CONTRATO DE DEPÓSITO
BANCOS
CHEQUE BANCÁRIO
CHEQUE SEM PROVISÃO
RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
DANOS MORAIS
Sumário

a) A obrigação de indemnização a cargo de Instituição Bancária e decorrente do incumprimento de deveres jurídicos emergentes de contrato de depósito bancário, manifestamente, emerge de ilícito contratual/obrigacional.
b) Assim, verificados os pressupostos atinentes a uma inexecução contratual que tenha dado origem a um dano sofrido pelo cliente, e existindo um nexo de causalidade entre ambos, cabe à instituição bancária, para se libertar da obrigação de indemnização, provar que agiu sem culpa, porque cumpriu escrupulosamente com todos os seus deveres ( cfr. artº 799º , nº1, do CC ).
c) Como resulta do artigo 496º do Código Civil, e não existindo fundamento legal que obste, no âmbito da responsabilidade contratual, à plena consagração, tanto do princípio da ressarcibilidade dos danos não patrimoniais , como do critério da fixação equitativa da indemnização correspondente , justifica-se a atribuição de uma indemnização - por danos morais - a cliente que , por incúria e/ou deficiente acautelamento dos respectivos interesses, foi pela entidade bancária incluído na listagem de utilizadores de cheque que oferecem risco.
d) Para tanto, basta que se prove que, em resultado da errada inclusão em listagem de utilizadores de cheque que oferecem risco , tenha o cliente sofrido um dano moral concreto , merecedor de tutela jurídica, emergindo ele de uma forma clara e consistente - em termos de gravidade, dimensão , repercussão e sua duração - da factualidade provada.
( Da responsabilidade do Relator )

Texto Integral

Acordam os Juízes na 1ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa
*
*
*
*
1.Relatório.
A , B, C e D. , instauraram acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra E , BANCO …. , S.A., pedindo que o Réu seja condenado no pagamento da quantia de € 500.000,00, sendo € 250.000,00 para o Autor Á., € 150.000,00 para a Autora B e € 50.000,00 para cada um dos restantes Autores.
Para tanto, alegaram em síntese que :
- tiveram os respectivos nomes incluídos em listagem de utilizadores de cheque que oferecem risco ,em consequência de cheque pretensamente sacado sobre o banco Réu pelo autor A. e devolvido por falta de provisão, sendo que ,do cheque em causa, não apenas não constava a assinatura do Autor A , com ademais dizia ele respeito a conta de pessoa colectiva/sociedade judicialmente já declarada insolvente , o que o Banco Réu bem sabia ;
- em consequência, viram os autores atingidos o seu bom nome, dignidade, honorabilidade e reputação perante as instituições bancárias, as quais têm acesso a tal listagem, o que, no caso do Autor A , comprometeu a sua reputação junto dos bancos e, por isso, gerou no mesmo ansiedade, revolta pelo achincalhamento, desânimo, além de perturbações no sono e alterações no sentido de humor;
- Já no caso da Autora B , perdeu ela as boas relações que mantinha com os bancos e por isso viu inviabilizado o recurso ao crédito ; e no caso dos Autores C e D por serem jovens em início de vida activa, ficaram com o seu nome manchado na banca, o que lhes provocou, tal como à Autora, ansiedade, revolta pelo achincalhamento, desânimo, além de perturbações no sono e alterações no sentido de humor.
Citado o Réu, veio ele deduzir contestação, essencialmente por impugnação, considerando v.g. que o Autor A não justifica o dano que diz ter sofrido, a que acresce que teve o seu nome incluído na listagem de utilizadores de cheque que oferecem risco durante apenas um dia, tendo aquela inclusão ficado a dever-se à relação de confiança que o banco mantinha com a sua cliente "C… ,Lda.", o que fez supor que todos os cheques sacados sobre a conta daquela sociedade viessem assinados pelo Autor A e daí não ter procedido à conferência de assinaturas.
Acresce que, ainda no que concerne ao autor A , aduz o Réu que o seu bom-nome, dignidade, honorabilidade e reputação perante as instituições de crédito estavam já comprometidos pela situação patrimonial da sociedade "C…, Lda.", de quem o referido Autor era a cara junto dos bancos.
Mais alegou o contestante que, no que concerne aos demais Autores, nunca integraram eles a listagem de utilizadores de cheque que oferecem risco (apenas foram impedidos por um dia de movimentar através de cheques as contas que mantinham em contitularidade com o Autor A ), e as comunicações que receberam de outros bancos revelam destes uma precipitação de que o banco Réu não é responsável, visto à data das mesmas o Autor A não integrar ainda a dita listagem, situação que apenas é susceptível de provocar aos Autores aborrecimentos e incómodos desnecessários, não tendo os mesmos demandado o banco Réu por danos patrimoniais.
Houve réplica e audiência preliminar, e elaborado o Despacho Saneador , com a organização da factualidade Assente e da Base Instrutória da causa, foi finalmente realizada a audiência de discussão e julgamento, sendo que, proferido o despacho com a factualidade apurada, sem reclamações, proferiu o tribunal a quo sentença cujo excerto decisório foi do seguinte teor ;
“4- DECISÃO
Pelo exposto, julga-se a acção parcialmente procedente e, consequentemente, condena­-se o Réu a pagar ao Autor A. a quantia de € 5.000.000 (cinco mil euros), absolvendo-se o mesmo do restante pedido.
Custas pelos Autores e Réu na proporção do decaimento.
Registe e notifique. “.
Inconformados , vieram os autores A, B e C , da referida sentença interpor recurso de apelação, formulando na respectiva peça recursória as seguintes conclusões:
- Resulta suficientemente provado nos autos que o nome do recorrente foi incluído na listagem de utilizadores de risco do Banco de Portugal entre os dias 02.10.2006 e 13.10.2006, momento que igualmente coincide com a decisão de rescisão da convenção do uso de cheque tomada pelo banco demandado e por este comunicada ao Banco de Portugal e ao mercado bancário em geral, o que determinou o envio de cartas dirigidas por diversos bancos aos recorrentes, a partir do dia 02.10.2006, a mencionarem quer a rescisão da convenção de uso de cheque e a sua inibição em relação a todos os recorrentes, quer a inclusão do recorrente principal naquela listagem.
- Resulta igualmente provado que os factos lesivos se iniciam com o momento do conhecimento da emissão de um cheque sem provisão, em 24.08.2006, por causa do saque sobre uma conta bancária referente a uma sociedade comercial do recorrente, de que este era sócio e gerente, e que só poderia ser movimentada, obrigatoriamente, com a aposição da sua assinatura (que não constava no referido cheque dos autos) ;
- Os factos lesivos foram aumentados a partir do dia 02.10.2006, data em que o banco demandado comunicou ao recorrente que iria rescindir a convenção do uso de cheque e incluí-lo na listagem de utilizadores de risco do Banco de Portugal, o que se veio a revelar verdadeiro a partir desse dia (ainda que esse dia fosse também o último dia do prazo para regularização do dito cheque, alcançada e cumprida, apesar de tudo, pelo seus ex-sócios no prazo limite fixado para essa mesma data .
- O montante lesivo determinado na decisão recorrida é insuficiente para cumprir a função de compensação do lesado e a de punição do banco lesante pelos comportamentos graves verificados e os prejuízos demonstrados, o que implica uma errada avaliação dos factos e uma consequentemente errada interpretação do direito aplicável, designadamente, das regras contidas nos artigos 483°, 484° e 496° do Código Civil.
- Conclui-se também que a decisão impugnada não valorou adequadamente o facto de os demais recorrentes terem sido incluídos, através de contas pessoais totalmente independentes da conta da sociedade comercial em que fora sacado o cheque sem provisão, e colocados em situação ilegal e abusiva de inibição de utilização de cheques, à revelia do regime normativo aplicável e que, mais especificamente, consta do artigo 1º , nºs 1 e 3, do Decreto-Lei n° 454/91, de 28 de Dezembro, que apenas prevê a extensão dos efeitos da rescisão aos demais co-titulares da conta bancária com saque irregular; o que foi suficiente para lhes criar prejuízos assentes na vergonha, na tristeza e na afectação do seu bom nome e reputação, bem visíveis pela negação de crédito bancário, ocorrida por essa altura, em que precisavam de contrair um empréstimo para permitir ao recorrente filho mais velho completar uma qualificação de um avião, enquanto piloto profissional acabado de se licenciar, o que, dito por várias testemunhas aconteceu e só foi ultrapassado por generosidade de seu futura mulher e família desta.
- Conclui-se, finalmente, que a decisão impugnada negou aos demais recorrentes o direito a indemnização, do mesmo modo que ignorou o preenchimento dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual que o caso exige e que estão consignados nos artigos 483°, 494° e 496° do CC, onde encontram expressa previsão legal.
- Nos termos sobreditos, deve ser admitido o presente recurso acompanhado da respectiva motivação, e revogada a decisão recorrida, no sentido de permitir aos recorrentes a atribuição e a quantificação de uma importância justa, equitativa e adequada à gravidade das lesões sofridas e aos factos que as determinaram .
Em sede de contra-alegações, ao invés, considera o apelado Banco E ,SA, que a sentença não merece qualquer censura, a que acresce que, na sua óptica, não se justifica de todo a aparente alteração de matéria de facto dada como provada , pois que , não apenas não indicam os apelantes quais os factos que consideram mal “julgados” e que pretendem impugnar, como ademais não referem sequer quais as alterações que em concreto se devem introduzir.
Em suma , considera o apelado que , em face da factualidade fixada pelo tribunal a quo, nada justifica a alteração da sentença apelada , que assim se deve manter, não sendo v.g. devida qualquer indemnização aos apelantes B e C , e mostrando-se a fixada ao apelante A bem doseada pelo tribunal a quo em face dos factos provados, razão porque se impõe negar provimento ao recurso e, consequentemente, deve manter-se a decisão proferida pelo tribunal a quo .
*
Thema decidenduum
1.1. - Colhidos os vistos, cumpre decidir, sendo que , estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões da alegação dos recorrentes (cfr. artºs. 684º nº 3 e 685º-A, nº 1, do Cód. de Proc. Civil - daí que as questões de mérito julgadas que não sejam levadas às conclusões da alegação da instância recursória , delas não constando, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal ad quem ), sem prejuízo do disposto na última parte do n.º 2 do art.º 660º do mesmo Código, as questões a decidir resumem-se a saber:
I - Se deve analisar-se a possibilidade de este Tribunal introduzir uma qualquer modificação/alteração da decisão do tribunal de 1.ª instância sobre a matéria de facto.
II - Se a sentença apelada procedeu a uma errada avaliação dos factos e uma consequentemente errada interpretação do direito aplicável, designadamente, das regras contidas nos artigos 483°, 484° e 496° do Código Civil, sendo a indemnização fixada e atribuída ao apelante A insuficiente para cumprir a função de compensação do lesado e a de punição do banco lesante.
III - Se a sentença apelada procedeu a uma deficiente avaliação dos factos e a uma e consequentemente errada interpretação do direito aplicável, designadamente das regras contidas nos artigos 483°, 484° e 496° do Código Civil, ao não atribuir aos apelantes B e C uma qualquer indemnização .
*
2.Motivação de Facto.
Pelo tribunal a quo foram considerados provados os seguintes factos :
2.1.- Em 24.08.2006 o Autor A recebeu a comunicação do Réu , cuja cópia se encontra a fls.12 dos autos, com o assunto " Regularização de cheque devolvido", nos termos da qual o Autor deveria proceder à regularização do cheque nº 161..., relativo à conta nº ………, até 02.10.2006 ;
2.2. - Em 07.09.2006 o Autor A solicitou ao E , agência do ..., através da carta de fls. 16 dos autos, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido, por este recebida em 08.09.2006, que lhe fosse enviada uma cópia do cheque nº 161..., no valor de € 4.231,46 ;
2.3.- O Réu não respondeu à carta referida em 2.2. ;
2.4.- Em 2 de Outubro de 2006 o Réu enviou ao Autor A a carta cuja cópia se encontra a fls. 18 dos autos, nos termos da qual lhe comunicou a rescisão da convenção do uso de cheque relativa à conta nº ……. ;
2.5.- Em 11 de Outubro de 2006 o Réu enviou ao Autor A a carta cuja cópia se encontra a fls. 19 dos autos, nos termos da qual lhe comunicou a rescisão da convenção do uso de cheque por inclusão na listagem de utilizadores de cheque que oferecem risco divulgada pelo Banco de Portugal, relativa à conta ……. ;
2.6.- Em 11 de Outubro de 2006 o Réu enviou ao Autor A a carta cuja cópia se encontra a fls. 20 dos autos, da qual consta:
"Assunto: Conta nº …….
Informamos V. Ex.ª de que a conta em epígrafe de que é co-titular deixou de poder ser movimentada através de cheques, pelo que não serão disponibilizados mais módulos de cheques para a referida conta.
Mais se informa que, para além de outras formas (cartão multibanco, transferência, etc.), aquela conta pode ser movimentada através de talão de levantamento ou de cheque “;
2.7.- Em 11 de Outubro de 2006 o Réu enviou ao Autor C a carta cuja cópia se encontra a fls. 21 dos autos, da qual consta:
"Assunto: Conta n.º……. .
Informamos V. Ex." de que a conta em epígrafe de que é co-titular deixou de poder ser movimentada através de cheques, pelo que não serão disponibilizados mais módulos de cheques para a referida conta.
Mais se informa que, para além de outras formas (cartão multibanco, transferência, etc.), aquela conta pode ser movimentada através de talão de levantamento ou de cheque bancário." ;
2.8.- Em 6 de Outubro de 2006 a Caja Duero enviou ao Autor A a carta cuja cópia se encontra a fls. 22 dos autos, da qual consta:
"Nos termos do disposto no n ° 2 do Art 3° do D/L 316/97 de 19 de Novembro, informa-se que nesta data procedemos à rescisão da convenção do cheque celebrada com V. Exª respeitante a todas as contas D.O. existentes neste Banco, porquanto o nome de V. Exª figura nas listagens dos utilizadores de cheque que oferecem risco do Banco de Portugal. ;
Em consequência do exposto, deve V. Ex." proceder à devolução dos módulos de cheques fornecidos e não utilizados, no prazo de 10 dias úteis, contados a partir do terceiro dia posterior ao registo desta carta ou do primeiro dia útil seguinte se aquele o não for, junto do Balcão de domicílio da conta, não lhe sendo permitido sacar cheques sobre a Caja de Ahorros de Salamanca Y Soria (Caja Duero) ou qualquer outra instituição, excepto cheques avulso visados ou não, nos termos do Artº 6º do Diploma supra citado, consoante se destinem a pagamentos ou simples levantamentos. Esclarece-se que V. Exª poderá movimentar a conta através dos meios que lhe estão disponibilizados para o efeito.
Por último, solicita-se que indique se e quais cheques foram emitidos por V. Exª ou outro titular, sobre esta conta em data anterior a recepção da presente notificação.";
2.9.- Tais notificações tiveram na sua base a comunicação do Réu E ao Banco de Portugal da não regularização do cheque n° ….., informação essa divulgada informaticamente pelo Banco de Portugal a todas as entidades bancárias ;
2.10.- A conta nº ….., a que pertence o cheque n.º 161... era titulada pela sociedade C… Instalações …., Lda., da qual o Autor A era sócio gerente ;
2.11.- A Autora B enviou ao E , agência d….. , em 02.08.2006, o fax cuja cópia se encontra a fls. 33 dos autos, do qual consta:
" (…) informo que, hoje, dia 2 de Agosto de 2006, pelas 10h e 30m, logo após ter sido contactada, via telefone particular 00000000, pela Dr. …., do E , ..., fiz questão de transmitir, imediatamente, a referida informação, ao Sr. ….., também gerente da já referida firma, em funções, visto o meu esposo se encontrar há cerca de três meses, de atestado médico e incapacitado psiquicamente.
Após duas tentativas efectuadas de telemóveis privados, que resultaram infrutíferas, só pelas 10h e 41 m, consegui o referido contacto, através do telemóvel de empresa do meu esposo, tendo então informado o Sr. Gerente …., das várias tentativas infrutíferas de contacto do E , …., com a empresa C….." ;
2.12.- A assinatura do Autor não constava do cheque nº 0000000 ;
2.13.- Correu termos no Tribunal do Comércio de Lisboa, 3° Juízo, sob o n° 0000, um processo de insolvência, no âmbito do qual foi proferida a decisão de fls. 28 a 32 dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido ;
2.14.- Em 9 de Outubro de 2006 o Autor A enviou à Ré a carta cuja cópia se encontra a fls. 45 dos autos, por esta recebida em 10.10.2006, cujo teor se dá por integralmente reproduzido ;
2.15. - Face à ausência de resposta por parte da Ré relativamente à reposição da convenção do uso do cheque o Autor A recorreu ao Banco de Portugal para que a informação lhe fosse directamente prestada ;
2.16. - Em 16/10/2007 o Banco de Portugal remeteu ao Autor A a carta cuja cópia se encontra a fls. 48 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, nos termos da qual informou o Autor A que o Réu já havia solicitado que fosse considerada sem efeito a comunicação que enviara em nome do Autor e, nessa medida, procederam à reposição da situação mediante a exclusão do seu nome da listagem de utilizadores de cheque que oferecem risco, tendo ainda esclarecido que em 13.10.2006 já haviam difundido a mesma informação por todas as instituições de crédito que deveriam considerar desprovidas de efeito a rescisão de convenção do uso de cheques ;
2.17.- Em 28 de Setembro de 2007 o Autor A remeteu à Ré a carta cuja cópia se encontra a fls. 50, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, à qual o Réu não respondeu ;
2.18.- Em 08.01.2008, depois de instado em 20.12.2007 pelo Autor A sobre o significado das nomenclaturas "DR" e "IS" apostas como débitos sobre a conta n.º 0000000 (constante do registo mensal de movimentos do mês de Outubro de 2006), a Ré E informou que "reanalisadas as circunstâncias que levaram à rescisão acima referida " iam proceder ao estorno dos valores em causa ;
2.19.- A Ré , atenta a identidade da cliente e o montante do cheque, não procedeu à conferência das assinaturas;
2.20.- Por ter estado de baixa médica por períodos sucessivos desde o dia 11.05.2006 (sempre fixadas por tempo indeterminado - e que o obrigaram a internamento), só em 07.09.2006 o Autor A tomou conhecimento do conteúdo da comunicação referida em 2.1. ;
2.21.- O Autor D recebeu uma comunicação do Réu sob o assunto "Conta nº 0000000", que informava que a conta em referência, de que era co-titular, havia deixado de poder ser movimentada através de cheques e, por esse motivo, não seriam disponibilizados mais módulos ;
2.22.- O Autor A por se encontrar incapacitado desde Maio de 2006 de exercer funções na sociedade "C….desconhecia que havia sido emitido o cheque que originou a sua inclusão na listagem de utilizadores de cheque que oferecem risco divulgada pelo Banco de Portugal ;
2.23.- O Cheque nº 0000000 foi regularizado no prazo estabelecido na notificação referida em 2.1 ;
2.24.- Na sequência do facto referido em 2.1. o Autor A foi visto pelas várias instituições de crédito como um utilizador de cheque que oferecia risco ;
2.25.- A aposição do nome do Autor A na listagem de utilizadores de cheques que oferecem risco, provocou-lhe grande vexame ;
2.26.- Os factos que ocorreram provocaram aos AA. um forte abalo psicológico, tendo inclusivamente contribuído para o agravamento do estado depressivo do Autor A ;
2.27.- Os estados emocionais dos AA. alteraram-se substancialmente ;
2.28.- Em consequência dos factos que constam de 2.1., 2.4, 2.5, 2.6., 2.7. e 2.21. os Autores ficaram ansiosos, revoltados e deprimidos ;
2.29.- A Autora é professora no último escalão;
2.30.-Em 17 de Agosto de 2006 o cheque nº 161... foi apresentado a pagamento por P…., S.A. sobre a conta 0000000000 da C….. no Banco Réu, cheque esse emitido a favor de C. & L., Lda., mas endossado à referida P. , S.A. ;
2.31.- O cheque foi imediatamente devolvido ao portador a fim de poder ser reapresentado a pagamento ;
2.32.- Em 9 de Outubro de 2006 , o cheque referido em 2.30 é reapresentado a pagamento ;
2.33.- As condições de movimentação da conta sacada, aberta em 02.04.2002, foram alteradas em 21.06.2004 em termos de ser “sempre obrigatória a assinatura do Autor A ;
2.34.- As comunicações referidas em 2.1., 2.4, 2.5, 2.6. e 2.7. , são geradas automaticamente incluindo as assinaturas nelas apostas .
*
3.- Da Impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
No segmento alegatório do requerimento recursório, prima facie ( ao procederem à indicação/reprodução de algumas passagens de depoimentos de testemunhas - v.g. de EC..., HG... e BM... ) pretendem os apelantes impugnar a decisão relativa à matéria de facto, visando que o tribunal ad quem proceda a uma reapreciação da prova gravada, maxime na parte referente aos depoimentos prestados em audiência de julgamento pelas referidas testemunhas, em conjugação outrossim com a prova documental carreada para os autos e que indicam
É que, na óptica v.g. dos apelantes B e C , os depoimentos das referidas testemunhas permitirão ao tribunal ad quem alterar “ (…)a decisão recorrida quer quanto à consideração que parte do pressuposto que a família não teve qualquer prejuízo relevante, por um lado, quer quanto à questão do encerramento da banca e do crédito relativamente a todos os recorrentes, fruto do episódio E , por outro lado .”
Algo timidamente e implicitamente, suscita a apelada ( em sede de contra-alegações) a questão prévia da rejeição da impugnação referida, maxime em face do incumprimento pelos apelantes do ónus a que alude o artº 685º-B, nº 1, do CPC, razão porque, na sua óptica, se impõe atender em sede de instância recursória à base fáctica em que a decisão apelada assenta.
É que, no entendimento do apelado, não procederam os apelantes, como obrigados estavam , à identificação de quais os pontos concretos da matéria fáctica que, na sua óptica, consideram mal assentes e pretendem impugnar, e não referem ainda quais as alterações que concretamente defendem e submetem em recurso.
Ora bem.
Sendo inquestionável que o legislador consagrou, com as reformas no processo civil desencadeadas a partir de 1995 ( maxime com o DL nº 39/95, de 15/2), um efectivo segundo grau de jurisdição em sede de apreciação da matéria de facto, passando doravante a 2 dª instância a dispor de efectivos e ampliados poderes no que ao julgamento daquela concerne, para que tal suceda carece porém o recorrente de observar/cumprir determinadas regras processuais, a que acresce (para que a modificação da matéria de facto seja possível) a necessidade de verificação de determinados pressupostos.
Assim [ cfr. artº 685-B, nº1, alíneas a) e b),do CPC ] e em primeiro lugar, deve o recorrente, obrigatoriamente, especificar , sob pena de rejeição : a) quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo de gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
E , quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados e seja possível a identificação precisa e separada dos depoimentos, nos termos do disposto no nº 2 do artº 522º-C, incumbe ainda ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda ( cfr. nº 2, do artº 685º-B, do CPC ) .
Depois, exigível é, outrossim, que se constate verificar-se qualquer um dos pressupostos previstos no artº 712º, nº1, alíneas a), b) e c), do CPC, a saber : a) constarem do processo todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 685.º-A, a decisão com base neles proferida ; b) resultar dos elementos fornecidos pelo processo, necessariamente, prolação de decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas; c) ter o recorrente apresentado documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou.
Finalmente, necessário é ainda ( elemento/pressuposto tácito/implícito ) que o apelante indique qual o sentido diverso ( se provado, se não provado, se uma resposta restritiva ) da decisão impugnada quanto aos concretos pontos de factos indicados e a que conduz necessariamente a reavaliação dos meios de prova que indica .(1)
Ora , dito isto, compulsados os autos e analisada a peça recursória dos apelantes, importa reconhecer (tal como o refere o apelado ) que , em lugar algum, quer das alegações, quer sobretudo das conclusões da apelação, indicam os apelantes quais os concretos pontos de facto relativamente aos quais pretendem que o tribunal ad quem profira uma decisão diversa ( de provado, ao invés de não provado e/ou vice versa) da impugnada, considerando-os incorrectamente julgados pelo tribunal a quo, não indicando outrossim e por arrastamento , nos mesmos locais, quais as diferentes respostas que pretendem que o tribunal ad quem ( após a reapreciação da prova indicada ) profira.
Tudo aponta e transparece pois da peça recursória dos apelantes, que se limitam eles , porque discordam no essencial da apreciação jurídica que o tribunal a quo efectua relativamente à factualidade assente , isto por um lado e, por outro, porque almejam uma nova ponderação - efectiva e universal - da prova produzida, a impetrar que nela descubra o tribunal ad quem a verificação de factualidade suficiente e necessária para sustentar e justificar a procedência da acção designadamente quanto aos apelantes M... e E..., ou seja, o preenchimento dos pressupostos da responsabilidade civil pretensamente extracontratual .
Sucede que, como vimos supra, e resulta expressamente do nº1, do artº 685º-B, do CPC , em sede de duplo grau de jurisdição em matéria de facto, não é o tribunal da Relação um segundo tribunal de 1ª instância, mas um tribunal de 2ª instância com competência que se pretende residual, visando-se tão só a reapreciação de determinados aspectos da matéria de facto em relação aos quais pelo menos uma das partes esteja em desacordo (2).
Daí que, como é entendimento unânime do Supremo Tribunal de Justiça (3) , “ (…) a garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência , visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso .
Temos assim que, em face do exposto, e porque apesar de tudo não cumprem os apelantes, em sede de impugnação da decisão relativa à matéria de facto, o ónus a que alude o art.º 685º-B, nº2, do Cód. de Processo Civil, o que, além de comprometer outrossim o exercício do contraditório a que se refere o nº 3, da citada disposição legal, tudo importa/acarreta inevitavelmente a rejeição da impugnação da decisão do tribunal a quo sobre a matéria de facto (4) .
Acresce que, como é doutrina e jurisprudência dominantes (5), não existe sequer neste âmbito a possibilidade de prolação de um despacho de aperfeiçoamento (5) - cfr. artº 685º-B, nº1, e 2, do CPC.
É que, tal como o considerou já o Tribunal Constitucional - in Ac. nº 259/02, Consª. Helena Brito), a admitir-se o despacho de aperfeiçoamento, tal “ equivaleria, no fundo, à concessão de um novo prazo para recorrer, que não pode considerar-se compreendido no próprio direito ao recurso “.
Em conclusão, deve, assim, permanecer intocável a decisão do tribunal a quo relativa à matéria de facto, rejeitando-se, em consequência ( cfr. artº 685º-B, nº1, do CPC ), a apelação dos autores no que à aparente impugnação daquela diz respeito.
*
4.- Motivação de Direito.
4.1.- Se a sentença apelada procedeu a uma deficiente avaliação dos factos e a uma e consequentemente errada interpretação do direito aplicável, designadamente das regras contidas nos artigos 483°, 484° e 496° do Código Civil, sendo a indemnização fixada e atribuída ao apelante A insuficiente para cumprir a função de compensação do lesado e a de punição do banco lesante.
Antes de mais, importa precisar que, tal como se mostra na presente acção configurada a relação material controvertida, sobretudo pelo autor/apelante AS..., manifesto é que in casu a procedência da respectiva pretensão exigia a verificação/prova dos pressupostos de uma obrigação de indemnização, assente em responsabilidade civil obrigacional, porque ancorada em ilícito contratual relacionado com alegado incumprimento pelo apelado de deveres a que estava ele obrigado para com o primeiro no âmbito de um contrato de depósito bancário entre ambos outorgado, e do qual resultou outrossim uma convenção de cheque (através do qual o réu/apelado devia permitir ao apelante, como depositante, o acesso a fundos disponíveis em determinada conta). (6)
A apontada precisão, revela-se pertinente pois que, como é sabido, sendo praticamente coincidentes os pressupostos (acto ilícito, culpa, dano/prejuízo e causalidade) da obrigação de indemnização, quer decorra ela de ilícito contratual ( inexecução de obrigação ), ou não , e não olvidando o disposto no artº 342º, nº1, do CC, o certo é que, no âmbito do primeiro ( responsabilidade contratual) , não tem já o credor de provar o pressuposto da culpa - apesar de se tratar de um elemento constitutivo do alegado direito à indemnização - ,verificando-se relativamente ao mesmo a inversão do ónus da prova em resultado da existência de uma presunção legal ( cfr. artºs 344º, nº1, 350º e 799 º, nº1, todos do Cód.Civil ).
É que, numa acção ancorada em responsabilidade obrigacional, presumindo a lei a culpa do devedor em sede de inexecução da obrigação, não é o credor que tem de provar que o devedor procedeu com culpa, antes é este último que tem de provar que não houve culpa da sua parte ( cfr. artº 799º,nº1, do Cód.Civil ).
A propósito, e precisamente com interligação outrossim com a violação por entidade bancária de diversos deveres acessórios de conduta a que por via de contrato de depósito e respectiva convenção de cheque celebrados com o depositante está o Banco vinculado, tem o Supremo Tribunal de Justiça vindo a sustentar, de uma forma praticamente unânime, que a eventual obrigação de indemnização decorrente da violação dos apontados deveres há-de mover-se necessariamente no âmbito da responsabilidade contratual, que não delitual ou aquiliana . (7)
De resto, como bem sustenta Almeno de Sá (8), sendo de alguma forma por vezes problemática a identificação do exacto fundamento jurídico capaz de alicerçar uma qualquer censura de comportamentos incorrectos do banco e prejudiciais para o cliente, a resposta adequada há-de partir da ideia-base, assente numa correcta hermenêutica jurídico-negocial, de que, desde a abertura de uma conta, passa a existir, entre a instituição bancária e o cliente, uma relação contratual e da qual emergem diversos deveres para ambos, o que tudo em última análise caracteriza uma relação contratual bancária “.
Ou, dito de uma outra forma (9), iniciado um relacionamento bancário, normalmente através da abertura de conta, passa doravante a existir uma relação bancária geral - contrato duradouro entre o banqueiro e o cliente - , que tem origem contratual, pois que as partes o quiseram e exteriorizaram vontades livres e válidas nesse sentido. Assim como não devemos ficcionar a existência de contratos, também não devemos remeter para a lei fenómenos que, manifestamente, ocorrem por opção livre e jurígena das partes, na área da sua autonomia provada. Naturalmente : consumado o acordo básico, há todo um conjunto de regras - legais , usuais ou assentes em cláusulas contratuais gerais - que, depois, encontram aplicação . A natureza contratual não se perde, por isso. “
Dito isto, importa outrossim considerar como questão/matéria assente , fora portanto do objecto da presente instância recursória ( cfr. artº 684º do CPC ) , que no que concerne ao apelante A não se impõe a este Tribunal aferir da efectiva verificação de todos os pressupostos do dever de indemnizar no contexto da responsabilidade civil contratual , a saber: a existência de um facto, a ilicitude do mesmo, a existência de culpa e de um dano , e ainda a verificação do nexo de causalidade entre o facto ilícito ( e culposo) e os prejuízos, tudo cfr. artigos 496º, 483º , 562º a 564º e 799º, todos do Código Civil (10) .
É que, no essencial, além de reconhecer o apelado E a verificação de todos os referidos pressupostos ( pois não apenas da decisão do tribunal a quo não interpôs a competente apelação, como ainda em sede de contra-alegações impetra a sua manutenção), insurge-se apenas o autor/apelante A contra o quantum fixado pelo tribunal a quo no que à indemnização que lhe é devida para ressarcimento dos danos não patrimoniais sofridos diz respeito, sustentando que o montante de € 5.000.00 - fixado na decisão recorrida - é insuficiente para cumprir a função de compensação do lesado e a de punição do banco lesante pelos comportamentos graves – que sofreu - verificados e os prejuízos demonstrados.
Terá o apelante razão ?
Vejamos.
Para justificar o referido montante, teceu o tribunal a quo as seguintes considerações :
(…)No caso dos autos, é patente que o grau de culpabilidade do Banco Réu é elevado, configurando um caso de negligência grosseira.
Por outro lado, a sua situação económico-financeira é, notoriamente, muito robusta. Quanto à situação económica do lesado pode e deve ser considerada remediada, considerando que se trata de um engenheiro, não se tendo provado que a situação decorrente da inclusão do seu nome na listagem de utilizadores de cheque que oferecem risco tenha atingido a sua reputação como empresário, nem que na altura o Autor A necessitasse de recorrer ao crédito por causa da insolvência da sociedade " C…., Lda.".
Resta considerar, mais de perto, as circunstâncias específicas do caso concreto.
O Autor A nada teve a ver com a emissão do cheque dos autos, que não subscreveu, sendo que as condições de movimentação da conta obrigavam a que fosse “sempre obrigatória” a assinatura daquele Autor.
O cheque foi regularizado atempadamente.
A aposição do nome do Autor A na listagem de utilizadores de cheques que oferecem risco, provocou-lhe grande vexame, um forte abalo psicológico, tendo inclusivamente contribuído para o agravamento do seu estado depressivo, verificando-se uma alteração substancial do seu estado emocional, ficando o Autor ansioso, revoltado e deprimido.
Aspecto importante a considerar é o facto do Autor A só ter tido o seu nome incluído na listagem dos utilizadores de cheque que oferecem risco durante o dia 12 de Outubro de 2006, ou seja, um dia apenas, como resulta em termos inequívocos do teor da carta que em 16.10.2007 o Banco de Portugal remeteu ao Autor A (cfr. fls. 48).
Perante este quadro factual, e tendo presente que a indemnização por danos não patrimoniais também deve desempenhar uma função punitiva - o que, tratando-se duma instituição bancária que, nos últimos anos, tem registado, sistematicamente, lucros crescentes ( facto notório e, portanto, não carecido de alegação, nem de prova: art. 514°-1 do CPC), reclama que o seu montante seja minimamente significativo, sob pena de não cumprir o seu desiderato moralizador - tem-se por adequado fixar em € 5.000,00 (cinco mil euros) a indemnização devida ao Autor A , a título de danos não patrimoniais.
Em face do referido excerto da decisão apelada, prima facie e indubitavelmente tudo aponta para que o tribunal a quo apenas tenha valorado ( negativamente é certo ), o comportamento incorrecto do Banco apelado quando age de modo - mas sem fundamento - a que o nome do apelante A venha a ser incluído na listagem dos utilizadores de cheque que oferecem risco, e ainda assim , apenas durante o dia 12 de Outubro de 2006.
Sucede que, como bem nota o apelante A em sede de alegações, e sem que para o efeito tenha ele contribuído com qualquer facto, diversos foram (que sucederam ao longo de mais de um mês) os comportamentos incorrectos - por acção e omissão - do banco apelado, todos eles prejudiciais para o cliente/apelante, e todos eles contrários e violadores da obrigação que sobre o banco impendia de, actuando com diligência e profissionalismo, acautelar, acompanhar, promover e vigiar os interesses do apelante/cliente e depositante A , como tudo decorre com manifesta evidência da factualidade inserta designadamente nos itens 2.4., 2.5., 2.6., 2.20 e 2.24 a 2.28.
Senão, vejamos.
Começa o apelante A por, em 7/9/2006, tomar conhecimento que o Banco apelado lhe comunicara - sem fundamento - que deveria proceder à regularização ( porque devolvido ) do cheque nº 161..., relativo à conta nº 0000000000 , até 02.10.2006 , sob a ameaça de inclusão do respectivo nome na listagem de utilizador que oferece risco divulgada pelo Banco de Portugal ( itens 2.1. e 2.20 da motivação de facto ).
Porque não havia emitido o referido cheque ( cfr. item 2.12 da motivação de facto ), em 07.09.2006 o Autor A solicita ao E/apelado que lhe fosse enviada uma cópia do cheque nº 161..., no valor de € 4.231,46, pois que relativamente à respectiva emissão era alheio .
O E , porém, não apenas não responde ao autor apelante , como a 2 de Outubro de 2006 envia ao Autor A uma nova carta , nos termos da qual lhe comunica agora a rescisão da convenção do uso de cheque relativa à conta nº 000000 ( itens 2.2., 2.3. e 2.4. da motivação de facto ), pois que alegadamente não havia ele/apelante demonstrado a regularização do referido cheque ( o que também não correspondia à verdade , tal como resulta da factualidade inserta no item 2.23 da motivação de facto do presente Acórdão ).
E , já a 11 de Outubro de 2006 , e mais uma vez sem responder a duas outras cartas anteriores do apelante AS... ( cfr. factualidade inserta nos itens 2.14, 2.17., 2.5. e 2.6. da motivação de facto ) , e nas quais este insiste em ser alheio aos factos que lhe são apontados, volta novamente o E “à carga“, comunicando-lhe agora a rescisão da convenção do uso de cheque por inclusão na listagem de utilizadores de cheque que oferecem risco divulgada pelo Banco de Portugal, relativa à conta 000000000 e informando-o que a conta em apreço deixava de poder ser movimentada através de cheques, razão porque não mais lhe seriam disponibilizados módulos de cheques para a referida conta.
É então que o apelante A , vendo-se obrigado a recorrer directamente ao Banco de Portugal ( cfr. itens 2.15 e 2.16 da motivação de facto ) , vem finalmente a ver reconhecida a sua razão, pois que em 16/10/2007 o Banco de Portugal remete-lhe uma carta informando-o que o Réu já havia solicitado que fosse considerada sem efeito a comunicação que lhe enviara em nome do Autor e, nessa medida, procederam à reposição da situação mediante a exclusão do seu nome da listagem de utilizadores de cheque.
Temos assim que, circunscrever o calvário do apelante A ao número de dias ( 1, 2 ou 3, o que para o efeito é irrelevante ) em que o respectivo nome esteve injustamente incluído na listagem de utilizadores de cheque que oferecem risco divulgada pelo Banco de Portugal, é algo redutor, não se atendendo a todo o tempo em que o apelante A despendeu lutando para que , de alguma forma, fosse pelo Banco apelado reparada a injustiça praticada no que concerne à ofensa ao seu bom nome , maxime como sendo um utilizador de cheque que oferecia risco.
Ora, como resulta do artigo 496º do Código Civil, e não existindo fundamento legal que obste, no âmbito da responsabilidade contratual, à plena consagração, tanto do princípio da ressarcibilidade dos danos não patrimoniais , como do critério da fixação equitativa da indemnização correspondente [ cfr. art. 496º, nº 3, do Cód.Civil (11) ] , em face do supra exposto, importa atender a toda a factualidade supra referida para aferir dos danos não patrimoniais a compensar/reparar , sendo eles todos aqueles que , pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
Cabe, portanto, ao tribunal, caso a caso, distinguir os danos merecedores ou não de tutela jurídica, devendo o montante da respectiva indemnização ser sempre calculado segundo critérios de equidade ( que nada tem que ver com arbitrariedade ), conforme o disposto no. artº 496º, nº 3, do Cód.Civil , e atendendo designadamente ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e a do lesado, e ser proporcionado à gravidade do dano, tomando em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida.
Essencial é que , na óptica de Vaz Serra (12), o dano assuma gravidade , excluindo-se, assim, os danos insignificantes, destituídos de gravidade que justifique a sua compensação pecuniária , sendo que, como refere Dário Martins de Almeida ( in Manual dos Acidentes de Viação, 128 ) o sofrimento será grave , portanto ressarcível pecuniariamente , sempre que o seu diagnóstico , em termos razoáveis, possa revelá-lo, como inexigível, do ponto de vista da resignação.
Tal equivale a dizer que o dano moral concreto , merecedor de tutela jurídica, deverá emergir de factualidade concreta que o revele de uma forma clara e consistente, designadamente que o demonstre em termos de gravidade, dimensão , repercussão e sua duração .
Por regra, como se refere no Ac. do STJ de 24 de Maio de 2007 (13), os danos não patrimoniais estão relacionados com situações de sofrimento ou dor, física ou moral, provocados por ofensas à integridade física ou moral duma pessoa, podendo concretizar-se, por exemplo, em dores físicas, desgostos por perda de capacidades físicas ou intelectuais, vexames, sentimentos de vergonha ou desgosto decorrentes de má imagem perante outrem, estados de angústia, etc., não devendo como tal serem consideradas as simples contrariedades ou incómodos .
Concluindo, como bem se refere no citado Ac. S.T.J. de 2007, apenas justificará a necessidade de reparação o sofrimento que “(…) sai da mediania, que ultrapassa as fronteiras da banalidade (…), ou que , “(…)no seu mínimo, espelha a intensidade duma dor, duma angústia, dum desgosto, dum sofrimento moral que, segundo as regras da experiência e do bom senso, se torna inexigível em termos de resignação.”
Postas estas breves considerações, da factualidade provada emerge – manifestamente - que o autor/apelante A , na sequência do facto referido em 2.1. foi visto/olhado por várias instituições de crédito como sendo um utilizador de cheque que oferecia risco, sendo que a colocação do seu nome na listagem de utilizadores de cheques que oferecem risco, provocou-lhe um grande vexame e, ademais, os factos que ocorreram provocaram-lhe um forte abalo psicológico, tendo inclusivamente contribuído para o agravamento do seu estado depressivo.
Mais se provou que o estado emocional do autor AS... se alterou substancialmente e, em consequência dos mesmos todos os supra apontados factos , ficou ansioso, revoltado e deprimido.
Chegados aqui e impondo-se concluir, manifesto é que, por causa do comportamento - que persistiu ao longo de mais de um mês - censurável do Banco apelado - que permaneceu sempre silencioso aos diversos e insistentes alertas e chamadas de atenção do apelante A - , padeceu o apelante A de danos morais concretos, de relativa gravidade, merecedores portanto de tutela jurídica.
No que à correspondente, respectiva e devida indemnização diz respeito, devendo ela ser calculada como vimos supra segundo critérios de equidade, é certo que de há alguns anos a esta parte têm os tribunais superiores vindo paulatinamente a abandonar a prática há muito arreigada de se atribuírem indemnizações miserabilistas para compensar os danos não patrimoniais, como bem nota designadamente o Ac. do STJ de 20/11/2003 (14), o que todavia não equivale a dizer, em contraponto, que a indemnização significativa deva corresponder a uma indemnização arbitrária, pois que “ (…) os tribunais não podem nem devem contribuir para alimentar a noção de que neste domínio as coisas são mais ou menos, aleatórias, vogando ao sabor do acaso ou do arbítrio judicial.”
Tudo visto e ponderado, considerando o grau de culpabilidade do apelado ( negligência grosseira como bem nota o tribunal a quo, e reveladora de incompreensível falta de profissionalismo e diligência , para além de gravemente atentatória da relação de confiança que deve existir entre o depositante e a entidade bancária), a situação económica deste último ( está em causa uma entidade bancária ) , e atendendo finalmente a todas as regras supra expostas, maxime as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida , afigura-se-nos que a indemnização fixada pelo tribunal a quo se revela algo desajustada, por defeito, antes se justificando o respectivo aumento para o valor de € 15.000,00, sendo este mais consentâneo com a gravidade de todo o quadro lesivo provado.
A apelação do autor AS..., portanto, procede parcialmente ( impetrava ele a fixação de uma indemnização de € 50 000,00 ) .
*
4.1.- Se a sentença apelada procedeu a uma errada avaliação dos factos e a uma consequentemente e errada interpretação do direito aplicável, designadamente, das regras contidas nos artigos 483°, 484° e 496° do Código Civil, ao não atribuir aos apelantes B e C , uma qualquer indemnização .
Ambos os apelantes B e C , atacam a sentença apelada , pois que nela não lhes atribuiu o tribunal a quo uma qualquer indemnização por danos não patrimoniais.
É que, consideram ambos, não valorou o tribunal a quo o facto de também terem sido colocados pelo apelado E em situação ilegal e abusiva de inibição de utilização de cheques, à revelia do regime normativo aplicável ,o que foi suficiente para lhes criar prejuízos assentes na vergonha, na tristeza e na afectação do seu bom nome e reputação.
Recordando a decisão apelada, nela justificou o tribunal a quo a não atribuição de uma qualquer indemnização aos primeiros , nos seguintes termos :
“ Em primeiro lugar, porque nenhum deles teve o seu nome incluído na listagem dos utilizadores de cheque que oferecem risco (LUR), como resulta inequívoco da matéria de facto provada.
Em segundo lugar, porque o Banco Réu não pode responder por quaisquer consequências das cartas enviadas pelas outras instituições de crédito, uma vez que, à data da respectiva emissão, ainda não se tinha operado a inclusão do nome do Autor na listagem dos utilizadores de risco por comunicação do Banco Réu .
Por sua vez, o facto dos Autores terem ficado ansiosos, revoltados e deprimidos em consequência das comunicações do Banco Réu, não assume, no caso concreto, uma gravidade que mereça a tutela do direito, nos termos do art. 496°, n° 1, do CC.
(…)
Ora, a ansiedade, revolta e depressão sentidos pelos Autores - que não o Autor A - em virtude das comunicações do Réu Banco a este Autor, não ultrapassam o nível das contrariedades e incómodos irrelevantes para efeitos indemnizatórios, ficando aquém daquele patamar de gravidade superior e suficiente para reclamar compensação.
Na verdade, a ansiedade, revolta e "depressão" provocadas nos Autores como consequência da conduta da ré, não ultrapassa aquele mínimo que, objectivamente, deva ter-se como de suportabilidade exigível, em termos de resignação, nomeadamente quando se trata de familiares da pessoa efectivamente lesada com tal conduta.
Assim postas as coisas, só pode concluir-se pela total improcedência do pedido dos Autores quanto a estes danos.
Ora, compulsada a factualidade assente ( toda a vertida no item 2. da motivação de facto do presente Ac.), não se descortina que outra pudesse ter sido a decisão do tribunal a quo , pois que relativamente a ambos os apelantes B e C , não se descobre nela a verificação cumulativa dos necessários pressupostos da obrigação de indemnizar no contexto da responsabilidade civil contratual e/ou até extracontratual, maxime a existência de facto imputável ao apelado, a ilicitude do mesmo (inexecução de obrigação ou execução defeituosa), a existência de culpa ( ainda que presumida – cfr. artº 799º,nº1, do CC ), a verificação existência de um dano e, bem assim, a constatação do necessário nexo de causalidade ( adequada ) entre o primeiro ( o facto ) e o último ( o dano ).
É assim que, designadamente no que concerne à apelante B, não se descobre sequer na factualidade assente uma qualquer comunicação ( efectuada pelo apelado E ) de inibição de movimentação de conta através de cheques e na qualidade de co-titular da mesma .
Existindo já a apontada comunicação relativamente aos AA C e D ( cfr. itens 2.7. e 2.21, da motivação de facto ) , o certo é que este último, tendo entretanto desistido do pedido, não integra sequer a relação jurídica processual na qualidade de respectivo sujeito/autor.
Já relativamente ao primeiro ( o C ), é certo que foi ele, em 11 de Outubro de 2006 , avisado ( relativamente à Conta nº 2761944 ) pelo banco apelado de que não a poderia mais movimentar através de cheques, razão porque não lhe seriam de futuro disponibilizados mais módulos de cheques .
Em todo o caso, não apenas tal comunicação não é justificada pelo E com a atribuição ( sem fundamento ) ao apelante E... da prática de um qualquer ilícito contratual ou extracontratual, como tal comunicação, por si só, sem mais, não justifica , em termos de causalidade adequada ( cfr. artº 563º, do CC), o dano vertido nos itens 2.26 e 2.28, da motivação de facto ( forte abalo psicológico e depressão ).
Do mesmo modo, e no que concerne a ambos os apelantes B e C, não se descobre na factualidade assente e a fortiori, que relativamente a ambos tenha o apelado E solicitado a respectiva inclusão na listagem de utilizadores de cheque que oferecem risco.
Em suma, bem andou portanto o tribunal a quo em, por não resultar da factualidade provada , relativamente a ambos, a verificação de todos os pressupostos da obrigação de indemnizar, não lhe atribuir uma qualquer indemnização por danos morais.
Concluindo, a apelação dos autores B e C improcede in totum, não merecendo censura quanto a ambos o decidido pelo tribunal a quo, cuja sentença deve assim manter-se.
***
5- Concluindo
a) A obrigação de indemnização a cargo de Instituição Bancária e decorrente do incumprimento de deveres jurídicos emergentes de contrato de depósito bancário, manifestamente, emerge de ilícito contratual/obrigacional.
b) Assim, verificados os pressupostos atinentes a uma inexecução contratual que tenha dado origem a um dano sofrido pelo cliente, e existindo um nexo de causalidade entre ambos, cabe à instituição bancária, para se libertar da obrigação de indemnização, provar que agiu sem culpa, porque cumpriu escrupulosamente com todos os seus deveres ( cfr. artº 799º , nº1, do CC ).
c) Como resulta do artigo 496º do Código Civil, e não existindo fundamento legal que obste, no âmbito da responsabilidade contratual, à plena consagração, tanto do princípio da ressarcibilidade dos danos não patrimoniais , como do critério da fixação equitativa da indemnização correspondente , justifica-se a atribuição de uma indemnização - por danos morais - a cliente que , por incúria e/ou deficiente acautelamento dos respectivos interesses, foi pela entidade bancária incluído na listagem de utilizadores de cheque que oferecem risco.
d) Para tanto, basta que se prove que, em resultado da errada inclusão em listagem de utilizadores de cheque que oferecem risco , tenha o cliente sofrido um dano moral concreto , merecedor de tutela jurídica, emergindo ele de uma forma clara e consistente - em termos de gravidade, dimensão , repercussão e sua duração - da factualidade provada.
*
6. - Decisão.
Em face do supra exposto, acordam os Juízes na 1ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa , em , concedendo parcial provimento ao recurso de apelação apresentado pelos autores A, B e C ,
6.1.- Alterar a decisão do tribunal a quo, condenando­-se o Réu E, S.A a pagar ao Autor A , a título de ressarcimento de danos não patrimoniais, a indemnização/quantia de € 15.000.000 ;
6.2.- Manter no mais a decisão do tribunal a quo , permanecendo portanto o Réu E , S.A , absolvido dos pedidos de B e de C .
*
Custas pelos apelantes e apelada, na exacta proporção do vencido.
***

(1) Vide o Ac. deste Tribunal da Relação , de 21/6/2010, in www.dgsi.pt.
(2) Cfr. Abrantes Geraldes, in “ Temas da Reforma do Processo Civil “, Vol. II, 3ª edição, pág. 266.
(3) Vide, de entre vários outros, os Acs. de 9/10/ 2008 e de 4/11/2010, ambos in www.dgsi.pt.
(4) Cfr. Abrantes Geraldes, in “ Recursos em Processo Civil “, 3ª edição Revista e Actualizada, 2010, pág. 158.
(5) Cfr. Carlos Lopes do Rego, in Comentários ao Código de Processo Civil , Vol. I, 2ª Edição, 2004, pág. 585, citado por Luís Filipe Brites Lameiras, in Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, pág. 118 ; António Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, 2010, pág. 158/9 e F. Amâncio Ferreira, in Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, pág. 157, nota 333).
(6) O contrato de depósito bancário - cfr. Ac. do STJ de 7/5/2009, in Direito Bancário, de Luís Duarte Manso, Quid Júris págs. 229 e segs.- tem como matriz o contrato de depósito previsto na lei civil, de natureza irregular, aplicando-se , subsidiariamente, e se compatíveis com a função específica do depósito, as regras do mútuo.
(7) Vide, de entre outros, os Ac.s de 19/2/2009 e de 7/5/2009, ambos in www.dgsi.pt.
(8) In Direito Bancário , Coimbra Editora, 2008, págs. 17 e segs..
(9) Cfr. Menezes Cordeiro, in “ Manual de Direito Bancário “, 2ª Edição, 2001, Almedina, págs. 377 e segs..
(10) Cfr. Inocêncio Galvão Telles, in “Direito das Obrigações, 3.ª Edição, Coimbra Editora, pág. 277 .
(11) Vide, v.g., neste mesmo sentido, Vaz Serra, in RLJ Ano 108º, pág. 122 ; Galvão Telles, in Direito das Obrigações, págs. 385 e 386 e Pinto Monteiro, in “ Cláusula Penal e Indemnização” , pág. 31.
(12) In B.M.J. , nº 83, pág. 89 e segs.
(13) In http://www.dgsi.pt/jstj
(14) In http://www.dgsi.pt/jstj
***

Lisboa, 10 de Maio de 2011

António Santos (Relator)
Eurico José Marques dos Reis (1ºAdjunto)
Ana Maria Fernandes Grácio ( 2º Adjunto)