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TELEVISÃO
CONTRATO DE MANDATO
PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
DENÚNCIA
PROVIDÊNCIA CAUTELAR NÃO ESPECIFICADA
Sumário
I - A posição do prestador dos serviços - o recorrido - é equivalente à do mandatário no contrato de mandato e a posição do beneficiário dessa prestação – a recorrente – é equivalente à do mandante. II - Assim, a restrição ao direito de denúncia do contrato consagrada no nº 2 do art. 1170º do Código Civil é inaplicável ao prestador dos serviços.
Texto Integral
Acordam os Juízes na 1ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa
I – Relatório
“A” – Televisão …, Sa, instaurou procedimento cautelar não especificado contra “B” , pedindo «a condenação do R. a abster-se de praticar os seguintes actos:
a) Participar em quaisquer produções audiovisuais de terceiros ou para terceiros;
b) Contracenar com outro actores e actrizes em produções audiovisuais de terceiros ou para terceiros;
c) Permitir a fixação ou registo videográfico da sua imagem e interpretação e voz enquanto actor ou personagem;
d) Contratar com terceiros e prestar-lhes serviços profissionais;
e) Participar em produções teatrais e cinematográficas incompatíveis com os trabalhos previstos no contrato celebrado com a A. e respectiva promoção em televisão e apresentação de galas e eventos, se alguma delas de destinar a ser emitida em televisão em Portugal;
f) Participar em anúncios publicitários televisivos ou em acções e materiais promocionais directa ou indirectamente relacionados com algum produto ou serviço de terceiros que possa ser incompatível com o objecto do contrato ou concorrencial com a exploração comercial efectuada pela A. da sua personagem ou dos programas em que participou;
g) Proceder à apresentação, criação de textos do próprios programa, mediante a sua imagem ou voz, ou participar em rubrica, regular ou não, de qualquer programa produzido pelas demais operadoras de televisão em actividade em Portugal, ou radiodifundido ou com vista à radiodifusão;
h) Assumir qualquer compromisso incompatível com o contrato celebrado com a A.;
Deve ainda ser condenado à sanção pecuniária compulsória de valor não inferior a 2.000,00 € por cada dia de incumprimento de qualquer das injunções que venham a ser decretadas na presente providência.»
Alegou, em síntese:
- celebrou com o requerido contrato mediante o qual este foi contratado para prestar os serviços profissionais de actor em programas de ficção, bem como a utilização da sua imagem, em regime de exclusividade;
- o contrato foi celebrado em 16/07/2008 e pelo período de 3 anos;
- em 13/12/2010 o requerido enviou carta à requerente pretendendo denunciar o contrato;
- mas a comunicação do requerido é inválida, pelo que se mantém em vigor o contrato de prestação de serviços;
- pretende a requerente com a presente providência acautelar o seu direito à prestação de “non facere” que resulta da contratação do requerido em regime de exclusividade, designadamente de não prestar serviços ou associar a sua imagem a estação de televisão concorrente;
- a requerente tem fundado receio de que a demora natural na resolução do litígio lhe cause prejuízo grave e irreparável ou de difícil reparação.
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O requerido deduziu oposição, tendo alegado, em resumo:
- está em causa um contrato de prestação de serviços atípico sujeito ao regime da livre revogabilidade unilateral;
- o requerido revogou o contrato, pelo que tendo este cessado, inexiste, a par dos demais, o direito de exclusividade invocado pela requerente, não estando preenchido o requisito do “fumus bonus iuris”, o que só por si determina a improcedência do procedimento cautelar;
- não se verifica o requisito do fundado receio de que o requerido cause lesão grave e dificilmente reparável ao direito (o “periculum in mora”) ;
- o prejuízo resultante para o requerido com o decretamento da providência excederia o dano que com ela a requerente pretende evitar;
- se fosse decretada a presente providência cautelar, a sentença declarativa a proferir na acção principal perderia toda a eficácia, encarregando-se o procedimento cautelar de julgar em definitivo a acção declarativa na sua substância;
- o montante requerido a título de sanção pecuniária compulsória é inusitado em face das possibilidades económicas do devedor pelo que, caso a providência venha a ser decretada deverá ser inferior a 150 € por dia.
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Por se ter entendido que os autos contém já os elementos necessários para decidir sem necessidade de inquirição das testemunhas arroladas, não se realizou a audiência a que alude o art. 386º nº 2 do CPC e foi proferida decisão que julgou improcedente o presente procedimento cautelar não especificado.
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Inconformada, apelou a requerente e tendo alegado, formulou as seguintes conclusões:
a) A matéria alegada, e provada, pela Recorrente é, indiciariamente, adequada a demonstrar o justo receio de lesão do direito por si invocado;
b) A douta sentença contém conclusões que teriam, necessariamente, de determinar outro sentido de decisão, que assim se revela contraditória nos seus termos;
c) Andou bem o Tribunal “a quo” no juízo de verificação da probabilidade séria do direito da Recorrente, concluindo não foi invocada justa causa pelo Recorrido para pôr fim ao contrato, e que aquela tem direito a ver cumprido o contrato celebrado com o Requerido até ao seu termo previsto para 16/07/2011;
d) Essa conclusão decorre quer da análise do regime jurídico do mandato (artigo 1170º, n.º 2 CC), quer pelas regras gerais aplicáveis aos contratos (artigo 406º, n.º1, do CC);
e) Contudo, na apreciação do 2º requisito necessário ao decretamento da providencia, decide o Tribunal “a quo” de forma desacertada e contraditória com o juízo anterior;
f) É o próprio Tribunal a delimitar - e bem - o direito da Recorrente, mas a douta sentença confunde a verificação de lesão grave e dificilmente reparável com a concretização da referida lesão;
g) Está em causa o preenchimento de conceitos genéricos e indeterminados, de difícil preenchimento, cabendo ao juiz, face ao caso concreto, avaliar do fundamento do receio e da gravidade e dificuldade de reparação da lesão, tarefa que assume acrescida dificuldade quando se está perante interesse imateriais como é o caso;
h) A Recorrente alegou factualidade integradora do fundado receio de lesão grave e dificilmente reparável do direito ou interesse imaterial à exclusividade do Recorrido, consubstanciado em obrigações de não fazer;
i) O bem jurídico “exclusividade” é, actualmente, na contratação de Actores, um activo de enorme importância que se sobrepõe, até, à própria actividade de representação;
j) Concretizando a conduta do Recorrido no confronto com a situação global em causa, isto é, o receio de a Recorrente ver lesado o bem jurídico “exclusividade” conjugado com os reais e demonstrados motivos subjacentes à pretensa “denúncia” contratual, um juízo de proporcionalidade e razoabilidade deveria ter determinado decisão no sentido de considerar que está em causa uma lesão grave e irreparável;
k) É que nas obrigações de facto negativo o prazo é essencial e não se mostra possível o cumprimento depois do seu vencimento, pelo que se impunha concluir que, expirado o prazo de vigência do contrato, a lesão do bem jurídico “exclusividade” estará definitivamente consumada;
l) Nessa conformidade, não deve ser objecto do juízo do julgador saber se o credor poderá ser indemnizado em sede de acção declarativa futura;
m) Na providencia requerida, situamo-nos num passo anterior, destinado a evitar a lesão e que o prejuízo económico dele decorrente, de árdua caracterização, tenha lugar.
n) Por conseguinte, estando em causa interesses imateriais, admitindo-se, em tese e sem conceder, que o prejuízo da Recorrente se caracterize como grave e irreparável ou de difícil reparação, deve ser tomado em conta que se revela extremamente difícil a enumeração e quantificação dos danos daí emergentes;
o) O valor da exclusividade apenas assume inteira expressão na pendência da execução do contrato a que respeita, em que o valor do Artista é adicionado ao dos outros actores do elenco de determinada produção, e esta por si, origina audiências, o que por sua vez atrai o investimento de publicidade e parceiros de negócio;
p) Enquanto bem jurídico imaterial, o direito de impedir o Recorrido de trabalhar para outrem deveria ter sido objecto de protecção pelo Tribunal “a quo”;
q) A acrescer, existem em abundância decisões judiciais em que é conferida tutela jurisdicional provisória a interesses não patrimoniais e outras que nem sequer impõem a verificação do requisito da lesão grave ou dificilmente reparável;
r) O grau de exigibilidade de verificação do requisito de lesão grave e dificilmente reparável do direito, quando estão em causa interesse imateriais, deve estabelecer-se num nível inferior àquele que se fixou na douta decisão recorrida, por se afigurar de extrema complexidade concretizar as lesões que decorrem da quebra do contrato;
s) Ao decidir como fez, a douta decisão recorrida interpretou e aplicou erradamente o direito do artigo 387º, n.º 1 do CPC, que deveria ter sido interpretado e aplicado no sentido de considerar demonstrado o fundado receio de lesão grave e irreparável ou de difícil reparação do direito da Recorrente ao cumprimento do contrato pelo Recorrido, com o consequente decretamento das medidas cautelares peticionadas;
Nestes termos e nos mais de direito, sempre com o douto suprimento de V. Exas., deve ser dado provimento ao presente recurso e ser revogada a decisão recorrida, substituindo-a por outra que decrete as medidas peticionadas em sede da providencia cautelar, com o que fará esse Ilustre Tribunal a costumada Justiça!
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O recorrido contra-alegou, tendo formulado as seguintes conclusões:
A) O presente recurso é manifestamente infundado, devendo, à luz do disposto no artigo 705.º do Código de Processo Civil, ser objecto de decisão liminar que julgue o mesmo improcedente.
Sem conceder, caso assim não se entenda,
B) Deve o presente recurso de apelação ser julgado improcedente, por não estarem preenchidos, no caso dos autos, os pressupostos de que depende o decretamento de uma providência cautelar.
Com efeito.
C) O recurso interposto pela ora Apelante assenta em dois equívocos fundamentais: o primeiro equívoco é o de que o Tribunal a quo andou bem quando decidiu que, no caso dos autos, está verificado o requisito do fumus bonus iuris, ou seja a probabilidade séria de existência do direito invocado; o segundo equívoco reporta-se ao falacioso entendimento da Apelante no sentido de que, in casu, está preenchido o pressuposto do periculum in mora.
D) Mais ainda, ao contrário do que é dito pela Apelante, neste caso, também o requisito da proporcionalidade não está verificado.
E) É de notar, outrossim, que se fosse decretada a providência cautelar, a sentença declarativa a proferir na respectiva acção principal perderia toda a eficácia, encarregando-se o procedimento cautelar de julgar em definitivo a acção declarativa na sua substância, assim violando a obrigação de não ingerência no mérito da acção principal.
F) No caso em apreço, o Tribunal a quo entendeu, erradamente, que há uma probabilidade séria de existência do direito da Requerente ora Apelante, que alegadamente se traduziria «no direito a ver cumprido o contrato celebrado com o Requerido até ao seu termo previsto para 16/07/2011».
G) Constatando-se que no erróneo entender do Tribunal a quo, a revogação unilateral do mencionado contrato de prestação de serviços pelo ora Apelado é ineficaz, não produzindo efeitos, visto que “no caso em presença, fácil se torna concluir que há um interesse comum das partes, que vem aqui afastar a regra da livre revogabilidade prevista na norma mencionada”, pelo que, se aplicaria o n.º 2 do artigo 1170º do Código Civil, em detrimento do n.º 1 do mesmo normativo legal, estando, consequentemente, afastada a regra da livre revogabilidade unilateral do contrato de mandato.
H) Com o devido respeito, que é muito, é manifesto o erro interpretativo perpetrado pelo Tribunal a quo sobre esta matéria, sendo por demais evidente para qualquer intérprete que a norma contida no n.º 2 do artigo 1170.º do Código Civil não é aplicável ao caso sob análise.
I) A norma contida no n.º 2 do artigo 1170º do Código Civil corresponde, precisamente, a uma daquelas disposições que não pode, não deve, em caso algum, ser aplicada aos contratos de prestação de serviços atípicos, desde logo porquanto as razões de ordem jurídico-dogmática que estiveram subjacentes à consagração desta norma, no âmbito do regime do contrato de mandato, não são extensíveis ao presente contrato, i.e., aos contratos de prestação de serviço atípicos.
J) Note-se, além do mais, que, ainda que, por absurdo, o artigo 1170.º, n.º 2 do Código Civil, fosse aplicável ao caso dos autos, tal seria em beneficio do Apelado e nunca da Apelante,
K) Com efeito, na equiparação a efectuar com o contrato de mandato e para efeito de aplicação da norma em causa, jamais o Apelado poderia ocupar posição equivalente à posição de mandante, uma vez que essa equivalência ter-se-á de fazer por referência ao beneficiário da “prestação característica” do contrato de prestação de serviços e que, no caso, só seria a Apelante.
L) Conclui-se, assim, que o Contrato celebrado, em 16 de Julho de 2008, entre a Apelante e o Apelado, foi válida e eficazmente denunciado por este último, nos termos do artigo 1170º, n.º 1 do Código Civil, pelo que o dito Contrato cessou, não estando mais em vigor, ao arrepio do que é erroneamente alegado pela Apelante, cessando outrossim as respectivas obrigações, designadamente a obrigação de exclusividade.
M) Consequentemente, não está preenchido, no caso sub judice, o requisito do fumus bonus iuris, o que por si só determina a improcedência m totum do presente recurso.
N) De outro passo, quanto ao notório não preenchimento do requisito do pericuhum in mora, a decisão ora recorrida constitui a melhor fundamentação que neste recurso se pode oferecer.
O) Sublinhe-se que, não só a Requerente ora Apelante não alegou quaisquer factos que demonstrem o fundado receio de lesão grave e dificilmente reparável - sendo certo que da matéria de facto provada não resulta qualquer facto que possa consubstanciar um dano -,
P) Como, com grande probabilidade, ainda que o tivesse feito, este pressuposto não estaria verificado.
Q) É que, em apreço, sempre estariam prejuízos materiais, sendo certo que, como vimos, quanto a estes, o critério deve ser bem mais restrito do que o utilizado quanto à aferição dos danos de natureza física ou moral, visto que aqueles são passíveis de ressarcimento através de um processo de reconstituição natural ou de indemnização substitutiva.
R) E nem se diga, como pretende a Apelante, que sob análise estão “interesses imateriais”, que não são “traduzíveis em números”: trata-se de uma argumentação vazia e descabida, que apenas revela o desnorteio daquela parte.
S) Se tanto é mais do que suficiente para se decidir que não está verificado o pressuposto do periculum in mora, esta conclusão é fortemente reforçada pelo facto de a Requerente ora Apelante, tanto no requerimento inicial, como na alegação de recurso, não fazer qualquer alusão, directa ou indirecta, ao montante minimamente aproximado do alegado prejuízo.
T) Muito embora, no caso concreto, nunca pudesse ser concedida a providência cautelar requerida por não estarem reunidos os pressupostos de que depende o seu decretamento, haverá, outrossim, que dizer que, efectivamente, o prejuízo resultante do decretamento da presente providência excede consideravelmente o alegado (que não foi alegado pela Requerente ora Apelante) dano que com ela a Recorrente pretende evitar, pelo que também não está verificado o requisito da proporcionalidade.
Termos em que, e nos mais de direito, deve a presente apelação ser objecto de decisão liminar, nos termos do disposto no artigo 705º do Código de Processo Civil, ou, quando assim não se entenda, deve a presente apelação ser julgada improcedente com as legais consequências, assim se fazendo justiça.
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Colhidos os vistos, cumpre decidir.
II – Questões a decidir
De harmonia com o disposto nos art. 684º nº 3, 685º-A nº 1, 713º nº 2 e 660º nº 2 do CPC o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, sem prejuízo das questões que são de conhecimento oficioso.
Mas também estabelece o art. 684º-A nº 1 do CPC que «No caso de pluralidade de fundamentos da acção ou da defesa, o tribunal de recurso conhecerá do fundamento em que a parte vencedora decaiu, desde que esta o requeira, mesmo a título subsidiário, na respectiva alegação, prevenindo a necessidade da sua apreciação.».
Assim, no caso dos autos, tendo em consideração as conclusões da alegação da recorrente e as conclusões da alegação do recorrido, as questões a decidir são as seguintes:
a) das conclusões da recorrente
- se está demonstrado o fundado receio de lesão grave e dificilmente reparável ou mesmo irreparável do direito da recorrente
b) das conclusões do recorrido
- se inexiste o direito invocado pela recorrente por o contrato ter sido validamente revogado nos termos do nº 1 do art. 1170º Código Civil
- se não está demonstrado o fundado receio de lesão grave e dificilmente reparável do direito da recorrente
- se o decretamento da providência cautelar causaria ao recorrido prejuízo superior ao dano que com ela a recorrente pretende evitar
- se o decretamento da providência cautelar julgaria em definitivo a acção principal
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III - Fundamentação
A) Os factos
Na decisão recorrida vem dado como provado:
1. O R. é o Actor profissionalmente conhecido por “B”.
2. Em 16 de Julho de 2008 foi celebrado entre A. e R. o contrato junto a fls. 48 ss. como Doc. 1 com a petição inicial e se que se dá por integralmente reproduzido.
3. O R foi contratado para prestar os serviços profissionais de actor em programas de ficção conforme ajustado no considerando I e IV e ainda no nº1 da Cláusula Primeira do contrato junto.
4. Foi contratada a utilização da sua imagem, nos seguintes planos: enquanto actor que dá vida às personagens que interpreta; enquanto personagem, para fins promocionais; para outros fins de natureza comercial relacionados com a exploração acessória das personagens, do título e/ou das marcas associadas aos respectivos programas, tudo de acordo com o ajustado no considerando V e no nº 4 da Cláusula Primeira do Contrato junto.
5. A A. ajustou com o R. a sua contratação em regime de exclusividade, conforme resulta do disposto no considerando IV e na Cláusula Segunda do contrato junto.
6. No nº 1 da cláusula Segunda ficou acordado que: durante o período de 3 anos, fica o R. expressamente proibido, salvo autorização expressa da A., de contratar com terceiros e de lhes prestar serviços profissionais, ou conceder direitos de imagem, salvo o que diz respeito aos números seguintes.
7. Durante o mesmo período, ficou acordado estar o R. autorizado a participar em produções teatrais e cinematográficas, se forem compatíveis com os trabalhos previstos no contrato em causa, respectiva promoção em televisão e apresentação de galas e eventos, se alguma delas se destinar a ser emitida em televisão em Portugal - Vide nº 2, 3 e 4 da Cláusula Segunda.
8. Durante o mesmo período, ficou acordado que o R. poderá participar em anúncios publicitários televisivos ou em acções e materiais promocionais directa ou indirectamente relacionados com algum produto ou serviço de terceiros desde que não seja considerado incompatível com o objecto do contrato ou concorrencial com a exploração comercial efectuada pela A. da sua personagem ou dos programas em que participar, nos termos do nº5 da Cláusula Segunda.
9. Durante a vigência do contrato, ficou acordado o R. não proceder à apresentação, criação de textos ou do próprio programa, mediante a sua imagem ou voz, nem a participar em rubrica, regular ou não, de qualquer programa produzido pelas demais operadoras de televisão em actividade em Portugal, ou radiodifundido ou com vista à radiodifusão, nos termos do nº 8 da Cláusula Segunda.
10. Foi acordado na alínea d) do nº 1 da Cláusula Terceira, que o R. se absteria de celebrar outros contratos que sejam incompatíveis com o bom cumprimento das obrigações resultantes do contrato junto.
11. Na Cláusula Terceira do contrato que aqui se dá por integralmente reproduzida, o R. acordou em abster-se da modificar a sua imagem em moldes incompatíveis com a personagem que interpreta nos programas.
12. A. A. e o R.. ajustaram a remuneração prevista na Cláusula Quarta do contrato.
13. No nº 7 da Cláusula Quarta do contrato foi estabelecido o seguinte: “Caso a remuneração auferida pelo SEGUNDO OUTORGANTE e paga pela Produtora que a “A” TV venha a designar, não atinja os montantes referidos nos números um a cinco da presente Cláusula, a “A” TV suportará a diferença, até ao referido montante.”
14. Por força da celebração do contrato, a A pode designar as Produtoras para os quais o Actor prestará os seus serviços, sendo celebrado com essas Produtoras, para cada produção, um outro contrato específico para esse fim, de que é exemplo o que se junta como Doc. 2 com a petição inicial, a fls. 61 ss., e que se dá por integralmente reproduzido.
15. A A. assegura apenas a diferença resultante entre a remuneração paga pela Produtora e a remuneração que garantiu ao Actor, quer durante o seu trabalho de Actor, quer durante os intervalos das gravações.
16. Ficou ajustado o pagamento da diferença entre a quantia mensal de 8.000,00 € e aquela que viesse a ser paga pela Produtora, sempre que houvesse no período de um mês 6 ou mais sessões de gravação, ou 75% desse valor se houvesse entre 1 e 5 sessões de gravação, nos termos dos nº 1, 3 e 4 da Cláusula Quarta.
17. Foi acordado que no período do defeso (zero sessões) seria paga ao R. a quantia mensal de 4.500,00 €, nos termos do nº 5 da Cláusula Quarta.
18. O contrato em questão foi celebrado em 16 de Julho de 2008 pelo período de 3 anos.
19. A A. tem uma produção em curso cujas gravações terão início em Janeiro de 2011, tendo sido posta a possibilidade do R. fazer parte do elenco da mesma.
20. Os papeis que são propostos ao R. devem obter o seu acordo, conforme nº 3 da Cláusula Primeira do contrato.
21. Informou o R. que devido aos recentes projectos em que havia participado (3 novelas) necessitava de uma pausa para descansar.
22. No passado dia 10 de Dezembro de 2010 houve uma reunião em que estiveram presentes para além de R., o Dr “D” e o Dr. “E” em que o R. manifestou vontade de deixar de colaborar com a “A”, pedindo que o libertassem para novos projectos.
23. O Dr “D” disse desde logo que a “A” TV não prescindia do cumprimento do contrato.
23. Já havia sido referido ao R. que a “A” TV pretendia antecipar a renovação do seu contrato.
24. A “A” comunicou formalmente ao R. que não iria prescindir dos seus direitos contratualmente previstos, tudo conforme e-mail datado de 13 de Dezembro de 2010, que é junto como Doc. 3 a fls. 74 e que se dá por integralmente reproduzido.
25. O R. manteve inalterada a sua posição, e respondeu conforme decorre do Doc. 4, junto a fls. 75 e se dá por integralmente reproduzido, no qual refere que “...a minha decisão está tomada e não existe forma de voltar atrás”.
26. O R. remeteu à A. carta datada de 13 de Dezembro de 2010 que se junta como Doc. 5 a fls. 76 c se dá por reproduzido, em que refere que “denuncia” o contrato.
27. A contratação do R. pela “C”, estação de televisão concorrente da “A”, veio, a partir de 14 de Dezembro de 2010, referida nos meios de comunicação social.
28. No “Jornal”, nos termos do Doc. junto como nº 6 e que se dá por reproduzido.
29. Segundo avança esse jornal, o R. “..poderá integrar o elenco da próxima coprodução entre a estação de ... e a TV ...”.
30. Também o “Jornal ...” noticia a contratação do R., conforme Doc. 7 que se junta e se dá por reproduzido, assegurando em sub-título que “A assinatura do contrato será ainda esta semana… O Actor deverá ser o protagonista da nova novela” e desenvolve: “Eis a bomba que a “C” prometera há semanas. “B”., ... anos, é a mais recente contratação da “C”. A assinatura do contrato está prevista para a semana, provavelmente amanhã. Há vários anos ligado à “A”, com quem manteve contratos de exclusividade, “B”. encontra-se de férias desde o final das gravações de ....” “As negociações entre “B”. e a “C” tiveram início há várias semanas.”
31. Aí pode ler-se o seguinte: A “A” com a saída de “B”. perde um dos seus protagonistas de peso”.
32. Em entrevista à revista (...) conforme Doc. 8 que é junto e que se dá por reproduzido, é afirmado pelo Director Geral da “C”, (...), que o R. “...não tinha trabalho, que não estava escalado para nenhuma novela e, portanto, não deve haver problemas. Se houver, o nosso gabinete jurídico tratará do caso.”
33. É publicado pela revista “...” de 24 de Dezembro de 2010, que se junta come Doc. 9 e se dá por reproduzido, que o R. se sente “um jogador do Real Madrid” e que, afirma (...), Director de Programas da “C”, “...os plantéis estão sempre abertos e nós tínhamos de nos reforçar.”
34. O “Jornal” de 21 de Dezembro de 2010, noticia que o R. assinou nessa data um contrato com a “C”, conforme Doc. 10 que se junta e se dá por reproduzido.
35. Em recente entrevista ao Actor/Apresentador “F”, que se junta como Doc. 11 e se dá por reproduzido, este responde à questão colocada: “O “F” também já foi apontado como uma das próximas saídas da “A” para a “C”... - Ao longo do contrato com a “A”, houve convites da “C” várias vezes...Tenho um contrato até Maio com a “A”. Ficarei ou irei para o sítio em que achar que posso fazer melhor.”
36. “G”, conhecido actor e produtor nacional, em entrevista à revista “(...)”, que se junta como Doc. 12 e se dá por reproduzido, questionado sobre a opinião que tem sobre “saída” de vários actores da “A” para a “C”, refere: “Acho saudável. Quando os contratos acabam, somos livres de escolher aquilo que achamos melhor para o nosso futuro.”
37. É noticiado no “Jornal ...” de 22 de Dezembro, que se junta como Doc. 13 e se dá por reproduzido que o vínculo do R. com a “A” só expirava em Agosto.
38. Aí pode ler-se: “Enche-nos de satisfação tê-lo na “C”. É uma mais-valia, um dos actores mais talentosos da sua geração.”
39. É notícia publicada no ““Jornal ...”” de 21 de Dezembro de 2010, que se junte como Doc. 14 e se dá por reproduzido, cujo título, se inicia pela expressão “Exclusividade: “C” fecha mais dois contratos num só dia”. Aí pode ler-se: “B” formalizou ontem o contrato de exclusividade com a “C”.
40. E aí podem ler-se várias afirmações: “O contrato de “B”. só terminava em Agosto de 2011, mas o actor decidiu rescindir com a estação e aceitar o convite da “C” e ainda “Todas as saídas são negociadas, houve conversas. Eu estava parado, não tinha nenhum projecto em vista...decidi mudar” e declara: “Por isso, cedi-lhes a minha vida estes anos.”
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B) O Direito
A recorrente requereu providência cautelar não especificada que foi indeferida por na decisão recorrida se ter entendido não estar verificado o prejuízo grave e dificilmente reparável.
O nº 1 do art. 381º do CPC prevê: «Sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência, conservatória ou antecipatória, concretamente adequada a assegurar a efectividade do direito ameaçado».
O art. 387º do CPC determina:
«1- A providência é decretada desde que haja probabilidade séria da existência do direito e se mostre suficientemente fundado o receio da sua lesão.
2 – A providência pode, não obstante, ser recusada pelo tribunal, quando o prejuízo dela resultante para o requerido exceda manifestamente o dano que com ela o requerente pretende evitar.».
Portanto, a primeira questão a apreciar nesta apelação é a de saber se está ou não demonstrada a probabilidade séria da existência do direito da recorrente, pois a decisão recorrida respondeu afirmativamente a esta questão mas o recorrido na sua contra-alegação sustenta o contrário, invocando que denunciou validamente o contrato, pretendendo assim que neste recurso se conheça desse fundamento da sua defesa alegado na oposição oportunamente deduzida.
Entre a recorrente e o recorrido foi celebrado, em 16 de Julho de 2008, um contrato pelo período de três anos mediante o qual o recorrido se obrigou a prestar os seus serviços profissionais de actor, permitindo também à recorrente a utilização da sua imagem nos termos ali previstos, vinculando-se o recorrente com carácter de exclusividade.
O art. 405º do Código Civil prescreve:
«1. Dentro dos limites da lei, as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos neste código ou incluir nestes as cláusulas que lhes aprouver.
2. As partes podem ainda reunir no mesmo contrato regras de dois ou mais negócios, total ou parcialmente regulados na lei.».
Estabelece o art. 1154º do Código Civil que o contrato de prestação de serviço é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com o sem retribuição.
Nos termos do art. 1155º são modalidades do contrato de prestação de serviço o mandato, o depósito e a empreitada.
Assim, entre recorrente e recorrido foi celebrado um contrato de prestação de serviço atípico.
Mas o recorrido, por escrito de 13/12/2010 (doc. 5 de fls. 76) comunicou à recorrente o seguinte:
«Venho por este meio, denunciar o contrato celebrado com a “A” – Televisão ..., S.A., em 17 de Julho de 2008. Comunico que a denúncia do contrato acima referido produzirá efeitos na presente data, 13 de Dezembro de 2010.».
De harmonia com o art. 1156º as disposições sobre o mandato são extensivas, com as necessárias adaptações, às modalidades do contrato de prestação de serviço que a lei não regule especialmente.
Vem consagrado no art. 406º do Código Civil que o contrato deve ser pontualmente cumprido, ou seja, nos seus precisos termos, e só pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei.
Ora, o art. 1170º estipula:
«1. O mandato é livremente revogável por qualquer das partes, não obstante convenção em contrário ou renúncia ao direito de revogação.
2. Se, porém, o mandato tiver sido conferido também no interesse do mandatário ou de terceiro, não pode ser revogado pelo mandante sem acordo do interessado, salvo ocorrendo justa causa».
Estando em causa, no caso concreto, um contrato de prestação de serviço atípico não há dúvida que lhe aplicável o disposto no nº 1 do art. 1170º e nisso estão ambas as partes de acordo.
Quanto ao nº 2 deste normativo sustenta o recorrido que as razões de ordem jurídico-dogmática que estiveram subjacentes à consagração desta norma no âmbito do regime do contrato de mandato não são extensíveis aos contratos de prestação de serviço atípicos. Argumenta, para tal e em resumo, que nestes contratos não há, por norma, qualquer posição de ascendente jurídico entre o prestador de serviços e a outra parte, ninguém pratica actos jurídicos por conta da outra parte, nem existe uma repercussão, directa ou indirecta, dos efeitos dos actos praticados por uma parte na esfera da outra, não há interesse apenas de uma parte.
Mas não tem razão.
Na verdade, se o contrato de prestação de serviço não visa a prática de actos jurídicos obviamente não existe um contrato de mandato. Mas precisamente por não se tratar de um contrato de mandato mas sim um contrato de prestação de prestação de serviço atípico é que nesse caso são extensivas, com as necessárias adaptações, as disposições sobre o mandato por força do preceituado no art. 1156º.
E assim, o contrato de prestação de serviço atípico é livremente revogável por qualquer das partes com esta excepção: se o contrato tiver sido outorgado também no interesse do prestador dos serviços ou de terceiro – que tem a posição equivalente à do mandatário -, não pode ser revogado pelo beneficiário da prestação dos serviços – que tem a posição equivalente à do mandante - sem acordo do interessado, salvo ocorrendo justa causa.
A este propósito cabe sublinhar que o simples facto de o mandato ser retribuído não faz com que ele seja conferido também no interesse do mandatário (v. Vaz Serra, RLJ ano 103º, pág. 239, Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil anotado, vol II, 4ª ed, pág. 809/810, e Ac do STJ de 9/1/2003 – Proc. 024B4134 e de 11/12/2003 – Proc. 03B3634 – in www.dgsi.pt). Com efeito, o critério de aferição do interesse relevante do mandatário ou de terceiro tem de assentar no direito próprio que estes pretendem fazer valer conexionado com o próprio encargo e ainda que o mandato seja condição ou a consequência, ou modo de execução, do direito que lhe pertence ou represente para o mandatário uma garantia do próprio direito. É, necessário, pois, identificar uma outra relação normalmente de tipo contratual entre as partes, que conforma ou determina o contrato de mandato (Januário Gomes, in Em Tema de Revogação do Mandato, pág. 148-150).
Na decisão recorrida entendeu-se que a declaração do recorrido de revogação do contrato constante do doc. 5 de fls 76 é ineficaz seja por aplicação do art. 1170º nº 2 do Código Civil, seja pelas regras previstas para a resolução contratual consagradas nos art. 432º e 801º do mesmo diploma legal.
Lê-se na decisão recorrida:
«O contrato que as partes denominaram prestação de serviços, não se esgota apenas nessa singela prestação, incluindo outros aspectos que as partes nele fizeram constar ao abrigo do princípio da liberdade contratual. No caso do contrato em questão conclui-se pela análise dos direitos e obrigações recíprocas das partes, que a prestação de serviços acordada e a utilização da imagem do Requerido bem como as obrigações de “non facere” acordadas são estabelecidas também no interesse da Requerente. No caso em presença, fácil se torna concluir que há um interesse comum das partes, que vem aqui afastar a regra da livre revogabilidade prevista na norma citada. Assim, não havendo aceitação da Requerente é ineficaz a declaração de revogação do Requerido, havendo uma impossibilidade da mesma, por si só, pôr fim ao vínculo negocial. Claro que tal já não será assim se houver justa causa para a revogação, contudo, no caso em presença, verifica-se, que na correspondência enviada pelo Requerido à Requerente nada é invocado como justa causa para pôr fim ao contrato unilateralmente, antes do prazo.».
É evidente que a prestação de serviços acordada, que envolve a utilização da imagem do requerido e o direito à exclusividade por parte da recorrente, foi estabelecida no interesse desta pois o recorrido obrigou-se a prestar-lhe serviços sujeitando-se ao direito à exclusividade estabelecido a favor desta nos termos acordados no contrato. Portanto, a beneficiária da prestação dos serviços é a recorrente.
Ora, a posição do beneficiário da prestação dos serviços – a recorrente – é equivalente à do mandante no contrato de mandato e a posição do prestador dos serviços – o recorrido - é equivalente à do mandatário.
Assim, porque não se encontra em posição equivalente à do mandante no contrato de mandato, a restrição ao direito de denúncia do contrato consagrada no nº 2 do art. 1170º do Código Civil é inaplicável ao recorrido.
Por isso, tem de ser reconhecido ao recorrido o direito de revogar livremente o contrato dos autos, sem prejuízo do que o art. 1172º prevê sobre obrigação de indemnização e que não cabe aqui apreciar por não se enquadrar no objecto do recurso.
A comunicação de denúncia do contrato através do escrito de 13/12/2010 sem a invocação de qualquer causa significa que o recorrido quis proceder à sua revogação.
A declaração negocial que tem um destinatário torna-se eficaz logo que chega ao seu poder ou dele é conhecida (art. 224º do Código Civil).
Resulta do exposto que o contrato foi validamente revogado pelo recorrido através da mencionada declaração escrita.
Em consequência da cessação do contrato, não tem a recorrente o direito de exigir do recorrido que este se mantenha sujeito às obrigações nele convencionadas, designadamente, ao dever de exclusividade estabelecido a favor daquela.
Nesta conformidade, falece o primeiro requisito para o decretamento da providência cautelar e que é a probabilidade séria da existência do direito, o que importa necessariamente o indeferimento do procedimento cautelar e, portanto, a improcedência do recurso.
Ficam assim prejudicadas as demais questões, o que obsta à sua apreciação (cfr art. 660º nº 2 – 1ª parte e 713º nº 2 do CPC).
*
IV – Decisão
Pelo exposto, decide-se julgar improcedente a apelação e, embora com diferente fundamentação, confirma-se a decisão recorrida de indeferimento da providência cautelar.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 7 de Junho de 2011
Anabela Calafate
António Santos
Eurico José Marques dos Reis