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PROPRIEDADE HORIZONTAL
ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
DELIBERAÇÃO
MANDATO
CASA DE PORTEIRO
EXTINÇÃO
FRACÇÃO AUTÓNOMA
Sumário
1- A deliberação de AG de condóminos que deliberou por unanimidade transformar a casa da porteira em fracção autónoma, proceder à sua venda aos RR como anteriormente acordado e mandatar a administração para outorgar as escrituras , consubstancia um projecto negocial caracterizado pela extinção de um encargo do condomínio (a existência de um trabalhador assalariado – a porteira), acrescida, ainda, de uma receita extraordinária (a destinação ao fundo comum de reserva do preço da fracção autónoma em que se vem a transformar a casa da porteira), a que corresponde uma situação vantajosa da porteira (que tem oportunidade de adquirir habitação própria por um preço vantajoso e mantém o seu nível de rendimento pela celebração de contrato de prestação de serviços). 2- Tal projecto negocial é expressamente assumido pela unanimidade dos condóminos que, atento o conteúdo da deliberação e o disposto nos artigos 236º e 1420º do CCiv, actuando enquanto comproprietários das partes comuns, expressaram a intenção de substituir a situação da porteira por prestação de serviços e o acordo em transformar a casa da porteira em fracção autónoma , e enquanto proprietários exclusivos da futura fracção autónoma , decidiram que a mesma seria vendida à ex-porteira consistindo o respectivo preço contribuição para o fundo comum de reserva. 3- Em ambas as qualidades, mandataram os condóminos o administrador do condomínio para praticar os actos necessários para a concretização do decidido, abrangendo o mandato conferido ao administrador os poderes para a cerebração do contrato promessa uma vez que este é um acto socialmente típico do negócio em causa.
Texto Integral
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:
I – Relatório
A - Condomínio do Prédio ……, Lisboa intentou acção declarativa sob a forma de processo ordinário contra B e marido C pedindo a condenação dos RR a reconhecerem ser parte comum do referido prédio o 6º andar esquerdo que ocupam, ser ineficaz relativamente ao condomínio o contrato promessa de compra e venda desse 6º andar esquerdo (casa da porteira) que os RR celebraram, e a, consequentemente, entregarem-no livre e devoluto, bem como em indemnização pela ilícita ocupação que dele vêm fazendo.
Os RR contestaram, opondo-se à pretensão do A., por terem justo título de ocupação do imóvel e actuar a A. em abuso de direito, e, em reconvenção, peticionaram a condenação do A. (e de alguns ou todos os condóminos) a pagar-lhes € 40.635,53 por incumprimento do contrato promessa, bem como a remuneração convencionada para a sua prestação de serviços desde MAI2004 até ao trânsito da sentença, a devolver-lhes € 859,41 que entregaram a título de participação da nova fracção nos encargos do condomínio, a reconhecerem o seu direito de retenção sobre o imóvel e, ainda, como litigante de má-fé.
A final foi proferida sentença que, considerando o contrato promessa ineficaz relativamente ao A. e a inexistência de abuso de direito, julgou a acção procedente e a reconvenção improcedente.
Inconformados, apelaram os RR concluindo, em síntese, por ofensa de caso julgado e erro de julgamento.
Houve contra-alegação onde se propugnou pela manutenção do decidido.
II – Questões a Resolver
Consabidamente, a delimitação objectiva do recurso emerge do teor das conclusões do recorrente, enquanto constituam corolário lógico-jurídico correspectivo da fundamentação expressa na alegação, sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio.
De outra via, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando, assim, ius novarum, i.e., a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo.
Ademais, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas – e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito – de todas as “questões” suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respectivo objecto, exceptuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras.
Assim, em face do que se acaba de expor e das conclusões apresentadas, são as seguintes as questões a resolver por este Tribunal:
- da ofensa do caso julgado;
- do erro de julgamento;
- das repercussões de tal erro na apreciação do pedido reconvencional.
III – Fundamentos de Facto
Porque não impugnada, a factualidade relevante é a fixada em 1ª instância (fls 627-643), para a qual se remete nos termos do artº 713º, nº 6, do CPC.
Haverá, no entanto, que a tal elenco acrescentar o que resulta do documento de fls 126 e 234 e que só por lapso não foi levado aos factos assentes do seguinte teor:
Em 24.09.1998, José ……, identificando-se como proprietário da fracção “D”, proferiu a declaração constante de fls 125, na qual declara: “Concordo integralmente com a deliberação tomada pela Assembleia de Condóminos de 30.01.1998, relativa à supressão da porteira e passagem desta a mera prestadora de serviços e alteração do título constitutivo da propriedade horizontal, no sentido da casa de porteira passara a constituir uma fracção autónoma”.
IV – Fundamentos de Direito
Segundo os recorrentes não podia a sentença recorrida considerar o contrato promessa ineficaz relativamente ao A. porquanto o contrário já havia sido considerado em decisão proferida na audiência preliminar, transitada em julgado.
Para que haja violação de caso julgado importa que ocorram duas decisões contraditórias sobre a mesma pretensão, sobre a mesma questão concreta, sobre o mesmo pedido – cf artº 675º do CPC.
No caso dos autos as diferentes apreciações sobre a eficácia do contrato prometido efectuadas na audiência preliminar e na sentença não se reportam a decisões sobre a mesma questão; na audiência preliminar apreciavam-se os requisitos de admissibilidade da reconvenção, enquanto que na sentença se apreciava a pretensão reivindicatória do A.. Entre a admissibilidade da reconvenção e a decisão da causa não ocorre qualquer contradição.
Não ocorre, pois, violação de caso julgado.
No que concerne ao erro de julgamento, importa começar por relembrar a situação factual apurada:
A Ré mulher era assalariada do condomínio, exercendo as funções de porteira com direito, por via dessas funções, a usufruir do agora reivindicado 6º andar esquerdo como ‘casa da porteira’ (Factos 4 e 9).
Em Assembleia Geral realizada em 30JAN98, onde estiveram presentes ou representados os condóminos de todas as fracções, excepto das fracções C e E, foi deliberado, por unanimidade, suprimir a actividade de porteira substituindo-a por prestação de serviços, transformar a casa da porteira em fracção autónoma e mandatar a administração para levar a cabo os procedimentos necessários com vista a concretizar o deliberado bem como a vender àquela que vinha desempenhando as funções de porteira aquela futura fracção autónoma, pelo preço de 1.750 contos que reverteriam para o Fundo Comum de Reserva (facto 7).
Em 24SET98 o condómino da fracção D emitiu declaração segundo a qual concordava com o deliberado na AG de 30JAN98 relativamente à supressão da porteira e criação de nova fracção autónoma (Facto supra aditado)
Em 23OUT98 o condómino da fracção C emitiu declaração segundo a qual concordava com o deliberado na AG de 30JAN98 relativamente à supressão da porteira e criação de nova fracção autónoma (Facto 17).
Declaração expressa de concordância com tal deliberação foi prestada por todos quantos, entretanto, vieram a adquirir direitos sobre as fracções autónomas que compõem o edifício (Factos 11, 12, 14, 15, 16, 18, 19, 20, 23, 26, 27 e 28).
Em 26OUT98 foi celebrado um contrato segundo o qual a Ré mulher se comprometia a assegurar ao condomínio a limpeza e segurança diária mediante a remuneração equivalente ao salário mínimo nacional deduzido do valor da ocupação da casa até á data da sua venda à prestadora de serviços (Facto 21).
Em 27OUT98 a Ré mulher declarou pretender “passar à situação de condómina logo que esteja autorizado o pedido de supressão da porteira, deixando de exercer as minhas funções” (Facto 22)
Em 20JUL99 o administrador do condomínio, em nome deste e de todos os condóminos, prometeu vender aos RR a fracção autónoma em que se viria a tornar a casa da porteira, tendo estes logo pago metade do preço acordado (Factos 24 e 25).
A CML autorizou a supressão da porteira (Factos 29 e 43).
Em AG realizada a 12JAN2000, estando representado 940/1000 do valor do edifício, foi deliberado por unanimidade ratificar tudo quanto tinha sido deliberado anteriormente quanto à venda da casa da porteira (facto 30).
Na AG realizada em 10ABR2000, e que contou com a presença da Ré mulher, foi deliberado por unanimidade a inclusão da futura fracção “AD” (ex-casa da porteira) nos cálculos das contribuições para as despesas do condomínio (Facto 31).
Na AG realizada em 21MAI2001, em que estiveram presente todos os condóminos com excepção da fracção “Z” foi deliberado por unanimidade transformar a casa da porteira em fracção autónoma, proceder à sua venda aos RR como anteriormente acordado e mandatar a administração para outorgar as escrituras (Facto 32).
De tal acervo factual ressalta a existência de um projecto negocial, que foi aliás usual em situações de propriedade horizontal, caracterizado pela extinção de um encargo do condomínio (a existência de um trabalhador assalariado – a porteira), acrescida, ainda, de uma receita extraordinária (a destinação ao fundo comum de reserva do preço da fracção autónoma em que se vem a transformar a casa da porteira), a que corresponde uma situação vantajosa da porteira (que tem oportunidade de adquirir habitação própria por um preço vantajoso e mantém o seu nível de rendimento pela celebração de contrato de prestação de serviços).
Tal projecto negocial é expressamente assumido pela unanimidade dos condóminos presentes na AG de 30JAN98 que, atento o conteúdo da deliberação e o disposto nos artigos 236º e 1420º do CCiv, actuando enquanto comproprietários das partes comuns expressaram a intenção de substituir a situação da porteira por prestação de serviços e o acordo em transformar a casa da porteira em fracção autónoma e enquanto proprietários exclusivos da futura fracção autónoma que a mesma seria vendida à ex-porteira consistindo o respectivo preço contribuição para o fundo comum de reserva. E em ambas as qualidades mandataram o administrador do condomínio para praticar os actos necessários para a concretização do decidido.
Os factos subsequentes evidenciam a execução desse mandato.
Com efeito, sendo necessário o acordo de todos os condóminos para a constituição de uma nova fracção autónoma, são emitidas declarações de concordância com a deliberação tomada pelos dois condóminos que não estiveram presentes na AG (procedimento que está de acordo com os requisitos formais determinados pelo artº 1432º, nºs 5 a 8, do CCiv); e, daí em diante, todas as alterações na titularidade das fracções que ocorreram deram lugar à emissão de declaração de concordância com tal deliberação pelo novo titular.
Por outro lado formaliza-se a adesão da porteira ao projecto negocial em curso com a celebração de um contrato de prestação de serviços (que substitui o anterior contrato de trabalho, tendo em vista a aquisição da casa da porteira, conforme sobressai da concomitante declaração).
E intenta-se o procedimento administrativo com vista à autorização municipal para supressão da porteira.
Em JUL99 o administrador do condomínio, em representação deste e dos próprios condóminos, como ficou expresso no texto do contrato, celebrou com a Ré contrato promessa de compra e venda da casa da porteira, tendo logo recebido metade do preço acordado.
Todo este comportamento constitui um acordo negocial vinculativo entre o A. (na perspectiva de indissociável conjunto de comproprietários de partes comuns e donos exclusivos de futura fracção autónoma) e a Ré, firmado por quem tinha poderes para o efeito.
O mandato conferido ao administrador do condomínio para realizar os actos necessários para a concretização do decidido abrange os poderes para a cerebração do contrato promessa uma vez que este é um acto socialmente típico do negócio em causa; sendo que a adesão posterior dos dois condóminos ausentes ao teor da deliberação abrange também o mandato para a sua execução.
Mas ainda que porventura assim se não entendesse sempre a actuação do administrador do condomínio se haveria de considerara ratificada (artº 268º do CCiv).
Com efeito outro sentido não pode ser dado à actuação dos condóminos que, certamente não desconhecendo a celebração do contrato promessa e muito menos que a parte do preço entretanto paga havia ingressado no fundo comum de reserva, reiteradamente ratificaram a situação (AG’s de 12JAN2000 e 21MAI2001), atribuindo à Ré a situação de condómina, participando nas reuniões e contribuindo para as despesas comuns (AG de 12ABR2000).
E considerando-se vinculativo o contrato promessa de compra e venda do bem ora reivindicado é imperioso concluir-se que a Ré tem título justificativo da ocupação que dele vem fazendo, não podendo manter-se a decisão recorrida.
Com efeito começou por ocupá-lo como casa de função em face da relação de trabalho assalariado; tendo em vista a aquisição do imóvel a título de propriedade conforme acordado com o condomínio empregador, aceitou substituir a sua situação de trabalhador assalariado com casa de função por prestador de serviço com pagamento parcial em espécie (continuando a usufruir da mesma habitação); situação que consolidou com a celebração de um contrato promessa de compra e venda da mesma habitação mediante a entrega de metade do preço acordado, pelo que pressuposta a continuidade da situação, sendo de considerar a ocorrência de tradição do objecto prometido vender.
Por outro lado, ainda que se considerasse a inexistência de título justificativo da ocupação do local reivindicado, sempre se estaria perante uma situação de abuso do direito por banda do A. dado ocorrer uma situação de investimento na confiança (renúncia a uma posição jurídica e entrega de metade do preço para aquisição de habitação própria em função de um compromisso assumido pela entidade patronal e que foi reiteradamente afirmado e executado ao longo do tempo), impeditiva do sucesso da acção.
Da procedência da apelação resulta a necessidade de apreciar o pedido reconvencional dos RR, consistente em indemnização, reconhecimento de direito e repetição, em função do incumprimento do referido contrato promessa de compra e venda.
Não resultando dos autos que o contrato promessa de compra e venda esteja definitivamente incumprido falha o pressuposto essencial daquele pedido reconvencional, sendo manifesta a sua improcedência.
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V – Decisão
Termos em que, na procedência da apelação, se revoga parcialmente a sentença recorrida e, em substituição, se julga a acção improcedente, confirmando-se a decretada absolvição do pedido reconvencional.
Custas da acção, em ambas as instâncias, pelo Autor.
Custas da reconvenção, em ambas as instâncias, pelos RR.