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CONTRATO DE ARRENDAMENTO
ARRENDATÁRIO
INSOLVÊNCIA
FALÊNCIA
TAXA DE JURO
SANÇÃO PECUNIÁRIA COMPULSÓRIA
Sumário
I - O contrato de arrendamento celebrado entre a A. e a uma sociedade entretanto declarada falida, não denunciado pelo liquidatário judicial, subsistiu, mantendo-se esta sociedade como arrendatária, e mantendo-se a obrigatoriedade do pagamento das rendas por parte do liquidatário: não se extinguiu a obrigação principal nem a arrendatária foi substituída na sua posição, não tendo havido uma modificação na relação contratual. II – Após a declaração de falência mantém-se incólume a responsabilidade do fiador da arrendatária declarada falida. III – No CIRE distinguem-se com precisão os «créditos sobre a insolvência», correspondentes aos créditos sobre o insolvente cujo fundamento existisse à data da declaração de insolvência, dos «créditos sobre a massa», correspondentes às dívidas constituídas no decurso do processo, estes com diferente regime de pagamento, num alcance diferente do que sucedia no CPEREF. IV – Tratando-se de créditos de que uma empresa comercial é credora, resultantes da sua actividade, as taxas de juro a considerar são as taxas supletivas relativas aos créditos da titularidade de empresas comerciais. V – O legislador não consagrou a sanção pecuniária compulsória como mecanismo coercitivo de aplicação geral, limitando-a às obrigações de “non facere” e de “facere” cujo cumprimento requer a intervenção insubstituível do devedor, com excepção das que exigem especiais qualidades científicas ou artísticas.
Texto Integral
Acordam na Secção Cível (2ª Secção) do Tribunal da Relação de Lisboa:
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I - «A – Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Imobiliário, SA» intentou a presente acção declarativa com processo ordinário contra «B – Imobiliária, Participações e Turismo, SA».
Alegou a A., em resumo:
A A., sociedade gestora de fundos de investimento imobiliário, gestora do Fundo «C», deu de arrendamento à sociedade «“D” portuguesa, SA» uma fracção autónoma de que é proprietário aquele Fundo, com destino ao exercício da actividade comercial; a R. assumiu, então, a posição de fiadora e principal pagadora; a locatária deixou de pagar as rendas e as restantes despesas derivadas que haviam sido acordadas no mesmo contrato, contra ela correndo processo judicial de falência.
Pediu a A. a condenação da R. a pagar-lhe a quantia de 8.897.286$00 a título de rendas vencidas, acrescida da quantia de 532.888$00 de outras despesas e ainda das rendas que se vencerem até à resolução do contrato, tudo acrescido dos juros vencidos e vincendos, pedindo, ainda, a condenação da R. numa sanção pecuniária compulsória no mesmo valor da renda mensal devida.
A R. contestou, tendo impugnado alguns factos alegados pela A. e excepcionado a extinção da fiança com a extinção da arrendatária, uma vez que esta já fora declarada falida, apenas podendo ser condenada no pagamento dos valores eventualmente não pagos até Maio de 2001.
A R. replicou e o processo prosseguiu.
«“E” Gestão de Activos – Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Mobiliário, SA» incorporou por fusão a sociedade primitiva A., prosseguindo com aquela os autos na posição de A..
No saneador foi julgada improcedente a excepção invocada.
A R. deduziu articulado superveniente o qual não foi admitido (despacho de fls. 449). Deste despacho agravou a R. (fls. 453), agravo que foi admitido por despacho de 20-10-2010 (fls. 455), mas que este Tribunal veio a julgar deserto (fls.564-565).
A final foi proferida sentença que condenou a R. a pagar à A. ““E” Gestão de Activos – Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Mobiliário, SA": quantia de € 44.379,48 (quarenta e quatro mil, trezentos e setenta e nove euros e quarenta e oito cêntimos) a título de rendas vencidas, acrescida da quantia de € 2.658,00 (dois mil seiscentos e cinquenta e oito euro) a título de despesas de funcionamento do edifício, e ainda de € 1.342,00 (mil trezentos e quarenta e dois euros) a título de juros vencidos, sendo a primeira quantia mencionada acrescida de juros à taxa legal aplicável aos juros comerciais, contados desde 7 de Junho de 2002, até integral pagamento; absolveu a R. do pedido de condenação em sanção pecuniária compulsória.
Posteriormente, por despacho de fls. 520-522, foi rectificado o dispositivo da sentença, dando-se-lhe outra redacção, por ocorrência de um lapso material.
Assim, a R. foi condenada a pagar à A. a quantia de € 44.379,48 (quarenta e quatro mil, trezentos e setenta e nove euros e quarenta e oito cêntimos) a título de rendas vencidas até Outubro de 2001, acrescida da quantia relativa às mesmas rendas calculada desde Novembro do mesmo ano até 6 de Junho de 2002; a quantia de € 2.658,00 (dois mil seiscentos e cinquenta e oito euro) a título de despesas de funcionamento do edifício, acrescidas da quantia trimestral de € 664.508,00, contada desde Outubro de 2001 até 6 de Junho de 2002; e ainda de € 1.342,00 (mil trezentos e quarenta e dois euros) a título de juros vencidos, sobre a primeira quantia mencionada, acrescida de juros entretanto vencidos à taxa legal aplicável aos juros comerciais, contados desde 18 de Setembro de 2001, e os referentes às rendas entretanto vencidas, estas, desde a data do respectivo vencimento de cada uma, todas até integral pagamento; foi absolvida do pedido de condenação em sanção pecuniária compulsória.
Da sentença apelaram respectivamente a R. e o A., ambos os recursos admitidos por despacho de 4-1-2011 (fls. 481).
A R., no que à apelação concerne, apresentou as seguintes conclusões de recurso:
II - Da Apelação
6. No desenvolvimento da sentença recorrida a qualificação do crédito da Autora face ao Processo de Insolvência é mal enquadrada porquanto qualifica as rendas vencidas após a declaração de falência como crédito comum em vez de dívida da massa falida.
7. Com esta conclusão desenvolve o Juiz a quo o argumento que a omissão de reclamação da Autora naquele processo de falência foi inócua nas suas consequências para com o fiador.
8. De notar que, resulta dos autos, que as rendas vencidas e não pagas e que são o objecto da presente acção são todas elas posteriores à declaração da Insolvência, pelo que o crédito da A. não tinha que ser incluído em lista de credores - uma vez que se trata de dívida da Massa Falida e não da Insolvente - tinha sim que ser pago pelo Sr. Liquidatário através do património da Massa Falida.
9. Tal interpretação resulta já da sentença junta aos autos a fls. .., na qual em acção de despejo e cobrança de rendas proposta pela A. contra a “D” portuguesa SA, veio a ser condenada a MASSA FALIDA a despejar o locado e a pagar à A. todas as rendas (e não a Insolvente D).
10. Resulta dos autos que no Processo de Insolvência foram apuradas verbas mais do que suficientes para o pagamento das rendas aqui peticionadas.
11. Através do seu comportamento e por culpa sua, a Autora impossibilitou efectivamente a Ré de ficar subrogada nos direitos que a si competiam.
12. A douta sentença violou desta forma o disposto no artº 653º do Código Civil – extinção da fiança.
13. Ao inverso do referido na douta sentença recorrida, não se estava nem se está perante um crédito comum em processo de insolvência, mas sim de um crédito sobre uma massa falida, derivado de actos necessários à manutenção e gestão da mesma e cujo pagamento, como por exemplo o do ordenado do Sr. Liquidatário, antecede quaisquer outros pagamentos ou rateios.
13. Violou assim a douta sentença recorrida os artigos 208º e 211º do CPREF.
Noutra vertente
14. Por sentença proferida no processo n.º .../2001, que correu termos pelo 2.º Juízo do Tribunal de Comércio de ..., notificada às partes em 22.05.2001, já transitada em julgado, foi a arrendatária “ “D” portuguesa, S.A., declarada falida.
15. Assim sendo, e nos termos do disposto na alínea e) do n.º 1 do art.º 141.º do Cod. Soc. Comerciais, com aquela declaração de falência, deverá considerar-se dissolvida e extinta a “D” portuguesa, S.A., a partir daquela data.
16. E, nos termos do disposto na alínea d) do art.º 1051.º Cod. Civil, “o contrato de locação caduca …, tratando-se de pessoa colectiva, pela extinção desta”.
17. Isto, não obstante o disposto no art.º 169.º CPEREF consagrar a manutenção dos contratos de arrendamento em caso de falência, conferindo ao liquidatário judicial o direito de os manter ou denunciar.
18. Obviamente que, o Sr. Liquidatário Judicial, se decidir manter o contrato, terá de mandar proceder ao pagamento da respectiva renda através da massa falida.
20. Desta forma ocorreu, efectivamente, uma modificação subjectiva da relação de locatário pela substituição da posição da extinta “D” portuguesa, S.A., para a respectiva massa falida.
21. Consequentemente, deverá considerar-se extinta a fiança prestada pela ré na data da declaração de falência da arrendatária “D” portuguesa, S.A.
22. Violou assim, e ainda, a douta sentença recorrida a alínea e) do n.º 1 do art.º 141.º do Cod. Soc. Comerciais, a alínea d) do art.º 1051.º Cod. Civil e o art.º 169.º CPEREF.
23. Finalmente, não se entende quanto à taxa de juros a razão da condenação da Ré à taxa supletiva de juros comerciais, porquanto sendo o contrato de arrendamento manifestamente um contrato de cariz civil e tipificado nos artigos 1022º e segs do Código Civil e não comercial sempre deveria a taxa de juro ser a legal e não a supletiva.
24. Violou a douta sentença o artº 559º do Código Civil e aplicou erradamente artº 102º do Código Comercial.
Já o A. concluiu nos seguintes termos a respectiva alegação de recurso:
Em 17.09.2001, interpôs o Autor e ora Recorrente, contra a aqui Ré e Recorrida B, S. A., acção declarativa, de condenação, em que era pedida a condenação da Ré, na qualidade de Fiadora da sociedade “D” portuguesa, S.A., a:
e) Pagar à Autora o valor das rendas vencidas e não pagas, no montante, até esta data, de Esc. 8.897.286$00 e ainda nas que se vencerem até à resolução do contrato de arrendamento;
f) Pagar à Autora os montantes mensais para despesas de funcionamento e utilização do edifício, no montante, até esta data de Esc. 532.888$00, e ainda nos que se vencerem até à data da resolução do contrato de arrendamento;
g) Pagar à Autora Esc. 269.110$00 a título de juros de mora sobre a quantia referida na alínea a), contados à taxa supletiva legal dos juros comerciais e vencidos até esta data, e ainda os mais que se vencerem até integral pagamento;
h) Pagar à Autora uma sanção pecuniária compulsória de valor idêntico ao da renda mensal, isto é, de Esc. 1.482.881$00, por cada mês, desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.
Pela douta sentença proferida em 22.11.2010, ora em recurso, foi a Ré e ora Recorrida - B – Imobiliária, Participações e Turismo, S. A., condenada a:
e) Pagar à Autora a quantia de € 44.379,48 / Esc. 8.897.286$90 a título de rendas vencidas;
f) Acrescida da quantia de € 2.658,00 / Esc. 532.881$15 a título de despesas de funcionamento do edifício, e ainda de g) € 1.342,00 / Esc. 269.046$84 a título de juros vencidos,
h) Sendo a primeira quantia mencionada acrescida de juros à taxa legal aplicável aos juros comerciais, contados desde 07.06.2002, até integral pagamento.
A Ré foi absolvida do pedido de condenação em sanção pecuniária compulsória.
Com interesse para a causa, foram, entre outros, dados comos provados os seguintes factos:
4. Através de escritura pública datada de 15 de Janeiro de 1997, celebrada no ... Cartório Notarial de Lisboa, a Autora deu de arrendamento à sociedade “D” PORTUGUESA, S. A., da qual a ora Ré se constituiu fiadora a fracção indicada supra, conforme contrato junto a fls. 44 a 50.
6. A renda mensal foi fixada inicialmente em Esc. 1.350.000$00.
7. A D obrigou-se ainda a pagar ao senhorio, ora Autor, em representação do Fundo por ele gerido, conjuntamente com a renda mensal, uma quota parte, na proporção da área objecto de arrendamento, do total das despesas e encargos relativos ao funcionamento e utilização do edifício onde se insere a fracção arrendada.
9. A Ré foi interpelada pela autora para proceder aos pagamentos referidos, dada a sua qualidade de fiadora, mediante envio de carta registada com aviso de recepção, carta essa que foi recebida, conforme documento junto a fls. 51 e 52.
11. Por sentença proferida em 06.06.2002, no âmbito do processo .../2001 da 11ª Vara Cível de Lisboa, em que é autora a A e Ré a “D” PORTUGUESA, S.A., já transitada em julgado, foi determinada a resolução do contrato de arrendamento sobre a fracção em causa, e condenada a Ré massa falida a proceder à entrega da fracção, e no pagamento de Esc. 8.897.286$00 de rendas vencidas e não pagas e nas que se venceram até à resolução, no pagamento de Esc. 532.888$00 relativo às despesas de funcionamento do edifício até à data da resolução do contrato e ainda nos juros de mora, bem como na sanção compulsória de Esc. 1.482.881$00 por cada mês desde a data de resolução do contrato até à sua entrega efectiva.
12. A partir de Janeiro de 2001, a renda passou a ter o valor, ao correspondente em euros, de Esc. 1.482.881$00.
13. A “D” deixou de pagar as rendas e as despesas de condomínio a partir de Maio de 2001.
15. Até Setembro de 2001 encontravam-se vencidas e não pagas as rendas relativas aos meses de Maio, Junho, Julho, Agosto, Setembro e Outubro de 2001.
16. No valor global, ao correspondente em euros, de Esc. 8.897.286$00.
17. Encontram-se também vencidos e não pagos os valores trimestrais na proporção da permilagem da fracção, e que em Setembro de 2001 eram, ao correspondente em euros, de Esc. 133.222$00 por trimestre, correspondentes às despesas e encargos relativos ao funcionamento e utilização do edifício, no total, ao equivalente em euros, a Esc. 532.888$00.
Tendo em conta os factos dados como provados, entende o ora Recorrente que a sentença teria de condenar a Ré de acordo com o pedido que foi feito nesta acção, pela Autora, ou seja:
d) No pagamento à Autora do valor das rendas vencidas e não pagas, no montante, até 17.09.2001, de Esc. 8.897.286$00 e ainda nas que se vencerem até à resolução do contrato de arrendamento;
e) No pagamento à Autora dos montantes mensais para despesas de funcionamento e utilização do edifício, no montante, até 17.09.2001, de Esc. 532.888$00, e ainda nos que se vencerem até à data da resolução do contrato de arrendamento;
f) No pagamento à Autora da quantia de Esc. 269.110$00 a título de juros de mora sobre a quantia referida na alínea a), contados à taxa supletiva legal dos juros comerciais e vencidos até 17.09.2001, e ainda os mais que se vencerem até integral pagamento.
Dos factos dados como provados, resulta também que a Ré foi previamente interpelada para proceder aos pagamentos referidos, dada a sua qualidade de fiadora, mediante carta registada com aviso de recepção, enviada em 26.07.2001 e recebida, conforme documento junto aos autos, a fls. 51 e 52.
Dos autos consta também o contrato de arrendamento e fiança, feito por escritura pública, conforme fls. 44 a 50 dos autos, documento que é dado como reproduzido no facto provado sob o nº 4.
O contrato de arrendamento com fiança refere que a aqui Ré se constitui fiadora dos compromissos assumidos nessa escritura pela arrendatária, nos termos e condições a cláusula décima terceira do referido documento complementar.
E da cláusula décima terceira do referido documento complementar, consta expressamente o seguinte:
- O Terceiro Outorgante obriga-se na qualidade de fiador com renúncia ao benefício de excussão prévia a garantir ao Primeiro Outorgante o pagamento das rendas e da indemnização moratória que eventualmente seja devida, com as actualizações que entretanto sofrerem, e bem assim o cumprimento das demais obrigações ora assumidas pelo Segundo Outorgante.
A fiança abrangerá o período inicial de duração do contrato e as suas eventuais renovações.
Conforme o facto dado como provado sob o nº 11, por sentença proferida em 06.06.2002, no âmbito do processo nº .../2001 da 11ª Vara Cível de Lisboa, já transitada em julgado, interposta pela A contra a “D” portuguesa, SA., foi determinada a resolução do contrato de arrendamento sobre a fracção em causa, e condenada a Ré a proceder à entrega da fracção e no pagamento de Esc. 8.897.286$00 de rendas vencidas e não pagas e nas que se venceram até à resolução, no pagamento de Esc. 532.888$00 relativo às despesas de funcionamento do edifício até à data da resolução do contrato e ainda nos juros de mora, bem como na sanção pecuniária compulsória por cada mês desde a data da resolução do contrato até à sua entrega efectiva.
Esta acção de despejo contra a “D” PORTUGUESA, S. A., deu entrada em Tribunal – 3ª Secção da 11ª Vara Cível de Lisboa, Processo nº .../2001 – em 14 de Setembro de 2001, conforme consta de fls. 311 dos presentes autos.
Na douta sentença ora em recurso, o Tribunal “A quo” interpreta a fiança constante da escritura de arrendamento como sendo uma fiança em que o fiador assume a obrigação como principal pagador ou solidário, havendo, portanto, lugar à renúncia ao benefício de excussão.
Entende, igualmente, que a declaração de falência do devedor afiançado não faz extinguir a sua obrigação, e como tal, não determina a extinção da fiança.
Invoca, igualmente o artigo 63º do CPEREF, que prevê que as providências de recuperação não afectam, nem a existência nem o montante dos direitos dos credores contra os co-obrigados ou os terceiros garantes da obrigação, ….
Entende, igualmente, que o fiador responde na mesma medida do devedor.
Ora, verificados todos estes elementos constantes da sentença ora em recurso, não restam dúvidas de que a condenação da Ré e ora Recorrida terá de ser em todas as rendas vencidas desde Maio de 2001 até à data da resolução do contrato de arrendamento, as quais ascendiam a Esc. 8.897.286$00, em 17.09.2001, em todas as despesas de funcionamento e de utilização do edifício vencidas e que em 17.09.2001 ascendiam a Esc. 532.888$00, e vincendas até à data da resolução do contrato de arrendamento, e os juros de mora devidos à taxa legal dos juros comerciais, sobre o valor das rendas vencidas e em dívida, até integral pagamento, e que à data de 17.09.2001, ascendiam a Esc. 269.110$00.
Quanto à sanção pecuniária compulsória, de que a Ré foi absolvida:
d) O contrato de arrendamento com fiança, e a respectiva cláusula décima terceira do seu documento complementar, legitimam a responsabilidade da fiadora pela indemnização moratória que eventualmente seja devida ao senhorio;
e) A sentença proferida na acção de despejo movida contra a “D” PORTUGUESA, S. A. condenou-a na sanção compulsória de Esc. 1.482.881$00 por cada mês, desde a data de resolução do contrato até à sua entrega efectiva;
f) Na sentença, considera o Tribunal que o fiador responde na mesma medida do devedor.
O que permite concluir que a Ré e ora Recorrida também terá de ser condenada na sanção pecuniária compulsória, tal como o foi a afiançada (ou a massa falida), uma vez que a fiança não se extinguiu pela declaração de falência da arrendatária.
Termos em que, deverá ser dado provimento ao recurso, e revogada a douta sentença recorrida, nos termos agora peticionados.
Foram apresentadas contra alegações.
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II - O Tribunal de 1ª instância julgou provados os seguintes factos:
1. A Autora é uma sociedade gestora de fundos de investimento imobiliário nos termos dos artº 6º e 9º do D.L. 294/05 de 17.11.
2. No exercício da sua actividade comercial a Autora gere o Fundo de Investimento Imobiliário – C, cabendo-lhe praticar os actos necessários à correcta administração e desenvolvimento deste e, designadamente, exercer os direitos directa e indirectamente relacionados com os bens do Fundo.
3. O Fundo C é proprietário da fracção designada pela letra A, correspondente à cave, com quatro lugares de estacionamento no rés do chão e quatro lugares de estacionamento no logradouro, destinado a comércio, localizada no prédio urbano sito da Avª ... nº ..., freguesia dos ..., Lisboa, descrito na ... Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o nº ... e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ..., conforme certidão junta a fls. 34 a 41.
4. Através de escritura pública datada de 15 de Janeiro de 1997, celebrada no ... Cartório Notarial de Lisboa, a Autora deu de arrendamento à sociedade “D” portuguesa S.A., da qual a ora Ré se constituiu fiadora a fracção indicada supra, conforme contrato junto a fls. 44 a 50.
5. A fracção arrendada destinava-se exclusivamente ao exercício da actividade comercial da arrendatária.
6. A renda mensal foi fixada inicialmente em esc: 1.350.000$00.
7. A D obrigou-se ainda a pagar ao senhorio, ora Autor, em representação do Fundo por ele gerido, conjuntamente com a renda mensal, uma quota parte, na proporção da área objecto de arrendamento, do total das despesas e encargos relativos ao funcionamento e utilização do edifício onde se insere a fracção arrendada.
8. Sendo o respectivo montante pago na medida em que a A. fosse chamada a desembolsar tais encargos.
9. A Ré foi interpelada pela Autora para proceder aos pagamentos referidos, dada a sua qualidade de fiadora, mediante envio de carta registada com aviso de recepção, carta essa que foi recebida, conforme documento junto a fls. 51 e 52.
10. Por sentença proferida 15.05.2001 no âmbito do processo .../2001 do 2º Juízo do Tribunal de Comércio de ... a “D” portuguesa S.A. foi declarada falida.
11. Por sentença proferida em 06.06.2002, no âmbito do processo .../2001 da 11ª Vara Cível de Lisboa, em que é autora a A e Ré “D” portuguesa, S.A., já transitada em julgado, foi determinada a resolução do contrato de arrendamento sobre a fracção em causa, e condenada a Ré massa falida a proceder à entrega da fracção, e no pagamento de 8.897.286$00 de rendas vencidas e não pagas e nas que se venceram até à resolução, no pagamento de 532.888$00 relativo às despesas de funcionamento do edifício até à data da resolução do contrato e ainda nos juros de mora, bem como na sanção pecuniária compulsória de 1.482.881$00 por cada mês desde a data de resolução do contrato até à sua entrega efectiva.
12. A partir de Janeiro de 2001 a renda passou a ter o valor, ao correspondente em euros, de esc: 1.482.881$00.
13. A “D” deixou de pagar as rendas e as despesas de condomínio a partir de Maio de 2001.
14. Apesar de ter sido por sucessivas vezes interpelada pela Autora para proceder a esse pagamento.
15. Até Setembro de 2001 encontravam-se vencidas e não pagas as rendas relativas aos meses de Maio, Junho, Julho, Agosto, Setembro e Outubro de 2001.
16. No valor global, ao correspondente em euros, a 8.897.286$00.
17. Encontram-se também vencidos e não pagos os valores trimestrais na proporção da permilagem da fracção, e que em Setembro de 2001 eram, ao correspondente em euros, de esc: 133.222$00 por trimestre, correspondentes às despesas e encargos relativos ao funcionamento e utilização do edifício, no total, ao equivalente em euros, a esc: 532.888$00.
Porque se trata de factos com interesse para a decisão, atentas as questões que se vieram a revelar, alguns deles chamados à colação na sentença recorrida e nas alegações de recurso, encontrando-se comprovados por documento, aditam-se aos factos provados os seguintes factos:
18 –A sentença aludida 10) transitou em julgado em 26-6-2001, sendo que o prazo para a reclamação de créditos findou em 16-7-2001, encontrando-se os autos findos e arquivados em 15-9-2010 (fls. 207, 220 e 422).
19 – De acordo com a sentença referida em 12) foi citado para os termos da acção o liquidatário judicial, não tendo sido apresentada contestação.
20 – Nos autos de falência e no que respeita à satisfação dos créditos procedeu-se a rateio para pagamento dos créditos privilegiados (fls. 422-441).
21 - Á carta referida em 9) a R. respondeu com data de 24-9-2001 informando da falência da devedora e defendendo que aquela se extinguira com a declaração de falência e que a fiança se encontrava extinta, só respondendo a fiadora por dívidas vencidas até à data da declaração de falência (fls. 75-76).
22 – Nos autos de falência, em 11-7-2002, a A. deu conhecimento de que no processo .../2001 fora decretada a resolução do contrato de arrendamento e que a R. massa falida fora condenada a entregar a fracção, a pagar o valor das rendas e das despesas de utilização e funcionamento, bem como juros e sanção pecuniária compulsória, nos termos constantes da sentença aludida em 11) (fls. 329-330).
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II - Como resulta dos arts. 684, nº 3 e 690, nº 1 do CPC são as conclusões da alegação do recurso que definem o objecto do mesmo. Deste modo, atentas as conclusões das alegações apresentadas, as questões que essencialmente se colocam são as seguintes ([1]):
- Quanto à apelação da R.:
- se a A. impossibilitou a R. de ficar subrogada nos direitos que a si competiam, verificando-se o circunstancialismo previsto no art. 653 do CC;
- se com a declaração de falência deve ser considerada extinta a «“D” portuguesa, SA», caducando o contrato de locação, ocorrendo uma modificação subjectiva da relação de arrendamento pela substituição da «D» pela massa falida e devendo considerar-se extinta a fiança prestada pela R. na data da declaração de falência;
- se a taxa de juros aplicável não é a taxa supletiva de juros comerciais.
- Quanto à apelação da A.:
- se há lugar ao pagamento pela R. de uma sanção pecuniária compulsória, como por ela peticionado.
Cumpre esclarecer que, apesar da sua inclusão na alegação de recurso apresentada pela A., dada a rectificação operada na sentença, deixou de se colocar qualquer questão referente à quantificação das rendas e despesas de funcionamento e utilização incluídas na condenação.
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IV – 1 - Sabemos que por escritura pública datada de 15 de Janeiro de 1997 a A. deu de arrendamento à sociedade «“D” portuguesa S.A.», da qual a R. se constituiu fiadora, uma fracção destinada ao exercício da actividade comercial da arrendatária, localizada no prédio urbano sito da Avª ... nº ....
Sucede que por sentença proferida em 15-5-2001 no âmbito do processo .../2001 do 2º Juízo do Tribunal de Comércio de ..., aquela «D» foi declarada falida.
Naquele mesmo mês de Maio deixaram de ser pagas as rendas da mencionada fracção; a A. propôs, então, acção contra a «D, Portuguesa, S.A» (processo .../2001 da 11ª Vara Cível de Lisboa) e por sentença proferida em 6-6-2002, já transitada em julgado, foi determinada a resolução do contrato de arrendamento sobre a fracção em causa, e condenada a massa falida a proceder à entrega da fracção, no pagamento de 8.897.286$00 de rendas vencidas e não pagas e nas que se venceram até à resolução, no pagamento de 532.888$00 relativo às despesas de funcionamento do edifício até à data da resolução do contrato e ainda nos juros de mora, bem como na sanção pecuniária compulsória de 1.482.881$00 por cada mês desde a data de resolução do contrato até à sua entrega efectiva.
Também a R. fora interpelada pela A., em Julho de 2001, para proceder aos pagamentos, dada a sua qualidade de fiadora, mediante envio de carta registada com aviso de recepção. É na sequência que a A., em Setembro de 2001, intentou a presente acção contra a aqui R..
Vejamos.
Ao contrário do pretendido pela R. a declaração de falência da «D» não conduziu à sua imediata extinção.
Consoante resulta do art. 147 do CPEREF a declaração de falência priva imediatamente o falido da administração e do poder de disposição dos seus bens, presentes ou futuros, os quais passam a integrar a massa falida, sujeita àadministração e poder de disposição do liquidatário judicial. Estes bens formam um património separado, adstrito à satisfação dos interesses dos credores.
Os bens de que o falido não pode dispor e os bens que não pode administrar são apreendidos pelo liquidatário judicial e separados do património geral por forma a constituir um património autónomo – a massa falida ([2]). Sendo ao liquidatário que compete a administração e disposição dos bens, «não obstante, até à alienação judicial (se esta se verificar), os bens permanecem na titularidade do falido» ([3]).
Na hipótese de o falido ser uma sociedade comercial a declaração de falência corresponderá a uma causa da sua dissolução, consoante decorre do art. 141, nº 1-e) do CSC; todavia, a sua personalidade jurídica mantém-se, considerando-se a sociedade extinta, tão só, pelo registo do encerramento da liquidação – arts. 160, nº 2 e 146, nº 2, do CSC.
Consoante dispunha o art. 169 do CPEREF a declaração de falência não faz cessar o contrato de arrendamento de que o falido seja arrendatário, embora o liquidatário judicial o possa denunciar.
Assim, a declaração de falência é irrelevante no que diz respeito aos contratos de arrendamento em que o falido seja arrendatárioque se mantêm nos seus precisos termos - a não ser que o liquidatário, optando pela sua extinção, proceda à respectiva denúncia.
Consoante salienta Maria do Rosário Epifânio ([4]) «dentro de certos limites» o liquidatário ocupa a posição contratual do arrendatário falido, «continuando ambos os contraentes adstritos às mesmas obrigações e titulares dos mesmos direitos» - assim, nomeadamente, o liquidatário judicial deverá pagar na íntegra ao senhorio as rendas relativas ao período posterior à declaração de falência. «A consagração deste regime de continuidade do arrendamento deve-se à natureza do contrato: uma vez que se trata de um contrato duradouro, enquanto o liquidatário judicial não optar pela extinção do contrato, ao arrendatário continua necessariamente a ser proporcionado o gozo temporário da coisa e, correspondentemente, ao senhorio deve continuar a ser reconhecido o direito ao pagamento das rendas na íntegra». A solução de manutenção do contrato – se e enquanto o liquidatário judicial não optar pela sua extinção fundamenta-se na necessidade de protecção do interesse da massa falida, da manutenção do gozo dos bens após a declaração de falência, de forma a assegurar ao liquidatário judicial a guarda dos bens que integram a massa falida.
Do que acabámos de referir resulta que a «D» não se extinguiu com a respectiva declaração de falência, continuando a existir – logo, a ser a arrendatária da fracção referida nos autos; todavia, em virtude do disposto no art. 147 do CPEREF, com a declaração de falência ficou privada da administração e do poder de disposição dos seus bens que passaram a integrar a massa falida.
Assim, a «D», para todos os efeitos de carácter patrimonial com interesse para a falência, entre os quais se encontrarão os referentes ao direito ao arrendamento daquela fracção, passou a ser representada pelo liquidatário judicial, conforme previsto no nº 2 do citado art. 147 - daí poder ele proceder à denúncia do mencionado contrato – o que corresponderá a uma limitaçãoda sua capacidade patrimonial ([5]).
Deste modo, e no que aqui nos interessa, o contrato de arrendamento celebrado entre a A. e a «D», não denunciado pelo liquidatário judicial, subsistiu, mantendo-se esta como arrendatária, e mantendo-se a obrigatoriedade do pagamento das rendas por parte do liquidatário, face à limitação da capacidade patrimonial da arrendatária resultante da declaração de falência.
Não ocorreu, pois, nos termos aduzidos pela apelante, a pretendida «modificação subjectiva da relação de locatário pela substituição da posição da extinta “D” portuguesa, SA».
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IV – 2 - A fiança é uma garantia pessoal das obrigações através da qual um terceiro assegura a realização de uma obrigação do devedor responsabilizando-se pessoalmente com o seu património pelo cumprimento. A obrigação do fiador é acessória da que recai sobre o principal devedor – nº 2 do art. 627 do CC: a obrigação do fiador apresenta-se «na dependência estrutural e funcional da obrigação do devedor, sendo determinada por essa obrigação em termos genéticos, funcionais e extintivos» ([6]). Assim, a extinção da obrigação principal acarreta a extinção da fiança – art. 651 do CC.
No caso que nos ocupa, como vimos, não se extinguiu a obrigação principal nem podemos concluir que a «D» haja sido substituída na sua posição de arrendatária, ocorrendo assim uma modificação na relação contratual.
Manuel Januário da Costa Gomes ([7]) depois de discorrer sobre o disposto no art. 63 do CPEREF (nos termos do qual as providências de recuperação da empresa não afectam a existência nem o montante dos direitos dos credores contra os co-obrigados ou os terceiros garantes da obrigação), considera que apesar daquele Código não conter dispositivo paralelo para a falência, não parecer «que se possam levantar dúvidas no sentido de se manter incólume a responsabilidade do fiador após a declaração de falência do devedor». Acrescentando que «por um lado, o art.151/1do mesmo código declara a exigibilidade imediata da todas as obrigações do falido; por outro o art. 154/3 CPEREF é claro no sentido do prosseguimento duma (eventual) execução contra outros executados diversos do falido; ora, como é óbvio, se a execução v.g. contra devedor falido e fiador pode prosseguir contra este último, não há razão nenhuma que impeça a instauração contra o fiador duma nova execução quando nenhuma esteja pendente».
Neste contexto e tendo em consideração o que acabámos de expor entende-se que das circunstâncias dos autos não resulta a extinção da fiança, nos termos pretendidos pela apelante.
Assim, não tem razão a apelante/R. no que concerne à segunda questão por si suscitada ([8]).
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IV- 3 – Na sentença recorrida entendeu-se que o facto de a A. não ter reclamado o seu crédito no processo de falência não impediu o direito de sub-rogação da R., contra tal entendimento se insurgindo a apelante/R..
Vejamos.
Nos termos do art. 644 do CC o fiador que cumpra a obrigação fica sub-rogado nos direitos do credor, na medida em que estes por ele foram satisfeitos.
Ora, dispõe o art. 653 do mesmo Código que os fiadores, ainda que solidários, ficam desonerados da obrigação que contraíram na medida em que, por facto positivo ou negativo do credor, não puderem ficar sub-rogados nos direitos que a este competem. Neste caso, a conduta do credor – activa ou omissiva – traduz-se num prejuízo para o exercício dos direitos do fiador, situação que a lei considera incompatível com a manutenção da obrigação de fiança ([9]). Contudo, o fiador ficará desonerado apenas na medida em que não puder ficar sub-rogado; como referem Pires de Lima e Antunes Varela ([10]) a desoneração só se verifica na medida em que os fiadores não puderem ficar sub-rogados nos direitos do credor, podendo ficar reduzida a sua obrigação e não extinta e sendo «necessário determinar, caso por caso, o prejuízo real que a perda do direito imputável ao credor acarreta para o direito eventual do fiador».
Será que a A./credora impossibilitou a R./fiadora de ficar subrogada nos direitos que lhe competiam?
Sabemos que em Setembro de 2001 se encontravam vencidas e não pagas as rendas relativas aos meses de Maio, Junho, Julho, Agosto, Setembro e Outubro de 2001. Já a falência foi declarada por sentença proferida em 15-5-2001 e transitada em julgado em 26-6-2001 ([11]).
As rendas e outras despesas reclamadas dizem respeito ao período após a declaração de falência. Como acima referimos incumbia ao liquidatário judicial proceder ao seu pagamento, uma vez que não denunciou o contrato ([12]), pagamento que o liquidatário não fez.
Intentada acção contra a «D» no ano de 2001, porque esta fora declarada em estado de falência, foi citado para os termos daquela acção o liquidatário judicial, não tendo sido apresentada contestação, e por sentença proferida em 6-6-2002 (da qual constam aqueles elementos) foi determinada a resolução do contrato de arrendamento e condenada a «ré (massa falida)» no pagamento de rendas, despesas e juros (fls. 185-192).
A R. foi, entretanto, interpelada pela A., em Julho de 2001, para proceder aos pagamentos das rendas e despesas até então vencidas, dada a sua qualidade de fiadora, mediante envio de carta registada com aviso de recepção ([13]). É na sequência que a A., em 17 de Setembro de 2001, intentou a presente acção contra a aqui R., por esta contestada em 6-12-2001.
A fiança fora clausulada com renúncia ao benefício da excussão prévia, consoante resulta do contrato documentado a fls. 44-50. Assim, face à interpelação da A. para que procedesse ao pagamento, à R. não era lícito recusar-se a cumprir, ainda que sem execução dos bens da «D» (que, atento o teor da carta de fls. 75-76, a R. sabia que fora declarada falida).
Poderia, pois, ter cumprido e reclamado os direitos em que ficara sub-rogada, em condições similares àquelas em que defende que a A. o deveria ter feito.
Por outro lado, em acção em que o liquidatário fora citado, a «massa falida» foi condenada no pagamento dos valores ora peticionados e a A. deu conhecimento no processo de falência, em 11-7-2002, daquela condenação ([14]).
Neste contexto, e desde logo por estas razões, afigura-se duvidoso podermos considerar a desoneração da R. nos termos do art. 653 do CC – no concreto encadear dos factos não parece ser imputável à A. uma impossibilidade de sub-rogação da R..
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IV – 4 - A argumentação da R./apelante quanto a esta questão desenvolve-se noutra vertente.
Na sentença recorrida entendeu-se que o crédito da A. sempre seria considerado como crédito comum e que o direito de sub-rogação nunca se chegaria a verificar uma vez que a quantia apurada na massa falida nem sequer chegou para pagamento das custas e dos créditos privilegiados.
Defende a apelante que a qualificação do crédito da A. foi mal enquadrado quando as rendas vencidas foram consideradas como “crédito comum” e não como “dívida da massa falida”, antecedendo o seu pagamento outros pagamentos ou rateios – o que inquinaria o raciocínio seguido na sentença.
Já acima referimos que as rendas e despesas em causa dizem respeito a um período posterior à declaração de falência e que a sentença já aludida condenou a “massa falida” no seu pagamento.
Como é assinalado no preâmbulo do dl nº 53/2004, de 18-3 – diploma que aprovou o CIRE – no CIRE distinguem-se com precisão os «créditos sobre a insolvência», correspondentes aos créditos sobre o insolvente cujo fundamento existisse à data da declaração de insolvência, dos «créditos sobre a massa», correspondente às dívidas constituídas no decurso do processo. Assim, no art. 51 do CIRE são indicadas, com carácter enunciativo, num preceito «sem paralelo na lei precedente» ([15]) as dívidas da massa insolvente, identificação que se reveste de importância pelo especial regime de pagamento de que beneficiam – os créditos sobre a insolvência são preteridos no confronto com os créditos sobre a massa (ver o art. 172 do CIRE). As dívidas da massa não estão sujeitas ao processo de verificação e graduação de créditos pelo que não têm que ser reclamadas, podendo os respectivos credores exigir directamente o seu pagamento ao administrador da insolvência ([16]). Não era inteiramente assim no âmbito do CPEREF, tendo um outro alcance os arts. 51 e 172 do CIRE.
Efectivamente, o art. 208 do CPEREF previa que as custas da falência e todas as demais (custas) que devam ser suportadas pela massa falida, bem como as despesas de liquidação, incluindo a remuneração do liquidatário, saem precípuas de todo o produto da massa e, na devida proporção, do produto de cada espécie de bens, móveis ou imóveis, embora tenham sido objecto de garantia real.
Ora, os créditos a que nos reportamos nos presentes autos não se enquadram em qualquer uma das categorias mencionadas no art. 208 do CPEREF (não são nem custas nem «despesas de liquidação»). Os mesmos apenas seriam tratados como «créditos comuns» como sucede relativamente a créditos provenientes de outros contratos que não apenas o de arrendamento ([17]).
Assim, cai pela base todo o raciocínio desenvolvido pela R./apelante.
Como mencionado na sentença recorrida, tratando-se de um crédito comum o direito da A. não chegaria a ser satisfeito, visto a quantia apurada na massa falida não ter chegado para pagamento das custas e dos créditos privilegiados. Assim, não poderia ter havido, um real prejuízo para a R. no que à sub-rogação do direito importa.
Pelo que se conclui não ter a R. razão quanto à segunda questão por si suscitada.
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IV – 5 - A sentença recorrida condenou a R. a pagar à A. juros de mora à taxa legal aplicável aos juros comerciais, contra tal se insurgindo a apelante/R..
Já na sentença proferida no âmbito do processo .../2001 da 11ª Vara Cível de Lisboa a ali R., massa falida, fora condenada, no que aos juros concerne, em termos similares.
Todavia, como resulta claramente do art. 635 do CC, o caso julgado entre credor e devedor não é oponível ao devedor – como o fiador não interveio naquela outra lide não pôde defender-se da pretensão do credor, não lhe podendo ser oposto o caso julgado.
Subordinada à epígrafe «Obrigação de juros», dispunha o art. 102 do Código Comercial, na redacção que lhe foi dada pelo dl nº 262/83, de 16 de Junho:
«Haverá lugar ao decurso e contagem de juros em todos os actos comerciais em que for de convenção ou direito vencerem-se e nos mais casos especiais fixados no presente Código.
§ 1º A taxa de juros comerciais só pode ser fixada por escrito.
§ 2º Aplica-se aos juros comerciais o disposto nos artigos 559º, 559º-A e 1146º do Código Civil.
§ 3º Poderá ser fixada por portaria conjunta dos Ministros da Justiça e das Finanças e do Plano uma taxa supletiva de juros moratórios relativamente aos créditos de que sejam titulares empresas comerciais, singulares ou colectivas.
Posteriormente, o dl 32/2003, de 17 de Fevereiro, deu a seguinte redacção àquele artigo:
«Há lugar ao decurso e contagem de juros em todos os actos comerciais em que for de convenção ou direito vencerem-se e nos mais casos especiais fixados no presente Código.
§ 1º A taxa de juros comerciais só pode ser fixada por escrito.
§ 2º Aplica-se aos juros comerciais o disposto nos artigos 559º-A e 1146º do Código Civil.
§ 3º Os juros moratórios legais e os estabelecidos sem determinação de taxa ou quantitativo, relativamente aos créditos de que sejam titulares empresas comerciais, singulares ou colectivas, são os fixados em portaria conjunta dos Ministros das Finanças e da Justiça.
§ 4º A taxa de juro referida no parágrafo anterior não poderá ser inferior ao valor da taxa de juro aplicada pelo Banco Central Europeu à sua mais recente operação principal de refinanciamento efectuada antes do 1º dia de Janeiro ou Julho, consoante se esteja, respectivamente, no 1º ou no 2º semestre do ano civil, acrescida de 7 pontos percentuais».
Refira-se que à época em que começaram a vencer-se os juros aqui em causa vigorava ainda aquela anterior redacção do artigo.
A par do artigo em referência dispõem, respectivamente, o nº 2 do art. 806 e o nº 1 do art. 559, ambos do CC, que os juros de mora devidos são os juros legais (salvo se antes da mora for devido um juro mais elevado, ou se as partes houverem estipulado um juro moratório diferente) e que os juros legais e os estipulados sem determinação de taxa ou quantitativo são os fixados em portaria conjunta dos Ministros da Justiça e das Finanças e do Plano.
Temos, pois, os juros moratórios genericamente contemplados no art. 806 do CC com reporte ao art. 559 do mesmo Código e os juros moratórios referentes aos créditos de empresas comerciais.
Visto não existir uma definição legal de «empresa comercial» suscitaram-se dúvidas quanto ao âmbito de aplicação do preceituado no art. 102 do Código Comercial na redacção anterior ao dl 32/2003, de 17-2. Entendeu-se, todavia, ser preferível dar à expressão um sentido amplo, abrangendo, nomeadamente, não só todos os comerciantes (e as sociedades comerciais são comerciantes, à luz do art. 13 do C. Com.), como também todas as empresas públicas e as cooperativas que exerçam uma actividade comercial organizada em moldes empresariais ([18]).
O dl 32/2003, de 17-2 - que, como vimos, deu nova redacção aos § 2 e 3 do art. 102 do Código Comercial e lhe acrescentou um § 4) no seu art. 3-b) - definiu como «empresa» «qualquer organização que desenvolva uma actividade económica ou profissional autónoma, mesmo que exercida por pessoa singular».
Podendo dizer-se considerar-se abrangidas quaisquer pessoas físicas ou colectivas, titulares de uma empresa, no exercício da sua actividade empresarial, sendo o regime em apreço aplicável aos créditos emergentes de contratos celebrados por quaisquer empresários singulares ou colectivos – por exemplo, empresários em nome individual, sociedades, agrupamentos complementares de empresas, cooperativas) ponto sendo que o crédito de que a empresa comercial seja titular tenha uma concreta conexão com o exercício da respectiva actividade empresarial, deixando de fora os créditos que a esta actividade sejam alheios ou impertinentes (por exemplo, negócios pessoais ou familiares de um empresário em nome individual) ([19]).
No caso que nos ocupa, estamos perante créditos de que uma empresa comercial (a A.) é credora, resultantes da sua actividade – a A. é uma sociedade gestora de fundos de investimento imobiliário nos termos dos artº 6º e 9º do D.L. 294/05 de 17-11 e no exercício da sua actividade comercial gere o Fundo de Investimento Imobiliário – C, cabendo-lhe praticar os actos necessários à correcta administração e desenvolvimento deste e, designadamente, exercer os direitos directa e indirectamente relacionados com os bens do Fundo.
As taxas a considerar são, pois, as taxas supletivas relativas aos créditos da titularidade de empresas comerciais – as taxas consideradas na sentença recorrida.
Pelo que também quanto a esta última questão por ela colocada não assiste razão à apelante/R..
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IV – 6 – No que à sanção pecuniária compulsória concerne, antes de prosseguirmos convirá lembrar que, consoante referido supra o caso julgado entre credor e devedor não é oponível ao devedor, pelo que o teor da sentença proferida no âmbito do processo .../2001 da 11ª Vara Cível de Lisboa não interfere com a questão colocada nos presentes autos.
Vejamos, pois,
O dl 262/83, de 16-6, aditou ao CC o art. 829-A cujo nº 1 prevê que nas obrigações de facto infungível, positivo ou negativo, salvo nas que exigem especiais qualidades científicas ou artísticas do obrigado, o tribunal, a requerimento do credor, condene o devedor no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória.
A sanção pecuniária compulsória é a condenação pecuniária decretada pelo juiz para constranger e determinar o devedor contumaz a cumprir a sua obrigação. A propósito explica Calvão da Silva ([20]) que a condenação do devedor a cumprir, quando não acatada, nem sempre encontra o adequado e eficaz prolongamento no processo executivo, impotente em algumas situações para proporcionar ao credor o resultado prático (do cumprimento) a que tem direito. «É o colmatar desta insuficiência ou lacuna do processo executivo que motiva a consagração legislativa da sanção pecuniária compulsória (art. 829-A), destinada a fazer pressão sobre a vontade do devedor e a vencer a sua resistência, a fim de o decidir a cumprir voluntariamente as obrigações não susceptíveis de «cumprimento forçado», isto é, de execução in natura, por falta de correspondente acção executiva que efective e actue a sentença de condenação no cumprimento».
Referindo mais adiante ([21]) que as prestações de coisas são fungíveis: mesmo «que a coisa a prestar seja infungível, isto é, insubstituível por outra (art. 207º), há sub-rogabilidade do devedor sem qualquer prejuízo para o credor, que vê o seu interesse plenamente satisfeito pela entrega da coisa, quer seja feita pelo devedor, quer seja feita por terceiro».
Concluindo que resulta claro do preceituado no nº 1 do art. 829-A que o legislador não consagrou a sanção compulsória como mecanismo coercitivo de aplicação geral, mas a limitou às obrigações de “non facere” e de “facere” cujocumprimento requer a intervenção insubstituível do devedor, com excepção das que exigem especiais qualidades científicas ou artísticas; «o legislador confinou a sanção pecuniária compulsória às obrigações de carácter pessoal – obrigações de carácter intuitus personae cuja realização requer a intervenção do próprio devedor, insubstituível por outrem – fazendo dela um processo subsidiário, aplicável onde a execução específica não tenha lugar» ([22]). O legislador preocupou-se, então, com a realização das prestações não susceptíveis de execução específica, consagrando um meio de pressionar o devedor ao cumprimento, apenas, dessas obrigações.
A sanção pecuniária compulsória cuja aplicação foi requerida pela A. está correlacionada como pagamento de quantias pecuniárias. Como resulta do exposto supra, a concretização da condenação é possível através da execução.
Não há, pois, lugar à aplicação da sanção pecuniária compulsória prevista no nº1 do art. 829-A do CC, não se subsumindo a tal previsão o caso dos autos.
Pelo que também não procede a única questão subsistente das colocadas pela apelante/A. nas suas alegações de recurso.
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V – Face ao exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedentes ambas as apelações – a da R. e a da A. – mantendo a sentença recorrida.
Custas das apelações pelos apelantes.
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Lisboa, 30 de Junho de 2011
Maria José Mouro
Teresa Albuquerque
Isabel Canadas
-------------------------------------------------------------------------------------- [1] Para melhor compreensão do que se segue e da razão pela qual, desde logo, a primeira questão se coloca, haverá que proceder a um esclarecimento prévio.
A presente acção foi intentada em Setembro de 2001 enquanto a sentença de 1ª instância foi proferida em Novembro de 2010, mais de nove anos decorridos sobre o início do processo. Como vimos, a aqui R. foi demandada como fiadora, sendo que a devedora/afiançada foi declarada falida em Maio de 2001 e aqueles autos de falência prosseguiram e, entretanto, findaram. Nos nove anos em que este processo correu termos pelo tribunal de 1ª instância, as partes vieram com diversos requerimentos aos autos e foram dirigidos ofícios vários ao processo de falência de onde provieram múltiplas informações. No final, a situação retratada nos autos tinha contornos diferentes da perspectivada na fase dos articulados, vindo o Tribunal de 1ª instância a proceder em conformidade com o disposto no nº 1 do art. 663 do CPC, muito embora a factualidade relevante nem sempre tenha sido transposta para o processo, com utilização das formalidades previstas nos arts. 506 e 507 do CPC. Assim, por exemplo, a questão relativa à sub-rogação, tratada na sentença e que a apelante R. coloca no recurso por si interposto, não fora suscitada na contestação, surgindo na sequência do requerimento de fls. 288 e seguintes apresentado pela R. (e vindo a ressurgir mais tarde no articulado superveniente de fls. 387 e segs. que veio a ser indeferido). [2] A qual, como nos diz Menezes Cordeiro em «Manual de Direito Comercial», pag. 435, inclui «os direitos patrimoniais privados penhoráveis do falido». [3] Maria do Rosário Epifânio, «Os Efeitos Substantivos da Falência», pags. 127-128. [4] Obra citada, pag. 353.355. [5] No sentido de o regime previsto na lei ser «perfeitamente adequável a uma limitação da capacidade patrimonial do falido», Carvalho Fernandes e João Labareda, «Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência Anotado», pag. 392. [6] Menezes Leitão, «Direito das Obrigações», vol. II, pag. 329. [7] Em «Assunção Fidejussória de Dívida, Sobre o Sentido e o Âmbito da Vinculação como Fiador», pags. 1025-1026. [8] Por uma questão de conveniência para a exposição começámos pela segunda questão suscitada pela apelante/R., após o que avançamos para a primeira. [9] Ver, a propósito, Menezes Leitão, obra citada, pag. 337. [10] «Código Civil Anotado», I vol., pags. 640-641. [11] Sendo que o prazo para a reclamação de créditos findou em 16-7-2001 e foi fixada como sendo a data da falência o dia 12-3-2001, data em que o processo foi instaurado (fls. 207, 220 e 437). [12] O liquidatário optou pela posição de manter o contrato de arrendamento e, simultaneamente, não pagar as rendas, havendo sido citado na acção que a A. moveu contra a «D» peticionando a resolução do contrato de arrendamento, rendas, despesas e juros; as explicações por si dadas neste mesmo processo são as constantes, designadamente, de fls. 196 e fls. 311-312. [13] Fls. 51-53. [14] Fls. 329-330. [15] Ver, Carvalho Fernandes e João Labareda, «Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado», vol. I, pag. 240. [16] Ver Menezes Leitão, «Direito da Insolvência», 3ª edição, pag. 105. [17] Ver, a propósito, Carvalho Fernandes e João Labareda, «Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência Anotado», pags. 435-436. [18] Brito Correia, «Direito Comercial», edição da AEFDL, vol. I, pag. 30. [19] Ver Engrácia Antunes, «Direito dos Contratos Comerciais», pag. 236. [20] «Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória», 1987, pag. 356. [21] Pag. 368, nota 665. [22] Calvão da Silva, obra citada pag. 450 e também em «Sanção Pecuniária Compulsória», BMJ nº 359, pags, 39 e segs.