se com a realização da prestação a um terceiro, o destinatário.
A autora, no caso concreto, é precisamente esse terceiro, o destinatário da carta objecto do contrato celebrado entre o IEFP e os CTT.
(…)
Nos termos do art. 406º, n.º 2 do CC "Em relação a terceiros, o contrato só produz efeitos nos casos e termos expressamente previstos na lei.".
Analisado o Regulamento do Serviço Público de Correios, aprovado pelo DL 176/88, de 18/05, de ora em diante designado RSPC, verificamos que ao destinatário é apenas reconhecido como direito próprio e autónomo resultante do contrato o de ser indemnizado por avaria e espoliação do objecto registado, nos termos dos artigos 78/3, 79/3, e 81/3 do RSPC”.
A A. fundamentou o seu pedido de indemnização na não entrega do aviso/carta postal, remetida pelo Instituto do Emprego e Formação Profissional, no seu domicílio.
A sentença recorrida analisa a eventual responsabilidade e a obrigação de indemnizar a destinatária da carta por parte da ré CTT, Correios de Portugal, S.A., à luz da verificação dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual.
E a Recorrente também não põe em crise que a alegada obrigação de indemnizar se inscreve na responsabilidade civil extracontratual.
Ainda assim sempre se dirá que a questão não é totalmente líquida, isto é, se estamos perante um contrato a favor de terceiro ou se, antes, se devem focalizar os factos tidos por apurados em sede de prestação de serviços públicos e respectivas gestão e utilização, podendo questionar-se a hipótese de existência de contrato a que o utente venha a aderir, ou uma hipótese de apólice de fornecimento[2].
2.1. Como decorre do disposto no art. 483º do CCivil, para que exista obrigação de indemnizar resultante da responsabilidade por factos ilícitos, mister se torna que se mostrem preenchidos os seguintes pressupostos: a) o facto, b) a ilicitude, c) a imputação do facto ao lesante, d) o dano e e) o nexo de causalidade entre o facto e o dano[3]
A responsabilidade civil é extracontratual se a obrigação incumprida tem origem em fonte diversa de contrato. Tal responsabilidade resulta da violação de deveres de conduta, vínculos jurídicos gerais impostos a todas as pessoas e que correspondem aos direitos absolutos[4].
Analisando os referidos pressupostos, e tal como a sentença recorrida refere, mostra-se, desde logo, necessário que haja um facto voluntário do agente - dominável ou controlável pela vontade - um comportamento ou uma forma de conduta humana e não um mero facto natural. A omissão pode também consubstanciar um facto voluntário do agente, sempre que haja o dever jurídico especial de praticar um acto que, seguramente ou muito provavelmente, teria impedido a consumação do dano.
Segundo a Base III, com a epígrafe “Responsabilidade extracontratual” do DL 448/99 de 4/11, que aprova as bases da concessão do serviço postal universal a celebrar com os CTT - Correios de Portugal, S.A., a concessionária responderá, nos termos da lei geral, por quaisquer prejuízos causados a terceiros no exercício das actividades que constituem o objecto da concessão, pela culpa ou pelo risco, não sendo assumido pelo concedente qualquer tipo de responsabilidade neste âmbito.
Ora, no caso concreto, são imputados à Ré, dois comportamentos ilícitos e culposos:
1- Os serviços do Centro de Emprego enviaram à autora uma convocatória à qual a ré atribuiu o código 0000000PT e que não foi deixada na Rua ……, conforme indicado pelo remetente, missiva que nunca chegou à posse da autora.
2 – Apesar de a A. ter solicitado, a Ré jamais deu uma explicação para o facto de a A. não ter recebido o aviso no receptáculo.
O já citado DL 448/99, de 4 de Novembro, vem estabelecer níveis de qualidade e fiabilidade nos serviços a prestar pelos CTT, por forma a assegurar os direitos dos utentes no acesso e uso desses mesmos serviços.
As obrigações da concessionária CTT, SA vêm previstas na Base VIII do referido DL entre as quais se destacam, no que aos autos interessa, “b) prestar os serviços concessionados, assegurando a sua interoperabilidade, continuidade, disponibilidade e qualidade”; “n) Garantir a existência de serviços de apoio ao utilizador, nomeadamente através da disponibilização de um sistema adequado de informação e assistência e da criação de um processo transparente e de fácil acesso que permita um tratamento rápido das reclamações”.
Por outro lado, a actividade dos CTT, no âmbito do serviço postal universal, está sujeita ao RSPC. E o artigo 28º deste Regulamente impõe, precisamente, que a “entrega das correspondências registadas é sempre comprovada por recibo e tem lugar na morada do destinatário desde que esteja implantada a distribuição domiciliária ou nos estabelecimentos postais da localidade de destino no caso em que não tenha sido possível a entrega da morada do destinatária".
Escreve-se, com acerto, na sentença recorrida:
“Da análise destas normas resulta que aquelas omissões são susceptíveis de dar lugar à obrigação de reparar os danos por existir uma obrigação legal dos CTT de, por um lado, depositar a carta na morada do remetente, acto que omitiu (art. 20º dos factos provados), e por outro lado, de informar o destinatário do que é que efectivamente se passou com a carta que lhe foi dirigida.
Quanto à primeira omissão dúvidas não temos que a mesma é Ilícita e culposa: Neste sentido se decidiu no acórdão da Relação do Porto de 11-11-1999, publicado in vvwvv,dgsi.pt: "Tendo os Correios Telefones e Telecomunicações omitido o dever, imposto pelo respectivo regulamento, de entregar ao destinatário a correspondência sob registo, que lhes foi confiada com essa finalidade, devolvendo ao remetente (…) o registo sem o apresentar ao destinatário, existe manifesta negligência dos Correios Telefones e Telecomunicações, estando presente, por via disso, o nexo de imputação ao agente ( culpa lacto senso) e o acto ilícita".
Com efeito, além do mais, a sociedade Ré - CTT, SA - agiu com culpa, pois, de acordo com a regra e a normalidade das situações (art. 487/2 do CC), podia e devia ter agido de outro modo: se a carta lhe foi entregue, tinha de a ter depositado na morada do remetente, pois a ré não demonstrou que algo impedisse tal situação.
2.2. Entende a sentença recorrida que quanto à segunda omissão, “não a podemos considerar consubstanciadora de um acto ilícito e culposo porquanto não obstante ter ficado provado que a ré não assumiu que o seu agente não tinha depositado a carta e por isso não explicou à autora o sucedido, o dever jurídico imposto não é esta assumpção mas apenas e tão-só o prestar a informação. Ora, considerando os factos dados como provados em 6. e 9. importa concluir que os CTT fizeram o que estava ao seu alcance e que lhes era exigível: pesquisaram no sistema informático e ouviram o carteiro e o chefe do CDP e informaram a autora do resultado da pesquisa por eles efectuada”.
Salvo o devido respeito também aqui se afigura que o comportamento da Ré deveria ter sido outro, próprio de quem presta um serviço público que se consubstancia na prestação de um serviço em favor dos cidadãos, de entregar ao destinatário a correspondência sob registo, que lhe foi confiada com essa finalidade. A Ré podia ter feito mais do fez.
Assim sendo, ponderando a actuação da Ré, pode dizer-se que a culpa da Recorrida foi grave ou grosseira, por ser evidente que não consubstanciaram apenas um mero lapso que qualquer bonus pater familias podia ter cometido, mas um descuido censurável por ter sido consumado por uma empresa vocacionada para cumprir escrupulosamente aquele tipo de contrato. Ademais a Ré, alertada pela A. da anomalia verificada, reitera um comportamento censurável, ao não averiguar, com a diligência e cuidado devidos, o ocorrido.
Foi omitido o dever, imposto pelo respectivo regulamento, de entregar ao destinatário a correspondência sob registo, que lhes foi confiada com essa finalidade, devolvendo ao remetente (repartição fiscal) o registo sem o apresentar ao destinatário. Existe manifesta negligência dos Correios Telefones e Telecomunicações, estando presente, por via disso, o nexo de imputação ao agente (culpa lacto senso) e o acto ilícito.
3. Do nexo de causalidade
Centremos, então, a atenção no pressuposto que a sentença recorrida refere não estar preenchido e que constitui, digamos, o pomo da discórdia: o nexo causal entre o facto invocado como omissivo por parte dos CTT e os danos invocados.
Como vem sendo referido pela doutrina e jurisprudência[5], a causalidade deve ser apreciada em duas perspectivas:
- a naturalística, averiguando se o processo sequencial foi, ou não, factor desencadeador, ou gerador do dano; trata-se de apurar uma mera relação de causa-efeito, ou seja, no percurso do “iter” causal-naturalistico verificar se a conduta do lesante foi desencadeadora do resultado lesivo e que se insere no plano puramente factual;
- e a denominada causalidade legal, que resulta da aplicação dos princípios do artigo 563.º do Código Civil, que consagra a teoria da causalidade adequada afirmando “uma ligação positiva, em termos de juízo de probabilidade entre o facto jurídico e o dano.”
Dispõe o art. 563.° do Código Civil: “A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”.
Como ensina Antunes Varela[6], “há que restringir a causa àquela ou àquelas condições que se encontrem para com o resultado numa relação mais estreita, isto é, numa relação tal que seja razoável impor ao agente responsabilidade por esse mesmo resultado, isto é, o agente só responde pelos danos para cuja produção a sua conduta era adequada. Se o agente produziu a causa donde resultou o dano, sem dúvida que a sua conduta é adequada ao resultado, mesmo que, concomitantemente com a sua conduta, haja a conduta de terceiros a concorrer para esse resultado ou, pelo menos, a não o evitar”.
Com efeito, desde que o devedor ou lesante praticou um facto ilícito, e este actuou como condição de certo dano, justifica-se perfeitamente que o prejuízo (embora devido a caso fortuito ou, em certos termos, à conduta de terceiro) recaia, em princípio, não sobre o titular do interesse atingido, mas sobre quem, agindo ilicitamente, criou a condição do dano.
Ou seja, o nosso sistema jurídico consagra, uma vertente ampla da causalidade adequada, ao não exigir a exclusividade do facto condicionante do dano.
Assim, poderá configurar-se a concorrência de outros factos condicionantes, contemporâneos ou não daquele facto condicionante, tal como se admite também a causalidade indirecta, bastando que o facto condicionante desencadeie um outro que, por sua vez, suscite directamente o dano. Diversamente, o facto condicionante não deve ser havido como causa adequada do efeito danoso, sempre que o mesmo, pela sua natureza, se mostre de todo inadequado para a sua produção: é o que sucede quando o dano só tenha ocorrido por virtude de circunstâncias anómalas ou excepcionais de todo imprevisíveis no contexto do trajecto causal[7].
Tal como decorre da redacção do artigo 563º do Código Civil o nosso sistema jurídico acolheu a doutrina da causalidade adequada, a qual, todavia, não pressupõe a exclusividade de uma causa ou condição.
Muito embora tal conceito legal comporte qualquer das formulações da referida teoria – na formulação positiva ou negativa –, vem-se entendendo que, provindo a lesão de um facto ilícito (contratual ou extracontratual), seja de acolher e seguir a formulação negativa, segundo a qual o facto que actuou como condição do dano só não deverá ser considerado causa adequada do mesmo se, dada a sua natureza geral e em face das regras da experiência comum, se mostrar indiferente para a verificação do dano.
Ainda que sejam as circunstâncias a definir a adequação da causa, não se deve perder de vista, por um lado, que para a produção do dano pode haver a colaboração de outros factos, contemporâneos ou não, e, por outro, que a causalidade não tem necessariamente de ser directa e imediata, bastando que a acção condicionante desencadeie outra condição que, directamente, suscita o dano (causalidade indirecta).
Na verdade, se o agente produziu a causa donde resultou o dano, sem dúvida que a sua conduta é adequada ao resultado, mesmo que, concomitantemente com a sua conduta, haja a conduta de terceiros a concorrer para esse resultado ou, pelo menos, a não o evitar. Assim, "desde que o devedor ou o lesante praticou um facto ilícito, e este actuou como condição de certo dano, compreende-se a inversão do estado normal das coisas. Já se justifica que o prejuízo (embora devido a caso fortuito ou, em certos termos, à conduta de terceiro) recaia, em princípio, não sobre o titular do interesse atingido, mas sobre quem, agindo ilicitamente, criou a condição do dano"[8].
A propósito do nexo legal de adequação refere o Ac. do STJ de 17 de Junho de 2008[9], que “a inadequação de uma dada causa para um resultado deriva da sua total indiferença para a produção dele, que, por isso mesmo, só ocorreu por circunstâncias excepcionais ou extraordinárias’ (Acórdão de 20 de Outubro de 2005 — 05B2286). O facto terá de ser, em concreto, ‘conditio sine qua non’ do dano mas também ser, em abstracto, causa normal, ou adequada da sua verificação.
É o que a doutrina que o direito Norte-Americano chama de “substantial factor formula.”
Também aí, dano só não se considera causado pelo facto se este apenas o produziu por circunstâncias anómalas e imprevisíveis.
Mas é-o ainda que causado indirecta, ou mediatamente, pelo facto.
Este entendimento resulta da conjugação dos artigos 562.° (‘...a situação que existiria...’) e 563.° (‘...danos que o lesado provavelmente não teria sofrido...’) do Código Civil. (cf Prof. Pessoa Jorge, ‘Ensaio sobre os pressupostos da responsabilidade civil’, 410-nota 373; Prof. Galvão Telles, ‘Direito das Obrigações’, 409 ss).”
4. Do caso concreto
Tendo presentes estes ensinamentos, vejamos o caso concreto.
Demonstrou a A. que os serviços do Centro de Emprego enviaram à autora uma convocatória datada de 16-11-2007 a solicitar a sua comparência naqueles serviços em 23-11-2007 (3º BI), tendo em vista participar numa sessão de informação colectiva (cfr. fls. 34 do doc. junto aos autos a fls.32 e segs.).
No entanto, tal missiva que continha no seu interior a referida convocatória nunca chegou à posse da autora (5º BI), que apenas teve conhecimento da sua existência em momento posterior a 23-11-2007 (6º BI). Por isso a autora não compareceu no Centro de Emprego e Formação Profissional da área da residência em 23-11-2007 (7º BI).
De facto, o aviso para levantamento da carta não foi deixado na Rua do Caramulo, n.º 6, ..., conforme indicado pelo remetente, onde a A. sempre recebeu a correspondência (art. 18º BI). Também se sabe que, na Rua ….., n.º 25, onde terá sido deixado o referido aviso, habita C.  e não a A. (art. 21º BI).
Em 29-11-2007, o Instituto do Emprego e Formação Profissional notificou a A., comunicando-lhe que "é nossa intenção anular a sua inscrição como candidato a emprego, como consequência de: falta injustificada a convocatória (...) em 2007-11-23."
E a A., no dia 06-12-2007, apresentou uma reclamação junto dos CTT, dando-lhes conhecimento de que não recebera a convocatória enviada pela IEFP, à qual os CTT responderam conforme carta junta a fls. 24, onde se diz que "Após averiguações junto do CDP da área da residência, e com o apoio do nosso sistema informático, só podemos dizer que o carteiro levou o registo para distribuição, e passou aviso em 20-11-2007 porque o destinatário estava ausente ou não atendeu, e o mesmo esteve avisado na loja de correios até 30-11-2007. Como não foi reclamado, foi devolvido ao remetente.".
Em 19-12-2007, o IEFP, enviou, por carta registada com aviso de recepção, a carta junta a fls. 18 comunicando à autora que “foi decidida a anulação da sua inscrição, como candidato a emprego neste centro de Emprego, com fundamento na sua actuação injustificada (por falta injustificada a convocatória), nos termos da alínea h) do n.º 1 do artigo 49.º do DL n.º 220/2006, de 3 de Novembro. A decisão ora notificada será comunicada à Instituição de Segurança Social competente para efeitos de cessação de pagamento de prestação de desemprego, em conformidade com o n.2 1 do art. 54.º e n.º 1 do art. 79.2 do DL n.º 220/2006, de 3 de Novembro”
Em 28-12-2007, a A., enviou aos CTT, a carta junta a fls. 25 onde, além do mais, consta: "V. Sas não se responsabilizam por um acto cometido por um funcionário e que me está a penalizar seriamente, pois deixei de ter o direito ao subsídio de desemprego, que nesta altura era o único sustento que tinha. (...) Como tal, agradeço que V. Sas entendam que a declaração vossa em como não recebi a correspondência do Centro de Emprego não por a não querer receber, mas sim porque não me foi comunicado fará toda a diferença na minha vida (...) “.
A esta carta, os CTT responderam, em 3.1.2008, referindo que “após ouvirmos o carteiro e o chefe do CDP da sua área de residência, foi afirmado que não se detectou qualquer anomalia na distribuição do registo referido por V. Exª”.
Perante este circunstancialismo, a A. ainda interpôs recurso gracioso da decisão de anulação da sua inscrição para emprego proferida pelo Senhor Director do Centro de Emprego de ..., em 07/12/19. Todavia, o recurso foi indeferido, conforme decisão sobre recurso junta a fls. 32 a 35 comunicada à autora em 2008-05-21.
Não se dando, ainda, por vencida, a A. interpôs recurso para a Comissão de Recursos que proferiu decisão, onde consta que "os documentos que veio juntar no recurso apresentado ao Vice-Coordenador Regional, emitido pelos CTT e pela Anacom não fazem prova de que houve erro por parte dos serviços. Alega no recurso apresentado a esta Comissão que a carta terá sido depositada em casa de uma vizinha, não logrando, contudo, prova-lo.
Nestes termos e não havendo prova em contrário, presume-se que o aviso foi colocado correctamente na caixa de correio da ora recorrente, não tendo a mesma procedido ao seu levantamento em tempo útil".
E a Ré, a quem a A. solicitara mais que uma vez informação do que ocorrera, jamais apresentou explicação para a circunstância do aviso de levantamento da carta não ter sido deixado na morada da A.
4.1. Ainda assim, a sentença recorrida considerou que, apesar da Ré ter agido com culpa, pela não entrega da carta correctamente endereçada à A., não existe nexo de causalidade entre o facto e o dano (cessação do pagamento da prestação de desemprego).
Está demonstrado que a autora perdeu o subsídio por ter faltado a uma convocatória do IEFP sem justificação e que faltou a esta convocatória e não justificou a sua ausência, porque não teve conhecimento da mesma, uma vez que nem a carta, nem o aviso foram depositados no seu receptáculo postal.
Claro que a A. deixou de receber o subsídio porque a entidade que o processava deixou de o pagar. Contudo, a razão pela qual a A. deixou de auferir o subsídio foi a circunstância de ter faltado à convocatória do IEFP por não ter recebido a carta de convocatória, que deveria ter sido deixada no seu receptáculo postal pelos serviços da Ré, agravada pela circunstância de a Ré não ter diligenciado por reparar o erro e, pelo menos, permitir que a A. pudesse justificar perante o IEFP, a falta de comparência.
É que a A. tentou, junto do IEPF, demonstrar que não tinha recebido a missiva que a convocava para estar presente no centro de emprego de ….. Apresentou, inclusive, reclamação graciosa, alegando que nunca recebera qualquer convocatória e procurando fazer a prova possível com os meios de que dispunha. Requereu junto dos CTT que estes assumissem o erro, admitindo que o aviso em causa não tinha sido deixado no receptáculo da sua residência.
E que fez a Ré?
Limitou-se a referir que: “após ouvirmos o carteiro e o chefe do CDP da sua área de residência, foi afirmado que não se detectou qualquer anomalia na distribuição do registo referido”.
Ao invés de cooperar procurando saber o que verdadeiramente ocorrera, nada fez, limitando-se, no fundo, a perguntar ao autor do “engano” se se tinha enganado…
     Colhida essa informação, a Ré desinteressou-se do assunto. Como se disse, a Ré presta um serviço de utilidade pública e, como tal, é-lhe exigível uma maior responsabilidade na sua actuação.
É claro que sempre se pode dizer, no campo das hipóteses, que “se” a A. tivesse recorrido para o Tribunal Administrativo da decisão de indeferimento do recurso gracioso, poderia ter visto essa decisão revogada. Mas também podia essa decisão ser confirmada…
Tudo meras hipóteses e pura especulação.
A verdade é que foi o comportamento negligente da Ré que actuou como condição do dano. Não é normal que alguém que está a receber um subsídio e receba carta convocando-a para se apresentar perante a entidade administrativa, sob pena de tal subsídio cessar, deixe de aí comparecer ou, pelo menos, justifique a falta no prazo legal. As regras e a experiência de vida dizem-nos que se a A. tivesse recebido a carta de convocatória teria estado presente no Instituto no dia e hora para que foi convocada.
Foi a omissão praticada pela Ré que impediu a A. de comparecer, por desconhecimento, perante a autoridade administrativa. E, perante a necessidade de justificar a falta, foi a Ré que inviabilizou essa justificação, já que negligentemente não curou de averiguar o ocorrido, pois que, caso o tivesse feito, teria concluído o que, mais tarde, se veio a provar neste processo, isto é, que a carta (o aviso de levantamento) não foi deixado na morada da A.
Dizer-se que competia à A. recorrer para o Tribunal Administrativo competente e aí fazer prova de que não recebeu o aviso, afigura-se exigir demasiado à A. que, afinal, se viu “enredada” numa situação quase kafkiana, por via de um comportamento omissivo da Ré. Até porque nada garantia que tal prova fosse feita e que obtivesse êxito no recurso.
Deste modo a Recorrida, ao actuar da forma descrita, é a única responsável pelo facto de a Recorrente ter perdido o subsídio de desemprego, em virtude de não lhe ter sido entregue quer a carta registada quer o respectivo aviso para poder estar presente no IEFP.
Em termos de normalidade das coisas e da vida, a A. continuaria a receber o subsídio, não fora a circunstância de se ver impedida, por desconhecimento, de comparecer, e de se ver impedida de justificar a sua ausência, atento o comportamento da Ré.
Em suma, a conduta dos CTT é causal da falta de conhecimento atempado da autora acerca da necessidade da sua presença no IEFP, existindo igualmente causalidade entre a não comparência, que a A. não conseguiu justificar perante o IEFP (nomeadamente porque os CTT não colaboraram, diligenciando por apurar com algum cuidado o ocorrido, como lhe foi solicitado pela A.), e a anulação da inscrição como candidata da autora a emprego e consequente corte do subsídio em que se traduziu o dano invocado.
Eis porque se conclui pela existência de nexo de causalidade.
Resta apreciar o último dos pressupostos: o dano.
5. Dos Danos
5.1. Dos danos patrimoniais
Está provado que, devido à anulação da inscrição, a A.. deixou de auferir a prestação de desemprego que, em 17-12-2008, ascendia a 15.116,40 €.
Ora, a actuação da Ré foi, como vimos, causa adequada dos danos patrimoniais peticionados. Foi por não ter comparecido e por não podido justificar a falta que cessou o pagamento do subsídio em causa, quando a A. tinha direito a receber o valor em causa.
Assim sendo, fixa-se em 15.116,40€ o valor dos danos patrimoniais pelos quais a Ré é responsável.
5.2. Dos danos não patrimoniais
A A. peticiona, a título dos chamados danos não patrimoniais, a quantia de € 5.000 €, pela angústia e padecimentos sofridos com a situação criada pela Ré.
A este respeito sabe-se que a A., sentiu-se desamparada, ansiosa, nervosa em virtude desta situação e angustiada por não conseguir fazer face às despesas mais elementares.
Como é sabido, os danos não patrimoniais indemnizáveis são aqueles que, pela sua gravidade, merecem a tutela do direito (art. 496º nº 1 do CCivil), sendo certo que no seu ressarcimento não se pode falar de uma genuína indemnização. Com efeito, enquanto que esta visa essencialmente preencher uma lacuna no património do lesado, aquela destina-se permitir que, com essa quantia monetária, o lesado encontre compensação para a dor, a fim de restabelecer um desequilíbrio no âmbito imedível da felicidade humana, o que impõe que o seu montante deva ser proporcional à gravidade do dano, ponderando-se, para tal, nas regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e do criterioso sopesar das realidades da vida, em conformidade com o preceituado no nº 3 daquele art. 496º do CCivil.[10].
Assim, é reparável, a título de dano moral, aquele cuja gravidade mereça protecção do direito, compensando pecuniariamente um prejuízo causado por determinado facto ilícito.
Pessoa Jorge[11], refere a este respeito, que a “lei não afirma expressamente que o prejuízo, para ser reparável, tenha de apresentar um mínimo de gravidade e valor, mas tal conclusão é imposta pelo bom-senso e até pelo princípio da boa-fé: a exigência de reparação desses prejuízos só poderia explicar-se pelo propósito de vexar o lesante e, como tal, não merecia a tutela do direito”.
Por isso, não merecem os danos, pela sua diminuta gravidade, nem a tutela mediante responsabilidade civil nem outro tipo de tutela jurídica.
Segundo Capelo de Sousa[12], “(...) prejuízos insignificantes ou de diminuto significado, cuja compensação pecuniária não se justifica, que todos devem suportar num contexto de adequação social, cuja ressarcibilidade estimularia uma exagerada mania de processar, e que em parte, são pressupostos pela cada vez mais intensa interactiva vida social hodierna”.
Analisando os factos pertinentes, sabe-se a A. sentiu-se desamparada, ansiosa, nervosa em virtude desta situação e angustiada por não conseguir fazer face às despesas mais elementares. Ora, esta perturbação, é em si mesma, geradora de danos que mereçam a tutela do direito.
A ser assim, o montante indemnizatório correspondente aos danos não patrimoniais deve ser calculado segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do agente, à sua situação económica e à do lesado e às demais circunstâncias do caso. Deverão, igualmente, ser considerados os padrões de indemnização geralmente adoptados pela jurisprudência.
E tendo presentes estes parâmetros, perante a estrutura dos referidos danos não patrimoniais e o mencionado circunstancialismo, à luz do critério da ponderação das realidades da vida, tem-se por adequado atribuir à A. a quantia de 1.000 €, a título de indemnização por danos não patrimoniais, actualizada à data da prolação deste acórdão.
Concluindo:
1. O artigo 563.° do Código Civil consagrou a doutrina da causalidade adequada, na formulação negativa nos termos da qual a inadequação de urna dada causa para um resultado deriva da sua total indiferença para a produção dele , que, por isso mesmo, só ocorreu por circunstâncias excepcionais ou extraordinárias.
2. De acordo com essa doutrina, o facto gerador do dano só pode deixar de ser considerado sua causa adequada se se mostrar inidóneo para o provocar ou se apenas o tiver provocado por intercessão de circunstâncias anormais, anómalas ou imprevisíveis.
3. O montante da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais deverá ser calculado segundo critérios de equidade, devendo ser proporcionada à gravidade do dano, tomando em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida.


IV - DECISÃO
Termos em que se acorda em julgar parcialmente procedente o recurso e, em consequência, revogando-se a sentença recorrida, condena-se a Ré a pagar à A.:
- a quantia de 15.116,40€, acrescida de juros legais desde a citação até integral pagamento;
- a quantia de 1.000€ a titulo de danos não patrimoniais.

Custas pela Ré/Recorrida e A./Recorrente, na proporção dos respectivos decaimentos.

Lisboa, 28 de Abril de 2011.

Fátima Galante
Ferreira Lopes
Manuel Aguiar Pereira
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[1] Cfr. entre muitos os Acs. STJ de Supremo Tribunal de Justiça, 13 de Novembro de 2008 Serra Baptista (Relator) e de 14-01-2010   OLIVEIRA VASCONCELOS.
[2] Ac. TC de 3 de Maio de 1990 (Relator Bravo Serra), www.dgsi.pt/jtc
[3] Cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 8ª edição, p. 532 e segs.
[4] Almeida Costa, in “Direito das Obrigações”, 5ª edição, pág. 431
[5] Cfr. Ac. STJ de 17.6.2008 (Sebastião Póvoas), www.dgsi.pt/jstj
[6] Antunes Varela “Direito das Obrigações em Geral”, I Volume, 7ª edição, pág.885.
[7] Cfr. Ac. STJ de 11 de Junho de 2002 (Araújo de Barros), www.dgsi.pt/jstj.
[8] Antunes Varela, in "Das Obrigações em Geral", vol. I, 6ª edição, Coimbra, 1989, pág. 864.
[9] Ac. do STJ de 17 de Junho de 2008 (Sebastião Povoas), www.dgsi.pt/jstj
[10] Cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 9ª ed., pgs. 627 a 630 e Dário M. de Almeida, Manual de Acidentes de Viação, pgs. 274 e segs.
[11] Fernando Pessoa Jorge, Ensaio sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil, Centro de Estudos Fiscais da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos, Ministério da Finanças, 1972, p. 387.
[12] Capelo de Sousa, O Direito Geral de Personalidade, Coimbra Editora, 1995, pag. 555.