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PENHORA
PENHORA DE DIREITOS
ENTIDADE PATRONAL
NOTIFICAÇÃO
PRESUNÇÃO ILIDÍVEL
INVERSÃO DO ÓNUS DA PROVA
Sumário
1. A penhora de vencimentos insere-se na penhora de direitos de crédito e, de acordo com o disposto no artigo 856.º, nº 1 do C.P.C. a penhora de créditos consiste na notificação ao devedor de que o crédito fica à ordem do Tribunal da execução. 2. A pessoa singular ou colectiva indicada como entidade patronal do executado, logo que notificada para iniciar os descontos decorrentes da penhora de um crédito sobre o salário ou vencimento desse seu empregado, tem o dever de dar cumprimento a essas obrigações que sobre si pendem, nos termos do n.º 2 do citado artigo 856º do CPC,, sob pena da cominação prevista no n.º 3, ou seja, de se vir a entender que o devedor reconhece a existência da obrigação nos termos estabelecidos na nomeação do crédito á penhora. 3. Dadas as consequências gravosas decorrentes do efeito atribuído à falta de declaração do terceiro devedor, deverá este ser notificado com a advertência expressa de tais efeitos, sendo aplicáveis a tal notificação as disposições relativas à citação. 4. O reconhecimento da dívida resultante da inacção do terceiro devedor do executado - entidade patronal - nos termos do citado nº 3 do artigo 856.º do CPC assenta numa presunção, ilidível em sede de oposição à execução, vindo a traduzir-se na inversão do ónus da prova. Esta orientação que era já acolhida na doutrina e em alguma jurisprudência, veio a ter expressa consagração no actual nº 4 do artigo 860º do CPC, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 38/2003, de 8 de Março. (Sumário da Relatora)
Texto Integral
ACORDAM OS JUÍZES DA 2ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA
I. RELATÓRIO
“A”-FÁBRICA DE ..., S.A., com sede na Rua ..., nº ..., ..., no P..., veio deduzir, em 01.10.2009, contra BANCO “B”, S.A., com sede na Avenida ..., nº ..., em L..., por apenso ao processo executivo para pagamento de quantia certa, que esta contra si havia deduzido, Embargos de Executado, invocando a falta de título executivo que legitime a interposição da execução que contra si foi deduzida.
Fundamenta a embargante a sua pretensão nos seguintes termos:
1. Compulsada a execução, verifica a executada que a mesma carece em absoluto de qualquer fundamento legal, tendo em conta a ausência de título de executivo que legitime a interposição da presente execução por parte da exequente, “Banco “B”, S.A.”.
2. Com efeito, verifica a executada que a exequente apenas refere que “... tendo sido notificado do despacho de V. Exa. de fls. 212, vem, atento o que do mesmo consta e o que dos mais autos consta...”.
3. Ora, a executada, atenta a ausência de titulo executivo, a breve referência a um despacho proferido por V. Exa. e do demais exposto pela exequente, depreendeu que a presente execução se baseia na falta de descontos no vencimento do seu trabalhador “C”, descontos esses que deveriam ter sido efectuados e que alegadamente não foram realizados por parte da ora executada.
4. No entanto, desde já esclarece a executada que não se recorda de ter sido notificada, por parte desse Tribunal, para proceder a tais descontos, facto que se tivesse ocorrido, certamente não teria a executada deixado de cumprir.
5. Por outro lado e não prescindindo do facto de não se recordar de alguma vez ter sido notificada para proceder a tais descontos, a verdade é que a exequente não junta com a presente execução certidão do despacho que ordena a notificação da executada para que procedesse ao desconto de uma percentagem do salário auferido pelo seu trabalhador,
6. Ou tão pouco junta certidão de onde conste a notificação efectuada à executada do supra referido despacho.
7. Desta forma e atenta a falta de titulo executivo ou de certidão do despacho de notificação à executada para proceder ao desconto do salário do seu trabalhador e do respectivo comprovativo da efectiva notificação à executada, esta não pode opôr-se devidamente à presente execução, pois desconhece em que título executivo a presente execução se baseia, ou sequer tem conhecimento do despacho de fls. 212, dos autos e do que mais nestes consta,
8. Carecendo, assim, a presente execução de título executivo que legitime a sua interposição.
Notificada, veio a exequente, em 22.12.2009, deduzir contestação, propugnando pela improcedência dos embargos, nos seguintes termos:
(…)
1. A presente execução tem por base um título executivo impróprio.
2. Na verdade, como ressalta dos autos de execução apensa, maxime do despacho fls. 210, atento o que consta do anterior despacho de fls. 207, e de fls. 167, 170 e 180 referidos no dito despacho de fls. 207, a executada, ora embargante, não deu cumprimento à notificação que lhe foi feita nos termos e de harmonia com o disposto no citado no artigo 860º, nº 1, do Código de Processo Civil, donde haver lugar à aplicação do disposto no nº 3 do citado normativo legal.
O Tribunal a quo proferiu desde logo decisão final, por entender que seria possível fazê-lo e, por concluir pela existência de título executivo consubstanciado no incumprimento da obrigação que como parte não principal, devedor do executado, a embargante tinha para com a exequente, julgou os embargos de executado nos seguintes termos:
(…) a. Julgo formado o título dado à execução no apenso B, no despacho e sua notificação a “A”,SA provados em D) a F) ; e
b. Julgo parcialmente procedente estes embargos de executado, na parte em que se provar que o pedido formulado na execução apenso B, exceda o não cumprimento por “A”,SA da obrigação de desconto de 1/3 (um terço) do salário de “C”, com preservação do salário mínimo nacional, no período de Abril de 2007 a Agosto de 2010.
Inconformada com o assim decidido, a embargante interpôs recurso de apelação, relativamente à sentença prolatada.
São as seguintes as CONCLUSÕES da recorrente:
i) A intervenção da recorrente no processo de execução movido contra “C” pelo recorrido Banco “B” ocorreu não como exequente ou executada, isto é, não como parte, mas como interveniente acidental.
ii) Sendo a recorrente, naquela execução, apenas uma interveniente processual, é aplicável às notificações que lhe são efectuadas não o artº 255º do CPC, ao contrário do que entendeu a douta sentença recorrida, mas o artº 257º do mesmo diploma legal.
iii) A cominação do mencionado nº 3 do artº 257º do CPC aplica-se apenas ao caso de o destinatário recusar o expediente.
iv) Ora encontra-se provado que a recorrente não recusou o expediente, mas apenas não o recebeu por não se encontrar em casa a quando da entrega do expediente e não o ter ido levantar, o que ocorreu por se encontrar doente e até ter sido hospitalizada.
v) A recorrente não tinha de comunicar ao tribunal a alteração da sua residência e as notificações enviadas 03.06.05 e a 12.12.08 não podem ter-se como efectuadas.
vi) Tendo considerado as notificações em causa como validamente efectuadas, deverá a douta sentença recorrida ser revogada por violação dos artigos 228º-2 e 257º do Código de Processo Civil.
vii) Assim sendo o recorrido Banco “B” não dispõe de título executivo contra a recorrente.
viii) Mesmo que tal se não entenda esse título executivo só existiria relativamente ao período em que a recorrente deveria ter efectuado os descontos no salário do executado “C”, e não os efectuou, e a instauração da execução, isto é, entre Abril de 2007 e até à instauração do requerimento executivo, 17.06.2009, e não quanto à totalidade da dívida do executado “C”, nos termos do artº 860º-3 do CPC como foi decidido na douta sentença recorrida.
ix) E, em qualquer caso, esse título executivo não deveria abranger um terço do salário do “C”, mas tão só a diferença entre esse salário e o salário mínimo nacional em vigor no período em que a recorrente deveria ter procedido aos descontos, nos termos do artº 824º do CPC.
x) A condenação, a ocorrer, só poderia reportar-se ao período em que o executado “C” foi trabalhador por conta da recorrente, isto é, até Março de 2010, inclusive, o que este Venerando Tribunal deverá conhecer.
xi) A douta sentença recorrida violou as mencionadas disposições legais, pelo que deverá ser revogada e substituída por outra em que se declare improcedente a execução por inexistência do título executivo na totalidade, ou inexistência parcial de título executivo, tal como vai alegado a título subsidiário.
A recorrida não apresentou contra-alegações.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II. ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO
Importa ter em consideração que, de acordo com o disposto nos artigos 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do Código de Processo Civil, é pelas conclusões da alegação da recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente,apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
A . Questão prévia / A junção de documentos
Com as suas alegações de recurso, a apelante juntou documentos atinentes ao ofício de 25.03.2010 do Instituto da Segurança Social, invocando que havia sido deferida a “C” a pensão de velhice, com início em 14.12.2009 e a carta de resposta da executada ao Instituto da Segurança Social, datada de 09.04.2010, informando que o aludido funcionário havia cessado funções na empresa em 31.01.2010.
Vejamos se pode ser admitida a pretendida junção dos mencionados documentos.
Na 1ª instância, a possibilidade de junção de documentos que se destinem a servir de meios de prova dos factos alegados como fundamento da acção ou da defesa é cronologicamente delimitada entre o momento da apresentação do articulado em que se alegam os factos correspondentes e o do encerramento da discussão.
Após o encerramento da discussão em primeira instância, a apresentação dos documentos é condicionada à existência de recurso da decisão final, e à demonstração de não ter sido a apresentação possível até ao encerramento da discussão em primeira instância. Tem lugar, conforme se infere da conjugação do disposto nos artigos 652º, nºs 2, al. e)
e 5 e 653º, nº 1, 1ª parte, ambos do CPC, quando terminam os debates sobre a matéria de facto, constituindo como esclarece LEBRE DE FREITAS, CPC Anotado, vol. 2º, pág. 424, um importante momento preclusivo.
Na fase de recurso, a junção de documentos reveste natureza excepcional.
Com efeito, resulta da conjugação do disposto nos artigos 706º, nº 1 e 524º, nºs 1 e 2 do CPC, que as partes só podem juntar documentos, com as alegações, nas seguintes situações:
(1) Se a apresentação não tiver sido possível até esse momento;
(2) Se os documentos se destinarem a provar factos posteriores aos
articulados ou cuja apresentação se tenha tornado necessária
em virtude de ocorrência posterior;
(3)Se a junção só se tornar necessária devido ao julgamento
proferido em 1ª instância - v. neste sentido e entre muitos, Ac. RP
de 17.3.2003, processo nº 0250493, acessível na Internet, no sítio www.dgsi.pt.
No caso vertente, a documentação junta com as alegações de recurso destina-se a demonstrar factos ocorridos em momento posterior à apresentação da oposição à execução, mediante embargos.
E, assim sendo, há que admitir a junção dos aludidos documentos.
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B . O OBJECTO DO RECURSO
Face ao teor das conclusões formuladas a única questão controvertida a solucionar consiste em apurar SE HÁ TÍTULO EXECUTIVO QUE FUNDAMENTE A EXECUÇÃO INTENTADA CONTRA A APELANTE.
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III . FUNDAMENTAÇÃO
A - OS FACTOS
Foram dados como provados na sentença recorrida os seguintes factos:
1. Em 08.10.02, na acção declarativa processo principal, em que foi A. Banco “B”, SA e RR. “C” e “D”, foi proferida sentença condenando os RR. a pagarem à autora a quantia de € 12.091,06, acrescida de juros vencidos até 04.01.02 no montante de € 1.896,11, e de € 75,84 de imposto de selo sobre os mesmos e juros vincendos à taxa anual de 22,1% até integral pagamento, incluindo o imposto de selo devido sobre os juros, a qual transitou.
2. Em 12.11.02, no apenso A, Banco “B”, SA requereu contra “C” e “D”, execução da sentença provada em A), liquidando o pedido em € 12.091,06 de capital, mais € 1.896,11 de juros vencidos até 04.01.02, e € 2.145,02 de juros vencidos de 05.01.02 a 24.01.02, mais € 44,89 de juros vencidos de 25.10.02 a 29.10.02, acrescido dos juros vincendos, e do imposto de selo devido pelos juros vencidos e vincendos.
3. Pelo menos desde Setembro de 2004 “C” é assalariado de “A” – Fábrica de ... SA.
4. Por despacho de 19.01.05, na execução principal, foi ordenada a penhora de 1/3 do salário de “C” recebido de “A”, SA. (fls 164 e 162/163).
5. Em 18.03.05 (fls 169 da execução principal) “A”, SA foi notificada --- no domicílio sito na Rua ..., nº..., 9 Hab ..., 0000-000 P... --- do ofício deste processo de 04.03.05, fls. 167 da execução, em que lhe era notificado o despacho para que procedesse à penhora de 1/3 do vencimento do trabalhador “C”, até perfazer o montante de € 20.000,00, a qual deveria ser depositada à ordem destes autos, sendo advertida nos termos do artigo 856º, 3 C.P. Civil.
6. Por comunicação de 04.03.05, fls. 170 da execução principal, “A”, SA que indicou sede na Rua ..., nº ..., 9º- H ..., 0000-000 P... informou os autos que “Informamos V.Exas. que já estamos a proceder a um desconto mensal no vencimento do nosso funcionário “C” relativo ao Processo .../1998 do Tribunal Judicial da Comarca de .... A data prevista para ofinal da penhorapor conta deste processo é Janeiro de 2006. A seguir temos o Processo nº 97/....8 E APS da Direcção-Geral dos Impostos (Serviço de Finanças de ... 1) que durará até Março de 2007.”.
7. Em 31.05.05, na execução principal, foi proferido (fls. 179) despacho deferindo requerimento da exequente para que se informasse “A”, SA para considerar a penhora com efeitos quando cessassem a penhora em execução e a informada até Março de 2007.
8. Em 03.06.05 foi expedido ofício (fls. 180) a “A”, SA para o domicílio sito na Rua ..., nº ..., 9 Hab ..., 0000-000 P..., visando a sua notificação do despacho provado em G), que veio devolvido em 16.06.05 (fls 182) com as indicações de “Não atendeu. Avisado 08.06.05”, e “Não Reclamado”.
9. Em 09.12.08 na execução principal, foi proferido despacho (fls. 207 da execução) ordenando se notificasse “A”, SA, para vir comprovar as penhoras de salários de “C”, dos meses posteriores a Março de 2007, ordenando-se a junção de fls. 167, 170 e 180 da execução.
10. Em 12.12.08 foi expedido ofício (fls. 208) a “A”, SA para o domicílio sito na Rua ..., nº ..., 9 Hab ..., 0000-000 P..., visando a sua notificação do despacho provado em I), que veio devolvido em 16.12.08 (fls 209) com as indicações de “Não atendeu. Avisado 15.12.05”.
11. Em 17.06.09 Banco “B”, SA requereu (no apenso B) contra “A”, SA, execução para pagamento de quantia certa, dizendo que “nos autos de execução de sentença apensos, a executada tinha e tem a pagar ao exequente, ora requerente a quantia global de € 34.638,19, mais os juros que se vencerem sobre € 12.091,06 desde 30 de Outubro de 2002 até integral pagamento”, pedindo o pagamento da quantia de capital de € 12.091,06, juros moratórios vencidos desde 30.10.02 a 18.06.09 no montante de € 21.679,93, imposto de selo de € 867,20 sobre os juros, tudo somando € 34.638,19, e ainda juros moratórios vincendos e imposto de selo respectivo.
12. Por ofício de 01.09.09 (fls. 10 da execução apenso B) dirigido a “A”, SA para “Rua ..., nº ..., ..., P...”, esta foi notificada para se opor à execução respectiva, notificação concretizada em 07.09.09 (fls 11 do apenso B).
13. “A”, S.A., não depositou á ordem destes autos, valores correspondentes a penhoras do salário de “C”.
14. Por ofício de 25.03.2010 o Instituto da Segurança Social, I.P. informou da passagem à situação de pensionista de “C”, e que foi deferida a pensão de velhice com data de início em 2009-12-14 –Doc. fls. 56 junto com a alegação de recurso;
15. “A” – Fábrica de ..., S.A. informou o Instituto da Segurança Social, I.P., por carta datada de 09.04.2010 que o funcionário “C” havia cessado funções na empresa em 31.01.2010 – Doc. fls. 55 junto com a alegação de recurso.
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B - O DIREITO
No caso vertente estamos perante uma execução que foi interposta com base no que se designa como título judicial impróprio – contra o credor do executado na execução primitiva, devido à sua inacção - defendendo a executada que inexiste título válido.
Como é sabido, a reforma da acção executiva foi instituída pelo Decreto-Lei nº 38/2003, de 8/3 e aplica-se, de acordo com o artigo 21º, nº 1, aos processos instaurados a partir do dia 15 de Setembro de 2003.
E, tendo sido proposta pela exequente, a primitiva acção executiva, contra o executado “C”, em 12.11.2001, aplica-se o regime legal anterior à reforma de 2003, tendo nesta sido penhorado o direito de crédito daquele executado sobre o terceiro devedor, a ora executada.
Sendo a presente execução contra o terceiro devedor, a partir do título judicial anómalo, formado nos termos do artigo 860º, nº 3 do CPC e, tratando-se como se trata de um processo incidental e instrumental, estritamente conexo com a execução principal, correndo mesmo por apenso àquela, igualmente será aplicável o regime anterior à reforma de 2003.
Como é sabido, a penhora de vencimentos insere-se na penhora de direitos de crédito.
De acordo com o disposto no artigo 856.º, nº 1 do C.P.C. a penhora de créditos consiste na notificação ao devedor de que o crédito fica à ordem do Tribunal da execução.
Assim, se o crédito que se pretende penhorar é de salários, essa penhora consuma-se com a notificação à entidade patronal de que o crédito do trabalhador pelos salários que tenha a receber e de quem a entidade patronal é, ou será, devedora, fica á ordem do tribunal de execução.
Estatui o artigo 856.º, nº 2 do C.P.C que, uma vez efectuada a notificação, Cumpre ao devedor declarar se o crédito existe, quais as garantias que o acompanham, em que data se vence, e quaisquer outras circunstâncias que possam interessar à execução.
A pessoa singular ou colectiva indicada como entidade patronal do executado, logo que notificada para iniciar os descontos decorrentes da penhora de um crédito sobre o salário ou vencimento desse seu empregado, tem o dever de dar cumprimento a essas obrigações que sobre si pendem, nos termos do n.º 2 do citado artigo, sob pena da cominação prevista no n.º 3, ou seja, de se vir a entender que o devedor reconhece a existência da obrigação nos termos estabelecidos na nomeação do crédito á penhora.
Dadas as consequências gravosas decorrentes do efeito atribuído à falta de declaração do terceiro devedor, deverá este ser notificado com a advertência expressa de tais efeitos, sendo aplicáveis a tal notificação as disposições relativas à citação – v. LEBRE DE FREITAS, Código Civil Anotado, Vol. III, 445.
O reconhecimento da dívida resultante da inacção do terceiro devedor do executado - entidade patronal - nos termos do citado nº 3 do artigo 856.º do CPC assenta numa presunção, ilidível em sede de oposição à execução, vindo a traduzir-se na inversão do ónus da prova. Esta orientação que era já acolhida na doutrina e em alguma jurisprudência, veio a ter expressa consagração no actual nº 4 do artigo 860º do CPC, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 38/2003, de 8 de Março.
Tal significa que a omissão de qualquer declaração do terceiro devedor não impede que esse terceiro possa, em momento posterior, na oposição à execução acessória, por via da formação do título executivo ao abrigo do artigo 860º, nº 3 do CPC, invocar qualquer fundamento de impugnação ou de excepção peremptória que lhe fosse possível invocar na acção declarativa.
Não fica, portanto, precludida a dedução dos meios de defesa que tenha contra a pretensão executiva, invocando facto extintivo, impeditivo ou modificativo, ou impugnação do facto constitutivo da obrigação – v. neste sentido LEBRE DE FREITAS, O silêncio do Terceiro Devedor, ROA, 2002, ano 2002, II, 402 e ss.
No caso vertente, e pese embora a embargante/recorrente haja invocado na sua petição de embargos que não se recorda de ter sido notificada para proceder aos descontos no vencimento do seu trabalhador “C”, a verdade é que provado ficou que a embargante foi notificada do despacho que determinou a penhora de 1/3 do vencimento do seu trabalhador “C” e que, na sequência dessa notificação, veio comunicar ao Tribunal, em 04.03.2005, que se encontravam pendentes penhoras sobre o vencimento de tal funcionário, ordenadas em processos que identificou, as quais se manteriam até Março de 2007 – v. Nºs 3 a 7 da Fundamentação de Facto.
Tal significa que a embargante/apelante, na qualidade de terceiro devedor, reconheceu a dívida, concluindo-se da sua comunicação que só poderia cumprir a determinação do Tribunal a partir de Abril de 2007.
Mas, não obstante a embargante/apelante, nessa comunicação datada de 04.03.2005 que enviou ao Tribunal, haja indicado uma determinada morada, como sendo a sua sede, dois meses depois já não recebeu a carta de notificação que então lhe foi enviada nem a que lhe foi remetida em 12.12.2008, para “comprovar nos autos as penhoras de salários posteriores a Março de 2007”.
É certo que o terceiro devedor – a ora apelante - que teve conhecimento do despacho ordenatório da penhora, que reconheceu que o executado era seu trabalhador, e que comunicou ao processo executivo a sua impossibilidade de dar início aos descontos antes de Abril de 2007, não é parte processual nessa primitiva execução.
Com efeito, o terceiro devedor do crédito penhorado, in casu, - salários que o executado viesse a receber após Março de 2007 - não sendo, efectivamente, parte processual nessa primitiva acção executiva, é, todavia, um colaborador compulsivo da execução, o qual está adstrito ao dever de colaboração com o Tribunal, implicando, aliás, a imposição de um ónus que excede os limites normais do dever de colaboração de um vulgar terceiro em processo civil.
E, dada a importância da sua intervenção, ainda que acidental, incumbia à embargante/apelante o dever para com o Tribunal, não só de dar início aos descontos no vencimento do seu trabalhador, logo que terminados os anteriores que estavam a ser processados, como também lhe incumbia o dever de comunicar ao Tribunal qualquer alteração da sua sede, como provavelmente sucedeu, já que a embargante/apelante foi notificada em distinta morada, na presente execução contra si interposta ao abrigo do disposto do artigo 860º, nº 3 do CPC.
E, não se diga, como argumenta a apelante, que a sentença recorrida violou o disposto nos artigos 228º, nº 2 e 257º ambos do C.P.C., invocando, para tanto, o preceituado no artigo 257º, nº 3 do CPC e os ensinamentos de LEBRE DE FREITAS, no Código de Processo Civil Anotado, a propósito das notificações aos intervenientes acidentais, cujo expediente não tenha sido entregue, mas sem que haja recusa no recebimento da carta de notificação.
É que, nenhuma outra notificação, a ordenar pelo Tribunal a quo, seria necessária para que a apelante, na qualidade de devedora do executado “C”, desse início aos descontos no vencimento desse seu trabalhador, tendo já perfeito conhecimento da ordem de penhora, de que foi devidamente notificada, penhora essa, que pelas razões que a própria apelante informou o Tribunal, teria de ser diferida para Abril de 2007.
Aliás, se dúvidas então subsistissem à apelante, sempre esta deveria, pelo menos findos os descontos que estavam a ser processados, inquirir o Tribunal da execução sobre a manutenção do interesse em dar início à penhora já determinada na execução intentada contra o trabalhador da apelante e para a qual esta, em tempo oportuno, havia sido devidamente notificada.
Assim, não só porque a ordem de penhora era do perfeito conhecimento da apelante, como também esta não desconhecia que já não se encontrava no local que havia indicado como sendo o da sua sede, a argumentação agora defendida não poderá ser acolhida.
Improcede, pois, o recurso interposto pela apelante, salvo quando ao período em que decorreu a sua obrigação de proceder aos descontos no vencimento do seu trabalhador.
Considerando que, com a documentação apresentada com as alegações de recurso, que foi admitida, se tem de concluir que a apelante apenas manteve o executado “C”, ao seu serviço, até 31.01.2010 – v. Nº 15 da Fundamentação de Facto - deverá ser alterada a sentença recorrida, por forma a que o período estabelecido na alínea b) do Dispositivo se confine tão somente ao período compreendido entre Abril de 2007 e Janeiro de 2010, mantendo-se no mais a sentença recorrida, tanto mais que nela já se encontra salvaguardada e preservada a questão atinente ao salário mínimo nacional.
Vencida, é a recorrente responsável pelas custas respectivas - artigo 446º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.
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IV. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar parcialmente procedente o recurso, revogando-se o segmento da sentença recorrida, quando na alínea b) do Dispositivo fixa a obrigação de desconto no salário de “C” no período de Abril de 2007 a Agosto de 2010, substituindo-se o mesmo pelo período de Abril de 2007 a Janeiro de 2010, confirmando-se no mais a decisão recorrida.
Condena-se o recorrente no pagamento das custas na proporção do respectivo decaimento.
Lisboa, 12 de Maio de 2011
Ondina Carmo Alves - Relatora
Lúcia Sousa
Ana Paula Boularot