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ARRENDAMENTO PARA HABITAÇÃO
CLÁUSULA GERAL
DETERIORAÇÃO
OBRAS
Sumário
I – No direito do arrendamento urbano actual, qualquer incumprimento do contrato pelo lado do inquilino (artigo 1083º, nº 1, do CC), incluindo os casos-tipo enumerados nas cinco alíneas da segunda parte, do artigo 1083º, nº 2, do CC, só é causa fundante do direito potestativo à resolução do arrendamento por iniciativa do senhorio, quando enquadre a cláusula geral contida na primeira parte do preceito; II – Ao senhorio que queira fazer accionar esse direito, competirá, em qualquer caso, alegar e provar, para lá dos factos que integrem o incumprimento, ainda outros que mostrem, diante da penosidade que lhe seja inerente ou dos efeitos nefastos daquele emergentes, que deixa de ser razoável ter de continuar a suportar o vínculo próprio do contrato (artigos 342º, nº 1, e 1083º, nº 2, início, do CC); III – No domínio do arrendamento a lei distingue entre “deteriorações” e “obras”; estando as primeiras mais ligadas a uma ideia de “desgaste” ou “estrago”; e as segundas mais a uma ideia de “modificação” ou “alteração” da coisa; IV – No silêncio do contrato, ao inquilino habitacional, excepcionadas as deteriorações inerentes à prudente utilização (artigo 1043º, nº 1, do CC) e outras pequenas deterio-rações justificadas pelo seu conforto ou comodidade (artigo 1073º, nº 1, do CC), está, em princípio, vedada a realização sobre o prédio arrendado de quaisquer outras intervenções, tenham elas a natureza de “deteriorações” ou de “obras” (salvo, quanto a estas, a autorização escrita do senhorio; artigo 1074º, nº 2, do CC); V – A realização pelo inquilino, sobre o prédio arrendado, de obras não autorizadas pelo senhorio, ou a produção sobre ele de deteriorações não admitidas, enquanto incumprimento do contrato, só constituirão fundamento de resolução, se puderem enquadrar a cláusula geral referida em I – e II – ; VI – Em geral, no direito das obrigações, constitui pressuposto de eficácia do incum-primento do devedor que, objectivamente considerado o interesse do credor, aquele incumprimento não revista um escasso relevo ou uma insignificante importância (ar-tigos 802º, nº 2, e 808º, nº 2, do CC); VII – Verificado o incumprimento do inquilino, independentemente da sua vocação resolutória, apenas se se mostrar preenchido o pressuposto referido em VI –, será facultado ao senhorio exigir a imediata reposição do prédio no estado anterior; cons-tituindo, nesse caso, uma obrigação daquele com o conteúdo de prestação de facto positivo. (Sumário do Relator)
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:
I – Relatório
1.
1.1. A… SA propôs acção declarativa de forma sumária contra D… e esposa M…, pedindo a resolução do contrato de arrendamento relativo à casa da Rua de …, em Lisboa; a condenação dos réus ao seu despejo imediato; ainda, no pagamento das rendas vencidas na pendência da acção até efectiva devolução do locado; e, finalmente, no pagamento de indemnização, no valor de 8.167,50 €, a título de reposição da situação inicial do imóvel.
Alega, em síntese, que é a proprietária da referida habitação, da qual os réus são arrendatários. Acontece que estes efectuaram demolições nela, em particular, extracção do tecto da zona da sala, da estrutura de suporte, em madeira, do tecto, e de um rufo de zinco que recebia as águas do telhado desviando-as para o exterior; ora, tais obras comprometem trabalhos de benefi-ciação recentemente executados no prédio e colocam em causa a estabilidade e segurança do edifício e da sua cobertura. É que foi removida a caleira que recebia as águas que corriam junto às mansardas, o que se traduziu de imediato na entrada de água na habitação; o tecto falso da zona da sala foi subido cerca de 40 cm; as réguas de madeira utilizadas para executar o tecto falso foram aparafusadas directamente às chapas isotérmicas da cobertura; e foram retiradas todas as vigas de madeira que tinham como função suportar a cobertura, o tecto da sala e travar transversalmente o edifício. A autora nem foi contactada, nem autorizou, nenhuma das obras e demolições; solicitou aos réus a reposição da situação inicial; sem êxito. Foram alterados elementos estruturais do imóvel; e obras que alteram substancialmente a estrutura externa do prédio. Em suma, tem interesse na reposição da situação inicial; o que envolve o custo de 8.167,50 €.
1.2. Os réus contestaram e pediram a improcedência da acção.
Dizem, em síntese, que quando foram habitar a casa, as águas furtadas do edifício em telha vã, pregaram aos barrotes da estrutura do telhado placas de aglomerado de platex, que se manteve até à intervenção da autora; entretanto porque o forro em platex fôra apodrecendo, procederam à sua substituição por outro em madeira, aproveitando ainda para forrar as paredes da sala e, no corredor, proceder à montagem de um tecto falso na mesma madeira; ou seja, não alteraram qualquer estrutura do edifício; e apenas tiveram em vista a conservação da habitabilidade do arrendado. Os trabalhos integram-se nas pequenas deteriorações permitidas e não constituem fundamento de despejo. Aliás, respon-deram à autora informando-a neste sentido; e, de todo o modo, os trabalhos só melhoraram e valorizaram a propriedade dela. Por fim, não têm de repor o estado anterior até ao termo do contrato; apenas aí e se, então, a autora o pretender.
2. A instância declaratória desenvolveu-se. E foi produzida sentença final, que julgou a acção parcialmente procedente, condenou os réus a pagarem à autora o valor necessário, que se apure em liquidação subsequente, para a realização das obras de reposição das vigas de madeira, que se apurou haverem aqueles retirado do tecto da sala do locado, e absolveu-os dos demais pedidos.
3. Recurso interposto pela autora.
3.1. A autora, inconformada, interpôs recurso de apelação. E, em alegação, formulou as seguintes conclusões:
a) A sentença recorrida padece da nulidade prevista no artigo 668º, nº 1, alí-nea c), do CPC, por incongruência insanável entre a fundamentação que a sustenta e a decisão proferida a final;
b) Por um lado, apesar de entender aplicável ao caso vertente o novo regime resolutivo constante da Lei nº 6/2006, de 27 de Fevereiro (NRAU), no qual inexiste uma disposição semelhante ao revogado artigo 64º, nº 1, alínea d) do RAU, o tribunal a quo acaba por aplicar conceitos e apreciar o pedido à luz deste último preceito; e, deste modo, a análise efectuada parece inicialmente apontar para uma solução diversa daquela a que acaba por chegar, incorrendo numa ostensiva contradição argumentativa, a qual constitui fundamento de nulidade;
c) Por outro lado, a sentença considerou demonstrado que os réus efectuaram um conjunto de obras (factos x. a xv.) e, em consequência, declarou o direito da autora à reposição da situação anterior; mas, no dispositivo, apenas se refere o valor necessário “à realização das obras para a reposição das vigas de madeira retiradas da sala”; ou seja, no segmento final da sentença foram esquecidas as restantes obras levadas a cabo pelos réus, mormente as constantes dos factos xiv. e xv.; e daí que, também neste segmento, exista uma ostensiva descontinuidade entre a fundamentação e a decisão proferida;
d) Ademais, é inegável o erro do tribunal a quo na interpretação e aplicação do direito;
e) O tribunal confunde os pressupostos para resolução do contrato de arrendamento à luz NRAU, com aqueles que eram exigíveis à luz do revogado artigo 64º do RAU, aprovado pelo Decreto-Lei nº 321-B/90, de 15 de Outubro;
f) Toda a decisão se escora em jurisprudência e doutrina proferidas a propósito do pretérito regime resolutivo, as quais não têm qualquer correspondência com o regime vigente, o qual já não exige que as obras efectuadas pelo arrendatário contendam substancialmente com a estrutura externa ou com a disposição interna das divisões do locado;
g) À luz dos factos x. a xv., o que os réus fizeram foi pura e simplesmente dispor do locado, alterando-o a seu livre contento;
h) É inequívoco o incumprimento pelo arrendatário do contrato celebrado com o senhorio, o que confere a este a faculdade de resolver o contrato de arrendamento nos termos gerais do nº 1, do artigo 1083º, do CC;
i) A conduta dos réus, ao realizarem as referidas obras, pela sua gravidade e consequências, tornaram inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento, porquanto quebraram o elo de confiança necessário à entrega de um imóvel para uso e habitação dos réus;
j) Resulta claro que os réus se aproveitaram das obras de beneficiação efectuadas pelo senhorio, aqui apelante, para, à sua revelia, efectuar obras internas no locado (factos viii., x. e xi.); para levar a cabo as suas próprias obras;
l) A conduta levada a cabo pelos réus quebrou a relação de confiança que por eles nutria a autora;
m) É inexigível à autora a manutenção do contrato de arrendamento, porquanto não pode a mesma assegurar-se de que, sem o seu consentimento, ou sequer conhecimento, voltem os réus a levar a cabo obras no locado;
n) A doutrina que se pronunciou sobre este concreto fundamento resolutivo é unânime em entender que os requisitos constantes do pretérito artigo 64º, nº 1, alínea d), do RAU, inexistem no novo quadro normativo;
o) Como também se tem entendido que, à luz do novo regime, bastará, para a resolução do contrato, que o arrendatário tenha efectuado quaisquer obras não autorizadas fora dos casos consentidos pela lei, isto é, dos previstos nos artigos 1036º, nº 1, e 1073º, do CC;
p) Ainda que a reforma do regime do arrendamento urbano aprofundou a tutela do direito de propriedade e do inerente monopólio do senhorio na faculdade de transformar o locado, a qual não assiste ao arrendatário;
q) E igualmente que esta tutela deverá ser mais intensa nos arrendamentos vinculísticos, como é o vertente;
r) Como tal, a sentença recorrida pura e simplesmente recusou aplicar o novo regime, subvertendo a teleologia que inspirou o mesmo;
s) Houve erro na interpretação e aplicação do direito aos factos dados como provados; os factos que a autora, aqui apelante, logrou provar bastam – sem mais – para o decretamento da resolução do contrato de arrendamento à luz do NRAU;
t) Mas, assim se não entendendo, houve vício no julgamento de facto;
u) A autora, no artigo 10º da petição inicial, alegou que “as obras executadas na habitação comprometem não só os trabalhos de beneficiação que haviam recentemente sido executados no prédio, como colocam em causa a estabilidade e segurança do edifício e da sua cobertura, conforme relatório elaborado pela inspecção técnica que se junta”; mas, ao responder à matéria de facto, o tribunal não fez constar estes factos, nem entre os dados por provados, nem entre os dados por não provados;
v) Apesar de, na fundamentação jurídica da sentença recorrida, se concluir que as obras não afectaram a segurança e estabilidade do edifício e que não assumem relevância de maior, tal asserção não encontra apoio bastante no julgamento de facto;
x) O tribunal a quo nem explicou porque é que (aparentemente) não conferiu qualquer credibilidade ao relatório técnico junto aos autos pela autora (doc 5 da petição); limitou-se a citar, na motivação da resposta à matéria de facto, um trecho do depoimento de uma testemunha arrolada pelos réus, a qual subscreveu o relatório por estes apresentado;
z) Por outro lado, o tribunal também não ordenou a inspecção judicial ao locado, tal como pedira a autora; sendo que tal meio de prova revestiria clamorosa relevância para melhor se aquilatar da relevância das obras efectuadas pelos réus;
aa) A título subsidiário deve, portanto, o tribunal superior: (1) mandar que o tribunal a quo fundamente porque não atendeu ao relatório pericial junto pela autora (doc 5 da petição); (2) não tendo dado por provados, nem não provados, os factos alegados no artigo 10º da petição, fundamente em que elementos concretos se baseou para considerar que as obras efectuadas pelos réus não prejudicaram a segurança e estabilidade do edifício; (3) mandar que o processo desça à 1ª instância, a fim de ser efectuada inspecção judicial ao local, como requerido, de modo a melhor se aquilatar da (ir)relevância das obras efectuadas pelos réus; tudo, de acordo com o artigo 712º, nºs 4 e 5, do CPC, de forma a melhor se averiguar a verdade material que subjaz à presente lide.
Em síntese, a sentença recorrida interpretou e aplicou incorrectamente o artigo 1083º do CC. E, por conseguinte, na procedência do recurso, deve (1º) ser declarada nula a sentença; (2º) caso se não entenda, ser revogada na parte que considerou não haver fundamento resolutivo, ser decretada a resolução do contrato de arrendamento, os réus condenados à entrega do imóvel e, ainda, ao pagamento do valor, a liquidar, que permita a sua reposição no estado anterior às obras que efectuaram (factos x., xi. e xiii. a xv.); (3º) caso se não entenda, ser ordenado à 1ª instância que fundamente porque não atendeu ao relatório pericial junto pela autora (doc 5 da petição), que fundamente porque considerou que as obras não prejudicaram a segurança e estabilidade do edifício – já que se não pronunciou sobre os factos alegados no artigo 10º da petição – e ser ordenada a descida do processo para, no tribunal a quo, ser efectuada a requerida inspecção judicial a fim de aquilatar do relevo das obras que os réus efectuaram.
3.2. Os réus responderam. E, em contra-alegação concluíram:
a) Invoca a autora a nulidade da sentença recorrida por, em seu entender, os fundamentos estarem em oposição com a decisão, alicerçado no facto de, apesar de o tribunal ter considerado que os réus realizaram obras no arrendado, não os condenou no despejo;
b) Ora, a parte substancial dessas obras era a reposição de um tecto de platex na sala, agora em madeira e a uns centímetros acima do anterior;
c) E as outras obras eram a colocação de um tecto falso no corredor e um forro em madeira à volta das paredes da sala;
d) Estas duas obras são, como é do conhecimento geral, reversíveis sendo que a primeira (por mera reposição) também já o era;
e) Não ocorriam, pois, razões ou fundamento para a resolução do contrato de arrendamento, já que as mesmas “não constituíram uma modificação notável, muito grande, importante e de carácter definitivo”;
f) Aliás, só o incumprimento que pela sua gravidade ou consequências torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento fundamenta a resolução do contrato (nº 2, do artigo 1083º, do Código Civil);
g) E nessa parte há que referir que só em sede de recurso veio a autora invocar essa inexigibilidade (nºs 14, 17 e 18 das suas conclusões);
h) Já que em parte alguma da sua petição inicial a autora invocou que o incumprimento dos réus, tornava inexigível a ela, autora, a manutenção do contrato;
i) E tanto assim é que a própria autora admitiu a reposição da situação inicial (artºs 16º e 17º da petição inicial).
j) Os recursos destinam-se a apreciar os factos alegados que conduziram à prolação da sentença em apreciação e não à alegação de factos novos que deveriam ter sido alegados no articulado inicial, para que, sobre o mesmos, os réus, em sede própria, se pronunciassem.
Em suma, a sentença, na parte em que a autora dela recorreu, deveser confirmada.
4. Recurso interposto pelos réus.
4.1. Os réus, igualmente inconformados, interpuseram também recur-so. E, em alegação, formularam as seguintes conclusões:
a) O recurso confina-se à parte da sentença que condena os réus a pagar à autora o valor necessário, que se vier a apurar em liquidação, à realização das obras para reposição das vigas de madeira retiradas do tecto da sala; quer relativamente ao tempo da realização dessa prestação, quer ao modo de a fazer;
b) O andar que o réu marido tomou de arrendamento era em telha vã, tendo sido ele quem, sob as telhas e pregados aos respectivos barrotes, colocou umas placas de platex para seu maior conforto;
c) Construída pela actual senhoria uma nova cobertura em estrutura de ferro a nível superior aos barrotes e ripas pré-existentes, estes passaram apenas a suportar as tais placas de platex colocadas pelo réu;
d) Porque devido às infiltrações de água do anterior telhado, algumas vigas, barrotes e ripas se encontravam apodrecidas o réu retirou as pontas de duas ou três vigas mais apodrecidas, a fim de substituir o forro da sala por outro de madeira;
e) Com o corte dessas duas ou três vigas nas pontas (e não em todas elas, como alegou a autora) não foi posta em causa a solidez, segurança, ou estabilidade do prédio ou da cobertura;
f) Tendo-se assegurado, no entanto, maior conforto e comodidade ao inquilino e família que desse modo passaram a ter um maior pé direito nessa sala, parcialmente esconsa;
g) Estabelece o nº 2, do artigo 1073º, do CC, que as deteriorações referidas no número anterior devem ser reparadas pelo arrendatário antes da restituição do prédio, salvo estipulação em contrario;
h) Contratualmente, nada foi estabelecido em contrário entre as partes, razão pela qual, apenas quando o contrato cessasse por qualquer meio é que o réu seria obrigado a repor a casa, ou seja as duas ou três vigas do telhado em causa, no seu estado anterior;
i) Por outro lado, a lei privilegia a reconstituição natural feita pelo próprio devedor, e só, supletivamente prevê a reconstituição em espécie ou a reposição por outrem;
j) No caso dos autos, esta segunda hipótese, nem tão-pouco foi aflorada na sentença recorrida;
l) Com esta decisão, nessa parte, violou a sentença recorrida os artigos 1073º, nº 2, 767º, 769º e 817º, todos do CC.
A sentença recorrida deve, na parte em que condenou os réus a pagar o valor, a liquidar, como necessário à reposição das vigas de madeira retiradas do tecto da sala, ser revogada e substituída por outra que, atribuída aos réus a obrigação de repor no estado anterior as vigas atingidas, apenas o faça no acto da restituição do andar e quando esse venha a ter lugar.
4.2. A autora respondeu. E, em contra-alegação concluiu:
a) A matéria de facto, dada por provada, não mereceu reparo dos réus; logo, deve ter-se a mesma por assente;
b) Desses factos resulta que as obras realizadas pelos réus foram efectuadas em clara violação do disposto no contrato de arrendamento e do disposto no artigo 1074º, nº 2, do CC; em momento algum, foram tais obras consideradas como deteriorações lícitas, por necessárias para assegurar o conforto ou comodidade dos réus, nos termos do disposto no artigo 1073º do CC;
c) Também não foram, as obras efectuadas, consideradas reparações urgentes nos termos dos nºs 2 e 3, do artigo 1074º, e 1036º, do CC;
d) As obras efectuadas são ilícitas;
e) Não tendo sido efectuadas nos termos do nº 1, do artigo 1073º, não se encontram sujeitas ao regime estabelecido no seu nº 2;
f) Não recaindo nos conceitos de “deteriorações lícitas”ou “deteriorações inerentes a uma prudente utilização”, a reposição deve ser efectuada imediatamente nos termos do regime geral do arrendamento;
g) O locatário é obrigado a manter e restituir a coisa no estado em que a recebeu (artigo 1043º, nº 1); “manter” significa que não podem os réus realizar obras ilícitas no locado sem autorização da autora e delas usufruírem até à cessação do contrato de arrendamento, momento em que devem restaurar a situação inicial e restituir o bem locado; significa ainda que, tendo realizado obras no locado em clara violação do contratado, devem os réus repor, o quanto antes, a situação inicial do imóvel;
h) Não é necessário que esteja em causa a estabilidade e segurança do prédio ou do andar para que as obras sejam ilícitas e sejam os réus condenados a proceder ao pagamento do necessário para a sua reposição; apenas é necessário que as mesmas tenham sido efectuadas sem autorização do senhorio em expressa violação do contrato e da lei do arrendamento;
i) É inquestionável que o tempo da realização dessa prestação deverá ser no imediato não apenas aquando da restituição do locado;
j) A autora tem interesse na reposição da situação inicial do imóvel e peticionou a condenação dos réus nos custos previsíveis que terá com a mesma;
l) No regime do arrendamento não se prevê o modo de reposição do imóvel aquando da realização de obras não autorizadas; dispõe apenas o artigo 1044º do CC que o locatário responde pela perda ou deteriorações da coisa, não exceptuadas no artigo anterior;
m) O modo como deverá responder, tanto poderá ser por via da reconstituição natural ou do seu equivalente, tal corno peticionado pela autora e foi acolhido na douta sentença recorrida;
n) A sentença não violou os artigos 762º, 763º, 769º e 817º, do CC.
O recurso dos réus deve ser julgado improcedente e confirmada a sentença, na parte em que condenou aqueles ao pagamento à autora do valor necessário e, que se vier a apurar em liquidação, à realização das obras para reposição das vigas de madeira retiradas do tecto da sala.
5. Delimitação do objecto do recurso.
São as conclusões do apelante que delimitam, em 1ª linha, o objecto do recurso (artigos 660º, nº 2, 684º, nº 3, e 685º-A, nº 1, do CPC).
No caso dos autos interpuseram apelação (independente), por um la-do, a autora, por outro lado, os réus.
No conspecto da apelação da autora, são questões decidendas, no essencial, as de saber (1.) se a sentença apelada está viciada por nulidade; (2.) se a conduta dos réus, ao procederem às obras apuradas, permite enquadrar causa de resolução do contrato de arrendamento que os une à autora; (3.) se o julgamento de facto ficou viciado por preterição de factos alegados, de prova documental ou de prova por inspecção; (4.) ou se, afora as consideradas na sentença, há lugar ainda à reposição no precedente de todas as mencionadas obras.
Na apelação dos réus são essencialmente questões decidendas as de saber (1.) se a reposição das vigas de madeira do tecto da sala, que àqueles vincula, deve ter lugar por reconstituição natural ou por atribuição de quantia indemnizatória necessária; e, por outro lado, (2.) se essa reparação é imedia-tamente exigível, ou se o é apenas por ocasião da cessação do arrendamento, a-quando da entrega da casa do inquilino ao senhorio.
II – Fundamentos
1. É a seguinte a matéria de facto que vem dada como provada da primeira instância:
i. O imóvel sito na Rua …, Lisboa, descrito sob o n.º …, freguesia da …, da …Conservatória de Lisboa e inscrito na matriz sob o n.º …, mostra-se inscrito em nome da autora (doc fls. 13/16 e 17/19).
ii. Por contrato escrito uma anterior proprietária deu de arrendamento ao réu o 3.º andar ou águas furtadas daquele prédio (contrato de arrendamento fls. 20/21).
iii. A renda foi estipulada em 2.000$00 mensais, a pagar no primeiro dia útil do mês anterior a que respeitar.
iv. Renda que é hoje de 43,00 €.
v. O andar é constituído por uma pequena sala, dois quartos peque-nos, cozinha e wc pequenos.
vi. A sala era no início do arrendamento em telha vã, sem forro, para maior comodidade colocaram os réus placas de aglomerado de platex.
vii. As infiltrações de água da chuva apodreceram os barrotes e as ripas do telhado.
viii. A autora realizou obras de reparação e pintura das fachadas e substituição do telhado, que consistiu na retirada de todas as telhas, montagem de uma estrutura em ferro a nível superior aos barrotes e ripas pré-existentes sobre o qual passaram a assentar placas de metal, que substituíram as telhas.
ix. Obra que tapou anterior abertura no telhado, por onde entrava claridade para a sala.
x. Após aquelas obras, os réus substituíram o forro da sala por um outro de madeira.
xi. As réguas de madeira utilizadas para executar o tecto falso foram aparafusadas directamente às chapas isotérmicas da cobertura.
xii. Foram retiradas algumas vigas de madeira do tecto da sala, que suportavam a cobertura e o tecto da sala.
xiii. A estrutura do telhado da sala e o novo tecto falso subiram alguns centímetros.
xiv. Os réus forraram as paredes da sala com o mesmo material – ré-guas de madeira.
xv. E procederam à montagem de um tecto falso no corredor.
xvi. Situação que se mantém.
xvii. A autora não foi contactada pelos réus, nem autorizou a realização dos trabalhos.
2. O mérito dos recursos.
2.1. Enquadramento preliminar.
Estamos no domínio do direito de arrendamento.
A relação jurídica que une a autora e os réus é uma relação locatícia com génese na década de setenta (doc fls. 20 a 21 e 118).
Por outro lado, não merece controvérsia que, ao que importa, regule essa relação o bloco normativo constituído, em 1ª linha, pelas disposições constantes do capítulo II, do título I, de Lei nº 6/2006, de 27 de Fevereiro (artigo 27º), em 2ª linha pela disposição transitória do seu artigo 26º (artigo 28º), e em 3ª linha pelas disposições do Novo Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pela mencionada Lei (artigos 26º, nº 1, e 59º, nº 1).[1]
2.2. A nulidade da sentença.
A autora imputa à sentença recorrida a nulidade cominada no artigo 668º, nº 1, alínea c), do Código de Processo Civil; em 1º, porque, enquadrando os factos no Novo Regime do Arrendamento Urbano, acaba por aplicar conceitos e apreciar os factos à luz do pretérito Regime do Arrendamento Urbano; em 2º, porque, embora reconhecendo o conjunto de obras que os réus efectuaram e o direito à reposição na situação anterior, acaba por apenas condenar no valor necessário à reposição de algumas delas, esquecendo as demais.
A nulidade questionada constitui um vício de natureza formal da sentença que consiste em os seus fundamentos se mostrarem opostos com a sequente decisão. Dir-se-ia estarmos em face de uma sanção que a lei estabelece para situações de preterição grave da regra estabelecida no artigo 659º, nº 2, do CPC, enquanto prescrição disciplinadora da elaboração da sentença; ou seja, competindo ao juiz elaborar uma equação lógico-discursiva que permita a formu-lação de um juízo de conformidade ou desconformidade, há vício quando as premissas de facto ou de direito consideradas se mostrem formalmente incom-patíveis com a conclusão tirada, em termos de relação de exclusão lógica e recí-proca, e de tal maneira que sobre os dois termos excludentes nem possível seja formular qualquer juízo de mérito ou demérito. Coisa diferente de quando, sem que se note um nexo de recíproca exclusão, antes o que se verifique seja uma mera relação de inconcludência ou de qualquer insuficiência sobre a qual, apesar de tudo, ainda seja possível formular um juízo de demérito.[2]
Ora, com este enquadramento, é claro que a sentença aqui em causa não padece de um tal vício; o seu dispositivo é logicamente consequente dos motivos e das razões narradas como seu alicerce; e apenas faculta a discussão sobre o ajustado das ilações realizadas. Ademais, nem a própria transposição de conceitos, precedentemente desenvolvidos no quadro normativo do RAU, para o caso concreto, reconhecidamente regulado pelo NRAU, deve merecer estranhe-za; a evolução legislativa que o direito do arrendamento conheceu não deve dispensar, mais não fosse até para exacta compreensão do actual regime, essa ponderação; que, aliás, certa doutrina vem até expressamente assumindo. Por outro lado, a própria sentença explica a razão de, no dispositivo, meramente atentar (expressamente) em algumas das obras realizadas pelos réus no locado, dizendo que algumas (outras) são meros “acrescentos” que facilmente permitem reposição (fls. 233); sendo portanto essa a causa da sua omissão; e caindo estas (as não expressivamente indicadas), por conseguinte, no extracto absolutório da decisão. Ou seja, os argumentos da autora, a este respeito, não procedem; sendo, na forma, correcta a decisão apelada; e havendo, tão-só, de discutir o mérito ou demérito do respectivo conteúdo. A sentença apelada não enferma, em suma, da questionada nulidade.
2.3. A resolução do contrato de arrendamento.
O problema da extinção do arrendamento, por resolução de iniciativa da senhoria, constitui a questão central do caso dos autos. Ao que aqui importa estará sempre em causa um incumprimento contratual de banda dos inquilinos, e com gravidade suficiente para conceder àquela o potestativo direito de, pura e simplesmente, pôr fim à relação locatícia. Rememoremos os factos. Quando nos anos setenta o locado foi ocupado pelos réus a sala era em telha vã, sem forro; e, para maior comodidade, os próprios inquilinos colocaram placas de aglomerado de platex – do que não há notícia ter merecido, então ou após, reparo algum. Repondo e melhorando o que assim já antes existia vieram agora os mesmos inquilinos a substituir o forro da sala por um outro de madeira; proceder à montagem de um tecto falso no corredor; e a forrar as paredes da sala com o mesmo material (réguas de madeira). Para lá disso – ao que tudo permite intuir aproveitando as obras executadas pela senhoria –, aparafusando as réguas de madeira utilizadas para executar o tecto falso directamente às chapas isotérmicas da cobertura; e fazendo a estrutura do telhado da sala e o novo tecto falso subir alguns centímetros. Por fim, retiraram algumas vigas de madeira do tecto da sala que suportavam a cobertura e o tecto da sala.
A senhoria não foi contactada nem autorizou a realização destes trabalhos. É a concreta intervenção realizada sobre a casa arrendada, a que os inquilinos procederam, o factor decisivo para o escrutínio e ponderação do caso. Vejamos então. Nos termos contratuais era vedado aos inquilinos fazer quaisquer obras sem prévia licença escrita do senhorio (cláusula 5ª, início).
Na nossa óptica, convém começar por clarificar o conceito de “obra”. Parece-nos que se tem em vista uma tarefa de intervenção de certo relevo, um trabalho que se realize e cujo resultado se materialize em alguma modificação ou alteração sensível na própria coisa intervencionada; ao conceito de “obra”, no sentido que nos importa, andará sempre ligada uma ideia de transformação, al-teração ou modificação da coisa. A intervenção que a “obra” constitua pode con-tudo ter um cariz mais ligeiro ou superficial, ou apresentar uma vertente mais aprofundada consistente em notórias transformações da coisa. Por outro lado ser-lhe-á inerente um objectivo de conservação e de melhoria, por conseguinte de beneficiação, de tal maneira que o resultado seja sempre a de uma coisa melhor e mais valorizada, finda que a “obra” se encontre.
No direito do arrendamento a própria lei se refere a “obras”; e distinguindo-as de uma outra realidade a que chama “deteriorações”. Às primeiras se refere no artigo 1073º do Código Civil; às segundas menciona-as no artigo 1074º do mesmo Código.
É lícito ao arrendatário realizar pequenas deteriorações no arrendado – diz o nº 1 do artigo 1073º – quando elas se tornem necessárias para assegurar o seu conforto ou comodidade. No seu sentido corrente a palavra “deteriorar” tem o significado de “tornar pior” ou “estragar”;[3] quer dizer portanto que ao inquilino, no quadro contratual do arrendamento, é permitido realizar pequenos estragos na casa, incutir-lhe vícios de pouca monta, na medida ajustada ao seu conforto ou comodidade; de certa maneira a sujeição a estes “estragos pequenos”, com a dita função, ainda cabe no vínculo que incide o sobre o senhorio assegurar (aqui, no sentido de ter de suportar) o gozo da coisa ao inquilino, atentos os fins a que se destina (artigo 1031º, alínea b), do CC). Como se reconhece, têm-se em vista nestas deteriorações lícitas de reduzida dimen- são, por exemplo, as emergentes do rasgamento de paredes para a instalação de equipamentos de climatização (ar condicionado), a feitura de certo tipo de aberturas para introdução de linhas telefónicas ou de outras, por exemplo, para aceder à televisão por cabo, ou ainda a introdução de suportes nas paredes para a colocação de espelhos, retratos ou armários.[4] Porém, na nossa óptica, não muito mais do que este tipo de intervenção de pequena monta.[5]
A semelhança ao conceito de “obra” tem que ver com a circunstância de, ali também, se tratar de uma intervenção intencional do senhorio, realizada voluntariamente e com certo intuito; mas que, porém, pela sua reduzida dimensão e pela função que pode realizar, se entende desprovida de consequências de relevo; exceptuada apenas a da necessidade da respectiva correcção, prévia à restituição da casa ao senhorio (artigo 1073º, nº 2).[6] Dito isto.
Quer-nos parecer que a intervenção tida lugar no caso dos autos não enquadra este tipo de deterioração lícita, mas que a ultrapassa. Assim se revela no seu evidente intuito de transformação, no sentido de melhoria, da intervenção encetada sobre a coisa; sendo o que se intui do resultado atingido. Estamos por-tanto no domínio de uma “obra”; e no quadro normativo do artigo 1074º citado. O monopólio da execução de obras sobre o arrendado, indepen-dentemente da sua natureza e mesmo que requeridas pelo fim do contrato, per-tence (salvo estipulação) ao senhorio (nº 1);[7] significa isto que, em qualquer caso, e salvas estritas excepções – como é o caso da urgência prevenida no artigo 1036º –, só àquele é permitido intervir sobre a casa locada, modificando-a ou transformando-a, e sem que haja diferença pela natureza da intervenção a empreender. Ao inquilino, para lá de cláusula do contrato que lho permita, ape-nas se permite executar qualquer obra quando a isso seja autorizado, por escri- to, pelo senhorio (nº 2). Assim se concluindo que, afora esta ocorrência, se o inquilino intervier, modificando ou alterando o seu locado, está a agir em preterição do vínculo contratual, que o onera, portanto, em incumprimento do contrato; e sujeitando-se às consequências que esse facto lhe possa acarretar. Ora, é esse o caso dos autos; houve trabalhos de intervenção, inciden-tes sobre a casa – os que se deixaram mencionados –, realizados pelos inquilinos; com indiscutível natureza de verdadeiras “obras”, e cuja ilicitude cremos ter deixado bem clara nos antecedentes considerandos. Com que consequências, essas obras ilícitas?
Propugna a autora que com a consequência da permitida resolução do contrato; efeito que é rejeitado pela sentença apelada, e com o apoio dos réus. Vejamos. E, antes do mais, revisitando, em traços gerais, o regime jurídico da resolução do arrendamento no quadro legal aplicável.
À resolução do arrendamento se refere o artigo 1083º do Código Civil; esclarecendo o nº 1 poder qualquer das partes resolver o contrato, nos termos gerais de direito, com base no incumprimento da outra parte; e explicando o nº 2 que é fundamento de resolução o incumprimento que, pela sua gravidade ou consequências, torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento (início da norma), narrando depois, exemplificativamente, cinco tipos de incumprimentos do inquilino,[8] como fundamentos de resolução pelo senhorio (final da norma).[9] O artigo 1083º do Código Civil não é inequívoco e é até passível de desconformes interpretações. Ele tem por antecedente histórico o artigo 64º do defunto Regime do Arrendamento Urbano,[10] que apresentava taxativamente os deveres de conduta a cargo do inquilino cuja violação era passível de acarretar a extinção do arrendamento, a requerimento do senhorio.[11] Actualmente, optou a lei por prever um conceito genérico e indeterminado de incumprimento, como fundamento resolutivo a fazer valer por qualquer das partes, para lá da enume-ração exemplificativa referida. Abandonou-se a definição certa e segura dos casos típicos resolutórios, facultados ao locador;[12] assumindo-se a técnica da cláusula geral, mais fluida e sempre carente de concretização casuística.[13]
Relativamente à resolução pelo senhorio, não é inequívoco que cada um dos tipos autonomizados pelas cinco alíneas contidas na parte final do artigo 1083º, nº 2, possa, como no pretérito, valer por si mesmo; discutindo-se se a sua verificação não tenha de se cumular ainda com o concreto enquadramento da cláusula geral de justa causa que o início do preceito contém; para, assim só, ter a virtualidade de constituir, na esfera daquele, o direito potestativo à resolução. E aqui se detectam três pontos de vista. Por um lado, quem propugne que, in-tegrado facticamente um qualquer dos tipos, fica logo verificado o pressuposto ajustado à resolução, já não havendo de buscar o preenchimento da justa causa contida na cláusula genérica do início da norma, por conseguinte, ficando a necessidade deste preenchimento reservado unicamente para os demais incumpri-mentos (atípicos) do inquilino;[14]por outro lado, quem propugne a exigência da cumulação da integração fáctica do tipo, com o preenchimento da dita cláusula geral, tese em que esta se impõe a qualquer um dos incumprimentos do inquili-no, típico ou atípico;[15]por fim, quem veja nos tipos meras presunções, que os inquilinos podem ilidir, de enquadramento da cláusula genérica antes estabelecida.[16]
Tendemos a aderir à segunda das teses; a enunciação da lei é estritamente exemplificativa e não permite rejeitar que, para lá das situações que enumera, outras haja, atípicas, com um nível gravidade até superior àquele que é inerente às que tipifica, e que todavia não dispensa o enquadramento da justa causa; por outro lado, nem sempre a verificação do tipo se repercutirá da mesma maneira na economia do contrato, podendo detectar-se patamares distintos de gravidade ou penosidade de consequências; a aconselharem, numa visão mais cautelosa, uma apreciação razoável e objectiva de cada caso.
Ou seja, nesta óptica, aberto pela nova lei o leque das situações de incumprimento que podem propiciar a causa resolutiva, impõe-se, para que assim realmente possa ser, que se concretize e substancie uma situação verdadeiramen-te séria e penosa, ou de efeitos de tal maneira nefastos, que se revele já não ser de impor ao senhorio que tenha de suportar a subsistência do contrato e a cedência do gozo da coisa, que é sua, ao inquilino. Certo que, verificados os factos, é a ele, como titular do direito potestativo concernente à resolução, que incumbirá o ónus de os alegar e provar, nos termos gerais (artigo 342º, nº 1, do CC). Se é assim, no geral, o que dizer quanto a obras feitas pelo inquilino sobre o arrendado?
A lei omite-lhe, no actual regime, qualquer referência. No pretérito referia-se-lhe a alínea d), início, do artigo 64º, nº 1, do RAU; estabelecendo como expressa razão resolutória a de o inquilino fazer no prédio, sem consentimento escrito do senhorio, obras que alterassem substancialmente a sua estrutura exter-na ou a disposição interna das suas divisões.
É pacífico, na doutrina e na jurisprudência, o entendimento de que o incumprimento do inquilino, consistente na feitura de obras no prédio, não deixou de constituir causa de resolução, pelo senhorio, do contrato de arrendamento.[17]Porém, é já controversa a intensidade, profundidade ou índole necessária que tais obras terão de revestir para poderem constituir um tal fundamento. Confrontam-se, no essencial, três perspectivas. De um lado, quem propugne que se não alterou a solução resultante da lei anterior; e que portanto obras ilícitas que pela sua gravidade afectem a estrutura do edifício ou ponham em causa a divisão interna, facultam ao senhorio o exercício do direito de resolução do contrato.[18]De outro lado, quem defenda que quaisquer obras ilícitas – mesmo sem as características do pretérito – podem constituir fundamento de resolução; porém, sem nunca dispensar a análise casuística e o enquadramento à luz da cláusula geral enunciada no artigo 1083º, nº 2.[19]Por fim, quem considere que, por se haver alargado consideravelmente o fundamento resolutivo em questão, todas as obras realizadas no prédio, que não sejam permitidas, em particular pelo artigo 1074º, nº 2, passaram a poder constituir aquela causa, independentemente das suas características.[20] Vejamos. Na nossa óptica, é notória a intencionalidade da lei actual no que concerne à extensão dos motivos que se possam ajustar para a concessão ao senhorio do direito potestativo à resolução do contrato.[21]
Como no geral do direito dos contratos, qualquer incumprimento definitivo do inquilino será vocacionado a constituir aquele direito (artigo 1083º, nº 1).[22] É o que mostra a supressão da técnica da tipificação taxatixa e a sua substituição pelo método da cláusula geral, a que nos referimos.
Contudo, importará reconhecer que a intervenção desautorizada sobre o prédio de outrem, constituindo sempre, em abstracto, violação do contrato de arrendamento, de banda do inquilino, pode assumir, no concreto, distintos níveis de gravidade ou de consequências. Vejamos. Será certamente diferente a incursão desautorizada do inquilino que substitua, por exemplo, todas as janelas do locado em vidro simples e madeira, por outras, de vidros duplos e moderno alumínio; de uma outra que se traduza, por exemplo, na supressão e vedação pura e simples das mesmas janelas; ou, ao invés, numa qualquer abertura de novos espaços através da remoção de paredes da casa, ou ainda, à semelhança do previsto no pretérito, alterando a sua própria estrutura divisória. A questão pode ilustrar-se, neste particular, a respeito de benfeitorias. A estas anda habitualmente ligada uma ideia de intervenção positiva sobre a coisa com o efeito típico de a “melhorar” ou “beneficiar” (artigo 216º, nº 1, do CC); e não quando para salvaguardar a sua integridade, ao menos com o sentido de intensificar e aumentar os benefícios inerentes ao seu gozo. Ora, é bastante comum aos inquilinos, para seu proveito, enquanto utilizadores de locados habitacionais, fazerem implementar sobre os espaços onde vivem este tipo de incursão, commumente acentuando o gozo de que dispõem, consolidando e aumentando o seu conforto; e, quantas vezes, com a virtualidade até de aumentar o valor aos próprios espaços; não obstante, outras tantas vezes, sem a anuência dos respectivos proprietários.[23] Neste tipo de casos, habitualmente consubstan-ciados nas chamadas benfeitorias úteis (artigo 216º, nº 3, seguinte, do CC), pese embora a ilicitude da intervenção e a equiparação à posse de má fé (artigo 1046º, nº 1, do CC), não deixa a lei de ser sensível à positividade da intervenção, como revela o regime contido no artigo 1273º, nº 1, final, e nº 2, do CC. E isto cremos ser indício claro de, ao menos por princípio, a incursão que se traduza em algum tipo de benfeitoria útil não ter a virtualidade de acarretar alguma mais violenta consequência para o inquilino; ao que nos importa, constituir real fundamento resolutivo.
Continua a ser verdade que, quanto ao prédio de outrem, o inquilino apenas dispõe de um direito creditório (apenas se lhe concede o seu gozo), ao passo que o senhorio de um direito real; e que a sua incursão implica a afectação da coisa que é propriedade deste, e que, mais dia, menos dia, lhe terá de restituir (artigos 1038º, alínea i), e 1043º). Por isso, ainda, que só limitadamente, em tais condições, tenha poderes de intervenção sobre a coisa locada, sendo este um acto absolutamente reservado ao proprietário; e, por conseguinte, que a sua realização pelo inquilino constitua, por si só, uma infracção contratual. Isto é inegável.
Porém, não sendo a suficiência da gravidade ou consequências do acto, sempre a mesma, como o não é, no geral, no regime do incumprimento dos contratos, que tem sempre de ser visto com objectividade (artigos 802º, nº 2, e 808º, nº 2, do CC), importará, aqui também, casuísticamente enquadrar o clausulado geral do proémio do artigo 1083º, nº 2, do CC; para só então encontrar a situação, suficientemente concludente, reveladora do incumprimento definitivo do lado do inquilino; dessa maneira, tornando inexigível ao senhorio que continue a conceder-lhe o gozo da coisa fundado no arrendamento.
Em suma, nesta óptica, é o ponto de vista que em segundo lugar enun-ciámos – e que é aquele a que a generalidade da jurisprudência tem aderido – a-quele que tendemos, também, a seguir. Isto dito e volvendo ao caso concreto dos autos.
Qual o nível da penosidade concreta ou das reais consequências nefas-tas, para a coisa ou para a esfera jurídica da senhoria, que tiveram lugar? Enqua-dram, essa penosidade ou consequências, a justa causa da resolução do contrato de arrendamento que une a autora e os réus?
Os inquilinos substituiram o forro da sala, que aí haviam – eles pró-prios – aposto, aquando do início do arrendamento, por um outro, agora de madeira; e montaram um tecto falso no corredor (aparafusando as réguas de madeira utilizadas directamente às chapas da cobertura); subiram alguns centímetros a estrutura do telhado da sala; e forraram as paredes desta com réguas de madeira.
Na nossa óptica, não é o carácter relativamente simples da repara-bilidade ou reposição destas concretas intervenções o que mais releva;[24] e nem principalmente sequer a respectiva apresentação com carácter tendencialmente definitivo ou perene.[25]Mais importante e, do nosso ponto de vista, verda-deiramente decisiva, é a intensidade do incumprimento que possam reflectir; o patamar de importância que lhe seja inerente, tendo em conta o interesse objectivo do cedor. É que sendo, por princípio, o incumprimento do devedor apto a gerar algum constrangimento na esfera do credor, nem sempre o inadimplemento traduzirá a mesma gravidade.
Ora, no caso concreto, e para lá da materialidade das referidas inter-venções e afectações, a que os inquilinos realmente procederam, não permitem os factos concluir que outras especiais penosidades ou efeito nefasto elas hajam acarretado para a esfera jurídica da senhoria. Quer dizer, a medida em que o interesse da credora se acha aqui preterido não atinge o patamar de relevo bastan-te, apto a conceder-lhe eficácia; do que é índice a circunstância de nenhum pre-juízo ou desvalorização patrimonial se achar verificado; não sendo até de excluir que, de acordo com as regras de experiência comum, a casa locada tenha porven-tura ficado mais valorizada com as referidas melhorias.
Ou seja, embora rconhecendo o incumprimento contratual, que até se presume censurável (artigo 799º do CC), a verdade é que não está substanciada em factos concretos, que a permitam com consistência revelar, a justa causa pre-venida no proémio do artigo 1083º, nº 2.
Por outro lado, os inquilinos retiraram algumas vigas de madeira do tecto da sala, que o suportavam e à cobertura.
Já aqui, vemos indiciado algo mais aproximado à deterioração da coisa; não inerente à prudente utilização (artigo 1043º, nº 1, final); nem de ténue monta, ou justificada pelo conforto ou comodidade do inquilino (artigo 1073º, nº 1); por conseguinte, também esta ilícita e emergente de incumprimento do contrato. Mas, ainda assim, sem outro elemento factual consistente que revele no concreto quais as reais consequências dessa retirada; e, por conseguinte, sem substanciação bastante que permita enquadrá-la na cláusula geral resolutória.
Em suma, concluímos desta forma (1º) que os trabalhos de modi-ficação e alteração a que os réus, como inquilinos, procederam na casa arrendada, constituiram “obras” (e porventura aquela “deterioração”) que lhes não era lícito realizar; e que, ao fazê-lo, incorreram em incumprimento contratual; (2º) contu-do, que este incumprimento assuma o patamar de gravidade que é suposto pelo artigo 1083º, nº 2, do CC, como o vocacionado para permitir ao senhorio exerci-tar o direito potestativo à resolução do arrendamento, isso, já se não revela demonstrado. Com o que, improcede, nesta parte, a apelação da autora.
2.4. A viciação do julgamento de facto.
2.4.1. No artigo 10º da petição inicial a autora alegara que as obras executadas pelos réus comprometem outras que ela própria houvera feito, para lá de colocarem em causa a estabilidade e segurança do edifício e da sua cobertura. Na contestação impugnaram os réus o assim alegado (artigo 20º). Ora, ar-gumenta a autora, isso que assim por si foi alegado não foi tido em devida conta.
O tribunal de primeira instância, fazendo uso da faculdade concedida no artigo 787º, nº 1, final, do CPC, e por considerar simples a selecção dos factos controvertidos, absteve-se de fixar base instrutória (fls. 142). Mais tarde, e quando produziu o despacho a julgar a matéria de facto, omitiu o que a autora ali alegara (fls. 221 a 224). Vejamos. Qualquer direito subjectivo tem a sua origem em factos jurídicos que o constituem; donde, quem destes se pretenda fazer valer em juízo tenha, em regra, de os alegar e provar (artigo 342º, nº 1, do CC). Os factos ma-teriais são, no geral, os eventos e as realidades concretas, os acontecimentos sen-síveis da vida real; sendo jurídicos na medida em que perspectivados à luz de normas e critérios de direito. À autora se impunha então que, para lá da genérica invocação ao “comprometimento”, à “estabilidade” e à “segurança”, apontasse concretamente, como fundamento da acção, os pertinentes factos concretos, as concretas realidades empíricas e sensíveis, que revelassem e conduzissem às conclusões de que, realmente, assim era. É que a lei exige que as partes cumpram o princípio da substanciação; que decorre, além do mais, do nº 4 do artigo 498º do CPC; o que não acontece se expressarem, como se tratasse da vertente fáctica da causa de pedir, afirmações de pendor puramente jurídico, meramente conclusivo ou envolvendo juízos de valor.
O critério de selecção dos factos, que hão-de ser sujeitos a instrução e julgamento, contém-se principalmente no artigo 511º, nº 1, do CPC; devem ser escrutinados todos os factos que relevem para a decisão, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito que deva considerar-se controvertida; mas só factos. Ora, o que consta alegado pela autora, e que ela propugna preterido, é mera conceitualização genérica, sem o pertinente suporte material; quer dizer, carece o alicerce de base, que houvesse de ser sujeito ao competente julgamento de facto. E por isso é que, ao julgar a respectiva matéria, o tribunal recorrido explicitou haver desconsiderado os artigos da petição que se reportavam a matéria conclusiva (fls. 222); o que era o caso da alegação aqui em vista; e que, até força de lei, estava excluída da possibilidade de poder ser julgada (artigo 646º, nº 4, do CPC).
É verdade que, no momento próprio, porventura, talvez pudesse ter sido feito uso do mecanismo do artigo 508º, nº 1, alínea b), e nº 3; o qual sempre deve ser visto à luz do artigo 265º, nº 3, ambos do CPC; convocando a autora à concretização factual do que invocara. É, contudo, igualmente certo que, em primeira instância, nenhum reparo mereceu à autora essa omissão; que só em sede recursória – tardiamente pois – vem a suscitar este assunto.
Ou seja, e em suma, o que realmente teve lugar foi que a autora não cumpriu o ónus da alegação de facto, que lhe competia; vendo, por isso, carregar sobre si as desvantajosas consequências dessa preterição (artigo 516º do CPC).
2.4.2. Por outro lado, a sentença recorrida menciona não ter a autora demonstrado em que termos a estabilidade e segurança do edifício ficaram abala-das, o que faz em sede de fundamentação jurídica (fls. 234). Ora, diz a autora, es-sa ilação não tem apoio em factos e, além disso, não atendeu ao relatório pericial junto (doc 5 da petição); solicitando que se peçam esclarecimentos ao tribunal recorrido. Vejamos. Em 1º, não se acha produzida nos autos prova pericial; a qual nem requerida foi e, aliás, estritamente sujeita aos procedimentos contidos nos artigos 568º a 591º do CPC; donde, só como documento sujeito à livre apre-ciação probatória (artigo 655º, nº 1, do CPC), o referido “relatório” poderia ter sido considerado. Em 2º, importa notar que as provas são instrumentos cuja função é demonstrar a realidade de factos (artigo 341º do CC); quer dizer, su-põem prévia controvérsia sobre esse “quid” que é o “facto”; porém, já dissemos que faltou nos autos a matéria pertinente a este respeito, que assim não pôde ser escrutinada, nem a sujeita a instrução (artigo 513º do CPC). Em 3º, a fundamentação que a autora propugna, e que é a suposta no artigo 712º, nº 5, do CPC, é referida à decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, quer dizer, a certo facto (essencial) sujeito a instrução; e não foi esse o caso.[26] Finalmente, em 4º, se é verdade que na fundamentação jurídica a sentença explicita a inconcludência, quanto ao abalo da estabilidade e segurança do edifício, o certo é que nem outra conclusão podia tirar, tendo em conta a inexistência de qualquer facto, a propósito, obtido como (alegado e, por consequência) provado; no fundo, tratando-se apenas de accionar, como já dissemos, o critério inerente ao ónus de prova, fazendo incidir as desvantajosas consequências da dúvida sobre a parte com ela onerada (artigo 516º do CPC).
2.4.3. Finalmente, a autora requerera atempadamente a “inspecção ju-dicial ao locado” (fls. 147); cuja apreciação foi relegada para momento oportuno (fls. 160); mas que não veio a ter lugar. É também assunto que agora a autora suscita. Vejamos. O tribunal, sempre que o julgue conveniente, procede à prova por inspecção (artigos 612º, nº 1, do CPC, e 390º do CC); a parte pode re-querê-la; sendo que, em tal caso, deve o juiz decidir acerca da sua admissão (ar-tigos 508º-A, nº 2, alínea a), segundo trecho, e 512º, nº 2, do CPC). A falta desta pronúncia judicial constituirá, no mínimo, a omissão de um acto que a lei pres-creve e, em regra, com virtualidade de influir no exame da causa, por se poder reflectir na ponderação da matéria de facto; portanto nulidade secundária (artigo 201º, nº 1, do CPC); a ser arguida pelo interessado, sob pena de ficar sanada (ar-tigo 202º, final, do CPC).
Ora, a verdade é que a autora, encerrada a fase instrutória da causa (fls. 219), nem então, nem subsequentemente, suscitou a questão no tribunal recorrido; só o fazendo em alegação de recurso. Significando, em suma, que o vício se mostra ultrapassado e o momento da sua arguição precludido.
2.5. A intervenção dos inquilinos sobre a casa locada. Em particular, a “reposição das vigas de madeira retiradas do tecto da sala”. Os factos provados não são completamente esclarecedores àcerca das especificidades concretas das obras de intervenção levadas a cabo pelos réus sobre o locado.
Com um mínimo de segurança apenas é possível intuir que o forro da sala e o forro das paredes desta, o tecto falso e a subida deste, terão tido o obje-ctivo de potenciar uma melhor qualidade do seu uso e gozo, portanto, uma índole de sentido positivo e benéfico; parecendo integrar-se no contexto do que já acontecera em meados dos anos setenta quando, então, e no mesmo quadro con-tratual, já haviam forrado o tecto da sala com placas de aglomerado de platex. De alguma maneira, no principal, repondo e melhorando agora o que já antes existia.
Por outro lado, a remoção das vigas de madeira, enquanto retirada parcial do suporte de cobertura e tecto, melhor se identifica com algum tipo de estrago e, portanto, mais com índole de sentido negativo e maléfico. Os factos são, contudo, depois omissos a respeito dos reflexos concretos que essas intervenções hajam tido sobre a coisa. Vejamos. Em geral, o cumprimento das obrigações constitui a actua-ção do meio juridicamente predisposto para a satisfação do interesse do credor; é a realização deste interesse a primacial função do cumprimento. Significa isso que há sempre um interesse a salvaguardar; e que é ao serviço desse interesse que o vínculo obrigacional subsiste.[27] De trechos vários do Código Civil, no capí-tulo das Obrigações, é possível obter a ideia de que o interesse do credor, como ponto de referência nesta matéria, deve ser visto e equacionado com objecti-vidade (artigos 802º, nº 2, ou 808º, nº 2, do CC); mostrando isso que a sua importância deve ser medida com base em elementos susceptíveis de serem valorados por qualquer pessoa,[28] razoavelmente aceitáveis pelo comum dos sujeitos. Desta maneira, não será de dar acolhimento, por exemplo, a certo estado de insignificância, que o credor pessoalmente queira empolar, mas que, de acordo com os ditames da razoabilidade e da sensateza, no quadro do equilíbrio prestacional, o comum dos sujeitos jurídicos permitiria desprezar.
No caso concreto, a obrigação jurídica em causa é a de o inquilino fazer do arrendado uma utilização prudente; mantê-lo e restitui-lo no estado em que o recebeu; e decorrentemente de nele não executar quaisquer obras, salva au-torização do senhorio (artigos 1038º, alínea d), 1043º, nº 1, e 1074º, nº 2, do CC). Os réu executaram obras; sem autorização da senhoria.
Daí a decisão recorrida sentenciar, a propósito de reposição da coisa no estado anterior, conferir a retirada das vigas à autora esse direito, a efectivar pela entrega de quantia ainda ilíquida, mas a liquidar, dado não haver prova do valor concreto necessário para o efeito; mas apenas isso. Disso discordando a au-tora, por dizer esquecidas as restantes obras; igualmente discordando os réus, por entenderem ser por reconstituição natural que devem repor a situação das ripas, não por condenação pecuniária; e, por outro lado, que tal só há-de acontecer por ocasião da cessação do arrendamento e entrega da casa ao senhorio. Já pudemos conextualizar a realização das obras que tiveram lugar.
Em 1º, quanto à aposição de madeira no forro da sala (facto x.); na prática tratou-se de consolidar uma melhoria, através da substituição do platex que antes fôra aposto. Em 2º, quanto ao aparafusamento directo às chapas da cobertura (facto xi.); aparentemente, os inquilinos aproveitaram a estrutura que a senhoria apusera no edifício; seja como fôr, nenhum constrangimento ou relevan-te prejuízo para aquela se mostra verificado; ao invés, indiciando-se a melhoria no estado do locado. Em 3º, quanto à subida da estrutura do tecto (facto xiii.); a-parentemente, foi um resultado potenciado pela anterior intervenção da senho- ria; seja como fôr, está indemonstrada a medida do facto e, bem assim, o efeito que porventura dele pudesse decorrer, desaproveitando a dúvida, no contexto integrado dos factos, à senhoria. Em 4º, quanto ao forro da parede da sala e à montagem do tecto falso do corredor (factos xiv. e xv.); é uma iniciativa dos in-quilinos no sentido de melhorar a coisa arrendada, em seu benefício; com a vir-tualidade, de acordo com a experiência comum, a torná-la mais cómoda e aprazível.
Resta, por fim, em 5º, a remoção das vigas (facto xii.); apelando também a ditames da experiência de vida e a presunções judiciais (artigos 349º e 351º do CC), será de intuir, com razoabilidade, que alguma função haveriam de ter, na traça estrutural do imóvel – pese embora a inconcludência da prova –; por conseguinte, que aos inquilinos estava vedado intervirem sobre elas; e que, nes-sa óptica, aqui relevantemente e com eficácia reprovada o terão feito.
É que, desenvolvendo anterior ideia, o incumprimento é naturalmente idóneo a insatisfazer o interesse do credor; e a inexistência desta insatisfação, do-tada de relevo jurídico, deve ser demonstrada pelo devedor. Mostrado o incum-primento, sem mais, dele há que obter as devidas ilações.
Ora, no que à generalidade das intervenções respeita, fora apenas a referente à remoção das vigas, não se vislumbra que interesse jurídico relevante da senhoria ali haja, merecedor de tutela. Nenhuma perda ou dano se intui na sua esfera jurídica; o locado terá ficado, no geral, até, melhorado depois das obras; a reposição no estado precedente, com remoção do que está e aposição do que estava, representaria a colocação da casa num estado de inferior valia.[29]
O que tudo mostra, por via do beneficio introduzido e, por outro la- do, considerada a reposição “ex ante”, a significar objectivamente alguma perda na esfera da senhoria, enquanto proprietária de uma coisa que assim está me- lhor, que a ter havido algum incumprimento o mesmo, atendendo objectivamente ao interesse do credor, não tem a relevância jurídica pretendida; revestindo, do ponto de vista da sua objectiva preterição, uma escassa importância, sem significado relevante.
Já o mesmo não vale para a autonomizada remoção das vigas.
Aqui, porque se tratou de um verdadeiro acto de transformação de e-lementos da coisa arrendada – as referidas vigas –, e sem que se apure as conse-quências concretas dela (embora se podendo intuir um sentido negativo), entra-mos no campo do incumprimento relevante e eficaz;[30] que há-de originar ime-diatamente na esfera do senhorio o direito à reposição na situação anterior do prédio (obrigação com conteúdo de prestação de facto positivo); por ser o que se intui claramente da obrigação de manutenção da coisa no estado em que se encontre; vínculo contratual.[31]
Quanto a este aspecto, dotado de relevo jurídico, a senhoria tem o direito de exigir, com fundamento em que o arrendatário não respeitou a obrigação de manter o prédio no estado em que o recebeu, que as obras sejam demolidas e o imóvel restituído ao estado anterior à violação cometida.[32] E imediatamente, pois que, para lá da ilicitude que lhe subjaz, se trata ainda de um dever contínuo que é imposto ao inquilino em cada um dos momentos em que tem à sua disposição a coisa que lhe foi cedida. É, por conseguinte, este último o cumprimento que à senhoria assiste exigir dos seus inquilinos, no caso; que se traduz numa prestação de facto positivo. E que, em qualquer caso, se não for satisfeita, lhe facultará a via executiva para a prestação do facto, com todos os mecanismos que lhe são próprios, incluindo o indemnizatório que porventura seja devido (artigos 933º e seguintes do Código de Processo Civil). Com o que, atento o exposto, nesta sede, em 1º, improcede a apelação da auto- ra, enquanto pretende a reposição da situação “ex ante” do locado no trecho não referido às vigas removidas; e em 2º, procede a apelação dos réus no sentido de que a sua condenação em quantia pecuniária não é ajustada, mas improcede quando propugnam não dever ser imediata a obrigação que os vincula, de reposição das vigas, mas tão-só diferida, a ser realizada meramente aquando da restituição da coisa e por ocasião do fim do contrato.
2.6. Súmula conclusiva de cada um dos recursos.
Em suma, e quanto à apelação da autora, importa considerar: (1º) que a sentença apelada não enferma de nulidade; (2º) que não há fundamento de resolução do contrato de arrendamento, por conseguinte, de extinção do mesmo contrato e de decretamento do despejo dos réus; e (3º) que não há lugar à reposição do arrendado no estado anterior ao das obras ilícitas que tiveram lugar por iniciativa dos réus (salvo quanto às vigas removidas).
E, quanto à apelação dos réus: (1º) que não há lugar a condenação de quantia pecuniária; (2º) que as vigas de madeira retiradas do tecto da sala do arrendado devem ser repostas, tal como ali se encontravam antes da sua remoção; e (3º) que a obrigação que assim impende sobre os réus é imediata. Sendo este o sentido da decisão final, que se vai proferir, no quadro de cada um dos dois recursos interpostos pelas partes.
3. As custas de uma e outra das apelações terão em conta os respecti-vos decaimentos, que se fixam nas seguintes proporções (artigos 446º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, e 12º, nº 3, do Código das Custas Judiciais): i. Quanto à apelação da autora, o decaimento desta é total; ii. Quanto à apelação dos réus, fixa-se o decaimento destes em 2/3 e o da autora em 1/3.
Ainda, no concernente aos réus, tomar-se-á em conta ter-lhes sido concedido o apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo (fls. 53 a 54 e 102 a 103); como assim, ine-xistindo fundamento legal para que sejam condenados no pagamento das custas (artigos 10º, nº 1, 13º, nºs 1 a 3, e 16º, nº 1, alínea a), da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho, e 6º e 8º da Lei nº 47/2007, de 28 de Agosto).
4. Síntese conclusiva.
É a seguinte a síntese conclusiva que pode ser feita, a propósito do que fica de essencial quanto ao mérito do presente recurso:
I – No direito do arrendamento urbano actual, qualquer incumprimento do contrato pelo lado do inquilino (artigo 1083º, nº 1, do CC), incluindo os casos-tipo enumerados nas cinco alíneas da segunda parte, do artigo 1083º, nº 2, do CC, só é causa fundante do direito potestativo à resolução do arrendamento por iniciativa do senhorio, quando enquadre a cláusula geral contida na primeira parte do preceito;
II – Ao senhorio que queira fazer accionar esse direito, competirá, em qualquer caso, alegar e provar, para lá dos factos que integrem o incumprimento, ainda outros que mostrem, diante da penosidade que lhe seja inerente ou dos efeitos nefastos daquele emergentes, que deixa de ser razoável ter de continuar a suportar o vínculo próprio do contrato (artigos 342º, nº 1, e 1083º, nº 2, início, do CC);
III – No domínio do arrendamento a lei distingue entre “deteriorações” e “obras”; estando as primeiras mais ligadas a uma ideia de “desgaste” ou “estrago”; e as segundas mais a uma ideia de “modificação” ou “alteração” da coisa;
IV – No silêncio do contrato, ao inquilino habitacional, excepcionadas as deteriorações inerentes à prudente utilização (artigo 1043º, nº 1, do CC) e outras pequenas deterio-rações justificadas pelo seu conforto ou comodidade (artigo 1073º, nº 1, do CC), está, em princípio, vedada a realização sobre o prédio arrendado de quaisquer outras intervenções, tenham elas a natureza de “deteriorações” ou de “obras” (salvo, quanto a estas, a autorização escrita do senhorio; artigo 1074º, nº 2, do CC);
V – A realização pelo inquilino, sobre o prédio arrendado, de obras não autorizadas pelo senhorio, ou a produção sobre ele de deteriorações não admitidas, enquanto incumprimento do contrato, só constituirão fundamento de resolução, se puderem enquadrar a cláusula geral referida em I – e II – ;
VI – Em geral, no direito das obrigações, constitui pressuposto de eficácia do incumprimento do devedor que, objectivamente considerado o interesse do credor, aquele incumprimento não revista um escasso relevo ou uma insignificante importância (artigos 802º, nº 2, e 808º, nº 2, do CC);
VII – Verificado o incumprimento do inquilino, independentemente da sua vocação resolutória, apenas se se mostrar preenchido o pressuposto referido em VI –, será facultado ao senhorio exigir a imediata reposição do prédio no estado anterior; constituindo, nesse caso, uma obrigação daquele com o conteúdo de prestação de facto positivo.
III – Decisão Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação:
1ºQuanto apelação interposta pela autora. Em julgar esta apelação improcedente e em confirmar a sentença recorrida.
2ºQuanto à apelação interposta pela réus. Em julgar esta apelação parcialmente procedente e: i.Em revogar a sentença recorrida na parte em que condenou os réus a pagar à autora o valor, a apurar em liquidação, necessário ao trabalho de reposição das vigas de madeira retiradas do tecto da sala; ii.Em determinar a reposição imediata da situação anterior da casa arrendada, no que se refere à reposição das vigas de madeira retiradas do tecto da sala (facto provado II.xii.); iii.Em confirmar a sentença recorrida na parte remanescente.
A autora pagará custas da apelação que interpôs, no seu todo; e as da apelação interposta pelos réus na proporção de 1/3.
Lisboa, 3 de Maio de 2011
Luís Filipe Brites Lameiras
Jorge Manuel Roque Nogueira
António Santos Abrantes Geraldes
----------------------------------------------------------------------------------------- [1] O Novo Regime do Arrendamento Urbano entrou em vigor no dia 28 de Junho de 2006. Veja-se o Acórdão da Relação de Coimbra de 20 de Abril de 2010 in Colectânea de Jurisprudência XXXV-2-45. [2] Sobre o vício em questão, Acórdãos da Relação de Lisboa de 25 de Maio de 2000 e da Relação de Évora de 14 de Julho de 2005, respectivamente, in Colectânea de Jurisprudência XXV-3-99 e XXX-4-262. [3] Jorge Pinto Furtado, “Manual de Arrendamento Urbano”, volume II, 4ª edição, página 1088. [4] A este respeito, Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil anotado”, volume II, 3ª edição, página 542; Henrique Mesquita, anotação ao Acórdão da Relação de Coimbra de 25 de Fevereiro de 1997, Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 130º, nº 3880, página 222; Oliveira Ascensão e Menezes Leitão, “Resolução do arrendamento com fundamento na realização de obras não autorizadas”, “O Direito”, ano 125º (1993), III-IV, página 429, nota (11); e David Magalhães, “A Resolução do Contrato de Arrendamento Urbano”, página 335. [5] A lei refere ainda um outro tipo de deteriorações, estas fruto não de qualquer intervenção intencional mas mais relacionadas com o desgaste próprio à utilização da coisa durante certo período de tempo; por-tanto inerentes à prudente utilização, em conformidade com os fins do contrato (artigo 1043º, nº 1, final). Afora estas – diz a lei (artigo 1044º) – o locatário é responsável. A propósito, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de Novembro de 2006, proc.º nº 06B3603, in www.dgsi.pt. [6] É aliás o que as permite também distinguir das outras deteriorações, inerentes à prudente e cautelosa utilização; estas, precisamente dada a sua especificidade e inerência ao exercício do uso sobre a coisa, não carecem de ser rectificadas previamente à restituição da casa. [7] Acórdão da Relação de Lisboa de 21 de Janeiro de 2010, proc.º nº 1564/04.5YXLSB.L1-2, in www.dgsi.pt. [8] A que acrescenta, no nº 3, a mora superior a três meses no pagamento da renda, encargos ou despesas e a oposição pelo arrendatário à realização de obra ordenada por autoridade pública; e, no nº 4, a não realização pelo senhorio de obras que a este caibam, quando tal omissão comprometa a habitabilidade do locado. [9] A resolução pelo senhorio com fundamento numa das causas previstas no artigo 1083º, nº 2, é decretada nos termos da lei de processo (artigo 1084º, nº 2). [10] Aprovado pelo Decreto-Lei nº 321-B/90, de 15 de Outubro, a que foram sendo inseridas sucessivas alterações. [11] Jorge Aragão Seia, “Arrendamento Urbano”, 5ª edição, página 354. [12] Acórdão da Relação do Porto de 3 de Fevereiro de 2011, proc.º nº 125/09.7TBLSD.P1, in www.dgsi.pt. [13] Criticando esta opção do legislador, Luís Menezes Leitão, “Arrendamento Urbano”, 2ª edição, página 92. [14] Acórdão da Relação de Lisboa de 8 de Outubro de 2009, proc.º nº 1957/08-2, in www.dgsi.pt. [15] Acórdãos da Relação do Porto de 17 de Abril de 2008, proc.º nº 0831655, e da Relação de Lisboa de 15 de Outubro de 2009, proc.º nº 613/08.2TBALM.L1-2, e de 21 de Janeiro de 2010, proc.º nº 6541/08.4TBSXL.L1-8, ambos in www.dgsi.pt. [16] Acórdãos da Relação de Coimbra de 17 de Novembro de 2009, proc.º nº 1737/06.6TBMGR.C1, da Relação de Lisboa de 9 de Dezembro de 2008, proc.º nº 8726/2008-6, e de 27 de Maio de 2010, proc.º nº 707/08.4YXLSB.L1-6, e da Relação do Porto de 6 de Maio de 2010, proc.º nº 451/09.5TJPRT.P1, e de 3 de Novembro de 2010, proc.º nº 3077/07.4TBPVZ.P1, todos in www.dgsi.pt. [17] Jorge Pinto Furtado, obra citada, página 1088; Luís Menezes Leitão, obra citada, página 92; Acórdão da Relação de Lisboa de 21 de Outubro de 2008, proc.º nº 8169/2008-7, in www.dgsi.pt. [18] Pedro Romano Martinez, “Da Cessação do Contrato”, 2ª edição, página 349; Acórdão da Relação de Coimbra de 7 de Setembro de 2010, proc.º nº 4003/08.9TJCBR.C1, in www.dgsi.pt. [19] É a tese maioritária. Veja-se Laurinda Gemas, Albertina Pedroso, João Caldeira Jorge, “Arrendamento Urbano”, 2ª edição, página 293; e Acórdãos da Relação do Porto de 12 de Novembro de 2009, proc.º nº 234/07.7TVPRT.P1, de 8 de Abril de 2010, proc.º nº 523/09.6TJPRT.P1, in www.dgsi.pt, de 14 de Julho de 2010, proc.º nº 1451/09.0TJPRT.P1, in Colectânea de Jurisprudência XXXV-3-200, e de 16 de Novembro de 2010, proc.º nº 1547/07.3TVPRT.P1, e da Relação de Lisboa de 21 de Outubro de 2008, proc.º nº 8169/2008-7, in www.dgsi.pt. [20] É a tese defendida por Jorge Pinto Furtado, obra citada, página 1097, por Luís Menezes Leitão, obra citada, página 93, e por David Magalhães, obra citada, página 325; mas que não tem merecido a adesão da jurisprudência. Segundo ela, bastará que a intervenção não autorizada do inquilino não constitua pequena deterioração destinada a assegurar o seu conforto ou comodidade, para poder fundamentar a resolução do contrato. [21]O âmbito resolutivo do contrato pelo senhorio foi, assim, substancialmente alargado em homenagem ao direito de propriedade (de usufruto, etc.) do senhorio (Jorge Pinto Furtado, citado, página 1097). [22]Se bem interpretamos as coisas será assim o quadro legal: ao incorrer num dos incumprimentos com cabimento no artigo 1083º, nº 2, o inquilino gera uma situação de incumprimento definitivo, fazendo suprimir o interesse objectivo na subsistência do arrendamento e, dessa maneira, abrindo a porta à sua extinção por resolução. Nesta perspectiva, o regime do artigo 1083º será uma concretização das disposições gerais, a este propósito, contidas nos artigos 808º, nº 1, início, e nº 2, e 801º, nº 2, do CC. [23] A este respeito, alguns autores admitem, para lá de autorização do senhorio, ser lícito ao arrendatário realizar benfeitorias, isto é, certas iniciativas com o intuito de melhorar a coisa arrendada e desde que não envolvam a sua inovação ou a sua transformação. Temos, porém, fundadas dúvidas a esse título. Ao que nos parece, para lá das situações contempladas no artigo 1036º, e que se reconduzem por regra a benfeitorias necessárias (artigo 216º, nº 3, início), não haverá outras de que o inquilino possa, licitamente e por si só, tomar a iniciativa. Todavia, e sobre este assunto, Henrique Mesquita, anotação citada, páginas 222 a 223; e Oliveira Ascensão e Menezes Leitão, texto citado, página 429. [24] No actual estado da técnica, dir-se-ia que qualquer intervenção pode ser desfeita e reposta no precedente estado. [25] Se bem que esta possa ser um indício, entre outros, a ter em conta na valorização da intensidade ou da importância do incumprimento, do qual a seguir se fala. [26] Neste conspecto, importa reconhecer que nem a autora, no momento próprio, reclamou, quanto a algum facto, contra a falta de motivação do despacho que julgou a respectiva matéria, como poderia e por-ventura deveria ter feito (artigo 653º, nº 4, parte intermédia, do CPC) (fls. 225 a 226). [27] Antunes Varela, “Das obrigações em geral”, volume I, 6ª edição, páginas 161 a 164, e volume II, 4ª edição, página 9. [28] João Baptista Machado, “Pressupostos da resolução por incumprimento” in “Obra dispersa”, volume I, página 137. [29] É aqui o apelo às regras da experiência, ao que será normal e corrente esperar que aconteça, tendo por base os factos provados; por conseguinte, aquela certeza relativa até onde as presunções judiciais permitem ir (artigos 349º e 351º do CC). [30] Neste aspecto, diante do desconhecimento dos concretos efeitos inerentes à remoção das vigas, a experiência comum e as ilações próprias das presunções judiciais, tenderão a aconselhar algumas cautelas. A lacuna probatória, que chegou para suprimir a eficácia resolutória, não é aqui bastante para, à semelhança das restantes intervenções, deixar esta também incólume. Apenas assim seria caso fosse possível intuir, com base em algum elemento disponível, que a remoção contribuíra com alguma vantagem ou, pelo menos, que era absolutamente inócua no contexto geral do imóvel. Ilação que se não mostra possível. [31] Jacinto Rodrigues Bastos, “Notas ao Código Civil”, volume IV, 1995, página 217. [32] Henrique Mesquita, anotação citada, página 223; Acórdão da Relação do Porto de 28 de Junho de 2001, proc.º nº 0130626, in www.dgsi.pt.