PROCESSO JUDICIAL DE PROMOÇÃO E PROTECÇÃO DE MENOR EM PERIGO
COMISSÃO DE PROTECÇÃO DE MENORES
LEGITIMIDADE
SUBSIDIARIEDADE
Sumário

I - A intervenção para promoção e protecção deve ser exercida exclusivamente pelas entidades e instituições cuja acção seja indispensável à efectiva promoção dos direitos e à protecção da criança e do jovem em perigo, só podendo interferir na sua vida e na da sua família na medida do que for estritamente necessário e deve ser efectuada sucessivamente pelas entidades com competência em matéria de infância e juventude, pelas comissões de protecção de crianças e jovens e, em última instância, pelos tribunais.
II - Somente será legítima a intervenção – designadamente do tribunal - desde que se verifique uma situação de perigo, ou seja, desde que se verifique uma situação de facto que afecte ou possa afectar a segurança, a saúde, a formação, a educação, bem-estar e desenvolvimento integral da criança ou jovem.
III - Correndo dois processos de promoção e protecção, um pela comissão de protecção e outro judicial, tendo na sua base exactamente os mesmos factos relevantes, dada a vontade do legislador expressa através do princípio da subsidiariedade de a intervenção do tribunal ser reservada para situações subsidiárias, deverá prevalecer e prosseguir o processo que corre termos pela comissão de protecção, arquivando-se o processo judicial.
(Sumário da Relatora)

Texto Integral

Acordam na Secção Cível (2ª Secção) do Tribunal da Relação de Lisboa:
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            I - O Ministério Público requereu instauração de Processo Judicial de Promoção e Protecção em benefício dos menores “A”, nascido em ...-...-1999, e “B”, nascido em ...-...-2000, ambos residentes na Rua ..., nº ..., 3º B, Lisboa, filhos de “C” e de “D”.
            Requereu, tendo em conta a situação de perigo vivenciada e com a finalidade de lhe pôr termo, proporcionando as condições que permitam proteger e promover a segurança, saúde e formação dos menores, a aplicação da medida de promoção e protecção que se revelar mais adequada, nos termos das disposições combinadas dos arts. 3, nº 1 e nº2-c) e f), 34-a) e b), 35 e 72, nº 3, todos da Lei 147/99, de 1-9.
            O processo prosseguiu vindo, todavia, a ser proferida decisão de arquivamento por se verificar um caso de litispendência imprópria ou atípica na parte relativa ao menor “A”e por não se vislumbrar qualquer facto concreto denunciador de um perigo actual quanto ao menor “B”.
            Desta decisão apelou o requerente, concluindo nos seguintes termos a respectiva alegação de recurso:
1 – O presente processo foi instaurado pelo Ministério Público para promoção e protecção dos direitos dos menores “A” e “B” com base na existência de indícios da falta de cuidados adequados dos pais a nível educativo e formativo, pela exposição dos menores aos conflitos entre os progenitores, pela fragilidade económica do agregado que punha em causa a satisfação das suas necessidades básicas e pelo cometimento de ilícito por parte do “A”.
2 — A factualidade relatada integra a previsão do artigo 3° n° 1 e 2, alíneas c) e f) da LPCJP.
3- Na sequência desse requerimento, foi solicitada a realização pela EATTL de relatório social.
4- Recebido esse relatório - que dá notícia da instauração de um processo de promoção com o n° 442/2010 na CPCJ Lisboa Norte e que erradamente se demite da realização do solicitado, tanto mais que esse novo processo abrangia apenas o menor “A”- o M°Juíz proferiu despacho de arquivamento do processo, por considerar existir aquilo a que chama litispendência atípica ou imprópria que a seu ver se impunha por correrem simultaneamente duas acções idênticas quanto aos sujeitos, objecto e pedido.
5- Fê-lo, a nosso ver erroneamente e sem fundamento legal, uma vez que não existe a figura da litispendência entre accções ou processos judiciais e processos de outra natureza, nomeadamente os processos de promoção e protecção a correr termos em Comissão de protecção de Crianças e Jovens em Perigo.
6- A essa conclusão obsta, desde logo, o artigo 81° n° 2 da LPCJP, a única norma legal que regula as relações entre os processos previstos no seu n°l, entre os quais os processos de promoção e protecção, e os processos a correr termos nas Comissões de Protecção.
É que esta norma contempla apenas a apensação de processos, mais concretamente a apensação do processo da CPCJ ao Processo Judicial de Promoção e Protecção.
7- Mesmo que por hipótese existisse litispendência, estaria no caso concreto afastada, uma vez que nos processos em referência não existe, desde logo, identidade de sujeitos, uma vez que o processo da CPCJ diz respeito ao menor “A”e os presentes autos aos dois menores, “A”e “B”.
8- Sendo certo que não existe litispendência, que no processo apenas existem os factos constantes do requerimento inicial e que nenhuma diligência probatória foi levada a cabo ( vg audição dos pais, elaboração de relatório social ), não se pode concluir também que não existe qualquer situação de perigo que envolva o menor “B”, atenta a factualidade que consta do requerimento inicial, não posta em causa, ainda e até agora, em sede de instrução.
9- Ao decidir como decidiu, fez o M° Juiz uma errada interpretação do disposto nos artigos 493, n°2, 494, al i), 498° do CPC e 3° n° 1 e 2, al. c) e f), 81°, 11°, l e 2, 107° e 111° da LPCJP, normas que a decisão recorrida, assim violou.
10- Deveria perante esses normativos ter ordenado o prosseguimento dos autos com a realização do relatório social e com a audição dos menores e dos seus pais, bem como ter ordenado a apensação do processo que corre termos na CPCJ de Lisboa Norte, por, face ao disposto no artigo 81° n°2 da LPCJP, existir razoável possibilidade de a solução negociada nesses autos contrariar a decisão a ser tomada no presente processo.
11-Deverá, pelo exposto, ser revogada a douta decisão e substituída por outra que ordene o prosseguimento dos autos nos termos expostos em 10.
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            II - Com interesse para a decisão cumpre salientar:
            1 – “A” nasceu em ... de ... de 1999 e é filho de “D” e de “C” (fls. 118 destes autos).
            2 – “B” nasceu em em ... de ... de 2000 e é filho de “D” e de “C” (fls. 122 destes autos).
3 - Com respeito aos menores “A”e “B” a CPCJ veio a instaurar os processos de promoção e protecção nºs 304/07 e 305/07, deliberando a aplicação da medida de promoção e protecção de apoio junto dos pais pelo período de seis meses, tendo o acordo de promoção e protecção sido subscrito pelos intervenientes, incluindo os pais dos menores, em 25-3-2008 (fls. 57 a 63 do apenso).
            4 – Em 16-3-2009 a PSP comunicou à CPCJ que o “A”, depois de ter sido chamado à atenção pela professora pelo seu comportamento na sala de aula, saiu da sala e desferiu um soco num vidro, partindo-o e fazendo um ferimento na mão (fls. 64-65 e 87-88 do apenso).
            5 – Em 19-10-2009 a CPCJ deliberou a cessação das medidas visto as necessidades das crianças se encontrartem asseguradas e os pais se mostrarem disponíveis para alterar comportamentos e seguir as orientações da equipa (fls. 90-93 do apenso).
            6 – Em 8-2-2010 a CPCJ deliberou a reabertura dos processos de promoção e protecção dos menores (fls. 102 do apenso), tendo em conta a referência da progenitora em não dispor de rendimentos que pudessem assegurar os cuidados primários dos filhos (fls. 97-101 do apenso).
            7 – Em 5 de Abril de 2010 a CPCJ deliberou o arquivamento dos processos com remessa para o Tribunal de Família e Menores de Lisboa por não colaboração da mãe dos menores com a intervenção da Comissão de Protecção de Crianças e Jovens (fls. 112-115 do apenso).
            8 – A mãe dos menores beneficiava de rendimento social de inserção (fls. 130).
            9 – A PSP participou que o menor “A”, no dia 29-10-2010, juntamente com um colega passou a linha de caixas registadoras do estabelecimento comercial denominado Sport ..., sito no Centro Comercial ..., sem terem pago umas luvas de marca N... (fls. 137-140).
            10 – O Director de Turma do “A”informou que no ano lectivo de 2010-2011 o menor, no que concerne ao aspecto comportamental apresentou «um comportamento oscilante, estando por vezes descontrolado, não acatando as ordens e regras da sala de aula» e que a «Encarregada de Educção compareceu sempre quando convocada e também por iniciativa própria. Demonstrou sempre preocupação pelos estudos do seu educando. O aluno não demonstrou até ao momento maus tratos físicos vindos do exterior do edifício escolar» (fls. 142-148).
            11 – Em 7-3-2011 a CPCJ informou que em 13-12-2010 foi aberto processo de promoção e protecção a favor do menor “A”, sob o nº 442/10, prendendo-se a sinalização com os factos aludidos em 9), que os pais e o menor compareceram para entrevista dando consentimento para a intervenção, que da escola foi recepcionada informação correspondente à aludida em 10) e que à data da informação a CPCJ aguardava o recebimento de relatório psicossocial  para decidir pelo arquivamento do processo ou pela aplicação de medida de promoção e protecção junto dos pais (fls. 161-162).       
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III –Tendo em conta que, nos termos do art. 684, nº 3, do CPC, o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação, no caso que nos ocupa a questão que se coloca é a de se se justifica o arquivamento destes autos, por inexistirem factos que determinem o seu prosseguimento no que respeita ao “B” e por correr termos na CPCJ processo de promoção e protecção no que respeita ao “A”ou, antes, se deveria ter sido determinada a apensação daquele outro processo a estes autos.
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IV – 1 – A lei 147/99, de 1-9, como decorre do seu art. 1, tem por objecto a promoção dos direitos e a protecção das crianças e dos jovens em perigo, por forma a garantir o seu bem-estar e desenvolvimento integral;  pressupondo que aqueles se encontrem numa situação de “perigo”, ou seja, perante um facto ou factos que possam provocar um dano nos seus direitos, essas situações – de perigo - encontram-se exemplificadas no nº 2 do art. 3.
A intervenção para promoção e protecção terá lugar «quando os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto ponham em perigo a sua segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento, ou quando esse perigo resulte de acção ou omissão de terceiros ou da própria criança ou do jovem a que aqueles não se oponham de modo adequado a removê-lo» (nº 1 do art. 3).
Aquela intervenção obedece a vários princípios orientadores, expressos no art. 4 do diploma, em que agora se destacam – dado o seu interesse para o caso que nos ocupa – os princípios da intervenção mínima, da proporcionalidade e da subsidariedade. Deste modo, a intervenção deve ser exercida exclusivamente pelas entidades e instituições cuja acção seja indispensável à efectiva promoção dos direitos e à protecção da criança e do jovem em perigo, só podendo interferir na sua vida e na da sua família na medida do que for estritamente necessário e deve ser efectuada sucessivamente pelas entidades com competência em matéria de infância e juventude, pelas comissões de protecção de crianças e jovens e, em última instância, pelos tribunais (alíneas d), e) e j)).
Na realidade os demais princípios constantes do art. 4 são desenvolvimentos e concretizações do interesse superior da criança e do jovem, princípio indicado em primeiro lugar e critério prioritário e prevalente; os princípios da intervenção mínima, proporcional e subsidiária indicam o que se pretende por parte das entidades públicas e privadas que actuam no campo da promoção dos direitos das crianças e dos jovens.
 Tudo o que é exterior ao núcleo familiar, porque “anómalo”, deve ser feito com a intervenção mínima, limitado ao menor número possível de interferências e apenas justificado quando e na medida em que dessa intervenção possa resultar a remoção do perigo que afecte ou possa afectar o desenvolvimento físico e psíquico do menor.
Devem apenas intervir as entidades e instituições cuja participação seja indispensável à promoção dos direitos e à protecção da criança ou jovem em perigo, evitando-se actuações excessivas bem como a sobreposição de intervenções na vida do menor e da sua família.
Atento o princípio da subsidiariedade a intervenção judiciária é subsidiária da intervenção social e administrativa - reserva-se ao tribunal o recurso de última instância, só intervindo depois de fracassar a intervenção dos serviços sociais e administrativos, ou quando essa intervenção não seja possível.
Os casos em que, de acordo com o princípio da subsidiariedade tem lugar a intervenção judicial, devendo os tribunais intervir na defesa e protecção dos jovens e crianças em perigo encontram-se enumerados no art. 11 da lei 147/99 – designadamente o jovem opor-se à intervenção da comissão de protecção, os pais não prestarem ou retirarem o consentimento necessário, o MP considerar que a decisão da comissão é ilegal ou inadequada, o tribunal decidir a apensação do processo da comissão de protecção ao processo judicial, nos termos do nº 2 do art. 81.
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IV – 2 - Atentemos concretamente ao caso dos autos.
No requerimento inicial do presente processo o Ministério Público requereu a aplicação de medida de promoção e protecção com respeito aos menores “A”e “B”, tendo em conta o «comportamento desajustado do “A”», acrescendo que as crianças «poderão não estar a ver satisfeitas todas as necessidades básicas dada a carência de meios económicos reportada pela progenitora para aquisição de bens alimentares».
Relatou, então o que sucedera no âmbito dos processos de promoção e protecção nºs 304/07 e 305/07 até ser deliberada a cessação de medidas aplicadas, em 19-10-2009, a deliberação em 8-2-2010 da reabertura dos processos e a deliberação da sua remessa ao MP, em 5-4-2010, face á recusa de intervenção por parte da progenitora, isto nos termos do disposto no art. 68-b) da lei 147/99; no que concerne ao “A”referiu o episódio no «Sport ...» do Centro Comercial ..., em 29-10-2010, no qual este interviera e o seu comportamento na escola, para concluir como acima transcrito.
Vejamos, pois.
Quanto ao “A”o «comportamento desajustado» mencionado pelo Ministério Público prender-se-á com o teor da participação da PSP aludida em II - 9)  e da informação da escola referida em II - 10).
Outros factos – concretamente os ocorridos até 19-10-2009, incluindo  o referido em II - 4), ou seja a quebra do vidro e ferimento na mão comunicados em 16-3-2009 – não obstante serem susceptíveis de enquadrar (pela precedência) o que seguidamente veio a ter lugar, ocorreram anteriormente à CPCJ haver deliberado a cessação das medidas no âmbito do processo de promoção e protecção nº 304/07. No que respeita a estes factos eles já foram considerados no âmbito daquele processo de promoção e protecção na CPCJ – qualquer actuação do tribunal não seria actual nem respeitaria o principio da subsidariedade acima aludido.
Ora, como vimos, corre termos um  processo de promoção e protecção a favor do menor “A”, sob o nº 442/10, prendendo-se a sinalização com os factos aludidos em II - 9) e sendo ali considerada a informação referida em II - 10). Esse processo foi aberto em 13-12-2010 – logo anteriormente à entrada em juízo do requerimento inicial destes autos que teve lugar em 10-2-2011 - e os pais e o menor compareceram para entrevista dando consentimento para a intervenção, aguardando a CPCJ em 7-3-2011 o recebimento de relatório psicossocial  para decidir pelo arquivamento do processo ou pela aplicação de medida de promoção e protecção junto dos pais ([1]).
Não haveria, pois, face aos elementos dos autos, circunstância que justificasse a intervenção judicial, considerando a aludido princípio da subsidiariedade e atendendo ao disposto nas alíneas a) a f) do art. 11 da lei 147/99 - do que concerne à alínea g) daquele art. 11 falaremos adiante.           
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IV – 3 – Concluiu, ainda, o requerente que as crianças «poderão não estar a ver satisfeitas todas as necessidades básicas dada a carência de meios económicos reportada pela progenitora para aquisição de bens alimentares».
Esta conclusão – agora referente não só ao “A”mas também ao “B” - fundar-se-á nas referências, feitas no articulado inicial a em 8-2-2010 a CPCJ ter deliberado a reabertura dos processos de promoção e protecção dos menores tendo em conta a referência da progenitora em não dispor de rendimentos que pudessem assegurar os cuidados primários dos filhos e de em 5-4-2010 ter deliberado o arquivamento dos processos com remessa para o Tribunal de Família e Menores de Lisboa por não colaboração da mãe dos menores à intervenção da Comissão de Protecção de Crianças e Jovens.
Todavia, o requerente não adianta factos respeitantes à situação em que se encontrariam os menores – aliás, conclui que «poderão não estar a ver satisfeitas todas as necessidades básicas», não afirma que não estejam a vê-las satisfeitas.
Refira-se que a CPCJ determinou a remessa ao Ministério Público em 5-4-2010, tendo os presentes autos entrado em juízo em 10-2-2011, dez meses depois. Aquele remessa foi determinada pela comunicação ao Ministério Público prevista no art. 68-b) da lei 147/99, mas aparentemente (sem prejuízo da necessidade de realização de diligências prévias no sentido de apurar a existência efectiva de uma situação perigosa, ou seja, de apurar os factos concretos determinantes para a aplicação de uma medida) o Ministério Público não ponderou, desde logo, ser eminentemente necessária a aplicação judicial de uma medida de promoção e protecção: só após o conhecimento que lhe veio a ser dado das ulteriores circunstâncias referentes ao “A”, mencionadas em IV – 2), requereu a abertura de processo judicial (art. 73, nº 1-b) da lei 147/99).
Sabemos que somente será legítima a intervenção – designadamente do tribunal - desde que se verifique uma situação de perigo, ou seja, desde que se verifique uma situação de facto que afecte ou possa afectar a segurança, a saúde, a formação, a educação, bem-estar e desenvolvimento integral. A criança ou jovem estará em perigo, designadamente, quando «não recebe os cuidados ou a afeição adequados à sua idade e situação pessoal» (alínea c) do art. 3), o que abrange a falta de higiene, deficiente alimentação, investimento afectivo deficiente, falta de cuidados especiais de saúde, quer por negligência dos pais – por não lhe proporcionarem as necessidades básicas, materiais e afectivas – quer por essas omissões estarem relacionadas com incapacidade de facto por parte dos mesmos, em razão de manifesta falta de recursos(desemprego, pobreza, alcoolismo, etc.).
Ora, não foram enunciados factos suficientes que nos permitam concluir que a segurança, a saúde e o bem estar do “A”e do “B” são - ou estão em vias de ser - afectados por “carência de necessidades básicas”, não minimamente caracterizadas no requerimento inicial.
Tendo em conta os princípios da proporcionalidade e da actualidade da intervenção, nesta parte – que é o único fundamento alegado quanto ao “B” – entende-se que este processo não deverá prosseguir. 
Saliente-se que dizendo o apelante nas conclusões da sua alegação de recurso que o presente processo foi instaurado pelo Ministério Público «com base na existência de indícios da falta de cuidados adequados dos pais a nível educativo e formativo, pela exposição dos menores aos conflitos entre os progenitores, pela fragilidade económica do agregado que punha em causa a satisfação das suas necessidades básicas e pelo cometimento de ilícito por parte do “A”», tal não transparece no requerimento inicial em que todas essas circunstâncias não foram concretamente apontadas no que concerne a este processo, mas sim relatadas com referência aos processos nºs 304/07 e 305/07 da CPCJ (artigos 3 e 5).
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IV – 4 - Como vimos, corre termos na CPCJ um  processo de promoção e protecção a favor do menor “A”, sob o nº 442/10, prendendo-se a sinalização com os factos aludidos em II - 9) e sendo ali considerada a informação referida em  II - 10).
Também estes autos – na parte em que se justificaria a sua prossecução - se reportam àqueles mesmos factos.
Decorre do art. 78 da lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo que o processo de promoção e protecção é individual, sendo organizado um único processo para cada criança ou jovem.
Nos termos da alínea g) do art. 11 a intervenção do tribunal também terá lugar quando este decida a apensação do processo da comissão de protecção ao processo judicial, nos termos do nº 2 do art. 81.
O nº 1 do art. 81 impõe a apensação de processos de natureza distinta – de promoção e protecção, tutelar educativo ou tutelar cível – quando respeitem à mesma criança ou jovem: instaurados sucessivamente seriam apensados ao instaurado em primeiro lugar, deferindo-se a competência para deles conhecer ao juiz desse processo.
O nº 2 do art. 81 reporta-se, agora, à apensação com processos que corram termos  na comissão de protecção, dispondo que a «apensação referida no número anterior só será determinada relativamente ao processo de promoção e protecção a correr termos na comissão de protecção se o juiz, por despacho fundamentado, entender que existe ou pode existir incompatibilidade das respectivas medidas ou decisões».
A razão de ser é a de que, tendo em conta o superior interesse da criança ou do jovem, as medidas de promoção e protecção, tutelar educativa e tutelar cível deverão conjugar-se entre si.
Assim, nesse caso, o tribunal poderá decidir apensar o processo que corre termos pela comissão de protecção ao processo judicia, justificando-o.
Vejamos.
Subjacente à previsão do nº 2 do art. 81 estarão factos e/ou situações sucessivos ou paralelos e não exactamente os mesmos factos e situações concretas no âmbito de processos de promoção e protecção.
Em termos de “normalidade”, dadas as regras constantes do art. 11 essa espécie de “litispendência” não teria lugar – só ocorreria a intervenção do tribunal quando a comissão de protecção não pudesse ou não devesse intervir, atentas as circunstâncias enunciadas nas alíneas a) a e), ou quando o Ministério Público considerasse que a decisão da comissão de protecção era ilegal ou inadequada, nos termos da alínea f) do mesmo art. 11; a situação destes autos e daqueles que sob o nº 442/10 correm termos pela comissão de protecção não se encontra verdadeiramente prevista na lei.
Assim sendo, correndo dois processos de promoção e protecção, um pela comissão de protecção e outro judicial, tendo na sua base exactamente os mesmos factos, dada a vontade do legislador expressa através do princípio da subsidiariedade de a intervenção do tribunal ser reservada para situações subsidiárias, entende-se dever prevalecer e prosseguir o processo que corre termos pela comissão de protecção, não se justificando qualquer apensação.
Pelo que se conclui justificar-se o arquivamento do processo determinado pelo tribunal de 1ª instância.
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V – Face ao exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.
Sem custas.
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Lisboa, 9 de Junho de 2011

Maria José Mouro
Teresa Albuquerque
Isabel Canadas
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[1] Eventualmente neste momento, passados que são três meses, essa decisão até já poderá ter sido tomada.