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EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO
SERVIÇOS PRISIONAIS
RECURSO
Sumário
Iº A pena de prisão pode ser executada em regime comum, aberto ou de segurança, em ordem a cumprir a determinação do nº1, do art.5, do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade de que “a execução das penas e medidas privativas da liberdade orienta-se pelo princípio da individualização do tratamento prisional e tem por base a avaliação das necessidades e riscos próprios de cada recluso”. IIº A decisão de colocação do recluso em regime de segurança é uma decisão administrativa, relativa ao modo de execução da prisão, que privilegia a segurança da comunidade prisional e do próprio recluso, em casos que se manifeste particularmente tal necessidade, não tendo qualquer paralelismo com a aplicação de medida disciplinar de permanência obrigatória no alojamento e de internamento em cela disciplinar – estas punitivas, ao contrário da primeira; IIIº A decisão de colocação ou manutenção do recluso em regime de segurança, ao contrário do que acontece com as medidas punitivas, não pode ser impugnada judicialmente, prevendo a lei, apenas, a sua reavaliação periódica e comunicação ao Ministério Público, para verificação da sua legalidade, nos termos dos nºs5 e 6, do art.15, daquele código;
Texto Integral
No âmbito do Processo de Impugnação com o n.º 2823/10.3TXLSB-C PUR que corre termos no 4º Juízo do Tribunal de Execução de Penas de Lisboa, vem o recluso,
M…., actualmente em cumprimento de pena no Estabelecimento Prisional Central de Monsanto,
interpor recurso da decisão do Mm.º Juiz (que entendeu que a decisão de manutenção do recluso em regime de segurança não é directamente impugnável por este), pedindo que seja ordenada a apreciação da impugnação da decisão da Direcção Geral dos Serviços Prisionais; ou, se assim não for, que seja declarada inconstitucional a norma constante do art. 200º, do Código de Execução de Penas e Medidas Privativas de Liberdade, se interpretada no sentido de que os reclusos não podem impugnar directamente a decisão da Direcção Geral dos Serviços Prisionais, sempre que tais decisões respeitem os direitos fundamentais dos cidadãos, enquanto privados da liberdade e em cumprimento de pena, por violação do disposto no art. 32º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa.
Para tanto, formula as conclusões que se transcrevem: 1º- No âmbito de execução de pena de prisão que se encontra a cumprir, foi o ora recorrente notificado de uma decisão da Direcção Geral dos Serviços Prisionais. 2º- Tal decisão, porque infundada, mereceu, por parte do ora recorrente impugnação apresentada em Juízo, nos termos do disposto nos art.s 138º, nºs 1 e 4, al. f) e art. 200º do Código de Execução de Penas e Medidas Privativas de Liberdade. Porém, 3º- Tal impugnação foi liminarmente indeferida, por o Mmo. Juiz a quo entender que a decisão da Direcção Geral dos Serviços Prisionais, não é directamente impugnável pelo recluso, ora recorrente, por não ser um caso legalmente previsto no art. 200º do CEPMPL, a contrario. Ora, 4º- Não tem razão o Mmo. Juiz a quo porquanto o despacho que o ora recorrente impugnou contende com direitos fundamentais de recluso. E, por isso, 5º- É sempre passível de impugnação directa pelos reclusos, in casu, o ora recorrente. 6º- Se assim não se entender, então, as normas constantes do art. 138º, nºs 1 e 4 , al. f) e art. 200º da Lei 115/2009 de 12 de Outubro, deverão ser consideradas inconstitucionais. Ou seja, 7º- Deve ser declarada inconstitucional a norma constante do art. 200º do Código de Execução de Penas e Medidas Privativas de Liberdade, se interpretada no sentido de que os reclusos não podem impugnar directamente a decisão da Direcção Geral dos Serviços Prisionais, sempre que tais decisões respeitem os direitos fundamentais dos cidadãos, enquanto privados da liberdade e em cumprimento de pena, por violação do disposto no art. 32º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa.
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O Magistrado do Ministério Público junto da primeira instância propugnou porque a decisão recorrida fosse mantida, apresentando as seguintes conclusões: 1. A decisão do Subdirector Geral, por delegação do Director Geral dos Serviços Prisionais de manutenção em regime de segurança a execução da pena ao recluso ora recorrente, não é nos termos do disposto nos artigos 200º e 114º do CEPMPL susceptível de impugnação directa para o Tribunal de Execução de Penas. 2. A referida decisão está sujeita à verificação da legalidade pelo Ministério Público. 3. No processo 206/10.4TWLSB dos Serviços do Ministério Público do Tribunal de Execução de Penas de Lisboa foi proferido despacho de arquivamento liminar por conformidade legal da decisão. 4. O despacho do Meritíssimo Juiz a quo não violou o princípio constitucional de garantias de defesa, nem o disposto no art. 200º do CEPMPL, ao impedir a impugnação directa de recluso da decisão do subdirector de manutenção do regime de segurança, viola o mesmo princípio. 5. Pois a decisão em causa não afecta direitos, liberdades e garantias fundamentais, sendo apenas uma decisão administrativa de execução da pena de prisão, sujeita a controlo da legalidade. 6. as normas do CEPMPL, nomeadamente os artigos 138º, nºs 1 e 4 al. f) e 200º, não violam as garantias de defesa consagradas no art. 32º da CRP. 7. As razões invocadas pelo recorrente não são susceptíveis de pôr em crise a douta decisão recorrida.
Nesta Relação, o Digno Procurador-geral Adjunto emitiu douto Parecer em que acompanha a posição defendida pelo Ministério Público na primeira instância.
Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.
Em questão está a susceptibilidade de impugnação judicial da decisão do Subdirector Geral, por delegação do Director Geral dos Serviços Prisionais, de manutenção em regime de segurança a execução da pena ao recluso recorrente.
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Fundamentação
A decisão recorrida é a seguinte: A decisão em causa (manutenção de regime de segurança) não é directamente impugnável pelo recluso, por não ser um caso legalmente previsto no art. 200º do CEPMPL ”a contrario”. Vai indeferido, pois.
E a decisão que se pretendia impugnar judicialmente é a seguinte: Considerando a gravidade dos factos que determinaram a afectação do recluso ao regime de segurança, e o comportamento deste, entendo não haver uma alteração comportamental que aconselhe o seu reingresso no regime comum. Pelo exposto, determino a sua manutenção no regime de segurança (art. 15º, nº 4, da Lei 115/09, de 12/10).
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Apreciando…
De acordo com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário das Secções do STJ de 19.10.1995 (in D.R., série I-A, de 28.12.1995), o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo, contudo, das questões de conhecimento oficioso.
O recorrente pretende que a decisão de manutenção da execução da pena em regime de segurança é sempre passível de impugnação directa pelos reclusos por contender com direitos fundamentais destes e se o entendimento for diverso, então, as normas constantes do art. 138º, nºs 1 e 4 , al. f) e art. 200º da Lei 115/2009 de 12 de Outubro, deverão ser consideradas inconstitucionais.
Assim, requer o recorrente que se este Tribunal da Relação entender que a decisão de manutenção da execução da pena em regime de segurança não é passível de impugnação directa pelos reclusos, seja declarada inconstitucional a norma constante do art. 200º do Código de Execução de Penas e Medidas Privativas de Liberdade, se interpretada no sentido de que os reclusos não podem impugnar directamente a decisão da Direcção Geral dos Serviços Prisionais, sempre que tais decisões respeitem os direitos fundamentais dos cidadãos, enquanto privados da liberdade e em cumprimento de pena, por violação do disposto no art. 32º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa.
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Vejamos então, e em primeiro lugar, que decisões dos Serviços Prisionais são directamente impugnáveis para o Tribunal de Execução de Penas.
Sobre esta matéria rege o art. 200º do Cód. de Execução de Penas e Medidas Privativas da Liberdade que “as decisões dos serviços prisionais são impugnáveis, nos casos previstos no presente Código, perante o tribunal de execução das penas”.
Por outro lado, os casos previstos no mesmo Código, de decisões dos serviços prisionais que podem ser objecto de impugnação, são os mencionados no nº 1 do art. 114º, que prescreve que “o recluso pode impugnar, perante o tribunal de execução das penas, as decisões de aplicação das medidas disciplinares de permanência obrigatória no alojamento e de internamento em cela disciplinar”.
O Código referido prevê que aos reclusos possam ser aplicadas as medidas disciplinares que enumera no nº 1 do art. 105º – “a) Repreensão escrita; b) Privação do uso e posse de objectos pessoais não indispensáveis por período não superior a 60 dias; c) Proibição de utilização do fundo previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 46.º por período não superior a 60 dias; d) Restrição ou privação de actividades sócio-culturais, desportivas ou de ocupação de tempo livre por período não superior a 60 dias; e) Diminuição do tempo livre diário de permanência a céu aberto, por período não superior a 30 dias, salvaguardado o limite mínimo estabelecido no presente Código; f) Permanência obrigatória no alojamento até 30 dias; g) Internamento em cela disciplinar até 21 dias” – mas, ainda assim, nem todas são impugnáveis judicialmente, apenas as duas últimas, nos termos do já citado 114º. Trata-se de uma opção legislativa perfeitamente compreensível, que apenas permite a impugnação judicial daquelas medidas punitivas que considera mais graves.
Por isso, quando nos termos do nº 1 do art. 138º do Código citado se refere que “compete ao tribunal de execução das penas garantir os direitos dos reclusos, pronunciando-se sobre a legalidade das decisões dos serviços prisionais nos casos e termos previstos na lei”, quer-se efectivamente dizer que o Tribunal de Execução de Penas apenas tem que (e apenas pode, acrescentamos nós) pronunciar-se, sobre a legalidade das decisões dos Serviços Prisionais nos casos e nos termos previstos na lei. Assim, quando na alínea g) do nº 4 do mesmo art. 138º se prevê que “sem prejuízo de outras disposições legais, compete aos tribunais de execução das penas, em razão da matéria: …g) Decidir processos de impugnação de decisões dos serviços prisionais”, somente se está a reiterar o disposto nos arts. 114º 1 e 200º do mesmo Código – por serem esses os casos de impugnação previstos na Lei a que alude o nº 1 do artigo 138º – e nada mais (transcrevemos a alínea g) e não a f) porque a alínea g) era a anterior f) em versão desactualizada e cremos ser a ela que o recorrente faz apelo).
Todavia, no presente recurso o que está em causa não é a aplicação de qualquer medida disciplinar (e nomeadamente depermanência obrigatória no alojamento e de internamento em cela disciplinar)… Em questão está a decisão de manutenção da execução da pena em regime de segurança.
Ora a execução da pena em regime de segurança é uma das modalidades de execução da pena de prisão – que pode ser executada em regime comum, aberto ou de segurança – em ordem a cumprir a determinação do nº 1 do art. 5º do Cód. Execução de Penas e Medidas Privativas da Liberdade de que “a execução das penas e medidas privativas da liberdade orienta-se pelo princípio da individualização do tratamento prisional e tem por base a avaliação das necessidades e riscos próprios de cada recluso”.
Na sequência da determinação supra referida, estipula o nº 1 do art. 12º do mesmo Cód. que “tendo em conta a avaliação do recluso e a sua evolução ao longo da execução, as penas e medidas privativas da liberdade são executadas em regime comum, aberto ou de segurança, privilegiando-se o que mais favoreça a reinserção social, salvaguardados os riscos para o recluso e para a comunidade e as necessidades de ordem e segurança”, sendo que nos números seguintes deste art. 12º se descrevem as características de cada uma das modalidades identificadas no nº 1, definindo o nº 4 que “a execução das penas e medidas privativas da liberdade em regime de segurança decorre em estabelecimento ou unidade prisional de segurança especial e limita a vida em comum e os contactos com o exterior, admitindo a realização de actividades compatíveis com as particulares necessidades de manutenção da ordem e da segurança de bens jurídicos pessoais e patrimoniais”.
Concretamente, no que se refere ao regime de segurança, define o nº 1 do art. 15º que “o recluso é colocado em regime de segurança quando a sua situação jurídico-penal ou o seu comportamento em meio prisional revelem, fundamentadamente, perigosidade incompatível com afectação a qualquer outro regime de execução”, esclarecendo o nº 2 que “é susceptível de revelar a perigosidade referida no número anterior: a) A indiciação ou condenação pela prática de facto que configure terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada ou a existência de fortes suspeitas de envolvimento neste tipo de criminalidade, sustentadas em informação escrita prestada por tribunal, órgão de polícia criminal ou serviço de segurança; b) A assunção de comportamentos continuados ou isolados que representem perigo sério para bens jurídicos pessoais ou patrimoniais ou para a ordem, disciplina e segurança do estabelecimento prisional, designadamente os que se traduzam em intimidação, exploração ou condicionamento de outros reclusos ou funcionários; c) O perigo sério de evasão ou de tirada, sustentado em informação escrita prestada por órgãos de polícia criminal, serviço de segurançaou pelos serviços prisionais”.
E prescreve o nº 4 do mesmo art.15º que “as decisões de colocação, manutenção e cessação em regime de segurança são fundamentadas e competem ao director-geral dos Serviços Prisionais”. Tal decisão consubstancia, como se vê, uma decisão administrativa de modo de execução da prisão, que privilegia a segurança da comunidade prisional e do próprio recluso, em casos que se manifeste particularmente tal necessidade, e que nenhum paralelismo tem com a aplicação de medida disciplinar de permanência obrigatória no alojamento e de internamento em cela disciplinar – estas punitivas, ao contrário da primeira. E se é compreensível, à luz dos princípios gerais do direito, que medidas punitivas que limitem a liberdade do recluso em meio prisional possam ser impugnadas judicialmente, já não se compreende que possa também ser impugnada judicialmente a decisão de colocação ou de manutenção do arguido em regime de segurança.
No entanto, esta decisão administrativa, embora não possa ser impugnada judicialmente é periodicamente reavaliada e a sua legalidade é verificada pelo Ministério Público. Com efeito determina o nº 5 do ditado art. 15º que “a execução das penas e medidas privativas da liberdade em regime de segurança é obrigatoriamente reavaliada no prazo máximo de seis meses, ou de três meses no caso de recluso com idade até aos 21 anos, podendo sê-lo a todo o tempo se houver alteração de circunstâncias” e acrescenta o nº 6 que “as decisões de colocação e manutenção em regime de segurança, bem como as decisões de cessação, são comunicadas ao Ministério Público junto do tribunal de execução das penas para verificação da legalidade”.
No caso concreto, a decisão em questão foi comunicada ao Ministério Público junto do tribunal de execução das penas que verificou a legalidade e concluiu pela existência da mesma, nos termos do Processo para Verificação da Legalidade cuja cópia se encontra junta aos autos a fls. 75 ss.
Por outro lado, estas decisões de colocação e manutenção dos reclusos em regime de segurança respeitam os direitos fundamentais dos cidadãos privados da liberdade e em cumprimento de pena, não violando o disposto no art. 32º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa o facto de não serem recorríveis.
É verdade que nos termos do nº 1 do art. 32º da Constituição da República Portuguesa “o processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso”.
Contudo, este princípio constitucional não significa que todas as decisões sejam sempre passíveis de recurso. A admissibilidade do recurso está condicionada, através de limites objectivos fixados na lei, designadamente da natureza dos interesses envolvidos, da menor relevância das causas ou da repercussão económica para a parte vencida (cfr. Lopes do Rego, Acesso ao direito e aos tribunais, in Estudos sobre a Jurisprudência do Tribunal Constitucional, 1993, p. 83).
Assim, o que o referido princípio constitucional salvaguarda é a garantia da existência de um sistema de recursos, que o legislador não pode abolir ou restringir de forma excessiva de modo a que se possa concluir que em termos de facto os recursos foram efectivamente suprimidos. Mas o mesmo princípio não impede que o legislador possa admitir limites razoáveis à admissibilidade do recurso – neste sentido, o Ac. do Tribunal Constitucional nº 496/96, de 20.03.1996, publicado na II Série do DR de 17.07.1996, p. 9761 ss, já entendeu que o legislador ordinário dispõe de ampla liberdade de conformação no estabelecimento de requisitos de admissibilidade dos recursos.
Termos em que não existe a inconstitucionalidade arguida.
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Decisão
Pelo exposto, acordam em julgar improcedente o recurso e confirmam o despacho recorrido.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em quatro (4) UCs, sem prejuízo do disposto na alínea j) do nº 1 do art. 4º do Regulamento das Custas Processuais.
Lisboa, 17 de Maio de 2011
(processado e revisto pela relatora)
Relator: Alda Tomé Casimiro;
Adjunto: Paulo Barreto;