PRESTAÇÃO DE CONTAS
INQUÉRITO JUDICIAL
ERRO NA FORMA DO PROCESSO
CASO JULGADO
AMPLIAÇÃO DO ÂMBITO DO RECURSO
Sumário

I No processo especial de prestação forçada de contas, havendo contestação por banda do Réu, a Lei prevê que o Autor responda, nos termos do nº3 do artigo 1014º-A do CPCivil, seguindo-se uma de duas soluções: ou a questão pode ser decidida sumariamente após a produção das provas requeridas; ou, a decisão da questão da existência da obrigação de prestar contas por revestir de complexidade não pode ser decidida com a aplicação das normas procedimentais típicas dos incidentes (artigo 304º do CPCivil), devendo o Juiz ordenar que se sigam os termos subsequentes do processo comum que ao caso couber, atento o valor da causa.
II O processo especial de prestação de contas, não comporta despacho saneador, embora este despacho possa vir a ter lugar no âmbito do processo comum aplicável se for declarada a complexidade da questão suscitada.
III A decisão desta questão prévia, findos os articulados, constitui caso julgado, nomeadamente quanto ao eventual erro na forma de processo, caso esta excepção haja sido suscitada na contestação.
IV Tendo o Tribunal designado dia para a realização de uma audiência preliminar, qualquer decisão a dá-la sem efeito, nomeadamente na véspera da sua ocorrência, para além de constituir uma decisão surpresa, viola o principio da cooperação daquela instituição com os intervenientes processuais.
V Constatando-se a existência de erro na forma de processo, sendo o processo próprio o de inquérito judicial, o princípio da adequação formal a que alude o artigo 265º-A do CPCivil, imporia sempre a audição das partes, antes da tomada de uma decisão a declarar a nulidade do processado com a consequente absolvição do Réu da instância.
VI A representação das sociedades em juízo pertence às pessoas que «a lei, os estatutos ou o pacto social designarem», de harmonia com o disposto no artigo 21º, nº1 do CPCivil sendo que o Autor/Apelante, bem como o Réu/Apelado, são actualmente os dois únicos sócios gerentes e por isso qualquer um deles tem aqueles poderes, os quais, no caso, porque a sociedade é Autora, foram conferidos à Ilustre mandatária em exercício pelo co-Autor/Apelante.
VII Tais poderes de representação nada têm a ver com a forma de obrigar a sociedade nos seus actos e contratos, a qual, como decorre do pacto social, apenas ocorre com a assinatura do Réu, ou com a assinatura do Autor por delegação daquele conferida por procuração.
VIII Dispõe o artigo 684º-A, nº1 do CPCivil, aplicável ao recurso de Agravo ex vi do disposto no artigo 749º do mesmo diploma que «No caso de pluralidade de fundamentos da acção ou da defesa, o tribunal de recurso conhecerá do fundamento em que a parte vencedora decaiu, desde que esta o requeira, mesmo a título subsidiário, na respectiva alegação, prevenindo a necessidade da sua apreciação.».
IX Daqui decorre que só é possível conhecer das questões suscitadas na contestação, em sede de ampliação do recurso, se tais questões tiverem sido objecto de apreciação pelo Tribunal recorrido e julgadas improcedentes.
X Se a decisão de uma questão pelo Tribunal prejudicar a necessidade de apreciação das demais questões suscitadas, o pedido de ampliação do objecto do recurso quanto a estas é manifestamente improcedente.
(APB)

Texto Integral

ACORDAM, NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

I Nos autos de acção especial para prestação de contas, agora a seguir os termos da acção declarativa com processo ordinário em que são Autores R, LDA e R P e Réu A e interveniente principal M, na qual aqueles pedem a condenação destes no pagamento da quota parte do saldo que se vier a apurar a favor do autor, acrescido dos juros do mesmo desde a data da citação, vêm os Autores interpor recurso da decisão que pôs termo à acção, a qual é do seguinte teor:
«A questão proposta nesta acção prende-se com a doutrina do acórdão do S. T. J. de 22/11/95, CJSTJ, III, 3°, 113, - já, aliás, adiantada também no de 22/4/95, e o de 28/3/95, BMJ 445/569 (-II; v.570-6.2.) (1) .
Conforme aí elucidado, afastado então o entendimento jurisprudencial dominante na vigência da lei anterior (designadamente, do Código Comercial e da Lei das Sociedades por Quotas - Lei de 11 de Abril de 1901), com entrada em vigor do Código das Sociedades Comerciais, o meio próprio para exigir a prestação de contas da gerência de sociedade comercial é o inquérito previsto no art.67° desse Código, não podendo desde então, ao contrário do anteriormente entendido (V., por todos, com os aí citados, AcSTJ de 25/10/88, BMJ 380/496), exigir-se pelo processo regulado o art. 1014° ss CPC, a que pertencem as disposições citadas ao diante sem outra indicação (V. bem assim., ARE de 28/1/93 , CJ, XVIII, 1º, 270).
Ultrapassada, em vista do n. 2° do art. 206°, a excepção dilatória que o erro na forma de processo constitui, esta questão situa-se no âmbito da questão prévia, e prejudicial, de direito substantivo, que há que resolver na fase inicial, declarativa, desta espécie de acções, que é a da existência, ou não, da obrigação de prestação das contas pedidas e, bem assim, do correspondente direito de as exigir.
Quer isto dizer que, contestada a obrigação de prestar as contas exigidas, e decididas, consoante 2ª parte do n. 2° do art. 1014° CPC, as questões suscitadas nesse articulado, não interposto dessa decisão o agravo previsto no n. 3 desse mesmo artigo, ficou definitivamente estabelecida tanto a existência da obrigação de prestar as contas pretendidas como o correspondente direito do ora recorrido de as exigir.
Inatacável essa decisão, a coberto da força e autoridade do caso julgado, que abrange tanto o deduzido, como o deduzível (tantum judicatum quantum disputatum vel disputari debebat (V. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil ( 1976 ), 323-III e 324-V), necessariamente procede, nesta parte, este recurso, em vista da preclusão que tal determina.
Dispõe normativo inserto no artigo 1479°, n°3 do CPCivil que:
«Quando o inquérito tiver como fundamento a não apresentação pontual do relatório de gestão, contas do exercício e demais documentos de prestação de contas, seguir-se-ão os termos previstos no artigo 67° do Código das Sociedades Comerciais.».
Este artigo 67° do Código das Sociedades Comerciais, integrado no capítulo relativo à apreciação anual da sociedade, reporta-se à falta de apresentação das contas e de deliberação sobre elas bem como o inquérito que essa situação é susceptível de motivar.
Decorre deste normativo que o inquérito judicial que aí se alude, poderá ser requerido por qualquer sócio, entendendo-se que aqui se abarcam todas as situações, isto é, independentemente do sócio ser ou não gerente da sociedade em questão, cfr neste sentido os Ac STJ de 16 de Novembro de 2004 (Relator Pinto Monteiro) e de 10 de Outubro de 2006 (Relator João Camilo), in www.dgsi.pt.
Sempre se poderá argumentar que se a Lei prevê que o sócio gerente pode pedir o inquérito à sociedade, entraremos numa confuso de posições jurídicas, já que sobre aquele, enquanto sócio gerente, impende o dever de informar.
Nos termos da lei (art° 67° n° 1), qualquer sócio pode requerer ao tribunal que se proceda a inquérito, no caso de falta de apresentação das contas. Note-se que a lei alude a «qualquer sócio», não restringindo o direito aos sócios não gerentes. Por outro lado, como é sabido, a obrigação de prestar contas impende sobre quem trate de negócios alheios ou de negócios próprios e alheios, seja qual for a fonte da administração.
Por outro lado, há que ter presente que o dever de apresentar contas compete, no caso, aos gerentes, nos termos do art° 65° n° 1, do C.S.C. Ou seja, não é a sociedade comercial que está obrigada a prestar contas aos seus sócios. Por isso é que no n° 2 do art° 67° se manda ouvir os gerentes.
É que, por um lado, todo o sócio tem direito a obter informações sobre a vida da sociedade, nos termos da lei e do contrato (artigo 21°, n° 1, alínea c), do Código das Sociedades Comerciais).
Por outra banda, os gerentes devem prestara qualquer sócio que o requeira informação verdadeira, completa e elucidativa sobre a gestão da sociedade, por escrito se assim for solicitado, e bem assim facultar-lhe, n sede social, a consulta da respectiva escrituração, livros e documentos (artigo 214°, n° 1, do Código das Sociedades Comerciais).
Da factualidade alegada não se poderá extrair que o Autor se encontrava, de facto, afastado da gerência daquela sociedade, posto que a mesma, exercia actividade: trata-se de uma sociedade registada enquanto tal, com actividade.
O pedido de inquérito judicial à sociedade é o previsto no art° 67° n°1 do C.S.C„ segundo o qual "se o relatório de gestão, as contas do exercício e os demais documentos de prestação de contas não forem apresentados nos dois meses seguintes ao termo do prazo fixado no artigo 65° n° 4, pode qualquer sócio requerer ao tribunal que se proceda a inquérito".
A remissão para tal disposição (art° 65° n° 5 do C.S.C.) revela que a apresentação de contas constitui uma obrigação que vincula os gerentes que estiverem em funções na data legalmente fixada, em princípio, o final do mês de Março de cada ano.
O inquérito judicial às sociedades comerciais pode ter lugar, "inter alia", nas hipóteses contempladas nos art°s 31° n°3; 67° n° 1; 216°; 292° e 450° todos do C.S.C..
Embora, em qualquer desses casos, estamos perante um processo especial, a tramitação processual não é a mesma em todos eles.
Assim quando o inquérito tiver como fundamento a falta de apresentação ou a falta de aprovação das contas, como é o caso dos presentes autos, segue-se a tramitação prevista no art° 67° do C.S.C. por expressa remissão do art° 1479° n° 3 C.P.Civil.
Nos termos do n° 3, do citado art° 1479°, «Quando o inquérito tiver como fundamento a não apresentação pontual do relatório de gestão, contas do exercício e demais documentos de prestação de contas, seguir-se-ão os termos previstos no art° 67° do Código das Sociedades Comerciais».
Por conseguinte, a tramitação do processo de inquérito exclusivamente destinado a suprir a falta de apresentação das contas está regulada naquele art° 67° que, como norma especial, prevalece sobre a tramitação tipo genericamente estabelecida no Código de Processo Civil, cfr. Los es do Rego,
"Comentários ao Código de Processo Civil", pág.769 e Acs da R.elaçãs de Lisboa, de 17.12.92, in CJ, Ano XVII, to o V, pág.148 e de 27.10.94, in CJ, Ano XIX, tomo IV, pág.132.
Nos demais casos, o inquérito segue a tramitação regulada nos art°s 1479° e segs. do C.P.Civil.
Ora, um dos princípios fundamentais do nosso processo civil é o da legalidade das formas processuais segundo o qual os termos do processo são fixados na lei.
Como corolário deste princípio temos a regra de que a cada pedido deve corresponder a forma processual adequada segundo a natureza daquele, não tendo as artes (nem o juiz) a liberdade de optar por qualquer outra (cf., Prof. Manuel de Andrade, in "Noções Elementares de Processo Civil", págs. 386-7).
O erro na forma do processo é determinado ou aferido pelo confronto entre a pretensão que o autor formula e pretende fazer valer e o cio processual que escolhe para esse fim (cf. Ac. da R.L. de 08/01/1982, Sum. B.MJ. 319°, 323).
Entendemos que a tramitação do processo de inquérito, no caso dos a tos está regulada naquele art° 67° do C.S.C. prevalecendo esta sobre a tramitação tipo prevista no art° 1479° e segs do C.P.Civil. Ora, se no n°2 do art° 1479° se manda que a sociedade seja sempre citada, no art° 67° n°2 do C.S.C. prevê apenas a audição dos gerentes.
Por sua vez, a propósito do caso em apreço, estipula o n° 1, do art. 31°, do CP.C, que uma coligação não é admissível quando os pedidos correspondam formas de processo diferentes ...".
No caso em apreço, os pedidos formulados seguem tramitações manifestamente incompatíveis.
Acresce que, compulsando o teor do requerimento inicial constata-se, inclusive, que não foram indicados concretamente os pontos de facto sobre os quais deveria recair o inquérito. Ora, não tendo o requerente indicado concretamente na petição os pontos de facto que lhe interessava fossem averiguados, como impunha o art. 1479°, afigura-se-me, desde já, inútil o prosseguimento do processo, uma vez que não levará a resultado útil (cf. Ac. da R.L. de 27/10/94, in C.J., tomo IV, págs. 132 e 133).
Com efeito, preceitua o n° 2, do art. 1480°, do CP.C, que no despacho que ordenar o inquérito o juiz fixará os pontos que a diligência deve abranger.
Há, assim, uma delimitação do objecto do inquérito, constituindo esta parte da decisão o que pode ser investigado. Do que vem dito resulta que o Juiz ao fixar os pontos de facto a investigar não pode, discricionariamente, ordenar aos peritos que se debrucem sobre pontos de facto não pedidos, nem fixados na decisão, sob pena de se exceder o objecto do pedido e da decisão (of., neste sentido, Ac. da R.P. de 7/11/94, in Cl, torno V, pá s. 204 e segs.), excepto na hipótese consignada no n° 4, do art. 1480° do mesmo diploma.
A jurisprudência vem entendendo - e não se vê razão para seguir outra orientação - que o meio processual adequado para pedir contas aos gerentes de sociedades não é o da acção especial de prestação de contas previsto n s artigos 1014.° e seguintes do C.P.C mas sim o inquérito previsto na parte final do n.° 1 do art.° 67.° do Código das Sociedades Comerciais. Neste sentido decidiu o acórdão de 29-6-1999 do STJ, de que foi relator o Conselheiro Dr. Aragão Seia, cujo sumário é, em www.dgsi.pt, o seguinte: 1 - "Desde a entrada em vigor do Código das Sociedades Comerciais, passaram a estar nele contidos todos os meios legais necessários para que os sócios vejam protegidos os seus interesses relacionados com essa sua qualidade. Assim, à apresentação provocada das contas das sociedades comerciais, pelos gerentes, administradores ou directores, é aplicável o procedimento previsto no n.° 2 do art.° 67.° daquele Código, e não o indicado no artigo 1014.° do Cód. Proc. Civil". No mesmo sentido decidiu o acórdão de 26-9-1995 do STJ (www.dgsi.pt).
O erro na forma de processo importa unicamente a anulação dos actos que não possam ser aproveitados, devendo praticar-se os que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, quanto possível, da forma estabelecido, pela lei (n.° 1 do art.° 199.° do C.P.C.), não devendo, porém, aproveitar-se os actos já praticados, se do facto resultar uma diminuição de garantias do réu (n.° 2 do mesmo artigo). No caso em apreço, sendo o inquérito o meio processual adequado para pedir contas aos gerentes da sociedade ré, e não o da acção especial de prestação de contas, não é possível aproveitar a petição inicial, pelo que se impõe a anulação de todo o processo e a absolvição da instância, nos termos do art.° 288.º, n.° 1, al. b), do C.P.C. (cfr. Neste sentido Tribunal de Relação de Lisboa, Acórdão de 8 Jul. 2004, Processo 3625/2004-1- JusNet 4113/2004).
Assim sendo e pelo exposto, decreto a anulação de todo o processo e absolvo os Réus da instância.
Custas pelo Autor. Registe e Notifique.
*
Face à decisão que antecede, dou sem efeito a data designada para audiência preliminar.
Notifique e desconvoque via fax. Lisboa, 21-02-2011.
(texto processado em computador e integralmente revisto pela signatária)
A Juiz de Direito Margarida de Menezes Leitão»

Inconformados com esta decisão recorreram os Autores, apresentando, no que à economia das questões a resolver interessa, as seguintes conclusões em síntese:
- Os aqui Agravantes consideram que a Meritíssima Juíza deveria, desde logo, ter decidido esta questão, em sede de despacho liminar, e não, em sede de Despacho Saneador;
- Efectivamente após produzidos os articulados, em 21/12/2007, a Meritíssima Juíza proferiu Despacho em que considerava que, de acordo com o n° 3 do art.° 11014 do CPC, a questão poderia ser sumariamente decidida e ordenou que os autos seguissem a forma de processo ordinário (fls 1936); em 27/11/2008 notificou os Autores para procederem ao registo da acção e ordenando também ao réu que juntasse aos autos certidão comprovativa do casamento e regime de bens, (fls. 1940); em 25/11/2010, profere Despacho a designar a realização de audiência preliminar para o dia 22/02/2011, data que foi notificada às partes e respectivos mandatários.
- A presente acção deu entrada em juízo há 6 anos…
- E, apenas, algumas horas antes, da realização dessa audiência preliminar, como se pode verificar pelos autos, no dia 21/02/2011, pelas 16.45h, notifica a Mandatária dos autores, via fax, da decisão de que ora se recorre…
- Nada do que consta do despacho da Meritíssima Juíza foi escrito pela mesma, a mesma não decidiu, a mesma não aplicou a justiça ao caso concreto, a mesma fez "colagens" algumas delas, como se disse, nem são, sequer, aplicáveis ao caso em discussão e, os aqui Agravantes, não mereciam - sobretudo após 6 anos de a presente acção ter dado entrada em juízo - e, nenhum cidadão deste País, que recorre a um Tribunal para ver dirimidos os seus litígios, merece, que lhe façam uma coisa destas. O acesso aos tribunais é um direito fundamental dos cidadãos, para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos.
- Os aqui Agravantes assumem, desde já que, efectivamente, erraram na forma de processo aplicável e, assumem a responsabilidade por esse erro.
- A decisão que absolveu o Réu da Instância, louva-se num único Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, mas a posição referida nesse Acórdão, além de não ser unânime, também não é aquela que tem sido seguida maioritariamente.
- A verdade é que sendo, efectivamente, o inquérito o meio processual adequado para pedir contas aos gerentes da sociedade, sempre era possível aproveitar a petição inicial, pelo que se imponha decisão diversa da proferida. Tal decisão era também imposta pelo princípio da adequação formal, tal como preceitua artigo 265.°-A do CPC, quando a tramitação prevista na lei não se adequar às especificidades da causa, deve o juiz, oficiosamente, determinar a prática dos actos que melhor se ajustem ao fim do processo, bem como as necessárias adaptações o que não aconteceu no caso caos autos, sendo que, nesta medida a decisão recorrida violou a sobredita disposição legal, bem como os artigos 1479.º n.º 3 do CPC e 67.º do CSC, o que o preâmbulo do DL 329-A/95 de 12 de Dezembro, que procedeu à Reforma do Código de processo Civil deixou bem claro.
- Por outro lado, vem a Meritíssima Juiz no seu Despacho, "dizer" que a tramitação do processo de inquérito destinada exclusivamente a pedir contas aos gerentes das sociedades comerciais, está regulava art.° 67º do CSC e, que esta prevalece sobre a tramitação tipo estabelecida nos art.° 1479.º e seguintes do CPC, chegando à conclusão que a forma processual que estaria correcta no caso concreto da presente acção, seria a do art.° 67.º do CSC;
- O que é verdade, mas depois, dá um salto ilógico e incompreensível de raciocino, logo a seguir, falando ainda pelo meio da coligação de pedidos que nunca existiram e termina dizendo que os Autores não indicaram os pontos de facto sobre os quais deveria recair o inquérito, como impunha o artigo 1479º…
- Afinal em que é que ficamos? A fórmula processual adequada é a do art.° 67.º CSC ou a do 1479.º e seguintes?
- No caso dos autos, como é óbvio, os Autores pretendem a apresentação dos relatórios de gestão, das cortas dos exercícios e os demais documentos da prestação de contas da sociedade e relativos aos anos de 1999 a 2003 inclusive, consequentemente, a acção deverá de seguir ao abrigo do disposto no artigo 67.º, n.º 1 do CSC e seguir a tramitação prevista em tal preceito, por remissão do n.º 3 do artigo 1479.º do CPC e, não a deste preceito e seguintes.
- Neste caso e, contrariamente ao considerado pela Meritíssima Juíza "a quo", não seria necessário indicar concretamente os pontos de facto sobre os quais deveria recair o inquérito, conforme é imposto pelo n.º 1 do art.° 1479.º do CPC, o qual se aplica, apenas, ao processo aí previsto, porque no que se refere à tramitação prevista no art.° 67.º do CSC, o que se impõe é que recebida a petição o Juiz proceda à audição dos gerentes e, caso considere procedentes as razões invocadas por estes para a falta de apresentação ou de aprovação das contas, fixa um prazo, que no seu prudente arbítrio considere adequado, segundo as circunstâncias, para que eles as apresentem.
- Outra diferença fundamental entre os dois regimes é que, enquanto no processo do artigo 1479º CPC, as partes devem requerer as diligências que devem ser levadas a cabo e, o Juiz pode livremente investigar os factos porque se trata de um trata de um processo de jurisdição voluntária; no processo de inquérito do art.° 67.º CSC, se o Juiz considerar infundadas as razões aduzidas pelos gerentes para a falta de apresentação das contas, nomear um gerente ao qual incumbirá em exclusivo, no prazo que lhe for fixado, elaborar as contas do exercício e os demais documentos de prestação de contas previstos na lei e, submetê-los à apreciação do órgão competente da sociedade. Se este órgão for a assembleia-geral, pode a pessoa judicialmente nomeada convocá-la (n.º 2 do art ° 67 CSC).
- Os Autores indicam na sua p.i., concreta e esmiuçadamente, as rubricas das contas que analisaram e com as quais não concordam.
- Os Autores, naquele articulado, também concluem e, baseados no resultado dessa auditoria, que quase todas rubricas estão falseadas, outras são incompletas e não elucidativas, sendo que o art.° 216º do CSC estabelece que «o sócio a quem tenha sido recusada informação ou tenha recebido informação presumidamente falsa, incompleta ou não elucidativa pode requer inquérito à sociedade ....»
- De tudo o que foi dito, resulta claro que a petição inicial pode ser aproveitada para o meio processual que deveria ter seguido desde o inicio, processo de inquérito do art° 67.º CSC, porque o fundamento legal invocado corresponde precisamente à forma desse mesmo processo de inquérito.
- E, a tal não obsta o facto de a sociedade figurar nesta acção como Autora, até mesmo porque o dever de apresentar contas recai sobre os gerentes, nos termos do art.° 65.º, n° 1 do CSC e, por isso, o artº 67.º do CSC prevê apenas a audição dos gerentes.
- Por outro lado, também a tal não obsta, o facto de o Autor, R P ser formalmente gerente da sociedade, pois tal como se pode constatar pelos factos invocados na p.i. (art.° 11.º a 22), este apenas era gerente de direito e não de facto, pois quem desempenhava as funções e gerência era o Réu.
- O despacho recorrido, fez incorrecta interpretação da Lei e do Direito, violando, entre outros, o disposto nos artigos 199.º, 108.º, 110.º, n° 2, 111.º, n.º 3, 265.º-A, 1479.º, n° 3 todos do CPC e, ainda, o art.° 2°, n.1 alínea b) do Decreto-Lei n.º150/82 de 29 de Abril e artº 67.º do CSC.

O Réu, nas contra alegações concluiu do seguinte modo:
- Como bem decidiu o tribunal a quo e contrariamente ao que entende os Recorrentes, o facto de estes terem adoptado forma de processo errada, bem como o facto de os seus actos não serem passíveis de aproveitamento por incompatibilidade dos mesmos com a forma de processo adequada impunham a anulação do processo e a consequente absolvição do Recorrido da instância.
- E são os próprios Recorrentes que assumem, nas suas alegações, terem proposto uma acção completamente desconforme com o direito adjectivo, nomeadamente com as normas constantes do Código de Processo Civil e do Código das Sociedades Comerciais - o que só por si, sempre deveria levar o tribunal a quo, como aconteceu, a absolver Recorrido da instância - porquanto, como referem os Recorrentes, estes "...assumem, desde já que, efectivamente, erraram na forma de processo aplicável...".
- Mas a douta sentença não apreciou todas as excepções deduzidas pelo Recorrido em sede de contestação, que por sua vez constitui fundamentos da improcedência da acção em causa. Por essa razão e, ao abrigo do disposto no art. 684°- A do Código de Processo Civil, os Recorridos requerem a apreciação dessas excepções, ampliando-se, desta forma, o âmbito do presente recurso.
- Impõe-se aos Recorridos requerer a ampliação do âmbito do recurso porquanto, salvo o devido respeito, ao deixar de conhecer das excepções deduzidas na sua contestação, o tribunal a quo fez errada interpretação e aplicação do art. 660º, n° 2 do Código de Processo Civil. Com efeito,
- Tal como alegaram os Recorridos na contestação, o Recorrente R P não podia passar a procuração forense que passou era, nome da sociedade R, Lda, à Sra Dra L, uma vez que aquela sociedade, como se pode verificar pelo contrato de sociedade da mesma e como afirmam os Recorrentes obriga-se "com a assinatura do gerente A ou com a assinatura do gerente R P, por delegação daquele conferida por procuração".
- Ora, não tendo o Recorrido conferido ao Recorrente R P, poderes de representação da sociedade R, Lda, a procuração passada pelo Recorrente R P à Sra Dra L, em nome desta sociedade, é ilegal, sendo portanto, esse também, um fundamento de improcedência da presente acção.
- Por outro lado, não só é ilegítimo o patrocínio da Recorrente R, Lda, como configura até uma contradição insanável face ao objecto da presente acção.
- É que, tratando-se de uma acção de prestação de contas - erradamente, uma vez que não é essa a forma de processo adequada - a mesma deveria ser proposta contra a sociedade em causa e não contra o Recorrido, cabendo ao tribunal, se assim o entendesse e, no âmbito de um processo de inquérito, ouvir os gerentes da sociedade, nomeadamente o Recorrente R P, como decorre dos arts. 67º e seguintes do Código das Sociedades Comerciais.
- Pelo que, aos fundamentos que alicerçaram a douta sentença recorrida, acrescem os expostos.
- Por outro lado, tinha ocorrido já a prescrição invocada pela interveniente M, atento o disposto no artigo 174° do Código das Sociedades Comerciais, uma vez que se esgotou, antes da dedução do incidente de intervenção principal provocada dessa interveniente, o prazo de prescrição legalmente estabelecido para o direito de acção em relação a todos os alegados factos invocados pelos ora Recorrentes. Excepção que deveria ter sido apreciada, porquanto é susceptível de tornar a acção totalmente improcedente em relação a todos os RR, face à ilegitimidade do R. A.
- No caso sub judice e, como bem entendeu a Meritíssima Juíza a quo, existe efectivamente uma total inadequação do pedido formulado pelos Recorrentes, à forma processual correcta. Para que se pudesse aproveitar algum dos actos que os Recorrentes praticaram, estes deveriam ter indicado, em qualquer momento do processo, os pontos concretos de facto que lhes interessava que fossem averiguados, que por sua vez permitiriam à Meritíssima Juíza a quo ordenar aos peritos que os averiguassem. Mas isso não aconteceu.
- Se atentarmos nas disposições constantes dos arts. 1479° do C.P.C. e 67° do C.S.C„ verificamos que todo o processado até à douta decisão recorrida é desconforme com estas normas.
- Por um lado, como decorre do n° 1 do art. 1479° do C.P.C., a acção deveria ser proposta contra a sociedade. Como é que, por exemplo, poderia ser citada a sociedade para contestar, de acordo com o n° 2 do art 1479°, se é em representação da própria que a acção é proposta...?
- Por outro, deveriam os Recorrentes, se assim o entendessem e para que o seu pedido fosse compatível com a forma de processo adequada, requerer alguma das diligências previstas no n° 3 do art. 1480°. Mas estes limitaram-se a fazer um pedido genérico de apresentação de contas por parte do Recorrido, sem apresentar qualquer ponto de facto que pretendessem ser averiguado por peritos.
- Pelo que, como bem decidiu o tribunal a quo, nenhum dos actos praticados poderia ser aproveitado, impondo-se a absolvição do Requerido da instância.

II Põem-se como problemas a resolver na presente acção os de saber: i) se o despacho recorrido violou o princípio da adequação formal; ii) se há que ordenar o prosseguimento dos autos para inquérito judicial nos termos do artigo 67º do CSComerciais; iii) se, a não proceder o recurso, há lugar ao conhecimento das restantes excepções invocadas pelo Réu/Apelado na contestação, e em sede de ampliação do objecto do recurso suscitada por este nas suas contra alegações.

Mostram-se provados com interesse para a economia do recurso os seguintes factos:
- Os Autores propuseram acção especial de prestação de contas contra o Réu, em 16 de Março de 2005, conforme carimbo aposto no rosto da Petição Inicial.
- Pretendem com a presente acção a prestação das contas relativas aos anos de 1999, 2000, 2001, 2002, 2003 e 2004, período do exercício de gerência do Réu.
- A Autora é uma sociedade comercial por quotas, da qual o Autor R P e o Réu A são actualmente os únicos sócios, teor de fls 76 a 79.
- No artigo décimo primeiro do contrato de sociedade da Autora, havido em 28 de Julho de 1987, estipulou-se o seguinte «A gerência da sociedade e a sua representação, em juízo e fora dele, são confiadas aos três sócios, que desde já ficam nomeados gerentes, com dispensa de caução e com a remuneração que for fixada em Assembleia Geral.», cfr teor de fls 80 a 85.
- Em 11 de Maio de 2005, foi proferido despacho a ordenar a citação do Réu, cfr fls 1782.
- O Réu foi citado em 23 de Maio de 2005, conforme teor da certidão de citação que faz fls 1792.
- A contestação foi apresentada pelo Réu em 23 de Junho de 2005, conforme carimbo aposto no rosto da mesma, cfr fls 1798 a 1810.
- O Réu, na sua contestação defendeu-se por excepção e por impugnação, tendo em sede de defesa indirecta invocado a irregularidade de representação da Autora sociedade, a inadequação do meio processual (invocando que o meio próprio seria o prevenido pelo artigo 67º do CSComerciais) e a sua própria ilegitimidade.
- Os Autores responderam em 20 de Setembro de 2005, conforme resulta de fls 1820 a 1887.
- Em 21 de Dezembro de 2007, foi proferido despacho do seguinte teor «Preceitua o nº3 do artº 1014º do Código de Processo Civil que “se o réu contestar a obrigação de prestar contas, o autor pode responder e, produzidas as provas necessárias o juiz profere imediatamente decisão, aplicando-se o disposto no artº 304º. Se, porém, findos os articulados, o juiz verificar que a questão não pode ser sumariamente decidida, mandará seguir os termos subsequentes do processo comum adequados ao valor da causa”. Compulsados os autos e analisados os argumentos suscitados pelas partes, verifica-se que, de facto, a questão não pode ser sumariamente decidida. Assim sendo determino que a causa passe a seguir os termos do processo ordinário de declaração.(…)», cfr fls 1937.
- Tal despacho foi devidamente notificado às partes em 27 de Fevereiro de 2008, teor de fls 1938 e 1939.
- Subsequentemente, em 27 de Novembro de 2008, foi proferido o seguinte despacho «Notifique o Autor para proceder ao registo da acção e o comprovar nos autos mediante certidão, no prazo de 20 dias. Notifique o Réu para, no mesmo prazo, juntar aos autos certidão do casamento e regime de bens.», cfr fls 1940.
- Tal despacho foi notificado às partes em 10 de Dezembro de 2008. cfr fls 1941 e 1942.
- Em 18 de Janeiro de 2009, os Autores vêm aos autos dar conta do registo da acção, teor de fls 1943 e 1944 (certidão junta posteriormente a fls 1955 a 1957).
- Na mesma data os Autores vêm suscitar a intervenção principal como Ré de M, teor de fls 1947 a 1951.
- Por despacho de 30 de Janeiro de 2009 foi ordenada a notificação do Réu para se pronunciar sobre a intervenção requerida, cfr fls 1966, o que foi notificado a 5 de Março de 2009, fls 1971.
- Por despacho de 26 de Janeiro de 2010 foi admitida intervenção e ordenada a citação da interveniente, fls 1973.
- Em 5 de Março de 2010, a interveniente apresentou a sua contestação, cfr fls 1980 a 1982.
- Em 25 de Novembro de 2010 foi proferido despacho a designar o dia 22 de Fevereiro de 2011 para a realização de audiência preliminar para os fins previstos no artigo 508º-A, nº1, alíneas a), b), c), d) e e) e 2, alíneas a), b) e c), do CPCivil, fls 1997.
- O despacho recorrido foi proferido no dia 21 de Fevereiro de 2011, e notificado às partes por fax, cfr fls 217 e 218.

1.Do processo especial de prestação de contas.

Os Autores, aqui Apelantes, instauraram esta acção como acção especial de prestação de contas, de harmonia com o disposto nos artigos 1014º e seguintes do CPCivil, à qual, porque deu entrada em 2005, é aplicável a regulamentação introduzida pela reforma de 1995/1996.

Estamos assim face a uma prestação forçada de contas, tal como a mesma nos é definida pelos artigos 1014º e 1014º-A, do CPCivil.

In casu, foi ordenada a citação do Réu/Apelado, tendo este contestado a acção, através de defesa indirecta, com a invocação de excepções várias e também de defesa directa, opondo-se à obrigação de prestar contas.

Nestas circunstâncias, prevê a Lei que o Autor responda, nos termos do nº3 do artigo 1014º-A, do CPCivil, o que veio a acontecer, seguindo-se uma de duas soluções: ou a questão pode ser decidida sumariamente após a produção das provas requeridas; ou, a decisão da questão da existência da obrigação de prestar contas por revestir de complexidade não pode ser decidida com a aplicação das normas procedimentais típicas dos incidentes (artigo 304º do CPCivil), devendo o Juiz ordenar que se sigam os termos subsequentes do processo comum que ao caso couber, atento o valor da causa, cfr Lopes do Rego Comentários ao Código de Processo Civil, volume II, 2ª edição, 193.

No caso sujeito, entendeu o Tribunal que a questão suscitada nos autos não podia ser sumariamente decidida e por isso ordenou que se seguissem os termos do processo ordinário de declaração, conforme despacho de fls 1937, despacho esse que foi na oportunidade notificado às partes.

No seguimento de tal despacho e com vista a assegurar as máximas garantias para as partes, foi proferido despacho a ordenar o registo da acção e comprovada esta, foi proferido despacho a designar dia para uma audiência preliminar para os fins previstos no artigo 508º-A, nº1, alíneas a), b), c), d) e e) e 2, alíneas a), b) e c), do CPCivil, cfr fls 1997.

Quer dizer a especial complexidade da questão preliminar – existência ou inexistência da obrigação de prestar contas – embora seja decidida dentro do processo especial de prestação de contas, passa a sê-lo segundo a forma do processo ordinário, por forma a garantir às partes intervenientes o amplo exercício dos seus direitos processuais.

2.Do despacho sob censura recursiva.

Insurgem-se os Apelantes contra a decisão recorrida, uma vez que o Tribunal, imediatamente antes da data designada para a audiência preliminar (mais propriamente, na véspera da mesma), entendeu estar-se perante um erro na forma de processo (o que os Autores/Apelantes até aceitam), pois a adequada seria a do inquérito judicial prevenida pelo artigo 67º do CSComerciais, tendo anulado todo o processado e absolvido o Réu da instância, nos termos do artigo 288º, nº1, alínea b) do CPCivil, ao invés de ter adequado formalmente o processado tal como preceitua artigo 265°-A daquele mesmo diploma.

Vejamos.

Efectivamente, tal como se deixou consignado no despacho recorrido, parafraseando o Ac STJ de 4 de Julho de 2002 (Relator Oliveira Barros), in www.dgsi.pt «A questão proposta nesta acção prende-se com a doutrina do acórdão do S. T. J. de 22/11/95, CJSTJ, III, 3°, 113, - já, aliás, adiantada também no de 22/4/95, e o de 28/3/95, BMJ 445/569 (-II; v.570-6.2.) (1) .
Conforme aí elucidado, afastado então o entendimento jurisprudencial dominante na vigência da lei anterior (designadamente, do Código Comercial e da Lei das Sociedades por Quotas - Lei de 11 de Abril de 1901), com entrada em vigor do Código das Sociedades Comerciais, o meio próprio para exigir a prestação de contas da gerência de sociedade comercial é o inquérito previsto no art.67° desse Código, não podendo desde então, ao contrário do anteriormente entendido (V., por todos, com os aí citados, AcSTJ de 25/10/88, BMJ 380/496), exigir-se pelo processo regulado o art. 1014° ss CPC, a que pertencem as disposições citadas ao diante sem outra indicação (V. bem assim., ARE de 28/1/93 , CJ, XVIII, 1º, 270).».

E, de facto assim seria, pois dúvidas não se suscitam que o meio processual adequado seria o de inquérito, aludido no artigo 67º do CSComerciais e não o de prestação de contas, regulado no artigo 1014º e seguintes do CPCivil, pois o inquérito às contas é a única forma de reagir à falta das mesmas após a entrada em vigor daquele diploma societário, cfr Código das Sociedades Comerciais Anotado, coordenação António Menezes Cordeiro, 2ª edição, 2011, 266 e do mesmo Autor, Introdução Ao Direito Da Prestação De Contas, 2008, 110.

O erro na forma de processo, constitui uma nulidade processual, conduzindo a sua verificação, à inutilização de todos os actos processuais praticados que não possam ser aproveitados, para que o processo se aproxime, o mais possível, da forma estabelecida na Lei, artigo 199º do CPCivil.

Daqui deflui que o vício em razão do erro na forma de processo aplicável, pode ser conhecido até à sentença final se não houver despacho saneador, nos casos em que o Juiz não tenha contacto com os autos a não ser naqueles momentos, devendo, todavia, ser conhecida logo que seja suscitada, artigo 206º, nº2 e 3 do CPCivil, cfr Lebre de Freitas, João Redinha, Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, 1999, volume 1º, 357.

In casu, é preciso frisar que o Réu arguiu a excepção em sede contestação.

Conforme enunciamos supra, a acção de prestação forçada de contas constitui um processo especial que pode seguir uma de duas fases: uma sumária, fazendo-se aplicar as normais referentes aos incidentes da instância; uma outra à qual, não obstante se continue dentro do processo especial, se fazem aplicar os termos do processo comum segundo o valor da acção, posteriores aos articulados, por forma a garantir às partes o pleno exercício dos seus direitos a nível processual.

Daqui se abarca que o processo especial de prestação de contas, não comporta despacho saneador, embora este despacho possa vir a ter lugar se for declarada a complexidade da questão suscitada. Todavia, essa ocorrência é fruto da decisão daquela questão prévia, qual é a de o próprio Tribunal declarar, findos os articulados, que não pode decidir indiciariamente, e que por isso os autos prosseguirão os termos do processo comum aplicável segundo o valor da causa, sendo que in casu os autos passaram a seguir os termos do processo ordinário de declaração.

O facto de o Tribunal recorrido ter determinado que os autos prosseguissem com tal forma de processo, queria significar que, por força da mesma, era suposto que fosse proferido, além do mais, um despacho saneador, o que igualmente ficou determinado aquando da designação da audiência preliminar (veja-se que um dos fins prevenidos seria o da alínea d) do artigo 508º-A, nº1, do CPCivil, prolação do despacho saneador).

Ora, tendo o Tribunal recorrido proferido aquele despacho, findos os articulados, a ordenar que os autos prosseguissem os termos subsequentes do processo comum ordinário, o que foi notificado às partes, tendo transitado em julgado, nos termos do disposto no artigo 677º do CPCivil, ficou precludida a possibilidade de o Tribunal, subsequentemente, aferir do erro na forma de processo aplicável, questão esta da qual o Tribunal deveria ter tomado desde logo conhecimento porque suscitada pelo Apelado em sede de contestação e de harmonia com o disposto no artigo 206º, nº2 e 3 do CPCivil, sendo certo que vai neste sentido o supra mencionado Acórdão do STJ de que a decisão recorrida se socorreu.

Aqui chegados, três pequenas observações a fazer ao despacho recorrido.

A primeira é a de que tendo sido designada uma audiência preliminar para conhecimento, além do mais, das excepções dilatórias arguidas pelo Réu/Apelado (alínea b) do nº1 do artigo 508º-A do CPCivil, como se deixou consignado no despacho de fls 1997), não se justificaria a prolação do despacho sob censura na véspera de tal diligência, dando-a sem efeito, onde sempre se poderiam discutir com os intervenientes processuais as questões suscitadas nos autos (e a questão do erro na forma de processo foi levantada em sede de contestação), o que constituiu, além do mais, uma decisão surpresa, situação esta de evitar porque a tal se opõem os princípios processuais enformadores do nosso processo civil, maxime, o principio da cooperação. Impor-se-ia, ao abrigo deste princípio inserto no artigo 266º, nº1, o CPCivil, uma actuação diversa do Tribunal neste conspectu, o qual deveria ter aguardado pelo dia seguinte, dia designado para a audiência preliminar, a fim de nessa diligência discutir com as partes os vários problemas postos nos autos, porque este princípio destina-se a transformar o processo civil numa “comunidade de trabalho”, cfr Miguel Teixeira de Sousa, in Estudos Sobre O Novo Processo Civil, 64.

E, quiçá, se assim tivesse acontecido, talvez o Tribunal recorrido, juntamente com os interessados, tivesse chegado a uma outra solução, mais consentânea com as disposições legais aplicáveis, porque, como se costuma dizer «da discussão nasce a luz», evitando-se desta sorte, quer a decisão tomada, quer o recurso interposto.

A outra perplexidade suscitada pelo despacho impugnado é a de que o mesmo, salvo o devido respeito por melhor opinião, não cumpre o normativo inserto no artigo 659º do CPCivil: não contem a identificação das partes, nem do objecto do litígio, nem tão pouco das questões a resolver; omite os fundamentos de facto decisivos para a decisão; a fundamentação jurídica aparece-nos numa amálgama de decisões de Tribunais superiores, sem a mínima sequência lógica.

A terceira e última observação é a de que, mesmo que o despacho sob recurso pudesse ser ainda proferido (não podia como já se explicou), a solução nunca poderia ser aquela a que se chegou, isto é, a absolvição da instância, tout court, por força da aplicação do princípio da adequação formal a que alude o artigo 265º-A do CPCivil, como vem esgrimido pelos Apelantes em sede recursiva, sendo mister a audição das partes para o efeito, cfr Lebre de Freitas, João Redinha, Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, 1999, volume 1º, 343/471.

Acrescenta-se ainda que, neste particular, tendo o Tribunal recorrido concluído pela nulidade do processado face ao erro na forma de processo, nunca poderia ter analisado da bondade do Requerimento Inicial, para o processo de inquérito judicial que entendia ser o correcto no caso concreto, pois tal apreciação sempre impenderia sobre o Tribunal competente para o apreciar, tendo a instância recorrida apreciado questão que extravasava a sua competência: se havia erro na forma de processo, o problema era de forma e não de fundo, sendo que a apreciação daquele prejudicaria o conhecimento deste.

Todas estas incongruências conduzem, necessariamente, à procedência do recurso interposto, embora, por razões diversas.

Como se expôs supra, a decisão proferida a 21 de Dezembro de 2007 a determinar que a causa passasse a seguir os termos do processo ordinário de declaração, fez caso julgado formal, e independentemente da sua bondade a mesma vinculou o Tribunal e as partes, «facit de albo nigrum, …aequat quadrata rotundis…», Chiovenda citado por Manuel de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, 1976, 305.

Por isso não poderia o Tribunal subsequentemente, declarar que a forma de processo não era a adequada, nos termos do disposto no artigo 675º, nº1 do CPCivil.

3.Das questões levantadas pelo Apelado em sede de contra alegações: i) irregularidade da representação da Autora sociedade; ii) ampliação do objecto do recurso às restantes excepções suscitadas na contestação.

3.1.Da irregularidade da representação da Autora R, Lda.

O Recorrido impugna a legitimidade do Apelante R P para emitir a procuração forense que passou à Sra Dra L, nome da sociedade R, Lda, uma vez que esta sociedade, como se verifica do seu pacto social e como afirmam os Recorrentes obriga-se "com a assinatura do gerente A ou com a assinatura do gerente R P, por delegação daquele conferida por procuração". Ora, não tendo o Recorrido conferido ao Recorrente R P, poderes de representação da sociedade R, Lda, aquela procuração é ilegal.

Vejamos.

Deflui da matéria considerada como provada e com interesse para a decisão deste ponto controvertido, que:
“No artigo décimo primeiro do contrato de sociedade da Autora, havido em 28 de Julho de 1987, estipulou-se o seguinte «A gerência da sociedade e a sua representação, em juízo e fora dele, são confiadas aos três sócios, que desde já ficam nomeados gerentes, com dispensa de caução e com a remuneração que for fixada em Assembleia Geral.», cfr teor de fls 60 a 85”;
e ainda que:
“A Autora é uma sociedade comercial por quotas, da qual o Autor R P e o Réu A são actualmente os únicos sócios, teor de fls 76 a 79”.

No que se reporta à representação das sociedades em juízo, preceitua o artigo 21º, nº1 do CPCivil que a mesma pertence às pessoas que «a lei, os estatutos ou o pacto social designarem».

Como se deixou consignado supra, a representação da sociedade em juízo ficou confiada, no pacto social, aos seus gerentes, sendo que o Autor/Apelante, bem como o Réu/Apelado, são actualmente os dois únicos sócios gerentes e por isso qualquer um deles tem aqueles poderes, os quais, no caso, porque a sociedade é Autora, foram conferidos à Ilustre mandatária em exercício pelo co-Autor/Apelante.

Ora tais poderes de representação nada têm a ver com a forma de obrigar a sociedade nos seus actos e contratos, a qual, como decorre do pacto social, apenas ocorre com a assinatura do Réu, ou com a assinatura do Autor por delegação daquele conferida por procuração, cfr fls 78.

A representação em juízo da sociedade mostra-se efectuada de acordo com a Lei e o pacto social, improcedendo a argumentação do Apelado quanto a este particular.

3.2.Da ampliação do objecto do recurso, quanto às restantes excepções levantadas na contestação.

Invoca o Apelado, nas suas contra alegações, o facto de sentença sob recurso não ter apreciado todas as excepções deduzidas em sede de contestação, as quais na sua tese constituiem fundamentos da improcedência da acção em causa e por essa razão, ao abrigo do disposto no art. 684°- A do Código de Processo Civil, requer a apreciação dessas excepções, ampliando-se, desta forma, o âmbito do presente recurso.

Dispõe o artigo 684º-A, nº1 do CPCivil, aplicável ao recurso de Agravo ex vi do disposto no artigo 749º do mesmo diploma que «No caso de pluralidade de fundamentos da acção ou da defesa, o tribunal de recurso conhecerá do fundamento em que a parte vencedora decaiu, desde que esta o requeira, mesmo a título subsidiário, na respectiva alegação, prevenindo a necessidade da sua apreciação.».

Daqui decorre que só é possível conhecer das questões suscitadas na contestação, em sede de ampliação do recurso, se tais questões tiverem sido objecto de apreciação pelo Tribunal recorrido e julgadas improcedentes, cfr José Lebre de Freitas, Armindo Ribeiro Mendes, Código de Processo Civil Anotado, volume 3º, 2003, 36.

No caso sub specie, a decisão recorrida não se chegou a pronunciar sobre as restantes excepções invocadas pelo Apelado, posto que conheceu da excepção de erro da forma de processo e pela sua procedência, o que prejudicou a necessidade de apreciação das demais questões, pelo que o pedido de ampliação é manifestamente improcedente, o que se decide.

III Destarte, embora com fundamentação diversa, dá-se provimento ao Agravo revogando-se em consequência o despacho recorrido, repristinando-se o despacho que designou dia para a audiência preliminar e com as finalidades nele consignadas, devendo ser agendado novo dia para o efeito, não se conhecendo da ampliação do objecto do recurso requerida pelo Apelado por falta de fundamento legal.

Custas pela parte vencida a final.

Lisboa, 30 de Junho de 2011

Ana Paula Boularot
Lúcia de Sousa
Luciano Farinha Alves