MARCAS
CONCORRÊNCIA DESLEAL
REGISTO DE MARCA
Sumário

I- Inexiste semelhança gráfica, fonética ou outra que induza facilmente o consumidor médio de vinhos em erro ou confusão entre as marcas nominativas complexas BARCA-VELHA, marca notória, e ROCHA VELHA, porquanto “VELHA”, elemento comum, é qualificativo de uso comum; tão pouco inexiste risco de associação da marca questionada ROCHA VELHA à marca prioritária BARCA-VELHA, pelo consumidor médio de vinhos, sem exame atento ou confronto das duas.
II- A questão da potencialidade da concorrência desleal nada tem a ver com a confusão entre marcas, tratando-se, normalmente de uma situação potencial de concorrência desleal por confusão com os produtos ou serviços de outro concorrente.
III- Inexistindo confusão entre as duas marcas, nada mais se sabendo acerca da produção e distribuição dos vinhos das duas marcas, não é possível concluir, sem mais, pelo risco de associação pelo consumidor médio de uma marca a outra e pela deslealdade na concorrência.
(Sumário do Relator)

Texto Integral

Acordam os juízes na 2.ª secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa

I – RELATÓRIO

APELANTE/RECORRENTE: “A” - Vinhos, S.A.(Representada em juízo, pelo ilustre advogado N. C., com escritório em Lisboa , conforme instrumento de procuração de 10/01/05 de fls. 74 dos autos, o qual substabeleceu, com reserva, na pessoa do ilustre advogado J. S., com escritório no mesmo local, conforme instrumento de 5/4/2010 de fls. 75).

*
APELADA/RECORRIDO/TITULAR DA MARCA DEFERIDA: “B”
*
Com os sinais dos autos.
*
A Apelante veio ao abrigo do disposto no art.º 39 e ss do Código de Propriedade Industrial, interpor recurso do despacho do senhor Director de Marcas e Patentes do I.N.P.I. que deferiu o pedido de registo de marca nacional n.º 000.327 “ROCHA VELHA”, alegando ser titular da marca nacional n.º 000.372 “BARCA VELHA”, prioritária, destinada a assinalar os mesmos produtos e havendo entre os sinais tal semelhança que potencia a confusão no consumidor e a prática da concorrência desleal, acrescentando ser a sua marca uma marca de prestígio. Cumprido o disposto no art.º 40 do Código de Propriedade Industrial, o senhor Director de Marcas do I.N.P.I. remeteu o processo administrativo.
Citada a parte contrária nada disse.
Inconformada com a sentença de 15/11/2010 que, negando provimento ao recurso que oportunamente apresentou para o Tribunal de Comércio de Lisboa, do despacho do Sr. Director de Marcas e Patentes do I.N.P.I. que, por subdelegação de competências, deferiu o pedido de registo de marca nacional n.º 000.327 – “ROCHA VELHA”, concedendo-se assim protecção jurídica à referida marca para assinalar os produtos da classe 33ª, para os quais o registo foi pedido pelo recorrido, dela apelou a “A” em cujas alegações conclui:
a) A Recorrente é a titular dos registos das marcas nacionais n.ºs 000.372 e 000.588, ambas caracterizadas pela expressão “BARCA VELHA”, e que se destinam a assinalar “vinho tinto” e “vinho do Porto, aguardentes e licores”;
b) Na sentença recorrida considerou-se – e bem – que estes registos de marca gozam de prioridade registal;
c) Assim como também se considerou – igualmente bem – que as marcas em confronto se destinam a assinalar os mesmos produtos: vinhos;
d) A discordância da sentença recorrida circunscreve-se ao requisito de imitação de marca relativo à susceptibilidade de a marca “ROCHA VELHA” induzir facilmente os consumidores em erro ou confusão com a marca “BARCA VELHA”, bem como sobre a possibilidade daquela vir a possibilitar a concorrência desleal, mesmo independentemente da intenção do requerente;
e) Diversamente do que se entendeu na sentença recorrida, a marca “ROCHA VELHA” apresenta tais semelhanças gráficas e fonéticas com a marca “BARCA VELHA”, que o consumidor poderá ser facilmente induzido em erro ou confusão, correndo mesmo o risco de estabelecer uma equivocada associação entre elas;
f) A marca “ROCHA VELHA” tem óbvias semelhanças gráficas e fonéticas com marca “BARCA VELHA”, e da mesma resulta uma impressão de conjunto com esta marca, de modo a que o consumidor será facilmente induzido em erro ou confusão;
g) A marca registanda contem e reproduz a expressão “VELHA” da marca “BARCA VELHA”;
h) A palavra “velha” – substantivo feminino do vocábulo “velho” –, quando aplicada a vinhos, é uma expressão com eficácia distintiva, e não uma indicação relativa a qualquer qualidade, tipo ou espécie de produto - em bom Português, um vinho pode ser “velho”… mas não “velha”;
i) Na avaliação da possibilidade de confusão entre as marcas, deverá tomar-se em consideração que a marca “BARCA VELHA” goza de um prestígio excepcional, factor este que facilita e potencia a possibilidade de marcas com algumas semelhanças – as quais, em regra, até poderiam ser consideradas menos relevantes – induzirem em erro ou confusão o consumidor médio – normalmente despreocupado e apressado;
j) A marca “ROCHA VELHA” constitui uma imitação da marca de prestígio “BARCA VELHA”, e, por isso, o Tribunal a quo deveria ter revogado o despacho de concessão do registo daquela marca;
k) O uso da marca “ROCHA VELHA” possibilitará ao Recorrido, mesmo independentemente das suas intenções, fazer concorrência desleal à Recorrente, e, também por isso, o despacho de concessão do registo de marca em apreço deveria ter sido revogado;
l) Pretendendo-se registar uma marca confundível com uma marca registada anteriormente, de prestígio, para assinalar precisamente os mesmos produtos (vinhos), existe a possibilidade de o Recorrido, mesmo independentemente da sua intenção, vir a fazer concorrência desleal à Recorrente;
m) Conclui-se que na sentença recorrida foi violado o disposto nos art.ºs 239.º, n.º 1, alíneas a) e e) e 242.º, n.º 1 do Código da Propriedade Industrial.
Termos em que, nos melhores de Direito, e com o sempre mui Douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser julgada procedente a apelação, revogar-se a sentença recorrida e, consequentemente, ser recusado o registo da marca nacional n.º 000327, “ROCHA VELHA”, assim se fazendo, como sempre,
JUSTIÇA !
Não houve contra-alegações.
Recebido o recurso, elaborado o projecto de acórdão o mesmo foi enviado por correio electrónico aos Meritíssimos Juízes-adjuntos, do mesmo passo que o processo lhes foi com vistos de 5 dias, nada tendo sido, pelos mesmos sugerido; nada obsta ao conhecimento do recurso

Questão a resolver: Saber se ocorre erro de julgamento na sentença recorrida ao considerar que a marca “Rocha Velha” destinada a assinalar “Vinhos”,-classe 33ª -se não confunde com a marca anteriormente registada e pertencente à apelante “Barca Velha” e que o uso da marca pela recorrida não constitui, independentemente de intenção da recorrida, qualquer concorrência desleal.

II- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

O Tribunal recorrido deu como provados os seguintes factos que não vêm impugnados, nos termos da lei de processo:
1 - Por despacho de 05 de Janeiro de 2010 o Sr. Director de Marcas e Patentes do I.N.P.I., por subdelegação de competências, deferiu o pedido de registo da marca nacional nominativa nº 000.327 - “ROCHA VELHA”, pedido em 06 de Julho de 2007. ---
2 - Que se destina a assinalar na classe 33ª “vinhos”. ---
3 – A recorrente é titular da marca nacional nº 000372 “BARCA VELHA”, cujo registo foi pedido em 31 de Outubro de 1958 e concedido por despacho de 25 de Junho de 1959, destinada a assinalar na classe 33º “vinhos, vinho do Porto, aguardentes e licores”. ---
3 – E tem a seguinte configuração: ---

4 - A recorrente é titular da marca nacional nº 0000882 “BARCA VELHA”, cujo registo foi pedido em 24 de Julho de 1959 e concedido por despacho de 06 de Maio de 1960, destinada a assinalar na classe 33º “vinho tinto”. ---
---+

5 – A revista Superbrands considerou a marca “BARCA VLHA” uma das 50 grandes marcas em Portugal. -----
6 – Ana Sofia Fonseca escreveu uma obra cujo título é “BARCA VELHA – HISTÓRIAS DE UM VINHO”. ---
7 - No Jornal Diário de Notícias de 20 de Março de 2006 foi publicado um artigo intitulado “Novo “Barca Velha” chega esta semana” cuja cópia se mostra junta a fls. 70 e cujo teor aqui se dá por reproduzido. ---
8 – Num número da revista “Visão” foi publicado um artigo intitulado “O Primeiro Barca Velha do Século XXI” cuja cópia se mostra junta a fls. 71 e cujo teor aqui se dá por reproduzido. ---
9 – No semanário “Expresso” se 27 de Novembro de 2004 foi publicado um artigo sobre o Vinho Barca Velha intitulado “Um emblema da nacionalidade” cuja cópia se mostra junta a fls. 72 e cujo teor aqui se dá por reproduzido. ---

III- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Conforme resulta do disposto nos art.ºs 660, n.º 2, 664, 684, n.º 3, 685-A, n.º 3, do CPC[1] são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso. É esse também o entendimento uniforme do nosso mais alto Tribunal (cfr. por todos o Acórdão do S.T.J. de 07/01/1993 in BMJ n.º 423, pág. 539).
Considerou-se no despacho que deferiu a nova marca que não havia imitação ao abrigo do disposto no art.º 239/1/a, nem reconhecimento de que se pretende fazer concorrência desleal nos termos do art.º 239/1/e do Código de Propriedade Industrial, ou seja o Código de Propriedade Industrial aprovado pelo DL 36/03 de 5/3, na redacção que lhe foi dada pelo DL 143/08, de 25/7; é este a redacção aplicável uma vez que o DL 143/08 entrou em vigor em 1/10/08, e o pedido do novo de registo é de 6/7/09, atentas as disposições dos art.ºs 4 e 16 do DL 143/08.
Reza o art.º 239
Artigo 239.º
[...]
1 — Constitui ainda fundamento de recusa do registo de marca:
a) A reprodução ou imitação, no todo ou em parte, de marca anteriormente registada por outrem para produtos ou serviços idênticos ou afins, que possa induzir em erro ou confusão o consumidor ou que compreenda o risco de associação com a marca registada;
b) A reprodução ou imitação, no todo ou em parte, de logótipo anteriormente registado por outrem para
distinguir uma entidade cuja actividade seja idêntica ou afim aos produtos ou serviços a que a marca se destina, se for susceptível de induzir o consumidor em erro ou confusão;
c) A infracção de outros direitos de propriedade industrial;
d) O emprego de nomes, retratos ou quaisquer expressões ou figurações sem que tenha sido obtida autorização das pessoas a que respeitem e, sendo já falecidos, dos seus herdeiros ou parentes até ao 4.º grau ou, ainda que obtida, se produzir o desrespeito ou desprestígio daquelas pessoas;
e) O reconhecimento de que o requerente pretende fazer concorrência desleal ou de que esta é possível independentemente da sua intenção.
2 — Quando invocado em reclamação, constitui também fundamento de recusa:
a) A reprodução ou imitação de firma, de denominação social e de outros sinais distintivos, ou apenas parte característica dos mesmos, que não pertençam ao requerente, ou que o mesmo não esteja autorizado a usar, se for susceptível de induzir o consumidor em erro ou confusão;
b) A infracção de direitos de autor;
c) O emprego de referências a determinada propriedade rústica ou urbana que não pertença ao requerente;
d) A infracção do disposto no artigo 226.º
3 — No caso previsto na alínea d) do número anterior, em vez da recusa do registo pode ser concedida a sua transmissão, total ou parcial, a favor do titular, se este a tiver pedido.

A marca tem hoje uma função essencial de distinguir e garantir que os produtos ou serviços se reportam a uma pessoa que assume em relação aos mesmos o ónus pelo seu uso não enganoso (função distintiva), uma função derivada de garantia indirecta de qualidade dos produtos ou serviços marcados por referência a uma origem não enganosa, e uma função complementar da função distintiva que é a de contribuir, por si mesma, para a promoção dos produtos ou serviços que assinala (função publicitária)[2]
Dispõe o art.º 222 do Código de Propriedade Industrial, doravante designado por Código.
Artigo 222.º
Constituição da marca
1 — A marca pode ser constituída por um sinal ou conjunto de sinais susceptíveis de representação gráfica,
nomeadamente palavras, incluindo nomes de pessoas, desenhos, letras, números, sons, a forma do produto ou da respectiva embalagem, desde que sejam adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas.
2 — A marca pode, igualmente, ser constituída por frases publicitárias para os produtos ou serviços a que
respeitem, desde que possuam carácter distintivo, independentemente da protecção que lhe seja  reconhecida pelos direitos de autor.

Quanto ao tipo de sinais utilizados há que distingui as marcas nominativas onde se distinguem as sugestivas e arbitrárias das de fantasia, sem significado conceptual, as gráficas que podem abranger as puramente gráficas com imagem do sinal e as figurativas que associam a imagem visual a um conceito concreto e as marcas mistas que combinam elementos nominativos e gráficos.
No caso concreto estamos perante mascas, quer a prioritária quer a questionada, puramente gráficas (sugestiva no caso de BARCA VELHA sugerindo uma embarcação de rio já velha, quando associado a transporte de vinhos por rio e arbitrária no caso de ROCHA VELHA, que nada nos sugere quando reportado a vinhos). Nas marcas nominativas a comparação das marcas, com ou sem significado conceptual pode ser feita nos termos legais, nos planos visual, fonético e ideográfico, dependendo da marca em concreto e o grau de relevância de cada um.
É o seguinte o critério legal de imitação:
Artigo 245.º
Conceito de imitação ou de usurpação
1 — A marca registada considera -se imitada ou usurpada por outra, no todo ou em parte, quando, cumulativamente:
a) A marca registada tiver prioridade;
b) Sejam ambas destinadas a assinalar produtos ou serviços idênticos ou afins;
c) Tenham tal semelhança gráfica, figurativa, fonética ou outra que induza facilmente o consumidor em erro ou confusão, ou que compreenda um risco de associação com marca anteriormente registada, de forma que o consumidor não as possa distinguir senão depois de exame atento ou confronto.
2 — Para os efeitos da alínea b) do n.º 1:
a) Produtos e serviços que estejam inseridos na mesma classe da classificação de Nice podem não ser considerados afins;
b) Produtos e serviços que não estejam inseridos na mesma classe da classificação de Nice podem ser considerados afins.
3 — Considera -se imitação ou usurpação parcial de marca o uso de certa denominação de fantasia que faça
parte de marca alheia anteriormente registada.

Por conseguinte são três os requisitos da imitação:
1. A prioridade da marca registada;
2. A identidade ou afinidade dos produtos ou serviços marcados;
3. A semelhança gráfica, figurativa, fonética ou outra ou outra (que pode ser a semelhança conceptual) da marca posterior com a marca anteriormente registada que induza facilmente em erro ou confusão o consumidor, não podendo este distinguir senão depois de exame atento ou confronto ou crie um risco de associação.
Realizando a subsunção aos factos, conclui-se pela verificação dos dois primeiros requisitos, tendo também em conta não só que ambas as marcas se referem à mesma classe de produtos (a 33.ª) como ainda a circunstância de os produtos serem em boa parte os mesmos ou seja vinhos.
No que toca ao terceiro requisito há que ver.
Há um conjunto de critérios de apreciação comuns relativamente consensuais na doutrina: o primeiro é o dever de apreciar as marcas no seu conjunto, só se devendo recorrer à dissecação analítica por justificada necessidade, quando não resultar da visão unitária um resultado claro, o segundo é o da irrelevância no conjunto da apreciação das marcas das suas componentes genérica ou descritiva e o facto de se assemelharem unicamente em relação aos sinais gráficos genéricos ou descritivos não é determinante; o terceiro é o de que nas marcas complexas (constituídas por mais de um elemento nominativo), se dever privilegiar sempre o elemento dominante e por último é o de que quanto maior for a notoriedade da marca maior o risco de confusão com uma marca posterior; há ainda a referir que nos termos do art.º 245/1/c, parte final o risco de associação, passa a fazer parte do conceito de imitação.[3]
No caso concreto há que ver que se trata de marcas nominativas complexas em ambos os casos constituídas por um substantivo (BARCA e ROCHA) e por um adjectivo comum (VELHA).
Por serem marcas complexas há que ver se existe um elemento dominante. Ora, com o devido respeito por opinião contrária, o elemento dominante não pode, de maneira nenhuma, ser considerado apenas o adjectivo comum VELHA. Na verdade, esse adjectivo é de uso comum e no que toca a bebidas alcoólicas tanto pode qualificar vinhos como aguardentes, bagaceiras, etc. Não é possível concluir que, tratando-se de uma marca notória como o é, flagrantemente, a marca BARCA VELHA, o elemento dominante seja constituído exclusivamente pelo adjectivo VELHA; na verdade, no mundo dos conhecedores de vinhos e, diga-se até em abono da verdade no mundo do consumidor médio de vinhos, quer eles sejam de consumo corrente ou de alta qualidade e preço, o que realça é o conjunto das duas expressões ou seja BARCA VELHA e não se vê como é que um consumidor médio de vinhos solicite à mesa de um Restaurante um “VELHA” e o empregado associe, de imediato, a “BARCA-VELHA”; tão pouco inexistem factos alegados que permitam concluir tal.
Apreciando as marcas no seu conjunto não é possível concluir, até pelas razões que antecedem, que ocorra qualquer confusão entre as duas marcas.
Dissecando:
Os substantivos BARCA e ROCHA, sendo dissilábicos, não têm qualquer semelhança gráfica ou sonora (BAR-CA e RO-CHA), sequer conceptual. Acresce que na marca questionada as expressões ROCHA VELHA não estão unidas por um hífen ao invés da marca protegida BARCA-VELHA como claramente resulta dos pontos 3 e 4 da matéria de facto.
Um consumidor habitual de vinhos sabe muito bem o que é um BARCA- VELHA, até pelo conhecido elevado preço do mesmo, e nem mesmo o mais distraído dos consumidores confundiria as duas marcas.
Neste sentido veja-se, entre outras, a seguintes decisão sumariada e disponível no sítio www.dgsi.pt
Acórdãos TRL Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo: 55/05.TYLSB-2 
 
Relator: ANA PAULA BOULAROT
Descritores: MARCAS
CONFUSÃO
 
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 30-04-2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
 
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
 
Sumário: I Em termos genéricos a “marca” é qualquer sinal, ou combinação de sinais, susceptível de distinguir, além do mais, os produtos de uma empresa dos de outras empresas.
II A marca constituída pela expressão “CASA VELHA” não se confunde com a marca “BARCA VELHA” uma vez que o elemento “VELHA”, é um qualificativo de uso comum, insusceptível de, per se, induzir em erro ou confusão os consumidores.
(APB)
*
Diferente desta é a situação que a seguir se sumaria em que ocorre uma patente confusão conceptual das marcas complexas:
Acórdãos STJ Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo: 070176 
 
Nº Convencional: JSTJ00002666
Relator: JOAQUIM DE FIGUEIREDO
Descritores: MARCAS
MATERIA DE DIREITO
MATERIA DE FACTO
CONCORRENCIA DESLEAL
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
 
Nº do Documento: SJ198211090701761
Data do Acordão: 09-11-1982
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: BMJ N321 ANO1982 PAG408
Texto Integral: N
Privacidade: 1
 
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA.
Indicações Eventuais: CIT PROF JOSE G PINTO COELHO RLJ ANO93 PAG19 E 50.
Área Temática: DIR COM - MAR PATENT.
Legislação Nacional: CPI40 ART93 N12 ART94 ART187 N4 ART212 N1.
Jurisprudência Nacional: AC STJ DE 1976/07/16 IN BMJ N259 PAG239.
AC STJ DE 1959/02/13 IN BMJ N84 PAG416.
 
Sumário : I - Embora a Relação tenha concluido que as marcas "Barca Velha" e "Velho Barquinha" não tem qualquer semelhança gráfica, figurativa ou fonética, pode o Supremo, apesar de funcionar apenas como tribunal de revista, concluir diferentemente, pela constatação documental dos factos que interessa considerar.
II - A marca Velho Barquinha constitui imitação da marca Barca Velha, para vinhos, aguardentes, licores, não podendo o consumidor distingui-las senão depois do exame atento ou confronto, dadas as semelhanças fonéticas, e ideográficas das mesmas.
III - Poder-se-ia concluir com base nas semelhanças das duas marcas, que o Velho Barquinha torna possível a confusão entre os vinhos das duas marcas, sendo possível a concorrência desleal, independentemente da intenção do requerendo do registo impugnado.
*
A sentença considerou inexistir a possibilidade de concorrência desleal, intencional ou objectiva prevista no art.º 239/e do Código na medida em que sendo dissemelhantes as marcas, não havendo possibilidade de confusão no consumidor, não há a possibilidade de o consumidor médio associar a marca “ROCHA VELHA”, também para vinhos quer à “A” quer à “C” titulares das marcas protegidas, não havendo impedimento à concessão da marca protegida.
O recorrente discorda em suma dizendo:
· As marcas em confronto destinam-se a assinalar produtos idênticos que concorrem directamente entre si no mercado;
· Não é mister que o acto de concorrência tenha logrado o fim em si, isto é, o desvio efectivo ou captação da clientela alheia, basta que tal acto tenha a potencialidade ou virtualidade para atingir esse objectivo;
· As sociedades em confronto exercem actividades idênticas.
Apreciando.
Concorda-se com o recorrente quando afirma que não é necessária a demonstração do desvio efectivo ou captação pela sociedade cujo registo vem questionado da clientela da “A” ou da “C”.
Contudo, o fundamento de recusa do art.º 239/e do Código é muito específico.
Como diz Luís Couto Gonçalves[4], “procura-se prevenir a atribuição de um direito privativo a um concorrente, que de um modo intencional ou não, desencadeia ou pode desencadear com o seu pedido uma situação objectivamente desleal (um acto contrário às normas e costumes honestos de qualquer actividade comercial”.
Todavia, a questão da potencialidade da concorrência desleal nada tem a ver com a confusão entre marcas, tratando-se, normalmente de uma situação potencial de concorrência desleal por confusão com os produtos ou serviços de outro concorrente, podendo abarcar outras situações como aquela em que se pede o registo de uma marca com um logótipo, não registado, de uma entidade muito conhecida; mas não se trata de confusão de marcas pois “para haver confusão entre marcas seria necessário que a marca do eventual concorrente lesado se encontrasse validamente registada e protegida no quadro do direito de marcas e que se verificassem os requisitos e só esses do n.º 1 do art.º 245, dispensando-se a verificação de outros requisitos nomeadamente os respeitantes à contrariedade de normas e usos honestos, a prova da relação de concorrência e a prova da confusão objectiva e não a simples identidade ou afinidade entre os produtos ou serviços propriamente dito. …não é isso que acontece no âmbito deste fundamento de recusa…”[5]
Seguindo o raciocínio do ilustre jurista, que acompanhamos de perto, não estando em causa a confusão com marca anteriormente registada (que tem outra previsão e outros requisitos), na previsão caberão situações conflituantes de dois modos que a lei prevê de aquisição do direito de marcas, ou sejam o uso e o registo; exemplifica com a situação em que se pede o registo de uma marca de facto usada há mais de 6 meses por um outro concorrente (segundo o art.º 227/1 do Código, é dentro de 6 meses que o titular de marca de facto goza de prioridade na efectivação do registo) e uma outra em que se pede o registo de marca cujo registo haja sido pedido por outro concorrente que não tenha cumprido o prazo da prioridade de 6 meses para pedido do registo em Portugal previsto no art.º 4/C-1 da Convenção da União de Paris. Realça este Autor, nessa linha de pensamento, uma certa incongruência em relação ao regime legal, na medida em que, um acto de registo público é em princípio um acto conforme aos usos e normas honestos e que de iure constituendo deveria figurar como fundamento autónomo de causa de invalidade um registo efectuado de má fé, em circunstâncias reveladoras de uma consciente actuação do titular da marca em prejudicar terceiros ou obstaculizar a concorrência.
Mas ainda que a situação de concorrência desleal, face à nova redacção legal, se possa configurar num caso em que a marca protegida se encontra registada, o que temos de provado sobre a potencial deslealdade do recorrido ao pretender registar a marca?
Temos do processo administrativo que o requerente da marca questionada de nome “B”, pretende o registo de marca nacional para vinhos, o que foi deferido. O titular é de … e a “A” está sedeada em …, …, que, são localidades relativamente próximas. Contudo nada mais se sabe acerca dos circuitos de distribuição quer do vinho BARCA VELHA quer do potencial circuito de distribuição do ROCHA VELHA.
Concluindo:
Inexiste semelhança gráfica, fonética ou outra que induza facilmente o consumidor médio de vinhos em erro ou confusão entre as marcas BARCA-VELHA e ROCHA VELHA, marca notória, porquanto “VELHA”, elemento comum, é qualificativo de uso comum; tão pouco inexiste risco de associação da marca questionada ROCHA VELHA à marca prioritária BARCA-VELHA, sem exame atento ou confronto das duas.
Inexistindo, como inexiste, pelas razões referidas, confusão entre as duas marcas, nada mais se sabendo acerca da produção e distribuição dos vinhos das duas marcas, não é possível concluir, sem mais, pelo risco de associação pelo consumidor médio de uma marca a outra e pela deslealdade na concorrência.

IV- DECISÃO

Tudo visto acordam os juízes em julgar improcedente a apelação e confirmar a sentença recorrida.

Regime de Responsabilidade por Custas: As custas são da responsabilidade do recorrente porque decai e na medida em que decai (art.º 446/1 e 2)
*
Transitada em julgado este acórdão, deverá providenciar-se na 1.ª instância pelo cumprimento do disposto no art.º 35/3 do Código, com remessa ao I.N.P.I. de cópia ou suporte adequado para efeitos de publicação no Boletim.

Lisboa, 12 de Maio de 2011

João Miguel Mourão Vaz Gomes
Jorge Manuel Leitão Leal
Henrique Antunes
----------------------------------------------------------------------------------------
[1] Na redacção que foi dada ao Código do Processo Civil pelo DL 303/2007 de 24/08, entrado em vigor a 1/1/08,  atenta a circunstância de o recurso ter entrado em juízo em 06/04/2010 e ter sido distribuída ao 2.º  Juízo do Tribunal de Comércio da Comarca de Lisboa, onde foi autuada em 07/04/2010, como resulta dos autos e o disposto no art.º 11 e 12 do mencionado diploma; ao Código referido pertencerão as disposições legais que vierem a ser mencionadas sem indicação de origem.
[2] Luís Couto Gonçalves, Manual de Direito Industrial, Almedina, 2008, pág. 197/198.
[3] Autor e obra citados, págs 278 e 279;
[4] Obra citada pág. 298.
[5] Autor e obra citados, pág. 299.