QUINHÃO HEREDITÁRIO
MEAÇÃO
CESSÃO
AQUISIÇÃO
REGISTO PREDIAL
PRESUNÇÃO
PRESUNÇÕES JUDICIAIS
VENDA DE COISA ALHEIA
Sumário

1. Ao juiz apenas é lícito lançar mão das presunções judiciais se a base da presunção estiver provada.
2. A descredibilização do depoimento de uma testemunha não permite considerar provado o contrário do que afirma.
3. O regime consagrado no artigo 877.º CC destina-se claramente a proteger a legítima dos descendentes que poderia ser posta em causa através de vendas simuladas, normalmente de difícil prova.
4. Não assumindo o enteado a qualidade de herdeiro do cônjuge do progenitor, nunca lhe poderá ser aplicável o regime estabelecido no artigo 877.º CC..
5. A segunda transmissão do mesmo bem se configura como venda de coisa alheia (como própria), que a lei comina com nulidade, no artigo 892.º, CC, entendendo a doutrina que esta sanção se aplica nas relações entre o vendedor e adquirente, sendo a alienação ineficaz relativamente ao proprietário, por se configurar relativamente a ele como res inter alios acta.
6. A nulidade prevista no artigo 892.º, CC, não é do conhecimento oficioso.
7. Embora quer o património comum do casal, quer a herança, possam integrar imóveis, até à partilha o meeiro e o herdeiro não são titulares de bens concretos nem comproprietários, mas apenas titulares de uma quota ideal do património comum e da herança.
8. A cessão de quinhão hereditário não implica a cessão de bens determinados, nomeadamente imóveis, que integrem a herança, apenas originando o direito à aquisição desses bens se vierem a preencher o quinhão dos cedentes.
9. A cessão de meação e de quinhão hereditário não está sujeita a registo, ainda que os patrimónios a partilhar integrem imóveis.
10. O registo da aquisição do direito à meação e quinhão hereditário é um registo anómalo, do qual não podem derivar as consequências inerentes ao registo, designadamente a presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito nos precisos termos em que o registo o define (artigo 7.º CRP), e a prioridade do direito inscrito em primeiro lugar (artigo 6.º CRP).
( Da responsabilidade da Relatora)

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

1. Relatório
A , viúvo, residente no …. , em ..., T... ..., intentou acção declarativa de condenação, sob a forma ordinária, contra B , viúva, residente no lugar de …, em ..., T... ...; C , solteira, maior, residente na Rua ….., em ... ; D , solteira, maior, residente na morada da anterior; e E e mulher, F , casados sob o regime da comunhão de adquiridos e residentes, também eles, na mesma Rua …. em ..., pedindo que:
a) seja reconhecido e declarado o seu direito de propriedade sobre os direitos transmitidos pela 1.ª R., traduzidos na meação e quinhão hereditário desta na herança aberta por óbito de G;
b) seja declarada nula a venda realizada pela 1.ª R. às 2.ª e 3.ª RR;
c) seja declarado nulo o registo de aquisição/transmissão a favor das 2.ª e 3.ª RR, a que corresponde a inscrição G-2 no único prédio da herança descrito na Conservatória do Registo Predial;
d) sejam os RR. condenados a indemnizar o A. na quantia que se vier a liquidar em execução de sentença.
Alegou para tanto, e em síntese, que por escritura pública outorgada no dia 22 de Abril de 1993, no 1.° Cartório Notarial de T... ..., a 1.ª R. vendeu ao A. o «direito à meação que possuía nos bens comuns do dissolvido casal por óbito de seu marido G, com quem fora casada segundo o regime da comunhão geral de bens em segundas núpcias dele, primeiras dela (...) e, bem assim, o direito ao quinhão hereditário que possui na herança aberta por seu óbito, traduzido este no direito indiviso da mesma». Que a transmissão do referido quinhão foi a forma encontrada pela cedente para proceder ao pagamento ao A. e seu falecido filho, Mário ….., da quantia de 2.209.209$90, por estes entregue ao Ministério da Agricultura para liquidação de uma dívida do referido G, o que foi do conhecimento dos aqui 4.°s RR., filho e nora da Ré B.
Não obstante, o A. tomou conhecimento que a 1.ª R. celebrou uma segunda escritura, outorgada em 2006.02.06, nos termos do qual vendia o aludido quinhão hereditário na herança do falecido G a suas netas, as aqui RR. C e D , sendo tal venda a non domino nula, nos termos do preceituado no artigo 892.° CC, sendo certo ainda que às demandadas adquirentes deve ser negada qualquer protecção reservada aos terceiros de boa fé, posto que à data da outorga da escritura detinham já conhecimento da anterior venda a favor do demandante.
Contestaram os RR., tendo 1.ª R. declarado desconhecer o conteúdo da aludida escritura de venda, junta pelo A., que não assinou nem subscreveu. Mais impugnou a existência de um qualquer acordo verbal nos termos do qual se tivesse obrigado a ceder a sua meação e quinhão na herança aberta por óbito de seu marido como contrapartida do pagamento pelo seu enteado e aqui A. de dívidas do de cujus.
Afirmou a 1.ª R. ter tido conhecimento da pendência de acção executiva instaurada pelo Ministério da Agricultura contra o seu falecido marido, sendo todavia a quantia exequenda de apenas 739.000$00, dívida na altura assumida pelo filho do A., Mário …., que à época amanhava alguns imóveis da herança, tendo ficado acordado que seria compensado aquando da realização das partilhas, uma vez que detinha também a qualidade de herdeiro em representação de sua mãe, Maria ….., também falecida.
Reiterando não ter tido intervenção na invocada escritura, alegou por último a 1.ª R. que na mesma interveio como testemunha Al …. , na verdade parte interessada, por ser a mãe de O ….., companheira de Mário ….. e mãe dos seus filhos, sendo este, por seu turno, filho do A..
Alegaram ainda que, tratando-se de cessão ou venda de quinhão hereditário a favor de enteado, estamos perante situação equiparada à prevista no artigo 877.° CC, a desencadear o regime aqui consagrado, sendo o negócio anulável, conforme estatuído no n.° 2 do preceito, sendo certo que os demais RR. dele não tiveram qualquer conhecimento até terem sido interpelados por carta que lhes foi enviada pela Il. Mandatária do A. em Agosto de 2007.
Concluem pela improcedência da acção, devendo antes ser reconhecido e declarado o direito das 2.ª e 3.ª RR. sobre os direitos transmitidos pela 1.ª R. e, consequentemente, válidos o negócio celebrado e registo subsequente, pretensão que formulam em via reconvencional.
Ainda nesta sede pedem seja declarada a nulidade da cessão onerosa de quinhão hereditário celebrada entre a 1.ª R. e o aqui A. nos termos do disposto no artigo 892.° CC, ou, quando assim se não entenda, deve ser declarada a anulabilidade por interpretação extensiva do artigo 877.°, devendo o A. reconvindo ser ainda condenado no pagamento da quantia de € 4.000,00, acrescida de IVA, montante que os demandados terão que pagar à mandatária que os patrocina, gasto a que não seriam obrigados não fora a conduta do demandante.
Replicou o A., pugnando pela improcedência da reconvenção.
Por ter falecido na pendência da acção a R. B , foi julgado habilitado para com eles prosseguirem os termos da causa o seu herdeiro e também R. E .
Dispensada a realização da audiência preliminar, foi admitido o pedido reconvencional e relegado para final o conhecimento das excepções aduzidas pelos RR., prosseguindo os autos com a fixação da matéria de facto relevante.
Procedeu-se a audiência de julgamento, tendo sido proferida sentença nos seguintes termos:
3.1 - Em face a todo o exposto, julgo a presente acção procedente, por provada, nos termos explanados e, em consequência:
3.1.1 - declaro a nulidade e ineficácia em relação ao A. da cedência efectuada pela R. B , entretanto habilitada, às demandadas C e D , tendo por objecto os direitos à meação e quinhão hereditário de que a cedente era titular na herança aberta por óbito de G, negócio formalizado por escritura pública outorgada em 6 de Fevereiro de 2006 no Cartório Notarial de T... ... da Lic.ª Maria …., e declaro que o A. … é o titular dos referidos direitos;
3.1.2 - determino, em conformidade, o cancelamento da inscrição G-2 ao prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de T... ... sob o n.° 0000/00/00/88 da freguesia de ... [prédio misto denominado Casal …, composto da casa de habitação e logradouro, vinha, terreno estéril e diversas árvores, com a área de 12 560 m², a confrontar do norte com Rui …. , sul com Francisco …. e outro, nascente José …. e outro, poente Manuel ….., inscrito na matriz sob os art.°s 000 e 00 da secção B];
3.1.3 — mais condeno os RR. a procederem ao pagamento ao A., a título de indemnização, da quantia que se vier a liquidar corresponder aos gastos por este suportados com a propositura da presente acção, incluindo os honorários à Il. Advogada que os patrocina.
3.2 — Julgo a reconvenção totalmente improcedente, absolvendo o A. C… R… dos pedidos contra ele formulados.
Inconformados recorreram os RR., apresentando as seguintes conclusões:
«I- A douta sentença proferida nos autos da acção ordinária supra referenciados, "declara a nulidade e ineficácia em relação ao autor da cedência efectuada pela R. B ,entretanto habilitada, às demandadas C e D tendo por objecto os direitos à meação e quinhão hereditário de que a cedente era titular na herança aberta por óbito de G, negócio formalizado por escritura pública outorgada em 6 de Fevereiro de 2006 no Cartório Notarial de T... ... da lic. Maria …., e declarando que o autor A. é o titular dos referidos direitos; mais determinou, em conformidade, o cancelamento da inscrição G-2 ao prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de T... ... sob o n.° 0000/00/00/00 da freguesia de ... (prédio misto denominado Casal …, composto de casa de habitação e logradouro, vinha, terreno estéril e diversas árvores, com a área de 12.560m², a confrontar do norte com Rui …. ,Sul com Francisco … e outro, nascente José … e outro, poente Manuel …., inscrito na matriz sob os artigos 203 e 24 da secção B) ; mais condenou os RR a procederem ao pagamento ao autor, a título de indemnização, da quantia que se vier a liquidar correspondente aos gastos por este suportados com a propositura da presente acção, incluindo os honorários à Il. Advogada que os patrocina; julgou a reconvenção totalmente improcedente, absolvendo o autor C… R… dos pedidos contra ele formulados.
II- Tal decisão assenta, no entender do Tribunal a quo, da apreciação da matéria de facto dada como provada com base na produção da prova testemunhal, e da sua ponderação, em conjugação com as provas documentais nos autos bem como recorreu o Tribunal a quo ao instituto das presunções judiciais.
III- Ora, no caso vertente, e no modesto entender dos Apelantes, nem a prova documental nem a prova testemunhal foi devidamente apreciada pelo Tribunal a quo, tendo existido erro notório na apreciação da prova nomeadamente da gravada) nos termos da alínea b) do n.° 2 e n.° 3 do artigo 669.° do Código de Processo Civil, nem tão pouco a utilização das presunções judiciais a que o Tribunal a quo recorreu para formular as suas conclusões cumpriam os requisitos legais estabelecidos nos artigos 349.° a 351.° do Código Civil o que, em consequência, levou à errada aplicação do Direito.
IV- Sucintamente, entendem os Apelantes que, da prova gravada não resulta nem ficou provado o conhecimento dos RR B, C, D, E , da 1.ª escritura de cessão de meação e quinhão hereditário da 1.ª Ré B ao A. outorgada em 1993, pelo que não pode ser anulada ou declarada nula a 2.ª escritura de cessão de meação e quinhão hereditário da 1.ª Ré às suas netas 2.ª e 3.ª RR C e D nem cancelado o registo de aquisição a favor destas últimas que se assumem, nesta qualidade, terceiras de boa fé beneficiando do principio da boa fé registal conforme estipula o disposto no artigo 7.° do Código de Registo Predial.
V- O princípio da boa fé registal das 2.ª e 3.ª RR C e D é uma presunção iuris tantum a qual, para ser contrariada exige a produção de prova plena nesse sentido não bastando para o afastar uma mera prova genérica ou presunção judicial ou seja, para afastar a presunção de boa fé daquelas adquirentes C e D com registo de aquisição a seu favor é necessário fazer prova plena e inequívoca da má fé das adquirentes no momento da formalização do acto pelo qual adquiriram tais direitos, isto é, que as RR C e D, à data da outorga da 2.ª escritura de cessão em 2006 tinham conhecimento de que a sua avó, a 1.ª Ré B já tinha, na data de 1993, feito a cessão dos direitos ao A., o que não ficou efectivamente e plenamente provado.
VI- Para além disso, e efectivamente, não logrou o A. também provar, nem isso foi sequer alegado ou quesitado, nem por actos de posse nem por quaisquer outros meios, ser titular do direito que se arrogava, exibindo ao Tribunal a quo tão só e meramente uma escritura de cessão outorgada em 1993, cheia de irregularidades formais e materiais, designadamente declarações falsas das testemunhas abonadoras da identificação da 1.ª Ré e falta de consentimento para a cessão do único filho da cedente o ora 4.° Réu E e isto por interpretação extensiva do disposto no artigo 877.° do Código Civil e que, no entender dos Apelantes não deve ser conferida qualquer eficácia jurídica.
VII- Sendo pois a 2.ª escritura de cessão e quinhão hereditário perfeitamente válida e as RR C e D terceiras de boa fé, tendo andado mal o Tribunal a quo ao decidir da forma como o fez, tudo nos termos das alíneas a) e b) do n.° 2 do artigo 690.° e n.° 1 e 2 do artigo 690.°-A do código de Processo Civil.
VIII- Por último, invocam os Apelantes que, tratando-se de cessão ou venda de quinhão hereditário a favor de enteado, a situação é equiparada à prevista no artigo 877.° do Código Civil, a desencadear o regime ali consagrado, sendo o negócio anulável não tendo havido consentimento para o acto do único filho da cedente o ora 4.º Réu E, conforme estatuído no n.° 2 do dito preceito.
IX- Vêem também os RR Apelantes requerer seja declarada a nulidade da cessão onerosa de quinhão hereditário celebrada entre a 1.ª Ré e o aqui autor nos termos do disposto no artigo 892° do Código Civil ou, quando assim se não entenda, deve ser declarada a anulabilidade por interpretação extensiva do artigo 877° devendo o A. Reconvindo ser ainda condenado no pagamento de uma quantia de 4000,00€, acrescida de IVA, montante que os Apelantes terão que pagará mandatária que os patrocina, gasto a que não seriam obrigados não fora a conduta do A.
X- Consideram as RR Apelantes que o Tribunal a quo deveria, tendo em conta o princípio da verdade material e da boa decisão da causa e dentro do poder instrutório do juiz ter determinado, ao abrigo do disposto no artigo 552.° do Código de Processo Civil suscitado o depoimento de parte do autor A e sugerido pelos Apelantes. O depoimento de parte visa em essência a prova por confissão das partes conforme resulta do disposto no artigo 352.° do Código Civil e pressupõe que a parte determinada a comparecer para prestação de depoimento sobre factos que interessem à decisão da causa visando-se nesse sentido que a parte reconheça a realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária assumindo força probatória plena contra o confitente (artigo 358.° do Código Civil).
XI- O Tribunal a quo, caso tivesse proferido a decisão de recorrer a este meio de prova teria obviamente tido neste um grande auxilio à verdade dos factos. Efectivamente o autor A é interveniente e interessado directo no alegado acordo de cessão de meação e quinhão hereditário que manteve com a ré B tendo, ao que parece, sido ele próprio quem assinou a 1.ª escritura pública de cessão de meação e quinhão hereditário.
XII- No caso dos autos pretendiam as Apelantes impugnar a falsidade das declarações prestadas na 1.ª escritura de cessão outorgada supostamente entre o A. e a 1.ª Ré B. Tendo em conta tal pedido não deveria o Tribunal a quo ter tido outra posição que não a de ter suscitado a sua realização. Não o tendo feito ficou a parte RR prejudicada com um essencial meio de prova que poderia ter invertido o desfecho do mérito da decisão da presente acção devendo o Tribunal a quo ser sancionado por este motivo.
XIII- Primeiro, os RR. Apelantes discordam em absoluto das conclusões de facto do Tribunal a quo e das suas Motivações pois considera que quanto a essa matéria de facto não resulta, dos depoimentos prestados pelas testemunhas apresentadas pelo próprio autor, que a Ré B nora da Maria …, tivesse qualquer conhecimento do eventual acordo entretanto alcançado entre o autor e a ré B e da escritura referida em A).
XIV- O certo é que a referida dívida da qual os RR Apelantes admitiram a sua existência, era uma dívida da herança do falecido G e da responsabilidade portanto de todos os herdeiros e não da exclusiva responsabilidade da cabeça de casal. Para além disso, ao que se apurou, nesse dito terreno da herança encontravam-se implantadas várias casas de habitação de toda a família. Seria portanto lógico e de presumir que todos os herdeiros, em conjunto, se responsabilizassem pelo seu pagamento e não apenas a cabeça de casal que, de acordo com a posição assumida como provada pelo Tribunal a quo sacrificou a sua meação e quinhão hereditário na herança aberta por óbito de seu marido G para que o A. pagasse uma dívida da responsabilidade de todos herdeiros daquele.
XV- Refere ainda o Tribunal a quo que, ouvido a este propósito, a testemunha Mário …. (depoimento prestado com início às 11h22m06ss. e fim às 11h27m14ss) declarou de nada ter conhecimento. Todavia, e conforme o dito Luís … (depoimento prestado com início às 10h04m56ss e fim às 10h22m27ss) tinha já ressalvado, foi sua mãe quem recebeu as cartas atinentes à tal dívida que, destinando-se a avisar da hasta pública, foram remetidas aos herdeiros do avô. A testemunha referiu ainda ter memória da sua mãe ter até falado com a mulher do autor, sua tia Maria …., entretanto também falecida, para que a família em conjunto procurasse uma solução, a fim de evitar que os bens fossem parar à mão de terceiros.
XVI- Do depoimento prestado pelas testemunhas Luís … (depoimento prestado com início às 10h04m56ss e fim às 10h22m27ss) e Carlos …. (depoimento prestado com início às 10h46m01 ss e fim às 10h57m14ss) o que resulta expresso é que a ré B terá sido abordada pelo sogra Maria … para a auxiliar na questão da penhora do prédio em causa nos autos ao que esta terá respondido que não podia porque também tinha muitos problemas. Não resulta do seu depoimento que fosse conhecedora de qualquer acordo ou cessão de meação ou quinhão hereditário.
XVII- A instâncias do Tribunal a quo diz a testemunha do autor Luís …. (depoimento prestado com início às10h04m56ss e fim às 10h22m27ss) que tem conhecimento da existência de uma dívida do avô G …. à cooperativa agrícola de T... ... a qual, após o falecimento deste foi objecto de penhora tendo todos os herdeiros sido notificados para a pagar. Recorda-se da sua mãe ter reunido com ele próprio e com o irmão e com a mulher do César para em conjunto pagarem a dívida porque tinham lá as casas implantadas no terreno objecto de penhora e que como a mãe não tinha dinheiro foi o César quem pagou a dívida.
XVIII- Acresce a referida testemunha Luís ….depoimento prestado com início às10h04m56ss e fim às 10h22m27ss) que " Eu acho que o acordo que havia era ele, acho que há uma carta ou uma declaração em que se eles pagassem a dívida eles ficavam com o quinhão que era dela, agora se foi só verbalmente ou se foi realmente por escrito não sei, sei que houve um acordo entre eles (B e o César ….) e que soube deste acordo pelo próprio César e por sua mãe.
XIX- O R. E não teve na ocasião conhecimento de qualquer acordo de cessão de meação e quinhão hereditário entre a sua mãe Maria …. e o autor A até porque se encontrava ausente do país em parte incerta. A esposa, de também nome próprio Maria …., foi -lhe comunicada pela sogra Maria …. a existência da dita dívida mas que esta já tinha muitos problemas e não tinha possibilidade de resolver a situação daquela dívida e as primas, as ora RR C e D, na altura eram pequenas e teriam 13, 14 anos, e de nada souberam.
XX- Daqui resulta que em momento algum a testemunha afirmou ou declarou que algum destes quatro intervenientes na acção, ora RR., B, C, D e E, tivesse tido efectivo conhecimento de tal acordo de cessão de meação e quinhão hereditário tendo aliás o R. E regressado a Portugal apenas nos anos de 2003 ou 2004 nem tão pouco conhecimento da dita 1.ª escritura de cessão de meação e quinhão hereditário. Aliás, ela própria testemunha Luís …. desconhecia a existência da escritura referindo-se apenas à existência de uma carta ou declaração para garantir o pagamento ao César.
XXI- E a testemunha do autor Carlos …. também sobre a questão da penhora sobre o imóvel que constituía o acervo hereditário do falecido G e quanto ao acordo de cessão de meação e quinhão hereditário veio confirmar que na ocasião o R. E , filho da Maria …, estava ausente do país tendo a Ré B falado com a nora Maria …. sobre esse assunto e a nora disse que tinha mais coisas em que se preocupar não se estava a preocupar com isso.
XXII- A testemunha Carlos …. (depoimento prestado com início às 10h46m01ss e fim às 10h57m14ss) vem ainda assegurar ao Tribunal, e aqui não pode deixar de se considerar estranho, que a "avó", ora RR B, tinha decidido dar a parte dela na herança do marido a quem fosse pagar a dívida fosse filho ou enteados e que tal acordo foi na altura do conhecimento dos RR. B e E e que nada foi em segredo. Contudo, interpelado pelo Tribunal quo sobre a dívida declarou nada saber sobre esta e nunca soube.
XXIII- Ora, acontece que a testemunha Carlos …. (depoimento prestado com início às 10h46m01ss e fim às 10h57m14ss) é irmão da testemunha Luís ….. Referiram ambas que o assunto da dívida foi discutido em família e acordado em família e que foi tudo feito em família e sem segredos. Mas, contudo, a testemunha Luís …. não refere qualquer escritura nem refere que os RR tinham conhecimento desta. Aliás, nem ela própria testemunha tinha conhecimento de qualquer escritura referindo-se à existência de uma mera carta ou declaração.
XXIV- Contudo, a testemunha Carlos …. afirma saber da existência da escritura referida em A) mas contudo vem depois dizer nada saber da dívida??? Afirmando ainda que quando regressou passados pelo menos 8 anos e tal o R. E comentou com a testemunha sobre o assunto e continuou a dar-se bem com a família. Não se esclarece contudo sobre que conversaram a testemunha e o R. E. Se falaram da dívida, da penhora, do acordo da família, da escritura de cessão??? Sabe da cessão e nada sabe da dívida? Que teve por base tal acordo?? É a única testemunha a dizer que falou com o réu E sobre o assunto e ele sabia. Qual assunto? A dívida? O pagamento da dívida pelo A.? o acordo? Ficamos sem saber a que se referia a testemunha ao certo...
XXV- E se a testemunha confirma que o R. E se continuou a dar bem com a família era porque decerto não existia qualquer problema em discordância ou divergência sendo pois pouco provável que a conversa a que se referiu a testemunha Carlos …. com o R. E fizesse referência à escritura referida em A) mas tão só ao assunto do pagamento da dívida da herança.
XXVI- Ora, daqui não resulta nem se poderá presumir que a nora Maria … e o R. E tivesse tido conhecimento do alegado acordo estabelecido entre o A. A e a sogra.
XXVII- O Tribunal a quo não tinha pois qualquer fundamentação de facto para dar como provado que a ré B tivesse tido efectivo conhecimento de tal acordo e da escritura de cessão de meação e quinhão hereditário como deu como provado no quesito 1.° da base instrutória e alínea E) da Fundamentação de facto da ora sentença recorrida.
XXVIII- Nem tão pouco poderia dar como provado que o E sabia porque se encontrava ausente do pais como deu como provado no quesito 9° alínea F) da Fundamentação de Facto da ora sentença recorrida.
XXIX- Inexistindo qualquer base e fundamento para a presunção judicial do Tribunal a quo de que as RR. C e D tinham conhecimento da 1.ª escritura de cessão quando outorgaram a segunda escritura de cessão de meação e quinhão hereditário referida em G).
XXX- Nem tão pouco resultou do depoimento de qualquer uma das testemunhas Luís…. (depoimento prestado com início às 10h04m56ss e fim às 10h22m27ss) e Carlos … (depoimento prestado com início às10h46m01ss e fim às 10h57m14ss) sequer a menção aos nomes das RR C e D e eventualmente conhecimento destas deste acordo, negócio, de cessão de meação e quinhão hereditário entre a avó Maria …. e o tio C. .
XXXI- Também a testemunha Mário …. (depoimento prestado com início às 10h23m01 ss e fim às 10h34m50ss), filho do autor, com interesse directo na causa porque seu herdeiro directo, está de relações cortadas com os RR, afirmou ao Tribunal ter conhecimento da dívida ao crédito agrícola de emergência e da penhora do imóvel e que a Ré B teria ido pedir ajuda à nora que na altura disse não ter condições para a ajudar e o único filho dela estava ausente. Acordaram então com o Autor, seu pai, fazer o pagamento dessa dívida e acordaram com a Ré B em troca a cedência do quinhão hereditário para o autor que formalizaram em escritura.
XXXII- A referida testemunha afirmou desconhecer naquela data o paradeiro do seu tio Manuel … que estava ausente do país e se este mantinha contacto com a esposa Maria …. e que até a Ré B, sua "avó" pela conversa também não sabia onde ele estava e as primas eram pequenitas. Que a mulher do E teve conhecimento da dívida porque foi a ela quem a sogra recorreu imediatamente. Mas daqui não resulta provado que esta tivesse conhecimento do acordo de cessão de meação e quinhão hereditário.
XXXIII- Quanto à testemunha O …. (depoimento prestado com início 10h35m21ss e fim às 10h45m31ss), companheira do Mário …. há mais de 27 anos, e portanto com interesse directo na causa porquanto vive com este em união de facto e em regime equiparado à do casamento, não fala com os RR, sabe da existência de uma dívida e que os bens iam à praça e que a "avó" do marido pediu a ajuda da nora que não tinha condições para ajudar e foi o A. quem pagou a dívida e que quando regressou a Portugal, uns meses depois de ter regressado, cerca de 5 a 6 anos antes da 2.ª escritura, foi informado que havia essa escritura pela família tendo falado com o marido da testemunha sobre isso.
XXXIV- Ora, daqui resulta que, a ter existido uma conversa desconhecesse o seu conteúdo. Houve uma conversa não se sabe o conteúdo. A testemunha não assistiu à conversa. Para além disso a ter existido uma qualquer conversa sobre a 1.ª escritura de cessão de meação e quinhão hereditário tal conversa teria que ter tido lugar com o A. A que foi quem efectivamente pagou a dívida e não com a testemunha Mário ….
XXXV- Refere ainda que a mulher do R. , F tinha que ter conhecimento da 1.ª escritura porque toda a família sabia e a sogra decerto a informou disso. É uma conclusão da testemunha e não um facto.
XXXVI- De todas as outras testemunhas apresentados pelo autor nenhuma delas tinha conhecimento sobre se o réu E , após a sua chegada a Portugal em 2003/2004, tinha conhecimento da escritura de cessão de meação e quinhão hereditário. Nem tão pouco se a Ré B tinha conhecimento desse facto à data da sua eventual outorga ou quando o R. E regressou. Nenhuma das testemunhas referiu sequer o seu nome e questionados pelo tribunal a quo declararam não saber se as RR. C e D tiveram sequer conhecimento de alguma coisa sequer porquanto até naquela data eram "pequenitas" com 13, 14 anos.
XXXVII- Também quanto ao quesito 2.° não decorreram da prova produzida em audiência de discussão e julgamento quaisquer factos que fundamentem a decisão de considera provado que as intervenientes na segunda escritura de cessão de meação e quinhão hereditário C e D tivessem qualquer conhecimento da outorga, por sua avó, daquela 1.ª escritura. Aliás,
XXXVIII- Não poderia pois o Tribunal a quo ter decidido como decidiu.
XXXIX- Sendo certo que daqui resulta serem as rés C e D, por efeito da 2.ª escritura de cessão de meação e quinhão hereditário outorgada em 1996 e por efeito do registo de aquisição que entretanto efectuaram adquirentes de boa fé de acordo com o estipulado no artigo 7.° do Código de Registo Predial sendo portanto o seu direito de aquisição oponível a qualquer terceiros.
XL- Nesta questão essencial veio o Tribunal a quo, em nosso entender de forma errada, a afastar a boa fé das adquirentes C e D , com base num raciocínio que faz concluindo que se a ré B e E tinham conhecimento da 1.ª cessão como julgou erradamente em nosso entender provado sendo as rés C e D suas filhas presume-se que também tinham conhecimento dessa sessão.
XLI- E é com base nesta presunção judicial que o Tribunal a quo decide considerar como provado o quesito 2.° e o conhecimento dos RR. C e D daquele 1.° acordo de cessão de meação e quinhão hereditário.
XLII- As presunções judiciais também designadas de materiais, de facto ou de experiência (art. 349.° do CC) não são, em rigor, genuínos meios de prova, mas antes meios lógicos ou mentais ou operações firmadas em regras de experiência, operações de elaboração das provas alcançadas por outros meios, reconduzindo-se, assim, a simples prova de primeira aparência, baseadas em juízos de probabilidade. In Acórdão do STJ de 6-5-2010 no Processo 5153/07.4 TBSTS. P1.S1, 2.ª secção,
XLIII- Aqui chegados, demonstrada e concluída que o Tribunal a quo avaliou mal a prova (gravada) e o depoimento das testemunhas retirando do depoimento destas conclusões que não têm qualquer fundamento factual e concreto – designadamente como acima ficou demonstrado que os RR B e E, a Ré B à data do acordo e o réu E quando regressou a Portugal não tinham conhecimento da 1.ª escritura referida em A) deixa o Tribunal a quo de ter base para concluir que as RR C e D tinham conhecimento desta escritura ou seja,
XLIV- O Tribunal a quo considerou provado que a Ré B e E tiveram conhecimento da 1.ª cessão presumindo apenas com base na relação de familiaridade, porque nada mais foi dito ou provado nesse sentido, - que as RR C e D tiveram também conhecimento desta 1.ª escritura pelo que, ao outorgarem a 2.ª escritura de cessão não agiram de boa fé. Isto é, o Tribunal a quo com base em conclusões em nosso entender erradas, sem fundamentação de facto, estabelece presunções judiciais a fim de afastar a presunção de boa fé registal das RR C e D que têm o seu direito de aquisição registado conforme alínea E) da matéria assente.
XLV- Se, pelo contrário, dermos por não provado o quesito 1.° porquanto não se provou que o A. celebrado entre o A. e a 1.ª Ré B, na escritura pública referida em A) foi feito com o conhecimento do filho e nora desta, aqui 4.° RR e dos filhos do autor, temos que necessariamente, porque deixa de ter base e fundamento de facto o facto provado que serve de suporte à presunção judicial estabelecida pelo Tribunal a quo, dar como não provado o quesito 2.° e que à data da segunda escritura a 2°, 3° e 4° Rés tinham conhecimento da existência da primeira escritura de 22 de Abril de 1993.
XLVI- Não cumpriu pois o Tribunal a quo os requisitos legais exigidos na lei que suportem a presunção judicial que utiliza para afastar a boa fé registal das RR C e D por conseguinte não é admissível tal presunção judicial violando o disposto no artigo 349.° a 351.° do Código Civil e em consequência não se encontrando provado o quesito 2.° da base instrutória.
XLVII- Resultando da documentação junta aos autos que as 2.° e 3.° RR, antes do envio da carta da advogada do Autor datada de 27.8.2007, não tinham conhecimento da existência da escritura de cessão onerosa de quinhão celebrada em 22 de Abril de 1993 daqui resultando que o tribunal a quo deveria ter dado por provado o quesito 8.° da base instrutória e conforme alínea H) da base instrutória.
XLVIII- No caso o Tribunal a quo retirou em exclusivo da relação de familiaridade das RR a conclusão de que os factos supostos conhecidos dos RR B e E eram do conhecimento das RR C e D sem mais. Ora, a relação de familiaridade não é suficiente para se concluir por si só a conclusão de ciência, precisa de que todos tinham conhecimento do mesmo. Aliás, as RR. C e D podiam nem sequer ter uma relação amigável com os RR B e E nem isso foi questionado ou quesitado.
XLIX- O que sabemos e esta a conclusão séria, precisa e exacta, é que a avó Maria….. cedeu às suas únicas netas C e D a sua meação e quinhão hereditário conforme escritura junta e alínea G) da matéria assente e as quais registaram esses direito de aquisição a seu favor na competente conservatória do registo predial.
L- E é com base na presunção judicial de que as Rés C e D, porque filhas dos RR B e E, sabiam da existência da 1.ª escritura de cessão de meação e quinhão hereditário, que o Tribunal a quo afasta a boa fé destas adquirentes considerando que esta segunda transmissão, sendo certo que a titularidade dos direitos havia sido transferida, por efeito do contrato anterior, para a esfera jurídica do autor, configura a alienação de coisa alheia, sancionada com a nulidade e ineficaz em relação ao aqui autor, conforme vem sendo entendido (artigo 892.°, aplicável aos demais negócios onerosos por força do disposto no artigo 939.° do Código Civil).
LI- Pelo menos em relação ao imóvel identificado em G), as RR cessionárias, tendo adquirido da titular inscrita, lograram inscrever registalmente a seu favor a aquisição dos aludidos direitos, assim beneficiando da presunção consagrada no artigo 7.° do Código do Registo Predial.
LII- O artigo 7.° do Código do Registo Predial estipula que o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, tratando-se esta de uma presunção iuris tantum decorrente dos artigos 349.° e ss. do Código Civil, elidível por prova em contrário.
LIII- No caso dos autos encontrando-se o prédio registado em nome das RR. C e D conforme alínea E) da matéria assente presume-se que o direito destas existe e que lhes pertence na medida em que se encontra registado, garantindo por esta via a segurança daquelas que, tendo adquirido do titular inscrito, registou o seu direito, sendo-lhe assim inoponível, nos termos do n.° 1 do mesmo diploma, o facto aquisitivo não levado a registo.
LIV- O mesmo é dizer-se que o direito registado das RR. C e D é oponível aos eventuais direitos adquiridos pelo A. na 1.ª escritura de cessão de meação e quinhão hereditário.
LV- Refere ainda a dita sentença que tal solução só terá lugar se os segundos adquirentes estiverem de boa fé, e que a má fé no caso se traduz no conhecimento que as RR. tinham da situação da 1.ª escritura de cessão tornando-se evidente que, mesmo no caso de duas compras/ vendas consumadas, com registo da segunda, esta não deve prevalecer se o segundo comprador conhecia a alienação anterior.
LVI- Concluindo o Tribunal a quo que, perante a provada má fé das RR. C e D (conhecimento da 1.ª escritura de cessão de meação e quinhão hereditário na ocasião da outorga da 2.ª escritura) é de afastar o benefício da presunção registal e fazer prevalecer os direitos do 1.° adquirente. Contudo,
LVII- Como já foi demonstrado não existem fundamentos e factos suficientes para dar como provada a má fé das RR. C e D sendo certo que a presunção registal só é afastada com prova com força probatória plena. No caso, para além da errada apreciação da prova feita pelo Tribunal a quo quando considerou provado o quesito 2.° quando o devia ter considerado como não provado, a base de fundamentação da má fé das RR C e D adveio ao tribunal a quo através de uma presunção judicial e portanto prova genérica, não suficiente para inviabilizar a presunção iuris tantum do registo predial e do disposto no artigo 7.° do Código do Registo Predial.
LVIII- Não pode pois, com base nesta fundamentação de facto, o Tribunal a quo decidir que as 2.ª e 3.ª RR não gozam da protecção registal. Se o imóvel / direitos em apreço se encontra inscrito no registo predial a favor dos RR, ora recorridos, existe a favor destes uma presunção da respectiva titularidade, presunção essa que, porque meramente relativa ou juris tantum, sempre poderia ser ilidida por prova em contrário, a cargo do A., quiçá excepcionando com a invocação da prescrição aquisitiva (usucapião); ilisão essa da presunção de titularidade do direito de propriedade sobre o prédio descrito em E), que não foi feita, e daí que haja que presumir que os RR C e D são efectivamente titulares do direito de propriedade sobre o dito prédio rústico (art.° 344.º, n.° 1, do CC).
LIX- A prova por presunção judicial tem como limites o respeito pela factualidade provada e não pode eliminar o ónus da prova nem modificar o resultado da respectiva repartição entre as partes.
LX- Por outro lado, o título formal para a transmissão do direito às RR. C e D foi uma escritura pública, em estrita conformidade legal, como prescrevem as normas do Código do Notariado.
LXI- E face ao preceituado no art.° 350.° do CC, uma presunção legal, embora ilidível, dispensa quem dela beneficia de provar o facto a que ela conduz (facto desconhecido).
LXII- Também já quanto à efectiva intervenção da ré B, entretanto falecida, na escritura outorgada em 1993, atentos os depoimentos da testemunha Mário …. (depoimento com início às 10h23m01ss e fim às 10h34m50ss) e, essencialmente, da sua companheira O ….. (depoimento prestado com início às 10h35m21 ss e fim às 10h45m31 ss), a qual relatou ter sido a própria a "tratar dos papéis", para o que beneficiou dos serviços da solicitadora Maria …., e a transportar até ao cartório notarial, no próprio dia da escritura, a dita Maria …. e ainda sua mãe …, que na mesma escritura figura como testemunha do acto as apelantes insistem que não foi a Ré B quem efectivamente outorgou tal escritura.
LXIII- Em primeiro lugar porque da dita escritura de cessão outorgada em 1993 não consta nem a apresentação do bilhete de identidade da cedente e nem a sua correcta identificação, nem a assinatura porque a 1.ª Ré não sabia ler nem escrever nem assinar, nem a aposição da impressão digital da cedente. A identificação da cedente é abonada por duas testemunhas que, no entender dos Apelantes, não são de modo algum credíveis.
LXIV- Uma delas – a Al… - a "sogra" da testemunha Mário …, filho do A, e mãe da testemunha O …. consideram os Apelantes ter interesse directo na dita escritura pelo que nunca deveria ter sido interveniente no acto. E evidente que a …., mãe da O que vive em união de facto com o Mário ….há mais de 27 anos e portanto em situação equiparada à do casamento, tem todo o interesse que a meação e quinhão hereditário da 1.ª Ré seja cedida ao A. porquanto, por óbito deste, sucede-lhe a testemunha Mário …., seu filho, beneficiando, em consequência, a sua filha O com quem vive maritalmente. Não pode pois tal "testemunha" ser considerada credível e como tendo prestado declarações verdadeiras.
LXV- A testemunha O disse ainda que a outra testemunha tratava-se de um tal senhor António que estava no notário e que pensa que a Ré B o conhecia porque o indicou no notário. Questionada sobre o bilhete de identidade da cedente disse não saber se ela o tinha. Ora, se esta testemunha foi quem tratou dos papéis com a solicitadora como desconhecia ou não sabia da documentação pessoal da cedente e como não sabia quem era a testemunha António? Não era ela testemunha O …. quem estava a tratar dos "papéis"?? Estas contradições desde logo põem em crise a credibilidade da testemunha O pelo que o seu depoimento não deveria ter sido levado em conta pelo Tribunal a quo.
LXVI- Para além disso, se nesta questão contrataram os serviços de uma solicitadora como não foi a cessão de meação e quinhão hereditário registada na competente conservatória do registo predial de T... ...? Não sabia ou não tinha aquela solicitadora a obrigação de saber que os eventuais direitos adquiridos pelo A. tinham que ser registados para serem oponíveis a quaisquer terceiros? Estranha-se que o A. não tenha querido publicitar este seu direito se efectivamente o adquiriu à Ré B de forma legitima por forma a tornar oponíveis os seus direitos perante terceiros. O normal e natural seria a outorga da escritura de cessão ser outorgada e os direitos adquiridos pelo A. registados para que o negócio assumisse plena eficácia perante terceiros. O que efectivamente não foi feito. Nem tal foi alegado nem quesitado.
LXVII- Também a testemunha Luís …. (depoimento prestado com início às 10h04m56ss e fim às 10h22m27ss) referiu que não teve conhecimento do negócio, se tinha sido formalizado ou não mas que conhecia a dita testemunha A… S… por uma pessoa que se juntava á porta do notário para se fazer de testemunha e que levavam dinheiro para ser testemunhas, mais ou menos profissionais
LXVIII- Não podia pois o Tribunal a quo dar como não provado os quesitos 3.°, 4.°, 5.° 6.° e 7.° da base instrutória como fez porquanto se verifica que efectivamente não resultou provado que a Ré B declarou vender a sua meação e quinhão hereditário ao A., que se tenha deslocado ao cartório, que o António … conhecia a Ré.
LXIX- Daqui resulta que, efectivamente, a dita escritura está inquinada de irregularidades que afectam a sua plena eficácia jurídica. Para além disso,
LXX- Por efeito da 2.ª escritura de cessão de quinhão hereditário conforme matéria assente na alínea G) a 2.ª e 3.ª RR adquiriram os direitos da 1.ª Ré ao quinhão hereditário e meação que ficaram por óbito daquele G.
LXXI- Direitos esses que foram adquiridos pelas 2.ª e 3.ª RR de boa fé porquanto, à data da outorga da referida escritura, desconheciam em absoluto a cessão onerosa de quinhão hereditário agora invocada pelo A.
LXXII- E sendo que os 4.° RR autorizaram, nos termos do disposto no artigo 877.° do Código Civil, a referida cessão, desconhecendo também eles que, àquela data da outorga da referida escritura, existia a cessão onerosa de quinhão hereditário agora invocado pelo A.
LXXIII- Tendo as 2.ª e 3.ª R registado os seus direitos conforme descrição da Conservatória do Registo Predial de T... ... conforme matéria assente – alínea E).
LXXIV- Pelo que, decorrente do princípio da fé pública registal explanado no artigo 7.° do Código do Registo Predial, que estipula que "o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define." era a 1.ª Ré titular de um direito à meação e quinhão hereditário, o qual transmitiu de forma onerosa às 2.ª e 3.ª RR, de forma válida e eficaz porque através de escritura pública validamente outorgada,
LXXV- Pelo que são, as 2.ª e 3.ª RR, adquirentes de boa fé - porque à data da outorga da sua escritura de cessão de quinhão hereditário não conheciam nem tinham obrigação de conhecer a invocada pelo A. cessão de quinhão hereditário sendo as actuais titulares desse direito à meação e quinhão hereditário.
LXXVI- Direitos esse que, de acordo com o artigo 5.° do Código de Registo Predial, são oponíveis a quaisquer terceiros após a data do respectivo registo.
LXXVII- Entendendo-se como "terceiros, para efeitos de registo predial, são todos os que, tendo obtido registo de um direito sobre determinado prédio, veriam esse direito arredado por qualquer facto jurídico anterior não registado ou registado posteriormente" (vide Ac. STJ de 20 de Maio de 1997) ,
LXXVIII- O que aconteceria caso se considerasse válida a cessão de quinhão hereditário invocado pelo A., o que não se admite.
LXXIX- Também em relação ao montante da dívida da herança de G ….. , dívidas relacionadas com o ministério da agricultura, o valor apurado não é o de 2.209.209$90 como vem alegado pelo A. mas sim de montante bastante inferior de cerca de 739.000$00 conforme documento 5 junto pelo A. na sua petição inicial.
LXXX- Aconteceu também que na referida 1.ª escritura de cessão de quinhão hereditário não consta qualquer autorização da 4.ª Réu e da mulher para a referida cessão devendo esta ter sido dada pois, tratando-se de uma suposta cessão ou venda de bens a enteado deveria esta situação ser equiparada ao regime do disposto no artigo 877.° do Código Civil, sendo portanto a referida cessão anulável nos termos do seu n.° 2.
LXXXI- Devendo esta autorização ou consentimento dos 4° RR ter sido dada pois estes são filho e nora da 1.ª Ré sendo que qualquer venda da 1.ª Ré, mãe e sogra dos 4° RR, sempre implicam um eventual prejuízo para os 4.ºs RR que não intervieram na escritura e isto por interpretação extensiva do disposto no artigo 877° do Código Civil (nesse sentido vide Ac. STJ de 27-11-2007 no Processo 07B3618 disponível em www.dgsi.pt).
LXXXII- Sendo que o ora 4.° réu esteve ausente do país desde 27 de Outubro de 1991 a 20 de Março de 2000 e, durante esse período, nunca veio a Portugal tal como resultou provado no quesito 9.° da base instrutória.
LXXXIII- Por todo o exposto não existe qualquer responsabilidade das Apelantes no pagamento ao autor, a título de indemnização, da quantia que se vier a liquidar corresponder aos gastos por este suportados com a propositura da presente acção, incluindo os honorários à Il. Advogada que os patrocina.
LXXXIV- É o A. quem causa prejuízos aos RR com a presente acção pois, para além do aborrecimento que a presente acção causa aos RR, estes são obrigados a contratar os serviços de um profissional forense para apresentarem defesa às acusações e factos deduzidos e cujo valor de honorários se computam em 4000 € acrescidos de Imposto sobre o Valor Acrescentado bem como a pagar taxas de justiça e custas, valor cujo pagamento reclama do A.
NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO, DEVEM V.EXAS JULGAR PROCEDENTE O RECURSO CONCEDENDO TOTAL PROVIMENTO À APELAÇÃO, REVOGANDO-SE A SENTENÇA RECORRIDA, ALTERANDO-SE A MATÉRIA DE FACTO E A DECISÃO DE MÉRITO E ABSOLVENDO-SE OS RR DOS PEDIDOS DEDUZIDOS PELO AUTOR E DANDO COMO PROCEDENTE A RECONVENÇÃO E DESIGNADAMENTE
A) ser reconhecido e declarado o direito de propriedade das 2.ª e 3.ª RR sobre os direitos transmitidos pela 1.ª R, traduzidos na meação e quinhão hereditário por óbito de G;
B) Deve ser reconhecida válida a venda realizada pela 1.ª R às 2° e 3° RR, com os demais efeitos legais;
C) Deve ser declarado válido o registo de aquisição/transmissão dos direitos da 1.ª R a favor das 2.ª e 3.ª RR, a que corresponde a inscrição G-2 no único prédio da herança descrito na Conservatória do Registo Predial de T... ... sob o n.° 0000 da freguesia de ...;
D) Deve ser declarada nula a cessão onerosa de quinhão hereditário celebrada entre a 1.ª Ré e o A. pelos motivos invocados nos termos do disposto no artigo 892.° do Código Civil ou, em alternativa, a sua anulabilidade por interpretação extensiva do disposto no artigo 877.° do Código Civil;
E) Deve o A. ser condenado a pagar aos RR. as despesas que estes tiverem com a presente acção judicial no montante de 4.000 € acrescidos de Imposto sobre o valor Acrescentado no valor de 840 € bem como a pagar taxas de justiça e custas e procuradoria legal.
NOS TERMOS ALEGADOS COM TODAS AS DEMAIS E LEGAIS CONSEQUÊNCIAS.
ASSIM SE FAZENDO JUSTIÇA»
Contra-alegou o A., concluindo assim:
«1.ª A decisão recorrida não violou qualquer preceito legal.
2.ª Houve uma correcta apreciação da prova produzida em audiência de julgamento.
3.ª A Decisão encontra-se bem fundamentada.
4.ª A Juiz Julgadora fez uma correcta análise dos factos e dos documentos.
5.ª Pronunciou-se quanto às questões de Direito levantadas pelos R.R. e
6.ª A a decisão recorrida deve ser confirmada
FAZENDO - SE, ASSIM, A COSTUMADA JUSTIÇA»
2. Fundamentos de facto
A 1.ª instância considerou provados os seguintes factos:
A- Por escritura pública celebrada perante si, a Notária Maria ….consignou o seguinte:
«No dia vinte e dois de Abril de mil novecentos e noventa e três, no primeiro cartório notarial de T... ..., perante mim, Marta (...) …., notária respectiva, compareceram como outorgante:
Primeiro: B , viúva, natural da freguesia e concelho da Lourinhã e residente no lugar do …, freguesia de ..., deste concelho, contribuinte fiscal 000000000;
Segundo: A (...), contribuinte fiscal 000000000.
E pela primeira foi dito:
Que pela presente escritura e pelo preço de um milhão e quinhentos mil escudos, que já recebeu do segundo, a este vende o seguinte: O direito à meação que possuía nos bens comuns do dissolvido casal, por óbito de seu marido, G com quem tinha sido casada sob o regime da comunhão geral, em segundas núpcias dele primeiras dela, (...) e bem assim o direito ao quinhão hereditário que possui na herança aberta por seu óbito, traduzido este no direito a ¼ indiviso da mesma (...)
E pelo segundo foi dito:
Que aceita a presente cessão nos termos exarados. (.. )
Exibiram os cartões de contribuintes fiscais.
Verifiquei a identidade dos outorgantes por declaração dos abonadores António …. (...) e Al ….. (...).
Esta escritura foi por mim lida e explicado o seu conteúdo (...) aos outorgantes, na presença simultânea de ambos e dos abonadores, não assinando a primeira por não o saber fazer, como declarou. » (alínea A).
B- A primeira R. e o seu falecido marido G, eram, à data da morte deste, os donos dos prédios urbanos inscritos na matriz sob os artigos 000.°, 0000.° e 0000.°, e dos prédios rústicos inscritos na matriz sob os artigos 00 da Secção "B" e 8 da Secção "B", todos da freguesia de ..., e ainda do prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo 0 da Secção "O", da freguesia de Campelos (alínea B).
C- A 1.ª R. é madrasta do A., avó das 2.ª e 3.ª RR. e mãe do 4° R. marido (alínea C).
D- O A. e o 4.° R. marido eram filhos do falecido G(alínea D).
E- O acordo celebrado entre o A. e a primeira R. nos termos da escritura a que se reporta a alínea A) foi feito com o conhecimento de pelo menos a nora desta, a aqui demandada B e também dos filhos do A. (resposta ao artigo 1.° da base instrutória).
F- A data da celebração da mesma escritura o R. Eencontrava-se ausente do país (resposta ao artigo 9.º da base instrutória).
G- Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de T... ... sob o n.° 000/00/00/00 da freguesia de ... o prédio misto denominado Casal …, composto de casa de habitação e logradouro, vinha, terreno estéril e diversas árvores, com a área de 12.560 m², a confrontar do norte com Rui …, Sul com Francisco …. e outro, nascente José … e outro, poente Manuel …., inscrito na matriz sob os artigos 000 e 00 da secção B (alínea E) e certidão de fls. 29-30).
H- O prédio misto sito em Casal … identificado na alínea anterior reúne os supra referidos prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo 000.° e rústico inscrito na matriz sob o artigo 24.°, secção B, da mesma freguesia (alínea E).
I- Por escritura pública datada de 06.02.2006, celebrada no Cartório Notarial de Torres outorgante e as 2.ª e 3.ª RR., enquanto segundas outorgantes e os 4.°s RR., enquanto 3.°s outorgantes, declararam o seguinte:
«A primeira outorgante que pelo preço de sete mil e oitocentos euros, que declara já ter recebido, CEDE, em comunhão e partes iguais, às segundas outorgantes, suas únicas netas, o seguinte: "O direito à sua meação e o quinhão hereditário que possui na herança ilíquida e indivisa, aberta por óbito do seu marido J.R. com quem foi casada no regime de comunhão geral, que era natural da freguesia de Santa Maria do Castelo e São Miguel, deste concelho, residente que foi no dito lugar de …, freguesia de…, falecido em vinte e nove de Janeiro de mil novecentos e noventa e um.
Pelas segundas outorgantes foi dito que "aceitam esta venda nos termos exarados, prestando o consentimento recíproco a este acto, nos termos do número um do artigo 877.° do Código Civil.
Pelos terceiros outorgantes foi dito que: "prestam a sua mãe e sogra, primeira outorgante, nos termos do dito artigo, o necessário consentimento à presente venda.» (alínea G).
J- O prédio identificado em G) mostra-se inscrito, pela inscrição G-2 (Ap. 00/00000000) sem determinação de parte ou direito, a favor de B viúva, A viúvo, Mário ….., casado com Maria ….. segundo o regime da comunhão geral, E , casado com F segundo o regime da comunhão de adquiridos, Mário ……, solteiro, maior, e Rui …., casado com Isabel ….segundo o regime da comunhão de adquiridos, por dissolução da comunhão conjugal e hereditária (alínea E e certidão de fls. 29/30).
K- Pela inscrição G-2 (Ap. 08/20060213) mostra-se averbado à descrição do mesmo prédio a transmissão dos direitos pertencentes a B a favor de C e D, por venda do quinhão hereditário (idem).
L- Os restantes prédios urbanos e rústicos estão omissos na Conservatória (alínea
M- A advogada do A. enviou carta registada datada de 27.08.2007 à primeira R. e esta recebeu, com o seguinte teor:
«No seguimento da tentativa de contacto já efectuado com V. Exa. e na qualidade de mandatária de César ….. e filhos, sou a solicitar se digne marcar consulta com o n/ escritório, a fim de esclarecer a duplicarão da venda do seu quinhão hereditário.
Efectivamente, conforme tiveram agora os meus clientes conhecimento, V. certamente por lapso, realizou duas vendas do mesmo (seu) quinhão hereditário, sendo que efectuou a primeira ao meu cliente César …, já em 1993, e a segunda às suas netas, no ano que passou. (...)». (alínea H).
N- Com a presente acção o A. teve despesas de custas processuais, despesas de registo da acção e de patrocínio (alínea I).
*
Consigna-se que se corrigiu o lapso manifesto constante da alínea J, acrescentando-se o segmento «sem determinação de parte ou direito» que consta quer da certidão de ónus e encargos relativa ao prédio em causa, quer da alínea E dos factos assentes.
3. Do mérito do recurso
O objecto do recurso, delimitado pelas conclusões das alegações (artigo 684.º, n.º 3, e 690.º, n.ºs 1 e 3, CPC), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 660.º, n.º 2, in fine), consubstancia-se nas seguintes questões:
- impugnação da matéria de facto;
- não audição oficiosa do A. em depoimento de parte;
- alegadas irregularidades da 1.ª escritura de cessão de quinhão hereditário relativamente à identificação da 1.ª R.;
- anulabilidade do negócio por falta de autorização dos 4.ºs RR. na 1.ª escritura (venda de bem a enteado);
- (in)oponibilidade alienação efectuada através da 1.ª escritura às 2.ª e 3.ª RR..
3.1. Da impugnação da matéria de facto
Nos termos do artigo 712.º, n.º 1, alínea a), CPC, a decisão do tribunal de 1.ª instância sobre matéria de facto pode ser alterada pela Relação se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa, ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 690.ºA, CPC, a decisão com base neles proferida.
E, de acordo com o nº 2 do mesmo artigo, no caso a que se refere a segunda parte da alínea a) do número anterior, a Relação reaprecia as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo em atenção o conteúdo das alegações de recorrente e recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados.
O artigo 690.º A CPC estabelece os ónus que impendem sobre o impugnante, sob pena de rejeição do recurso:
- especificar quais os concretos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados (n.º 1, alínea a);
- especificar quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da recorrida (n.º 1, alínea b);
- indicar os depoimentos em que se funda, por referência ao assinalado na acta, nos termos do disposto no n.º 2, do artigo 522.º C, quando tenham sido gravados (n.º 2).
Os apelantes deram cumprimento integral aos ónus que sobre si impendiam, nada obstando ao conhecimento da impugnação da matéria de facto.
Foram impugnadas as respostas aos artigos 1.º a 8.º da base instrutória, que são do teor seguinte:
1.º
O acordo celebrado entre A. e 1.ª R. na escritura pública referida em A), foi feito com o conhecimento do filho e nora desta, aqui 4°s RR. e dos filhos do A.?
Resposta: Provado que o acordo celebrado entre o A. e a primeira R. nos termos da escritura a que se reporta a alínea A) foi feito com o conhecimento de pelo menos a nora desta, a aqui demandada B, e também dos filhos do A..
2.º
À data da segunda escritura a 2.ª, 3.ª e 4.°s RR. tinham conhecimento da existência da primeira escritura de 22 de Abril de 1993?
Resposta: Provado.
3.º
A 1.ª R. B não declarou vender ao A. o direito à meação que possuía nos bens comuns do dissolvido casal, por óbito de seu marido, G, com quem tinha sido casada, sob o regime da comunhão geral, em segundas núpcias dele primeiras dela e no regime de comunhão geral (...) e bem assim o direito ao quinhão hereditário que possui na herança aberta por seu óbito, traduzido este no direito a 1/4 indiviso da mesma (...) na escritura pública do dia 22 de Abril de 1993, celebrada no então Primeiro Cartório Notarial de T... ...?
Resposta: Não provado.
4.º
A 1.ª nunca se deslocou ao cartório notarial da Notária Maria …para celebrar escritura pública com o A., referida em A)?
Resposta: Não provado
5.º
À data da primeira escritura de 22 de Abril de 1993, António … não conhecia a 1 .ª R.?
Resposta: Não provado
6.º
No dia 22 de Abril de 1993, aquando a celebração da primeira escritura, António ….estava à porta do primeiro Cartório Notarial e prestou-se a identificar alguém como sendo a 1.ª Ré, mesmo não a conhecendo?
Resposta: Não provado
7.º
Foi uma terceira pessoa que se fez passar pela 1.ª Ré no âmbito da escritura pública referida em A)?
Resposta: Não provado
8.º
As 2.ª e 3.ª RR, antes do envio da carta da advogada do Autor datada 27.08.200, não tinham conhecimento da existência da escritura pública de cessão onerosa de quinhão celebrada em 22 de Abril de 1993?
Resposta: Não provado.
Foi a seguinte a fundamentação exarada pela Mm.ª Juiz a quo:
«A convicção do Tribunal, no que respeita às respostas positivas que mereceram os art.°s 1°, 2° e 9°, ainda que restritivas no caso dos art.° 1° e 9°, formou-se com apelo aos depoimentos consistentes das testemunhas Luís ….. e seu irmão Carlos …., ambos filhos de MR.. (este irmão do autor e do réu E ) e também de Mário …. e da sua companheira desde há 27 anos, O …, o primeiro filho do autor, todos eles com conhecimento directo dos factos a que depuseram e todos tendo merecido credibilidade, isto a despeito da relação familiar existente entre o demandante e o dito Mário …..
Assim, depuserem a uma voz as mencionadas testemunhas no sentido de seu avô G, marido da entretanto falecida B , ter contraído dívida a qual, já após a sua morte, deu origem a penhora onerando o prédio identificado na al. E) dos factos assentes. Na sequência deste facto, e porque o réu Eusébio se encontrava ausente do país, fugindo de problemas com a justiça como evidenciado pelo teor dos documentos de fls. 237 e 238, procurou auxílio na nora a ré B , dela tendo recebido a resposta de que não poderia auxiliá-la porque tinha também à data muitos problemas. Tal facto foi referido por todas as mencionadas testemunhas, a quem a primeira ré relatou o sucedido, pedindo depois auxílio aos enteados, o aqui autor e o Mário ….. A este propósito precisou ainda o dito Carlos …. que inicialmente foi até ponderada a possibilidade de ser o pai do depoente e o seu tio César a pagarem a dívida "a meias", recebendo em contrapartida o quinhão da madrasta, conforme desde o início esta anunciou ser sua intenção, ou seja, quem pagasse a dívida, obviando a que o prédio fosse parar a mãos de estranhos, ficaria com a parte desta ré na herança de seu marido. Como o pai da testemunha, o aludido Mário …., não tivesse querido ou podido na circunstância proceder ao pagamento, ainda que parcial, da dívida, a ré B , "andou à roda" (sic) do autor, vindo este a liquidar a dívida e, consequentemente, tal como havia sido acordado, a ficar para si com o quinhão da madrasta.
O assim relatado foi confirmado por Luís …., que, na altura e à semelhança do que aconteceu com o seu irmão, tomou conhecimento directo dos factos, quer através da sua mãe, na altura ainda viva, quer através da "avó" Maria …..
É certo que, ouvido a este propósito, o Mário …. declarou de nada ter conhecimento. Todavia, e conforme o dito Luís …. tinha já ressalvado, foi sua mãe quem recebeu as cartas atinentes à tal dívida que, destinando-se a avisar da hasta pública, foram remetidas aos herdeiros do avô. A testemunha referiu ainda ter memória de sua mãe ter até falado com a mulher do autor, sua tia Maria …., entretanto também falecida, para que a família em conjunto procurasse uma solução, a fim de evitar que os bens fossem parar à mão de terceiros. Ora, se assim sucedeu - e razão não há para duvidar destes relatos - dado o tempo entretanto decorrido e uma vez que não interveio no acordo não se estranha pois que a testemunha Mário …. destes factos não tenha hoje memória.
Quanto à efectiva intervenção da ré B, entretanto falecida, na escritura outorgada em 1993, atentos os depoimentos do Mário …. e, essencialmente, da sua companheira O …., a qual relatou ter sido a própria a "tratar dos papéis", para o que beneficiou dos serviços da solicitadora Maria …., e a transportar até ao Cartório Notarial, no próprio dia da escritura, a dita Maria …. e ainda sua mãe Ab…, que na mesma escritura surge como testemunha, nenhuma dúvida subsiste a propósito. Refira-se que, embora a testemunha Luís ….tenha admitido que o dito António …., que na mesma escritura surge como testemunha, seria pessoa que habitualmente se encontraria nas proximidades do cartório e que, mediante o pagamento de uma pequena quantia, se dispunha a intervir nos actos notariais, a verdade é que prova concludente não foi feita no sentido de este mesmo António…. não conhecer a outorgante B .
Finalmente, e admitindo, tal como se deixou reflectido na resposta dada ao artigo 1°, que, dado o facto de se encontrar ausente, o réu E não tenha tomado conhecimento do acordo à data da celebração da escritura a que se refere a al. A), não há dúvida que aquando do seu regresso, o qual terá ocorrido cerca de 6 anos antes da celebração da segunda escritura, de tudo tomou conhecimento, conforme assegurado, quer pela testemunha O …., quer pelo Carlos …., que declarou de forma peremptória ter falado com aquele seu tio sobre este acordo, garantindo que este tinha conhecimento de que a parte da mãe tinha ficado para o tio César porque este tinha efectuado o pagamento da dívida.
Deste modo, convencendo-se o Tribunal que os réus E e B de tudo tinham conhecimento à data da celebração da segunda escritura, é seguro, o que decorre das regras das experiências ou presunções judiciais que ao Tribunal não está vedado recorrer (art.° 349° e 351° do C.Civil), que também as rés suas filhas de tudo sabiam.
Quanto às respostas negativas que mereceram os demais artigos formulados, tal ficou a dever-se ao facto de sobre eles não ter sido produzida prova.»
Analisemos então a prova — pouco abundante, diga-se — produzida.
Relativamente ao artigo 1.º da base instrutória está em causa o alegado conhecimento por parte da R. B da celebração da 1.ª escritura pública. Sustentam os RR. que não foi feita prova nesse sentido.
E com razão.
Com efeito, nenhuma das testemunhas que depôs asseverou que a R. B tivesse tido conhecimento daquela escritura.
O que as testemunhas referiram genericamente foram as diligências da 1.ª R., B, junto da nora, no sentido de ser assumido o pagamento da dívida do de cujus, por forma a evitar a execução dos bens da herança indivisa, que a todos prejudicava, pois amanhavam as terras em risco e aí tinham as suas casas.
As conversas entre a R. B e a nora, a R. F, não foram presenciadas pelas testemunhas que depuseram em audiência, desconhecendo-se se lhe foi feita a proposta de aquisição da sua meação e quinhão hereditário, em troca da liquidação da dívida, e se posteriormente lhe foi dado conhecimento da celebração da escritura pública (a primeira). Apenas referiram que a nora da 1.ª R. atravessava ela própria dificuldades, estando na altura o seu marido ausente do país, debatendo-se ela também com dívidas, razão por que não estava disposta a colaborar no pagamento da dívida do de cujus.
Aliás, a testemunha Luís … declarou desconhecer se a transmissão foi formalizada, ignorando ainda a existência da segunda escritura pública, e a testemunha Carlos …, embora tenha declarado saber da celebração da 1.ª escritura, declarou desconhecer a dívida.
É certo que a testemunha O …. afirmou que toda a família tinha conhecimento da segunda escritura, por que a 1.ª R. B tinha informado toda a família. Interrogada sobre a sua razão de ciência, respondeu «porque sei», relatando o episódio da deslocação da 1.ª R. à casa de sua nora.
Não foi feita prova circunstanciada e minimamente segura de que a nora da 1.ª R. tivesse conhecimento do acordo subjacente à celebração da primeira escritura.
Relativamente ao seu marido e filho da 1.ª R., Manuel …., apurou-se que à data da celebração da primeira escritura se encontrava ausente do país, em parte incerta, dela não tendo tomado conhecimento nessa altura.
Também não ficou claro o seu conhecimento posterior, embora a testemunha Carlos …. — a mesma que não sabia da dívida — tenha referido que comentou com ele o acordo. Não referiu, porém, os exactos termos dessa conversa nem o contexto em que a mesma operou.
A prova produzida não permite concluir, com um mínimo de segurança, pelo conhecimento dos 4.ºs RR. da celebração da 1.ª escritura de cessão da meação e quinhão hereditário da 1.ª R..
No que às 2.ª e 3.ª RR. (C e D) concerne, nada permite afirmar o seu conhecimento da celebração da 1.ª escritura, pois nenhuma das testemunhas a tal se referiu.
A Mm.ª Juiz a quo conclui pelo seu conhecimento por recurso a presunção judicial.
Trata-se de um facto de crucial importância na abordagem seguida pela sentença, nos termos da qual a oponibilidade do direito das 2.ª e 3.ª RR. dependeria da sua boa fé, ou seja, de ignorarem, na data da aquisição, a existência de uma anterior transmissão do mesmo bem.
A prova por presunção encontra-se regulada nos artigos 349.º e ss..
Nos termos do artigo 349º CC, presunções são ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido, esclarecendo o artigo 351º CC que as presunções judiciais só são admitidas nos casos e termos em que é admitida a prova pericial.
Integram a estrutura jurídica da presunção a base da presunção, constituída pelo facto ou factos conhecidos, ou seja, provados através de outros meios de prova; a actividade lógico-experencial de indução, que os tem por objecto; e o facto ou factos presumidos mediante estas operações intelectuais (acórdão do STJ, de 2004.03.25, Lucas Coelho, www.dgsi.pt.jstj, proc. 03B4354).
Alerta este acórdão para a necessidade imperativa de que a base da presunção esteja provada, que os factos dela integradores sejam conhecidos, possuindo o julgador acerca deles o grau de ciência que as provas devem proporcionar, concluindo que se trata de uma exigência garantística elementar, sem a qual a actividade jurisdicional se converteria em puro arbítrio.
Nas palavras do acórdão da Relação de Lisboa, de 2003.12.16, Abrantes Geraldes, www.dgsi.pt.jtrl, proc. 8877/2003-7,
«As decisões judiciais não podem assentar em meras especulações, antes devem encontrar raízes na realidade objectivada por factos.
Mesmo quando legitimamente se admite o recurso a presunções judiciais, como elementos de formação da convicção, por forma a revelar a verdade judiciária, não é através da mera elaboração teórica que tal deve ser alcançado, mas da integração nas regras da experiência de factos instrumentais, indiciários, probatórios ou circunstanciais».
No caso vertente, não se tendo provado aquilo que a Mm.ª Juiz a quo considerou a base da presunção (o conhecimento dos 4.ºs RR. da celebração da primeira escritura), fica irremediavelmente comprometida a presunção de que as 2.ª e 3.ª RR. tinham conhecimento da celebração da primeira escritura à data da celebração da segunda.
Assim, os artigos 1.º e 2.º da base instrutória consideram-se não provados.
Ainda relativamente à problemática do conhecimento da celebração da 1.ª escritura por parte das 2.ª e 3.ª RR., nenhuma prova foi feita que de tal facto apenas tivessem tido conhecimento através da carta referida na alínea M dos factos provados, dirigida, aliás, à 1.ª R. (artigo 8.º da base instrutória).
Na verdade, nada sabemos acerca da data em que aquelas RR. tomaram conhecimento da celebração da primeira escritura.
Mantém-se, pois, a resposta ao artigo 8.º da base instrutória.
No que concerne à matéria dos artigos 3.º a 7.º da base instrutória, destinados a questionar a validade da primeira escritura de cessão de meação e quinhão hereditário da 1.ª R., sustentam os RR. que os artigos em causa não poderiam ser considerados não provados por não ter resultado provado que a 1.ª R. tenha declarado vender a sua meação e quinhão hereditário ao apelado.
Recordemos o teor dos artigos em apreciação:
3.º
A 1.ª R. B não declarou vender ao A. o direito à meação que possuía nos bens comuns do dissolvido casal, por óbito de seu marido, G, com quem tinha sido casada, sob o regime da comunhão geral, em segundas núpcias dele primeiras dela e no regime de comunhão geral (...) e bem assim o direito ao quinhão hereditário que possui na herança aberta por seu óbito, traduzido este no direito a 1/4 indiviso da mesma (...) na escritura pública do dia 22 de Abril de 1993, celebrada no então Primeiro Cartório Notarial de T... ...?
4.º
A 1.ª nunca se deslocou ao cartório notarial Notária Maria de …. para celebrar escritura pública com o A., referida em A)?
5.º
À data da primeira escritura de 22 de Abril de 1993, A.S. não conhecia a 1.ª R.?
6.º
No dia 22 de Abril de 1993, aquando a celebração da primeira escritura, A.S. estava à porta do primeiro Cartório Notarial e prestou-se a identificar alguém como sendo a 1.ª R., mesmo não a conhecendo?
7.º
Foi uma terceira pessoa que se fez passar pela 1.ª Ré no âmbito da escritura pública referida em A)?
Tentam os apelantes descredibilizar os depoimentos das testemunhas que estiveram na base da formação da convicção do tribunal, e que foram arroladas pelo apelado.
Esquecem-se os apelantes que, ainda que se desconsidere os depoimentos das testemunhas do apelado, a resposta aos artigos 3.º a 7.º continuaria a ser não provado, porque nenhuma prova se fez à matéria perguntada, cujo ónus, aliás, lhes cabia, pois nenhuma prova apresentaram.
Propõem-se, pois, impugnar as respostas de não provado a estes artigos através da mera descredibilização dos depoimentos das testemunhas O …. e Mário …..
Sem sucesso, no entanto, pois se se abstrair do depoimento das referidas testemunhas, nem por isso fica provado o contrário do que afirmaram, conforme pretendem aos apelantes.
Com efeito, se não se atribuir credibilidade ao depoimento da testemunha O…., que afirmou ter transportado a 1.ª R. ao cartório notarial a fim de aí celebrar a primeira escritura, não se considera provado que ela ali se deslocou, mas também não se pode ter por demonstrado o contrário, como pretendem os RR., que a 1.ª R. nunca se deslocou ao notário para celebrar a referida escritura.
Da mesma forma, desvalorizar o depoimento da testemunha O …., quando afirma que a foi a 1.ª R. B que pediu a A.S. que abonasse a sua identidade aquando da celebração da 1.ª escritura, não permite concluir que A.S. não conhecia a 1.ª R. e que se prestou a identificar alguém como sendo a 1.ª R., mesmo sem a conhecer.
A descredibilização do depoimento de uma testemunha não permite considerar provado o contrário do que afirma.
Pela total ausência de prova a resposta negativa aos artigos 3.º a 7.º da base instrutória não merece censura.
3.2. Da não audição oficiosa do apelado em depoimento de parte
Pretendiam os apelantes que o tribunal desencadeasse oficiosamente o depoimento de parte do apelado, pois propuseram-se impugnar a validade das declarações imputadas à 1.ª apelante no âmbito da 1.ª escritura de cessão de meação e quinhão hereditário.
Segundo eles, a Mm.ª Juiz a quo deveria ter recorrido a este meio de prova, que teria tido grande relevo para a descoberta da verdade material e a boa decisão da causa.
Em causa o indeferimento do requerimento formulado pela Il. Mandatária dos RR. na audiência de 26 de Fevereiro de 2010 (cfr. acta da audiência a fls. 258 e ss.), como forma de colmatar a circunstância de não ter apresentado oportunamente o respectivo requerimento de prova, por vicissitudes relacionadas com o envio de peças processuais através do sistema Citius.
Ao presente recurso aplica-se o CPC, na versão anterior ao Decreto-Lei 303/2007, de 24 de Agosto, que, unificando o regime dos recursos, aboliu o regime do agravo, tendo as decisões interlocutórias deixado de ser, em regra, objecto de recurso, passando a ser impugnadas com o recurso que venha a ser interposto da decisão final (cfr. artigo 691.º, n.º 2, CPC, na nova redacção).
Assim, aplicando-se o regime antigo, a forma de reacção contra o despacho de indeferimento da inquirição oficiosa do apelado seria a interposição de recurso de agravo no prazo legal.
Não o tendo feito, a decisão ora impugnada transitou em julgado, não podendo por isso ser objecto de apreciação (cfr. artigo 677.º CPC).
O recurso tem necessariamente de improceder nessa parte.
3.3. Da alegada invalidade da primeira escritura de cessão de meação e quinhão hereditário da 1.ª apelante favor do apelado
Arroga-se o apelado titular do direito à meação e ao quinhão hereditário da 1.ª R. por óbito de J.R., com quem era casada no regime da comunhão geral, por o ter adquirido àquela por contrato de compra e venda formalizado através de escritura pública outorgada em 22 de Abril de 2003.
Após ponderar a admissibilidade da alienação da meação (artigo 1689.º CC) e do quinhão hereditário (artigo 2124.º CC), e a observância da forma legalmente prescrita à data dos factos (artigo 2126.º CC, na redacção anterior ao Decreto-Lei 116/08, de 04.07, por ser a aplicável), a Mm.ª Juiz a quo afasta a falsidade da escritura pública, por aplicação do regime nos artigos 369.º e ss. CC., pois a Sr.ª Notária terá exarado o que foi declarado na sua presença.
Analisou em seguida a problemática da idoneidade das testemunhas que abonaram a identidade da 1..ª R. e a problemática da aplicação analógica do artigo 877.º CC., que proíbe a venda a filhos ou a netos, se os outros filhos ou netos não consentirem na alienação, considerando improcedente a pretensão dos apelantes.
3.3.1. Da irregularidade na identificação da 1.ª R. na primeira escritura pública
Questionam os apelantes que da escritura de cessão outorgada em 1993 não conste nem a apresentação do bilhete de identidade da cedente e nem a sua correcta identificação, nem a assinatura porque a 1.ª Ré não sabia ler nem escrever nem assinar, nem a aposição da sua impressão digital, tendo a sua identificação sido abonada por duas testemunhas que, no seu entender, não são de modo algum credíveis.
Começando pela problemática da identificação da 1.ª R., vejamos o que resulta do Código do Notariado, aprovado pelo Decreto-Lei 47.619, de 31 de Março de 1967, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei 67/90, de 1 de Março, que era o que se encontrava em vigor à data da prática dos factos.
Nos termos do artigo 62.º, alínea b) desse diploma, a identificação dos outorgantes faz-se através do nome completo, estado, naturalidade e residência habitual, não assistindo razão aos apelantes quando afirmam que a identificação da 1.ª R. não está correcta, como se verifica da alínea A dos factos provados.
Relativamente à identificação, a circunstância de não ter sido apresentado o bilhete de identidade da 1.ª R. não configura qualquer irregularidade, pois nos termos do Código do Notariado referido, a verificação da identidade pode ser feita pela exibição do bilhete de identidade ou documento equivalente, que pode ser substituído pelo passaporte quanto a não residentes em Portugal (alínea b) do artigo 64.º) ou por dois abonadores (alínea c). No caso vertente, a verificação da identidade da 1.ª R. foi feita através de dois abonadores. A sua idoneidade, questionada pelos RR., será oportunamente apreciada.
A 1.ª R. não assinou a escritura em causa por não o saber fazer (a segunda escritura também não se encontra assinada por ela, embora tenha aposto a sua impressão digital), e isso mesmo ficou a constar daquela escritura, em obediência ao artigo 62.º, alínea j), CN aplicável [o instrumento notarial deve conter a identificação dos outorgantes que não assinem e a declaração que cada um deles faça, de que não assina por não saber ou não poder fazê-lo].
É o que resulta igualmente do teor da alínea A da matéria de facto.
Finalmente, a não aposição da impressão digital da 1.ª R. na escritura em causa não configura qualquer irregularidade, atento o que se dispunha no artigo 67.º, n.º 1, do Código do Notariado de 1967, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei 67/90, de 1 de Março: a aposição da impressão digital dos outorgantes que não soubessem ou pudessem assinar apenas era exigida nos testamentos, nas escrituras que os revoguem e nos instrumentos de aprovação de testamentos cerrados.
Importa agora aferir da idoneidade dos abonadores, também questionada pelos apelantes.
No que ao A.S. diz respeito, não lograram as apelantes provar como era seu ónus artigo (342.º, n.º 2, CC), que à data da primeira escritura de 22 de Abril de 1993 aquele não conhecia a 1.ª R., nem que aquando da celebração da escritura aquele A.S. estava à porta do Cartório Notarial e prestou-se a identificar alguém como sendo a 1.ª R., mesmo não a conhecendo, como se alcança das respostas negativas aos artigos 4.º e 5.º da base instrutória, onde se encontravam vertidas tais questões.
A falta de idoneidade da testemunha Al… radicaria na circunstância de ser mãe da companheira do filho do adquirente (o apelado), pois, na óptica dos apelantes, teria todo o interesse que a meação e quinhão hereditário da 1.ª Ré fosse cedida ao apelado pois, por óbito deste, suceder-lhe-ia o filho, beneficiando, em consequência, a filha da dita Al…, sua companheira.
As situações de incapacidade e inabilidade para intervir no acto notarial como testemunha encontravam-se elencadas no artigo 82.º do Código do Notariado aplicável, cuja alínea e) vedava a intervenção nessa qualidade ao cônjuge, parentes e afins na linha recta ou no 2.º grau da linha colateral, tanto do notário que intervier no instrumento, como de qualquer dos outorgantes, representantes ou representados.
Ora, ainda que a filha da referida Al… fosse casada com o filho do apelado, aquela não seria parente nem afim do apelado (cfr. artigos 1578.º e 1594.º CC).
Em síntese, não lograram os apelantes pôr em crise a primeira escritura de cessão da meação e quinhão hereditário da 1.ª R..
3.3.2. Da anulabilidade do negócio
Esgrimem os apelantes com a anulabilidade do negócio, por falta de autorização dos 4.ºs RR., estribando-se na aplicação analógica do artigo 877.º CC., visto tratar-se de uma venda a enteado.
Nos termos do n.º 1 deste normativo, os pais e avós não podem vender a filhos ou netos, se os outros filhos ou netos não consentirem na venda, acrescentando o n.º 2 que a venda feita com quebra do preceituado no número anterior é anulável a pedido dos filhos ou netos que não deram o consentimento, no prazo de um ano a contar do conhecimento da celebração do contrato, ou do termo da incapacidade se forem incapazes.
Para além de estar vedado o recurso à analogia por se tratar de norma de natureza excepcional cfr. artigo 11.º CC e Batista Lopes, Da Compra e Venda, Almedina, pg. 57), como bem nota a Mm.ª Juiz a quo, não há qualquer lacuna que reclame integração.
O regime consagrado no artigo 877.º CC destina-se claramente a a proteger a legítima dos descendentes que poderia ser posta em causa através de vendas simuladas, normalmente de difícil prova (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Coimbra Editora, vol. II, 3.ª edição, pg. 170, e Batista Lopes, op. cit., pg. 51; Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Almedina, vol. III, Contratos em especial, 5.ª edição, pg. 42).
Ora, não assumindo o enteado a qualidade de herdeiro do cônjuge do progenitor, nunca lhe poderá ser aplicável o regime estabelecido no artigo 877.º CC.
O acórdão do STJ, de 2007.11.27, Santos Bernardino, www.dgsi.pt.jstj proc. 07B3618, contrariamente ao alegado pelos apelantes, não versa situação idêntica à dos autos, pois o que aí se discutia era a validade do consentimento dos filhos a uma venda feita pelos pais a outro filho, no pressuposto de que se tratava de venda com reserva de usufruto a favor dos vendedores, quando foi transmitida a propriedade plena.
Também nesta vertente o recurso improcede.
3.4. Da (in)oponibilidade alienação efectuada através da 1.ª escritura às 2.ª e 3.ª RR..
Da matéria de facto apurada resulta que a 1.ª R. vendeu o seu direito à meação e quinhão hereditário duas vezes: a primeira ao apelado, e a segunda às 2.ª e 3.ª RR..
O contrato de compra e venda é um contrato real quoad effectum, pois, nos termos do artigo 408.º, n.º 1, CC, salvas as excepções previstas na lei, a transferência da propriedade se dá por mero efeito do contrato (cfr. artigo 879.º, alínea a), CC).
Acompanhamos a sentença recorrida quando afirma que a segunda transmissão se configura como venda de coisa alheia (como própria), que a lei comina com nulidade, no artigo 892.º, CC, entendendo a doutrina que esta sanção se aplica nas relações entre o vendedor e adquirente, sendo a alienação ineficaz relativamente ao proprietário, por se configurar relativamente a ele como res inter alios acta (cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Coimbra Editora, vol. II, 3.ª edição, pg. 189; Raul Ventura, O contrato de compra e venda no Código Civil, ROA, 40, pg. 307; Batista Lopes, op. cit., 141-2; Vaz Serra RLJ 106.º/26, e acórdão do STJ de 2004.01.29, Araújo Barros, www.dgsi.pt.jstj, proc. 03B3714).
Já não aderimos ao enquadramento subsequente com apelo às regras do registo predial.
Lê-se na sentença sob recurso:
Todavia, e conforme resultou igualmente demonstrado pelo menos no que respeita ao imóvel identificado em G), as RR cessionárias, tendo adquirido ao titular inscrita, lograram inscrever registalmente a seu favor a aquisição dos aludidos direitos, assim beneficiando da presunção consagrada no art.° 7.° do CRP.
À luz dos factos enunciados coloca-se, pois, nos autos a questão de saber se às RR adquirentes pode o autor opor com êxito os seus direitos antes adquiridos.
Nos termos do preceituado no art. 1° do CRP (Código do Registo Predial) na versão aqui aplicável, “O registo predial destina-se essencialmente a dar publicidade à situação jurídica dos prédios, tendo em vista a segurança do comércio jurídico imobiliário". Assim, e conforme dispõe o art. 4° "Os factos sujeitos a registo, ainda que não registados, podem ser invocados entre as próprias partes ou seus herdeiros" (vide n.° 1) mas "os factos sujeitos a registo só produzem efeitos contra terceiros depois da data do respectivo registo" (art. 5° n.° 1).
Sendo incontroverso que a aquisição de direitos sobre imóveis é facto sujeito a registo (art. 2°, n.° 1, al.s a) e n) do diploma a que nos vimos referindo), já o que deveria entender-se como "terceiro" para efeitos do disposto no citado art. 5.° deu origem a larga controvérsia, agora serenada por força do segundo acórdão de fixação de jurisprudência que se debruçou sobre a matéria -Ac. STJ de 18/5/99, in DR Iª série-A, de 10/7/19992- e da subsequente intervenção legislativa, que aditou o n.° 4 ao normativo em causa, com o seguinte teor “Terceiros, para efeitos de registo, são aqueles que tenham adquirido de um autor comum direitos incompatíveis"
No caso em apreço estamos pois perante o caso clássico da dupla alienação sucessiva pelo titular inscrito do direito alienado, tendo as segundas adquirentes inscrito o seu direito antes do primeiro, o que configura uma situação de incompatibilidade absoluta. Tem assim plena aplicabilidade o disposto no n.° 4 do art. 5° do CRP pelo que, tendo inevitavelmente um dos adquirentes que sair prejudicado, a lei optou por garantir a segurança daquele que, tendo adquirido do titular inscrito, registou o seu direito, sendo-lhe assim inoponível, nos termos do n.° 1 do mesmo preceito, o facto aquisitivo não levado ao registo.
Todavia, tal solução só terá lugar se os segundos adquirentes estiverem de boa fé, conforme vem também sendo entendido. Com efeito, ponderou-se no acórdão uniformizador de jurisprudência que: "A má fé - conhecimento da situação jurídica de certo prédio- neutraliza o requisito da publicidade registal, tornando-o irrelevante, mesmo quando estão em causa actos da mesma natureza, como por exemplo duas alienações. Com efeito, a publicidade destina-se a dar conhecimento. Se este já existe, inútil se torna aquela. Por isso (...) torna-se evidente que, mesmo no caso de duas compras/vendas consumadas, com registo da segunda, esta não deve prevalecer se o segundo comprador conhecia a alienação anterior". Na sequência de tais considerandos formulou-se a final o requisito da boa fé, exigência no entanto omitida pelo legislador de 99, quando aditou ao art. 5° o supra referido n.° 4.
Não obstante, procedendo as razões aduzidas, deve entender-se que o adquirente de má fé - aquele que conhecia a existência da compra e venda anterior - não é merecedor da tutela conferida pelo registo, podendo assim o autor opor-lhe com sucesso o negócio translativo celebrado em data anterior (cfr., neste preciso sentido, aresto da Rel. de Lisboa de 14/2/2008, proferido no processo n.° 892/2007-6, disponível em www.dgsi.pt).
Em face do exposto conclui-se que, não beneficiando as 2.ª e 3.ª RR da protecção registal, o negócio celebrado entre estas e a demandada B constitui venda "a non domino", sendo nula nos termos do art.° 892.° e ineficaz em relação ao demandante, que assim pode opor-lhes com sucesso o anterior negócio translativo.
No recurso discute-se apenas a problemática da boa fé das segundas adquirentes, na sequência da impugnação da matéria de facto.
A sentença recorrida entendeu que o direito das 2.ª e 3.ª apelantes não seria oponível ao apelado por aquelas estarem de má fé aquando da aquisição, i.e., terem conhecimento da anterior alienação.
O artigo da base instrutória em que se questionava tal conhecimento foi considerado não provado em sede de impugnação da matéria de facto.
Daqui não resulta, porém, que a aquisição pelas 2.ª e 3.ª RR. do direito em causa seja oponível ao apelado.
Isto porque entendemos não ser de fazer apelo às regras do registo predial.
Na verdade, a problemática registal estaria bem equacionada o objecto da alienação fosse um bem imóvel (ou vários), pois, nesse caso, a compra e venda, como negócio translativo que é, estaria sujeita a registo, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), CRP.
Importa, antes de mais, esclarecer o equívoco em que incorre a sentença ao considerar que, pelo menos no que respeita ao imóvel identificado em G as 2.ª e 3.ª apelantes lograram inscrever registalmente a seu favor a aquisição dos aludidos direitos.
O objecto do negócio em causa foi o direito à meação e ao quinhão hereditário da 1.ª R., e não qualquer imóvel. Embora quer o património comum do casal, quer a herança, possam integrar imóveis, até à partilha o meeiro e o herdeiro não são titulares de bens concretos nem comproprietários, mas apenas titulares de uma quota ideal do património comum e da herança.
Não se trata de compropriedade pois, como se nota no acórdão do STJ, de 1982.03.23, Rui Corte Real, BMJ 315.º/275:
«A compropriedade pressupõe um direito de propriedade comum sobre uma coisa ou bem concreto e individualizado, e não, como na herança, sobre uma universalidade de bens, ignorando-se sobre qual ou quais esse direito hereditário se concretizará».
O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1999.01.26, Silva Paixão, BMJ 483º/211, aborda com particular clareza a natureza dos direitos do herdeiro antes de efectivada a partilha:
«A comunhão hereditária, geralmente entendida como universalidade jurídica, não se confunde com a compropriedade, (cfr.nº 1, do art. 1403), uma vez que os herdeiros não são simultaneamente titulares do direito de propriedade sobre a mesma coisa.
Da aceitação sucessória apenas decorre directamente para cada um dos chamados o direito a uma quota hereditária.
Os herdeiros são titulares apenas de um direito à herança, universalidade de bens, ignorando-se sobre qual ou quais esse direito ficará a pertencer, se só a alguns ou a um, sendo os demais compensados em tornas.
Enquanto a herança se mantiver no estado de indivisão, nenhum dos herdeiros tem “direitos sobre bens certos e determinados”, nem “um direito real sobre os bens em concreto da herança, nem sequer sobre uma quota parte em cada um deles “.
Quer dizer, aos herdeiros, individualmente considerados, não pertencem direitos específicos (designadamente uma quota) sobre cada um dos bens que integram o património hereditário.
Até à partilha, os herdeiros são titulares, tão somente, do direito “a uma fracção ideal do conjunto, não podendo exigir que essa fracção seja integrada por determinados bens ou por uma quota em cada um dos elementos a partilhar (cfr.Pires de Lima e Antunes Varela, Cód. Civil Anotado, Vol. III, 2ª ed, pág. 347-348, e Vol VI, pág. 160, Capelo de Sousa, Lições de Direito das Sucessões, Vol. II, 2ª ed, pág. 90-92, 99 e 126; Revista dos Tribunais, nº 84, pág. 196, nº 87, pág. 126 e nº 88, pág. 95)».
Nessa conformidade, e como se entendeu no acórdão do STJ, 2010.07.07, Silva Salazar, www.dgsi.pt.jstj, proc. 23/2000, «a cessão de quinhão hereditário não implica a cessão de bens determinados, nomeadamente imóveis, que integrem a herança, apenas originando o direito à aquisição desses bens se vierem a preencher o quinhão dos cedentes» (ponto II do sumário).
Pelo exposto, carece de fundamento a afirmação, em que assentou a decisão recorrida, de que «pelo menos no que respeita ao imóvel identificado em G), as RR cessionárias, tendo adquirido ao titular inscrita, lograram inscrever registalmente a seu favor a aquisição dos aludidos direitos, assim beneficiando da presunção consagrada no art.° 7.° do CRP».
A afirmação suscita desde logo a reserva de haver registo apenas relativamente a um dos imóveis que integravam o património comum e a herança (cfr. alíneas B e J da matéria de facto).
Ora, tendo em conta todas as considerações expendidas na sentença acerca da problemática registal, como explicar que, a partir do registo relativamente a um único imóvel, se tenha extrapolado para o registo do direito de aquisição das 2.ª e 3.ª apelantes? E esse direito era, recorda-se, o direito à meação e quinhão hereditário da 1.ª apelante
Esta questão exige um esclarecimento relativamente ao registo que foi efectuado relativamente ao imóvel referido na alínea G da matéria assente.
Tal como consta da alínea J da matéria de facto devidamente corrigida, o registo é da aquisição em comum e sem determinação de parte ou direito a favor do cônjuge e demais herdeiros do de cujus.
Tal registo encontra-se previsto no artigo 49.º CRP, nos termos do qual o registo de aquisição em comum sem determinação de parte ou direito é feito com base em documento comprovativo da habilitação e em declaração que identifique os bens a registar como fazendo parte da herança. Este registo «viabiliza a transmissão de direitos sobre o imóvel assim registado na pendência da indivisão hereditária, sem ofensa do princípio da legitimação estabelecido no artigo 9.º do mesmo diploma» (acórdão do STJ, de 2007.06.26, Nuno Cameira, www.dgsi.pt.jstj, proc. 07A1661, ponto I do sumário.
Daqui resulta desde logo a inaplicabilidade ao caso vertente do regime estabelecido no artigo 5.º CRP, pois não se pode afirmar que tenha havido aquisição ao titular inscrito no registo — o direito inscrito é a aquisição em comum e sem determinação de parte ou direito, pelos herdeiros do de cujus, relativamente a um imóvel inserido numa herança, e o direito transmitido é o direito à meação e quinhão hereditário da 1.ª apelante.
Por outro lado, o registo da aquisição do direito à meação e quinhão hereditário é um registo anómalo, do qual não podem derivar as consequências inerentes ao registo, designadamente a presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito nos precisos termos em que o registo o define (artigo 7.º CRP), e a prioridade do direito inscrito em primeiro lugar (artigo 6.º CRP).
O registo predial, nos termos do n.º 1 CRP, destina-se a dar publicidade à situação jurídica dos prédios, tendo em vista a segurança do comércio jurídico imobiliário.
Os negócios que tenham por objecto quinhões hereditários em nada interferem com a situação jurídica dos imóveis pertencentes à herança, pois, como já se referiu, o direito do herdeiro não incide sobre bens concretos, representando antes uma quota ideal do património hereditário.
Tendo em conta classificação das coisas em móveis e imóveis, constante dos artigos 204.º e 205.º CC, em que os móveis são definidos neste último artigo por exclusão de partes relativamente aos imóveis, cuja definição consta do artigo 204.º, temos de concluir que o direito à meação e aquisição de quinhão hereditário é um bem móvel, e, como tal subtraído às regras do registo predial.
Esta questão tem sido abordada na jurisprudência a propósito da penhora de direito à herança líquida e indivisa, entendendo-se que a penhora de direitos a bens indivisos é uma modalidade especial de direitos de crédito e, como tal, não está sujeita a registo, havendo, porém, quem entenda que se a que é admissível o registo da penhora quando a herança integra um único imóvel (cfr. acórdão da Relação do Porto, de 2001.11.19, Narciso Machado, www.dgsi.pt.jtrl, proc. 0151479).
Não se afigura razoável a diferença de regime se a herança integrar apenas um imóvel, pois a natureza do direito não varia em função do número de imóveis que compõem o património hereditário.
De todo o modo, no caso em apreço a herança era constituída por vários imóveis, sendo que apenas o referido na alínea G da matéria de facto estava descrito na Conservatória do Registo Predial.
No sentido de que não é registável a penhora de um direito a quinhão hereditário veja-se o acórdão da Relação de Lisboa, de 2005.04.21, Moreira Camilo, www.dgsi.pt.jtrl, proc. 2152/2005.
Este entendimento aplica-se mutatis mutantis ao registo da aquisição da meação e quinhão hereditário.
O registo indevidamente efectuado não confere a protecção registal pretendida pelas 2.ª e 3.ª apelantes, independentemente de estarem ou não de boa fé.
Assim, prevalece a venda que foi efectuada em primeiro lugar, configurando a segunda venda uma venda de coisa alheia, pois o direito se transmitiu para o apelado por força do primeiro contrato.
Nessa medida, a segunda venda é ineficaz relativamente ao apelado. A sentença recorrida declarou a nulidade e ineficácia em relação ao apelado, quando, quanto a ele, o vício é o da ineficácia, como supra se explicitou.
E não poderia o tribunal ter conhecido oficiosamente da nulidade da segunda compra e venda, relativamente aos outorgantes.
Após ter considerado que a nulidade da venda no regime da compra e venda de bens alheios tem muito pouco em comum com o regime da nulidade, afirma Menezes Leitão, op. cit., pg. 97-8:
«Efectivamente, na compra e venda de bens alheios institui-se uma categoria de nulidade sujeita a um regime especial, que se afasta das regras gerais, não apenas quanto à legitimidade para a sua arguição (cfr. art. 286.º), mas também quanto ao regime da obrigação de restituição (artigo 289.º).
Quanto à legitimidade para arguir a venda de bens alheios, ela é profundamente restringida, uma vez que é proibida a sua invocação pela parte que estiver da má fé contra a outra de boa fé, sendo mesmo vedada, em qualquer caso, ao vendedor a sua invocação sempre que o comprador esteja de boa fé (art. 892.º in fine). Relativamente a terceiros, eles não podem invocar a nulidade, uma vez que a sua instituição é claramente estabelecida no interesse apenas das partes e nos termos acima referidos. Mesmo o verdadeiro proprietário não terá legitimidade para invocar a nulidade, já que relação a ele o contrato será sempre ineficaz (art. 406.º, n.º 2), pelo que ele será sempre admitido a exercer a reivindicação (art. 1311.º), sem ter de discutir a validade do contrato ou demonstrar que não consentiu na venda. Também não parece que essa nulidade possa ser oficiosamente declarada pelo tribunal, uma vez que tal redundaria numa forma de elidir as proibições da sua invocação».
Relativamente ao pedido de indemnização por gastos com a propositura da acção, incluindo honorários a mandatários judiciais, os apelantes apenas questionaram que a indemnização fosse devida na lógica de procedência do recurso, não discutindo a sua admissibilidade. Tanto mais que pretendiam idêntico benefício em seu favor.
Por essa razão, esse segmento da decisão não é sindicável.
O recurso não merece provimento.

4. Decisão
Termos em que, julgando a apelação improcedente, confirma-se a decisão recorrida, ainda que com fundamentos diversos, com a rectificação de que no ponto 3.1. onde se diz «declaro a nulidade e ineficácia relativamente ao autor», deve passar a constar «declaro a ineficácia relativamente ao autor».

Custas pelos apelantes.

Lisboa, 26 de Maio de 2011

Márcia Portela
Fernanda Isabel Pereira
Manuela Gomes