PROCESSO DISCIPLINAR
Sumário

I - Após a resposta à Nota de Culpa, nada impede que a entidade empregadora proceda à rectificação da Nota de Culpa no que se refere à precisão dos factos imputados ao trabalhador, notificando-o da Nota de Culpa rectificada e concedendo-lhe novo prazo para resposta.
II – Nesse caso, o prazo de 30 dias para proferir decisão só começa a correr após efectuadas as diligências probatórias a que se refere o art. 414.º n.º 3 do CT na redacção de 2003.
(Elaborado pelo Relator)

Texto Parcial

Acordam em conferência, na Secção Social do Tribunal da
Relação de Lisboa:

I – Relatório
A intentou em 03.04.2009, a presente acção declarativa, com processo comum emergente de contrato individual de trabalho contra
“B, Unipessoal, Ldª”,
pedindo a declaração da ilicitude do seu despedimento dada a caducidade do procedimento disciplinar e inexistência de justa causa e a condenação da Ré a pagar-lhe as retribuições vencidas e vincendas até à reintegração do seu posto de trabalho, sem prejuízo da sua posterior opção pela respectiva indemnização prevista no art. 439º do Código do Trabalho.
Para tanto invocou a inexistência de justa causa e a caducidade do direito de aplicar a sanção em virtude de a decisão de despedimento ter sido proferida quando já se achava decorrido o prazo previsto no art. 415º, nº1 do C. Trabalho.
A Ré contestou alegando, em síntese, que exerceu o direito de aplicar a sanção dentro do prazo legalmente estipulado e verificaram-se os fundamentos legais para a aplicação de despedimento com justa causa.
Pugna pela improcedência da acção e consequente absolvição do pedido.
Juntou aos autos a Nota de Culpa (fls. 30 a 34) bem como uma Rectificação à Nota de Culpa (fls. 38 e segs.).
O autor veio responder.

Na ocasião do despacho saneador o senhor juiz, entendendo estar na posse de todos os elementos para proferir decisão, ordenou a notificação do autor para fazer a opção, tendo o autor, em requerimento de fls. 44, optado pela reintegração.
Foi proferida sentença que, considerando que entre a data da resposta à nota de culpa (que referiu como sendo 23.12.08) e a data da decisão disciplinar (que referiu como sendo 28.01.09) decorreu um período superior a 30 dias, julgou caducado o direito de aplicar a sanção de despedimento e proferiu decisão cuja parte dispositiva se transcreve:
Nestes termos e com tais fundamentos, decide este Tribunal julgar a presente acção procedente e, em consequência:
A) – Declarar ilícito o despedimento do Autor por não ter sido precedido do
respectivo procedimento.
B) - Condenar a Ré no pagamento ao Autor das retribuições vencidas e
vincendas desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão e bem assim no pagamento de uma indemnização por antiguidade equivalente a trinta dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano ou fracção de antiguidade até à data do trânsito em julgado da decisão, sem prejuízo do desconto das quantias a que se alude o art. 437º, nºs 2 e 4 do Código do Trabalho, cujo montante (por se ignorar o tempo e os demais elementos a considerar para o efeito) se relega para posterior liquidação e após aquela data.
Custas a cargo da Ré.

Inconformada com a sentença, veio a Ré interpor recurso de apelação para este Tribunal da Relação, apresentando doutas alegações, com as seguintes conclusões:
(…)

O Autor contra-alegou, pugnando pela manutenção da decisão recorrida, requerendo, nos termos do art. 684º-A do CPC que, se se viesse a revelar necessário, deveria ser decidido que estava admitido por acordo que a data de recepção pela Ré da Resposta á Nota de Culpa enviada pelo autor foi de 23.12.2008.

O autor reclamou, ainda, contra o despacho de fls. 100 e 101 que não admitiu o recurso interposto a fls. 79, pretendendo o autor, neste recurso, que se condene a ré na reintegração - pela qual optou em tempo – e não na indemnização em substituição da reintegração, conforme consta da sentença.
Por decisão proferida pelo relator a fls. 128 e segs. foi decidido conhecer, em primeiro lugar, do recurso interposto pela ré invocando a simplicidade das questões a tratar e tendo em conta que a análise e procedência do recurso interposto pela ré torna inútil, (e o Código de Processo Civil não permite a realização de actos inúteis) quer a apreciação da reclamação, quer a apreciação do recurso interposto pelo autor, na medida em que a procedência do recurso interposto pela ré revoga a sentença e determina a continuação dos autos, podendo o autor, caso obtenha vencimento a final, ver-lhe concedida a sua reintegração na empresa ré, como pretende com o recurso que interpôs.
*
Admitido o recurso interposto pela ré, foi proferida, pelo relator, decisão sumária que julgou improcedente a caducidade do direito da aplicar a sanção e determinou o prosseguimento dos trâmites normais dos autos para julgamento.
Face ao decidido julgou o relator tornar-se inútil a apreciação:
- da reclamação do autor contra o despacho que não admitiu o recurso por si interposto;
- da ampliação do âmbito do recurso ao abrigo do art. 684-A do CPC.

O autor/apelado veio, nos termos do disposto no art. 700.º, nº 3 do Cód. Proc. Civil, que sobre a questão da caducidade do direito de sancionar disciplinarmente o trabalhador, recaia acórdão, uma vez que, no caso dos autos, a ré não pretendeu fazer qualquer aditamento à nota de culpa, mas sim, reformulá-la, o que considera inadmissível.
A ré/apelante, nada disse.

Foram dispensados os vistos com a concordância dos Senhores Desembargadores Adjuntos.
As questões colocadas no recurso interposto pela ré e decididas sumariamente pelo relator consistiam em saber:
- Se a sentença era nula;
- Se o facto de ter sido elaborada e remetida ao Autor segunda nota de culpa e de este ter respondido à segunda nota de culpa enviada, determinam que não tenha caducado o direito da Recorrente exercer o direito disciplinar.

Em relação à decisão proferida no que se refere à primeira questão, nada foi posto em causa, pelo que se mantém o então decidido.
Cumpre, agora, apreciar e decidir a questão da caducidade do direito da ré exercer o poder disciplinar.

Os factos considerados provados na 1.ª instância são os seguintes:
2.1.1. – O Autor prestava serviço para a Ré ao abrigo de um contrato individual de trabalho, sendo-lhe atribuída a categoria profissional de motorista, auferindo uma retribuição mensal de € 767,81. (admissão nos articulados; doc. fls.9 do processo disciplinar)
2.1.2. – Tendo-lhe sido instaurado processo disciplinar, foi o Autor notificado da nota de culpa, mediante carta datada de 09.12.08, expedida por correio registado, com o correspondente código de barras RC 103347401PT, no dia 09.12.08 e recebida a 11.12.08, conforme consta a fls. 30 a 34 dos autos, cujo teor que aqui se dá por integralmente reproduzido. (doc.fls.38 a 48 do processo disciplinar)
2.1.3. – Com data de 19.12.08 o Autor respondeu à nota de culpa, expedida por correio registado, com o correspondente código de barras RC 1664711507T no
mesmo dia, não tendo requerido quaisquer diligências probatórias. (admissão nos articulados; doc. fls.49 a 51 do processo disciplinar)
2.1.4. – Foram efectuadas várias diligências probatórias promovidas pela Ré. (doc. de fls.52 a 60 do processo disciplinar)
2.1.5. – Mediante carta datada de 05.01.09, expedida por correio registado, com o correspondente código de barras RC 119677312PT, e recebida a 09.01.09, a Ré enviou nova nota de culpa, intitulando-a de “ aditamento à nota de culpa”, onde procedeu à “ rectificação à nota de culpa” conforme consta a fls. 37 a 41vº dos autos, cujo teor que aqui se dá por integralmente reproduzido. (doc. fls.61 a 71)
2.1.6. – O Autor respondeu no dia 09.01.09. (admissão dos articulados; doc. de fls.72 a 75 do processo disciplinar)
2.1.7. – No dia 28.01.09 foi proferida a decisão de despedimento, tendo o autor tido conhecimento em 04.02.09. (admissão dos articulados; doc. fls.84 a 115 do processo disciplinar)

III – FUNDAMENTOS DE DIREITO
A questão colocada e decidida sumariamente pelo relator, que o autor trouxe à conferência refere-se à caducidade do direito de sancionar o trabalhador, decisão contra a qual o autor se insurge entendendo, como vimos, ter caducado o direito de a entidade empregadora exercer o poder disciplinar.
A propósito, escreveu-se na decisão sumária proferida pelo relator:
“Analisemos então a questão de saber se o direito de sancionar o trabalhador não caducou face ao envio do aditamento ou rectificação da Nota de Culpa.
A decisão ora em crise, para se decidir pela caducidade, não teve em conta o mencionado aditamento ou rectificação à nota de culpa remetida pela entidade empregadora ao trabalhador em 09.01.2009.
Fundou o início da contagem do prazo de 30 dias para proferir a decisão no processo disciplinar (art. 415.º n.º 1 do CT de 2003) na data em que, presumivelmente, foi recebida a resposta à nota de culpa pela entidade empregadora.
Acontece que, segundo a ré, e conforme consta da carta que acompanhou a rectificação da nota de culpa, a resposta à nota de culpa levantou dúvidas sobre os factos que foram imputados ao autor, pelo que, para esclarecimento desses factos, ouviu duas testemunhas, e foi com base nesses depoimentos que veio a rectificar a nota de culpa no que se refere às circunstâncias de lugar da imputada infracção.
E remeteu ao autor essa rectificação datada de 5 de Janeiro de 2009 e recebida pelo autor em 09.01.2009, concedendo-lhe novo prazo para responder à nota de culpa – o que este fez em 09.01.2009 (facto sob 2.1.6).
Será que a mencionada rectificação à nota de culpa com a concessão de novo prazo para resposta não tem efeito sobre o decurso do prazo para proferir decisão no processo disciplinar?
Vejamos.
No exercício do poder disciplinar que a lei confere à entidade empregadora (cfr. art. 365.º do CT com a redacção de 2003, aplicável ao caso dos autos e a que pertencerão todos os normativos doravante mencionados sem indicação de fonte), o poder de sancionar o trabalhador que cometeu qualquer infracção aos seus deveres (cfr. art. 121.º), máxime, com a sanção de despedimento sem qualquer indemnização ou compensação (cfr. art. 366.º al. f)).
Entendendo que a infracção cometida pelo trabalhador é passível de despedimento sem qualquer indemnização, a entidade empregadora instaura ao trabalhador processo disciplinar comunicando-lhe, por forma escrita, a intenção de despedimento, comunicação acompanhada de nota de culpa com a descrição circunstanciada dos factos que lhe são imputados e que fundamentam a intenção de despedimento (art. 411.º n.º 1 do CT).
É contra esses factos – cujas circunstâncias de tempo modo e lugar devem estar devidamente descritas - que o trabalhador visado deve, nos termos do art.º 413.º do CT, exercer a sua defesa.
Após o exercício do direito do contraditório na resposta à nota de culpa, e efectuadas as diligências requeridas, estabelece o art. 415.º n.º 1 do CT que o “empregador dispõe de 30 dias para proferir decisão sob pena de caducidade do direito de aplicar a sanção”.
O mencionado prazo de 30 dias constitui hoje, como claramente resulta da lei, um prazo de caducidade do direito de aplicar a sanção, prazo que se conta a partir da conclusão das diligências probatórias e decorrido o prazo do parecer a que se refere o art. 414.º n.º 3 do CT.
“Este prazo relativamente curto para a emissão da decisão de despedimento é uma projecção do princípio da celeridade, que domina a matéria disciplinar em geral e o processo disciplinar em especial e resulta também do fundamento do próprio despedimento no conceito de justa causa, que pressupõe (…) a impossibilidade imediata de subsistência do vínculo laboral” (Maria do Rosário Palma Ramalho, Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, Almedina, 2006 a págs. 838.
Mas, apesar do princípio da celeridade, o legislador previu (e preveniu) a hipótese de o despedimento ser considerado ilícito, não porque o trabalhador não tivesse praticado os factos, mas por eventuais irregularidades cometidas no procedimento disciplinar e entendeu justificar-se que o procedimento disciplinar pudesse ser reaberto para sanar o vício, com, por exemplo, o aperfeiçoamento da nota de culpa, reiniciando-se, assim, os trâmites normais do procedimento disciplinar – com notificação da nota de culpa aperfeiçoada, direito de resposta do trabalhador e nova decisão, - postergando, assim, o princípio da celeridade do procedimento em favor do apuramento da verdade.
E essa possibilidade de reabertura do procedimento disciplinar mantém-se até ao termo do prazo para a contestação (art. 432.º n.º 2 do CT) (sobre a reabertura do procedimento disciplinar e os vícios a corrigir v., entre outros, o Ac. desta Relação de 30 de Junho de 2010 in www.dgsi.pt onde se escreveu, para além do mais, que “… a reabertura do procedimento disciplinar instaurado ao recorrente, nos termos do disposto no art. 436º, n.º 2, não visa a alegação de factos novos, mas sim a enunciação, de forma clara e circunstanciada, dos factos (anteriormente enunciados na nota de culpa); não visa a invocação de novos factos, mas sim suprir as insuficiências da matéria de facto anteriormente invocada, com elementos de facto que permitam determinar o tempo, o lugar e o modo em que esses factos ocorreram ou que permitam integrar e compreender imputações vagas, feitas nalgum dos referidos artigos da nota de culpa, por forma a que o trabalhador possa exercer adequadamente o seu direito de defesa em relação a todas as infracções disciplinares que lhe são imputadas e, no final, o tribunal possa pronunciar-se sobre a licitude ou ilicitude do despedimento por razões de fundo e não por razões formais”).
Perante tal normativo e a sua justificação – nos dizeres da autora acima referida, “a justificação da norma é compreensível em nome dos valores da substancialidade da Ordem Jurídica” (ob. citada, pág. 860) – não faz sentido colocar qualquer obstáculo a que a entidade empregadora, ainda no decurso do procedimento disciplinar, perante a constatação de vícios na nota de culpa, emita “nova” nota de culpa expurgada dos vícios que, entretanto, detectou.
Cabe, aqui, a mesma justificação subjacente à norma que permite a reabertura do processo – razões de fundo a prevalecer sobre razões de forma.
Ora no caso dos autos, a entidade empregadora detectou, perante a resposta à nota de culpa, algumas imprecisões no que se refere “às circunstâncias de lugar indicadas na nota de culpa” (cfr. fls. 37 dos autos), e, por isso, “…determinou-se a sua alteração e a concessão de novo prazo para apresentação da defesa”.
Justifica-se, assim, que se proceda à alegada correcção do vício logo no momento em que o mesmo foi detectado, não se vislumbrando razões para que a entidade empregadora tivesse de proferir decisão no procedimento onde já tinha detectado irregularidades sanáveis, esperando até ao termo do prazo da contestação para, nos termos do art. 436.º n.º 2 do CT, requerer a reabertura do procedimento e, só então, vir a suprir as irregularidades.
A actuação da entidade empregadora – concedendo, depois, novo prazo para a defesa, - não diminui qualquer garantia de defesa e não atentou contra o princípio da celeridade do procedimento (pois actuação em contrário, poderia conduzir a maior perda de tempo com eventual prolação de duas decisões no procedimento disciplinar).
Daí que entendamos que, ao notificar o trabalhador da nota de culpa rectificada, concedendo-lhe novo prazo para a defesa, tudo bem dentro do prazo para proferir decisão no procedimento disciplinar (repare-se que o trabalhador respondeu à nota de culpa por carta remetida a 19.12.2008 e a entidade empregadora enviou a nota de culpa rectificada em 05.01.2009 – factos sob 3.1.3 e 2.1.6), a entidade empregadora “reiniciou”, justificadamente, o procedimento disciplinar, aplicando, aqui, por analogia, o disposto no art. 436.º n.º 2 do CT.
E, por isso, o prazo de 30 para proferir a decisão no processo disciplinar, nos termos do art. 415.º n.º 1 do CT, só se iniciou em momento posterior à resposta à nota de culpa rectificada, resposta que foi remetida à entidade empregadora por carta datada de 09.01.2009.
Ora, sabendo que a decisão proferida no processo disciplinar está datada de 28.01.09, tendo o autor tido conhecimento em 04.02.09 (facto sob 2.1.7), temos de concluir que o prazo de 30 dias a que se refere o art. 415.º n.º 1 não foi ultrapassado, pelo que não se verificou a invocada caducidade do procedimento disciplinar”.
A decisão proferida pelo relator está devidamente fundamentada extraindo dos normativos aplicáveis o seu sentido e alcance e de acordo com a doutrina e jurisprudência que indicou, não se vendo que necessite de maiores explanações.


Pelas razões acima expostas acordam os juízes que compõem este tribunal em julgar improcedente a reclamação, mantendo-se a decisão reclamada.

Incidente com custas pelo reclamante.
Notifique.

Lisboa, 8 de Junho de 2011

Natalino Bolas
Albertina Pereira
Leopoldo Soares