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ARBITRAGEM VOLUNTÁRIA
NULIDADE DE ACÓRDÃO
FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
PRINCÍPIO DA AQUISIÇÃO PROCESSUAL
EMPREITADA
CONTRATO DE EMPREITADA
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
INDEMNIZAÇÃO
Sumário
1. A arbitragem voluntária permite uma maior liberdade de criação de regras de tramitação processual mais flexíveis e adequadas à resolução do conflito, afastando as formas rígidas do processo civil, tendo como limite apenas os princípios consagrados no artigo 16º da Lei nº 31/86, de 29 de Agosto 2. A fundamentação das decisões, quer de facto, quer de direito, proferidas pelos tribunais estará viciada caso seja descurado o dever de especificar os fundamentos decisivos para a determinação da sua convicção, já que a opacidade nessa determinação coloca em causa as funções de ordem endoprocessual e extraprocessual que estão ínsitas na motivação da decisão. 3. Por força do Princípio das Aquisição Processual consagrado no artigo 515º do CPC, o Tribunal pode tomar em consideração todos os dados de facto relevantes, podendo fundar a sua convicção não exclusivamente nos meios concretos de prova indicados para cada quesito, podendo aproveitar-se de depoimentos de testemunhas para fundamentar respostas a quesitos para cuja prova não foram indicadas, designadamente, se os depoimentos prestados se relacionem com a matéria desses outros quesitos. 4. Muito embora num contrato de empreitada a obrigação principal do dono da obra resida no pagamento do preço, impende sobre ele deveres de colaboração, cuja violação acarreta mora acipiendi nos termos do artigo 813º e seguintes do Código Civil 5. A extinção do contrato de empreitada, por desistência do dono da obra, traduz-se numa faculdade discricionária, que pode ser tácita, não carecendo de fundamento, nem de pré-aviso e assume eficácia ex nunc. (Sumário elaborado pela Relatora)
Texto Integral
ACORDAM OS JUÍZES DA 2ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA
I. RELATÓRIO
“A” – ENGENHARIA E OBRAS, L.DA., com sede no ..., ..., ..., demandou “B” – EMPREENDIMENTOS TURÍSTICOS, S.A., com sede no ..., nº …, no ..., perante Tribunal Arbitral, constituído ao abrigo da Lei nº 31/86, de 19 de Agosto, pedindo a condenação da demandada a pagar-lhe a quantia de € 527.447,32, acrescida de juros vincendos até integral pagamento.
Fundamentou, a demandante, no essencial, esta sua pretensão nos seguintes termos:
1. Demandante dedica-se à construção de edifícios e empreitadas de obras públicas e a demandada dedica-se à gestão de empreendimentos turísticos.
2. Em 18 de Agosto de 2005 a Demandada e a Demandante celebraram um contrato de empreitada nos termos do qual aquela, na qualidade de entidade promotora, incumbiu a Demandante, na qualidade de empreiteiro, dos trabalhos de empreitada relativos à ampliação de uma unidade hoteleira gerida pela Demandada, in casu, o “Hotel “C””, na Madeira.
3. Em 2004 a Demandante estava encarregada de várias empreitadas de construção de moradias e construção da estrutura de betão e outros trabalhos do Complexo de Ténis na Ilha de ....
4. Durante a execução dessas empreitadas a “A” foi pessoal e directamente abordada por um colaborador da Demandada no sentido de apresentar um orçamento para as obras dos autos.
5. Na sequência desse contacto foi promovida uma reunião entre as partes, que teve lugar nos escritórios da Demandada, no ... e no decurso dessa reunião negocial, a Demandada entregou à Demandante um conjunto de desenhos e um mapa de resumo de quantidades como base de trabalho para o orçamento a apresentar, em regime de preços unitários.
6. E informou que as soluções construtivas a adoptar na obra de ampliação iriam ser, no futuro, simplificadas com o intuito de reduzir os custos.
7. Tal intenção decorreu da circunstância, de que a Demandante veio posteriormente a ter conhecimento, de a Demandada ter consultado anteriormente o mercado, tendo-lhe sido apresentados valores demasiado elevados para o investimento que pretendia realizar.
8. Na reunião ficou estabelecido que o projecto final seguiria soluções arquitectónicas mais simples do que as contempladas nos elementos disponibilizados. E que, com vista à redução dos custos, se iria optar pela utilização de materiais de preço unitário mais baixo, e mais usuais no mercado, do que os elencados no mapa resumo de quantidades.
9. Com vista a corresponder ao objectivo declarado pela Demandada de executar a obra a baixo preço, a Demandante apresentou os seus melhores preços para a empreitada.
10. A elaboração do orçamento teve por base as explicações veiculadas pela Demandada na referida reunião onde se abordou, nomeadamente: i) a metodologia da orçamentação (regime de preços/quantidades); ii) a proveniência e origem dos diversos materiais a utilizar de modo a permitir a sua execução a preço consentâneo com os montantes que a Demandada se propunha investir; iii) a futura reformulação do projecto no sentido de simplificar as soluções arquitectónicas, diminuindo o volume do trabalho e adoptando materiais mais triviais e usuais no mercado (o que nunca veio a suceder).
11. Depois de apresentada a proposta orçamental, a Demandada solicitou à Demandante que devolvesse o conjunto de desenhos disponibilizados.
12. A Demandante apresentou o orçamento sem ter tido conhecimento de que teria havido um procedimento tendente à escolha do adjudicatário através de anúncios, convites escritos ou outro qualquer expediente.
13. O orçamento apresentado foi recebido com agrado por parte da Demandada, tanto assim que rapidamente foi adjudicada a obra e celebrado o contrato de empreitada dos autos.
14. Apesar de as partes terem explicitamente convencionado na cláusula 2ª do contrato que o regime de empreitada seria o do “preço global”, a verdade é que o orçamento elaborado para a execução dos trabalhos, e que esteve na origem da adjudicação da obra, seguiu o regime de “séries de preço” (preços/quantidades).
15. Como é do conhecimento da Demandada, esse orçamento foi elaborado com base em peças desenhadas e mapas de quantidade que não correspondiam ao projecto que, a final, se pretendeu implantar.
16. Com o evoluir da execução, o dono da obra e seus projectistas vieram a optar por soluções mais onerosas, em vez da simplificação.
17. A verdade é que os elementos de que a Demandante estava munida para elaborar o orçamento que apresentou como proposta, e cujo preço final ficou consignado no contrato (€ 1.869.411,13), não permitiam “determinar a natureza e as quantidades dos trabalhos a executar, bem como os custos dos materiais e da mão de obra a empregar”.
18. Daí que, na missiva enviada pela Demandante em 24 de Outubro de 2005, fosse solicitado à Demandada que fornecesse “todos os projectos de execução, o mais urgente possível, devidamente corrigidos, quer no que entretanto foi adicionado/alterado, quer do que foi suprimido, espelhando, inequivocamente, a pretensão final da obra a executar e permitindo proceder à correcção, adição ou supressão de preços/quantidades, corrigindo o valor global da empreitada, para mais ou para menos”.
19. Até porque, como a Demandante escreveu nessa missiva, “a programação e o planeamento da sua execução de forma clara, inequívoca e coordenada dependem, em grande medida, da posse das referidas peças, pelo que, sem que tal suceda, não nos é possível efectuar e prosseguir com o planeamento global da empreitada, coordenando tarefas, consultando fornecedores, adquirindo materiais e fazendo-os chegar a ..., incorporando-os em obra dentro dos “timings” mais adequados”.
20. Apenas alguns dias antes da outorga do contrato, e não obstante o orçamento apresentado repousar num regime de “séries de preço” (preços/quantidades), para o tipo de trabalhos que havia sido explicado que pretenderiam, a Demandante foi telefonicamente informada do propósito de o contrato a celebrar seguir o regime de “preço global fixo”, tendo a Demandada justificado essa intenção com o objectivo de se candidatar a uma comparticipação financeira através do programa ““D””, que estabelecia como condição que a empreitada fosse adjudicada em regime de preço fixo, e que as alterações (trabalhos a mais ou qualquer outro custo) seriam suportadas pela sociedade promotora.
21. Nesta conformidade, a Demandante anuiu a essa solicitação, desde logo deixando claro que para tanto teriam de ser fornecidos todos os elementos atinentes ao projecto (desenhados e escritos) onde se estabilizassem as características da empreitada.
22. Tudo isto com o objectivo de se dar relevo aos “erros ou omissões do projecto” por forma a compatibilizar o preço com os serviços prestados e o material empregue.
23. Tudo isto acertado, no dia da assinatura do contrato, a Demandada justificou a não entrega dos exemplares completos do projecto a consignar com a circunstância de os projectistas estarem a organizar, a corrigir e a adequar os projectos de execução ao que havia sido indicado e orçamentado, comprometendo-se a expedi-los nos dias seguintes, devidamente assinados.
24. A Demandante ficou na expectativa de que lhe fossem fornecidos exemplares autenticados e firmados pelo dono da obra que fixassem a empreitada, nomeadamente os projectos, caderno de encargos e memória descritiva.
25. Todavia, nem “nos dias seguintes” à outorga do contrato, nem em consequência do reiterado compromisso assumido em reunião havida em 15 de Outubro de 2005, nem depois de sucessivamente interpelada por via epistolar e telefónica se dignou a Demandada fornecer tais elementos.
26. Só em 30 de Novembro de 2005, por carta, veio a Demandada fornecer os primeiros elementos projectivos, a saber:
· peças desenhadas relativas a fundações e estruturas de betão armado; águas e esgotos.
· 1 fascículo com medições da rede de distribuição de água; 1 fascículo com resumo das medições das fundações e estrutura; 1 fascículo com resumo de quantidades.
27. Face à insuficiência de elementos, em carta datada de 9 de Dezembro de 2005, a Demandante acusou especificadamente a recepção dos supracitados elementos e comunicou à Demandada: “Não nos foi enviada qualquer Memória Descritiva ou Caderno de Encargos referente a estes projectos/documentos”.
28. Devido à continuada não entrega dos elementos tidos por essenciais para estabilizar a relação contratual, e perante a necessidade legal de, em tempo útil, apresentar as pertinentes “reclamações quanto a erros e omissões do projecto”, e ainda na perspectiva de uma sã relação entre as partes, escreveu nessa mesma carta a Demandante: “dado que não é possível proceder a uma avaliação global do projecto pelo facto de não nos ter o mesmo sido ainda fornecido, de modo a permitir uma mais célere apreciação dos erros e omissões, faremos a sua identificação à medida que os ditos elementos e definições do projecto nos sejam fornecidos ou deles venhamos a ter perfeito conhecimento. Assim, face à documentação recebida, vimos pela presente enviar a V.Ex.as o dossier de erros e omissões, mas apenas relativamente aos projectos acima descritos, ou seja, fundações e estruturas de betão armado e águas e esgotos”.
29. Com essa carta seguiu o “Relatório de Erros e Omissões referentes aos projectos de fundações e estrutura de betão armado e águas e esgotos”, composto por Memória Descritiva e Anexos onde se especificavam os Trabalhos a Mais de natureza imprevista, omissões e diferenças de quantidades em comparação com a lista que servia de base ao orçamento e, por inerência, ao preço acordado no contrato.
30. Reiterando o pedido, escreveu a Demandante: “continuaremos a aguardar o envio dos restantes elementos em falta para que, de igual forma, os possamos analisar e elaborar o respectivo dossier de erros e omissões”.
31. Todavia, os elementos nunca chegaram a ser entregues.
32. Por carta de 12 de Janeiro de 2006, a Demandante insistiu: “apesar das sucessivas promessas de V.Ex.as, o projecto não nos foi ainda fornecido, não se conhecendo em toda a extensão o que se pretende executar, desconhecendo-se a existência de eventuais discrepâncias nas quantidades, erros e omissões, consideradas na lista de preços/quantidades que deram origem à proposta”.
33. Esta falta de especificação e de cumprimento com o acordado implicou a multiplicação de correspondência, desentendimentos e incompreensões relativas a uma multiplicidade de situações: a) relativas a elementos sanitários; b) relativas a alvenarias; c) relativas a revestimento.
34. Igualmente problemática, em resultado da falta de entrega dos elementos projectivos completos, se revelou a aceitação do Relatório de Erros e Omissões relativos a Arquitectura e Estruturas de Madeira enviado em anexo à carta de 29 de Março de 2006, nomeadamente em virtude da indefinição quanto à extensão dos trabalhos de estruturas em madeira lamelada colada a executar, carpintarias, revestimentos de paredes com tijolo “burro” denominado de ladrilho e outras indefinições.
35. É precisamente na sequência de um desentendimento quanto às obras de estruturas de madeira lamelada colada, depois de as mesmas estarem realizadas e não pagas, que a Demandada modifica a sua postura, como resulta do teor da sua carta de 18 de Julho de 2006 em que, pela primeira vez, dá a entender que não estaria disponível para respeitar o acordado no que às adequações de preços face a erros, omissões e trabalhos a mais concerne.
36. Constata-se deste documento que, pela primeira vez, a Demandada imputa à Demandante responsabilidade, acusando-a da “dificuldade em respeitar o preço global fixo” e imputando-lhe “as sistemáticas perturbações e atrasos com significativos prejuízos”.
37. O ponto de ruptura entre as partes ocorre precisamente por altura da aplicação da estrutura de madeira para a cobertura.
38. Na reunião havida a 26 de Fevereiro de 2006, foi discutida a nova (em comparação com a do projecto que serviu de base ao orçamento) versão da cobertura de madeira. Foi a Demandada quem definiu a nova solução projectada e participou na escolha do fornecedor, aceitando o preço por este apresentado para os trabalhos pretendidos e dando ordem à Demandante para proceder à encomenda da estrutura em madeira lamelada para a cobertura.
39. Contudo, o fornecedor da estrutura exigiu o pagamento dos respectivos trabalhos em prazo inferior ao do vencimento das facturas emitidas pela Requerente.
40. Confrontada com tal circunstância, a Demandada comprometeu-se a liquidar uma parte do valor em questão assim que estivessem montadas as estruturas dos “bungalows” e o restante quando toda a estrutura estivesse concluída.
41. A Demandada pagou a primeira parte, conforme se havia comprometido, mas recusou o segundo pagamento a que se havia obrigado, indicando que o liquidaria nos termos habituais, isto é, 22 dias após a emissão da factura.
42. Porém, volvido esse prazo, a Demandada não pagou o valor da factura, devolvendo-a.
43. Verificou-se uma deficiente orientação e fiscalização da obra por parte da Demandada, o que obstou a que pudessem ser ultrapassadas diversas dúvidas e deficiências que se multiplicavam em virtude de não existir um projecto de execução devidamente estabilizado.
44. A Demandante viu-se assim impossibilitada de prosseguir normalmente com a obra devido às indefinições de que se dera conta.
45. O bom andamento dos trabalhos esteve ainda condicionado pela falta da entrada atempada em obra de outras artes adjudicadas a outros empreiteiros, pela inexistência de subempreiteiros em número suficiente para dar cabal cumprimento ao que se lhes exigia e pela falta de acompanhamento, articulação e fiscalização em obra de todos os agentes envolvidos, sendo que, nas mais das vezes, a execução dos seus trabalhos dependia da prévia ou concertada execução dos trabalhos das outras artes.
46. Por via disso, a Demandante sentiu sérias dificuldades em realizar os trabalhos em tempo certo, o que se traduziu em falta de produtividade, que lhe trouxe prejuízos.
47. Tal factualidade foi levada por diversas vezes ao conhecimento da Demandada, quer por escrito, quer em reunião de obra.
48. A este propósito, por carta de 12 de Janeiro de 2006, a Demandante dá conta de um atraso de 3 meses e meio na entrada em obra do empreiteiro das redes eléctricas e do empreiteiro dos sistemas de tubagens e equipamentos das piscinas. E chama igualmente a atenção para a manifesta insuficiência de elementos das equipas a quem cabiam essas funções, sugerindo-se “significativa incrementação”.
49. Após ter sido alertada em 12 de Janeiro de 2006 para tal facto, a Demandada comunicou, através de fax de 7 de Fevereiro de 2006, que a entrada em obra desses empreiteiros se faria a 8 de Janeiro de 2006 (certamente por lapso).
50. Na resposta de 7 de Fevereiro, uma vez mais a Demandante alertou a Demandada que “a evolução destas empreitadas (e das outras) que deveriam prosseguir em simultâneo com a nossa empreitada, não tem ocorrido, situação que naturalmente vem provocando atrasos e perturbações na execução da nossa empreitada”.
51. Como se alcança da cláusula 4ª do contrato de empreitada, os trabalhos deviam ter início em 15 de Setembro de 2005.
52. Na data acordada, a Demandante colocou ao serviço da obra os meios (equipamento e pessoal) necessários para o início dos trabalhos.
53. Todavia, a licença de construção a ser emitida pela Câmara Municipal de ..., cuja obtenção era da responsabilidade da Demandada, apenas veio a ser concedida em finais desse mês de Setembro de 2005. Durante meio mês, a Demandante teve os seus activos paralisados, os quais, não fora o compromisso contratualmente assumido de iniciar a obra em 15 de Setembro de 2005, estariam adstritos a outras obras e funções.
54. Por outro lado, ao arrepio do estabelecido pelas partes, a Demandada não forneceu, durante meses, o alojamento e as refeições diárias do pessoal.
55. A Demandante, para além de ter prematuramente causado a saída de obra da Demandante no seguimento dos dissentimentos, não pagou diversos valores devidos.
56. Assim, a Demandada deve à Demandante a quantia de € 104.586,91 relativa a 6 facturas de trabalhos contratuais emitidas, mas apenas parcialmente pagas, bem como os respectivos juros que, calculados à data de 10 de Setembro de 2008, se cifram em € 21.419,44.
57. Não liquidou os montantes constantes das facturas 60082, 60092 e 60095, apesar de interpelada para o efeito, as quais totalizam a quantia de € 110.696,53, ascendendo os respectivos juros de mora a € 22.668,34.
58. No seguimento da execução de trabalhos extra-contrato, a Demandante emitiu um conjunto de facturas, que a Demandada não pagou, no valor total de € 8.218,58. Os juros ascendem a € 1.800,52. Trata-se de trabalhos não previstos no orçamento e que foram por esta solicitados:
· Factura nº 60067: execução de furação em pedra mármore e abertura de rasgos para caixas;
· Factura nº 60068: trabalhos nas paredes exteriores do Hammam/Nichos;
· Factura nº 60072: execução de negativos na zona de estar do espaço 15 e enchimento com betão, no espaço 19, incluindo betonilha de regularização e revestimento a tijolo.
59. A Demandante procedeu à execução dos trabalhos de construção civil de apoio, nomeadamente na casa das máquinas e no bloco E do empreendimento.
60. Na casa das máquinas executou a selagem no atravessamento das paredes de betão para passagem de tubos de evacuação de água, trabalhos que ascendem a € 765,00. Colocou e forneceu ainda tubagem em PVC de diâmetro 110 com 8 m na ligação do tubo de limpeza ao poço de bombagem, incluindo abertura e tapamento de roço e poço com dimensões aproximadas de 60x60x40 cms, trabalhos e materiais pelos quais a Demandada deve € 485,00.
61. No bloco E a Demandante procedeu à execução de drenagem em tubos de PVC, de acordo com o desenho de arquitectura nos espaços 28 e 29, incluindo ligação do tecto da cave técnica à rede existente, segundo desenho entregue em 27/6/2006. Por esses trabalhos a Demandada deve à Demandante a quantia de € 852,00. A Demandante ainda não emitiu as facturas, pelo que sobre o total de € 2.102,00 acrescerá IVA à taxa legal.
62. Pretende a Demandante proceder à cobrança da quantia de € 41.755,76 + IVA, resultante da revisão de preço calculado nos termos legais, acrescido dos respectivos juros de mora, que ascendem já a € 9.731,12.
63. A Demandante, conforme já deixou alegado, à medida que foi recebendo os projectos finais, elaborou e dirigiu à Demandada os respectivos relatórios de erros e omissões, nos termos dos quais se impunha a correcção do valor orçamentado, face às alterações introduzidas pelo dono da obra. Após a realização dos respectivos trabalhos a Demandante emitiu e apresentou a pagamento as facturas 60056 e 60096, que ainda não foram pagas, no valor global de € 98.668,45, ascendendo os respectivos juros a € 22.181,66.
64. Aquando da saída prematura da obra, única e exclusivamente por razões imputáveis às indefinições e postura de ruptura da Demandada, a Demandante já havia encomendado e pago aos fornecedores diverso material que seria utilizado na obra. Tais materiais vieram a ser posteriormente aplicados na obra pela Demandada, sem indicação da Demandante, pelo que aquela é devedora a esta do montante total de € 41.607,13.
65. Em virtude da saída prematura da obra, imputável à Demandada, a Demandante viu-se impossibilitada de concluir a mesma e de auferir os lucros que o contrato representava.
66. Nos termos inicialmente acordados o valor do contrato ascendia a € 1.869.411,13. O valor dos trabalhos contratados e executados pela Demandante ascende a € 1.496.440,23, o que equivale a dizer que os trabalhos contratados não executados é de € 372.970,90. Considerando, nos termos da lei, que o lucro cessante corresponderá a 10% sobre o montante relativo a trabalhos não executados, deve a Demandada € 37.297,09, a este título.
67. Apesar de contratualmente prevista a data de 15 de Setembro como data do início das obras, a verdade é que, em virtude de a Câmara Municipal de ... não ter emitido a licença em tempo útil, os trabalhos só tiveram o seu início meio mês depois. Equivale a dizer que a Demandante fez deslocar pessoal e equipamento para a ilha de ..., pagando salários, alojamento e alimentação, sendo certo que durante esse período os mesmos estiveram imobilizados e a gerar custos que calcula em € 14.028,78. Pede assim a Demandante que seja a Demandada condenada a indemnizá-la em tal importância.
68. O estaleiro da obra dos autos é composto por vedações, protecções, portão, contentor, entre outros equipamentos de suporte, e destinava-se à utilização por parte da Demandante para a execução da obra. Todavia, a Demandada utilizou esse equipamento e continua a utilizá-lo, pelo que será obrigada a indemnizar a Demandante. Os custos com a montagem, manutenção e desmobilização do estaleiro não constam do orçamento inicial, pelo que não foi facturado, mas a Demandante não prescinde do seu ressarcimento. Dado que continua a ser objecto de utilização pela Demandada, relega para liquidação posterior o apuramento devido a este título.
A Demandada apresentou contestação, alegando o seguinte:
I - Dos objectivos determinantes da concepção dos projectos e do licenciamento da construção
1. A empreitada em causa constituiu um dos episódios orientados para a concretização física do projecto empresarial da “B” tendente à ampliação da sua única unidade hoteleira: o Hotel do “C”.
2. Numa primeira versão, esse projecto, da iniciativa da ““E” – Explorações Hoteleiras, S.A.”, então proprietária da unidade, consistia na dotação do Hotel do “C” de 4 bungalows com 16 camas, de uma nova piscina exterior, um SPA e ainda na remodelação dos espaços comuns exteriores.
3. Numa segunda versão, já da responsabilidade formal da ““B” – Empreendimentos Turísticos, S.A.”, empresa resultante da cisão simples da ““E” – Explorações Hoteleiras, S.A.”, os bungalows passaram para 5 e as camas para 30, mantendo-se todo o resto.
4. Do ponto de vista da estratégia comercial de exploração do Hotel do “C”, era decisivo concretizar a abertura ao público da infra-estrutura assim ampliada antes da inauguração das já então anunciadas duas novas unidades hoteleiras do ...: o “F” e o “G”.
5. Do ponto de vista financeiro, era fundamental a obtenção do incentivo financeiro e ajuda proporcionada pelo denominado “D”, pelo qual a Demandada, mediante contrato de concessão de incentivos financeiros no âmbito de apoio aos programas integrados turísticos de natureza estruturante e base regional, negociado no primeiro semestre de 2005 com o ITP – Instituto de Turismo de Portugal, adquiriu o direito de, verificadas as condições contratualmente previstas, obter um financiamento público de até € 2.552.735,00.
6. Uma das condições contratualmente previstas era o de a empreitada ser adjudicada por preço global.
7. Havia ainda de dotar o Hotel do “C” das valências, serviços e infra-estruturas aptas a proporcionar aos seus hóspedes e aos demais interessados as vantagens terapêuticas e medicinais da areia do ..., as quais foram laboratorialmente apuradas e testadas.
8. Com essas estruturas e serviços pretendia-se fazer interessar o mercado do norte da Europa, especialmente da Dinamarca, Suécia e Noruega, e a própria segurança social desses países.
9. A nova obra era de ampliação da estrutura existente, pelo que por ela teria de ser parametrizada e com ela teria de se harmonizar e integrar, e não uma construção autónoma.
10. A estrutura existente do Hotel do “C” tinha 90 quartos duplos, piscina exterior, áreas sociais, ginásio, banho turco e a classificação de Hotel de 4 estrelas.
11. As casas de banho eram revestidas com mármore branco, com as melhores louças e o piso dos quartos em madeira maciça.
12. Quanto aos acabamentos, a nova estrutura foi projectada com materiais ainda mais nobres, modelando desse modo a remodelação, para breve, da parte primitiva do Hotel.
13. Deste modo, foram concebidos os seguintes projectos: De arquitectura, complementado com as medições realizadas pelo Sr. “H” a pedido do Atelier “I”; Estrutura, complementado com as medições respectivas; Distribuição de águas e águas residuais, complementado com as medições respectivas; Climatização e ventilação, complementado com as medições respectivas; Instalações eléctricas, segurança e telecomunicações, complementado com as medições respectivas.
14. O projecto de arquitectura e respectivo projecto de execução, elaborado pelo arquitecto “J”, do Atelier “I”, é particularmente minucioso, pois vai a um detalhe desusado nesse tipo de peças. Nele se apresenta cotas e posições de muitos dos elementos que dizem respeito aos projectos de especialidades, designadamente no atinente à localização dos pontos de iluminação, de alimentação, das tomadas e dos dispositivos de água.
15. Do ponto de vista operativo, o projecto de arquitectura e o respectivo projecto de execução permite que se bastasse a si próprio no atinente à condução e orientação da execução física da obra, pois os seus elementos dispensavam a consulta dos projectos de especialidades.
16. O revestimento das paredes exteriores dos novos bungalows foi projectado com uma mistura de cal, cimento e areia, a fim de lhe conferir um aspecto peculiar e prescindir de pintura. Esse aspecto só poderia ser conseguido com alvenaria em tijolo.
17. Foi também elaborado o caderno de encargos da obra contendo as respectivas especificações técnicas e individualizando, quer quanto aos trabalhos, quer quanto aos materiais, as quantidades, as espécies e a qualidade e marca comercial.
18. O projecto de arquitectura e o respectivo caderno de encargos deram entrada na Câmara Municipal do “C” em 2002 para efeitos de aprovação, sobre o qual recaiu o nº .../2002 – 2.30064.
19. O projecto de arquitectura e os projectos de especialidades foram aprovados por deliberação da CM... de 10 de Março de 2005, pela qual foi ainda concedida a correspondente licença para edificação.
20. A licença de construção, titulada pelo alvará nº .../2005, foi emitida por despacho do presidente da CM... de 19 de Setembro de 2005, data a partir da qual passou a produzir efeitos, com termo em 18 de Junho de 2008.
II – Do procedimento pré – contratual conducente à escolha da “A” como empreiteira da obra
21. Para a execução do projecto de arquitectura e de todos os projectos de especialidades, na qualidade de empreiteiros gerais, foram convidadas a apresentar proposta, na sequência de contactos verbais directos, várias empresas.
22. Os preços apresentados pelas referidas empresas, em números redondos cifrados entre os € 3.100.000,00 e os € 3.800.000,00, a que acresce o IVA, foram significativamente superiores ao cálculo dos custos da obra efectuado pelo Atelier “I”, responsável pela elaboração do projecto de arquitectura.
23. Depois da análise das propostas até aí recebidas e da ponderação dos preços praticados no mercado pelos empreiteiros das especialidades, a Demandada decidiu consultar a “A” – Engenharia e Obras Limitada, no sentido de apresentar preço para a execução dos projectos de arquitectura, redes de águas, esgotos e incêndios e ainda de estruturas.
24. Ficou liminarmente esclarecido com a “A” que a execução das demais especialidades seria adjudicada directamente pelo dono da obra a outras empresas.
25. A “A” foi, nesta altura, especificamente informada dos objectivos determinantes da concepção dos projectos e do licenciamento da construção.
26. Na sequência desse convite, a “A” propôs-se executar o projecto de arquitectura, de estruturas e água e esgotos pelo preço total de € 1.869.411,13, a que acresce o IVA.
27. Apesar de a esse tempo ser desconhecida da Demandada, a Demandante foi convidada a apresentar proposta porque se encontrava no ... a construir umas moradias e porque esse contacto servia o intuito prospectivo que, nessa fase, até por exigência das regras da boa gestão, animava a Demandada.
28. Para o efeito da elaboração da proposta, à “A” foi entregue, na pessoa do Sr. Engenheiro “L”, o projecto base de arquitectura, o respectivo projecto de execução, os projectos de estruturas, de águas e esgotos, electricidade, piscina, quer em suporte – papel quer em CD-ROM, o caderno de encargos, no qual se especificava as espécies e quantidades de trabalho a executar e a qualidade, marca e quantidade dos materiais a aplicar, com todas as referências comerciais, mapas de trabalhos e respectivas quantidades.
29. Foi com base nesses elementos que a “A” procedeu às medições que presidiam ao apuramento dos preços contratuais.
30. Posteriormente, com o objectivo prospectivo e com o propósito de comparabilidade da proposta da “A” convidou ainda a “M” – Engenheiros e Construções, S.A., a apresentar preços, tendo a mesma correspondido ao convite. A proposta comportava a possibilidade de adjudicação parcial.
31. A execução de vários outros projectos foi adjudicada a distintas empreiteiras. A todas, incluindo a “A”, com pelo menos um mês de antecedência em relação ao prazo indicado para a apresentação da proposta, foram facultados o projecto de arquitectura, o respectivoprojecto de execução, os projectos de especialidades, o caderno de encargos, quer em suporte – papel quer em CD- ROM.
32. A todas as empreiteiras, incluindo a “A”, foram prestadas ainda as informações e esclarecimentos adicionais necessários à cabal compreensão da obra a executar, especialmente no atinente aos factores que interferem com os custos.
33. Se, por absurdo, a Demandada se recusasse a facultar à Demandante as peças escritas e desenhadas do projecto a executar, o que não aconteceu, e ainda assim esta continuasse interessada em executar a obra, era-lhe exigível, no mínimo, a consulta e obtenção das pertinentes cópias do processo administrativo de licenciamento patente na CM... desde 2002.
34. Ou, mais facilmente, poderia tirar as cópias que entendesse antes de devolver as peças que a Demandada lhe havia entregue, peças essas que não se resumiam a “um conjunto de peças desenhadas e um mapa resumo de quantidades”, mas antes aos projectos de arquitectura e respectivo projecto de execução, projectos de especialidades e caderno de encargos.
35. Apesar de a Demandante ter alegado que detectou e verificou, em Dezembro de 2004, aquilo que, em seu critério, constituíam erros e omissões do projecto, absteve-se de qualquer comunicação relativa a essas matérias na fase da apresentação e discussão da proposta. Fê-lo apenas em 24 de Outubro de 2005, data em que a Demandada recebeu o documento nº 4 da p.i.
III – Do contrato celebrado
36. A escolha recaiu sobre a proposta da “A” fundamentalmente por ser a proposta mais vantajosa do ponto de vista financeiro para a execução dos projectos de arquitectura, estruturas e de águas e esgotos.
37. A Demandante apresentou a proposta em Dezembro de 2004 e o contrato foi assinado em 15 de Agosto de 2005.
38. Nesse tempo intermédio, de mais de 7 meses, existiram conversações e negociações entre Demandante e Demandada.
39. A Demandante absteve-se de fazer qualquer referência e de aduzir aos autos o denominado Anexo II do contrato e a folha nº 2 do Anexo I, que fazem parte integrante do contrato de empreitada.
40. Nos termos acordados e contratados a Demandante obrigou-se a “executar a empreitada de “Construção da Ampliação do Hotel do “C”” de acordo com os projectos de Arquitectura, Estabilidade, Redes de Água, Redes de Esgotos e Rede de Incêndios, e a Proposta de Orçamento de 24 de Dezembro de 2004 e correcção posterior de 18 de Agosto de 2005, apresentada pelo empreiteiro”.
41. Pelo preço global de € 1.869.411,13, sem IVA, nos termos definidos pelo artigo 9º do Decreto-Lei nº 59/99, de 2 de Março.
42. Durante o prazo de 9,5 meses a contar de 15 de Setembro de 2005.
43. Os Anexos I e II explicam-se e justificam-se pelo diálogo negocial desenvolvido pelas partes entre Dezembro de 2004 e Agosto de 2005, por via do qual a Demandante persuadiu a Demandada a aceitar as simplificações construtivas neles descriminadas.
44. As alterações constantes dos Anexos I e II mostram que a “A” tinha conhecimento do caderno de encargos.
45. Nada mais foi então acordado no sentido da simplificação das soluções construtivas e muito menos tal simplificação corresponderia à “intenção” da Demandada.
46. Diversamente, foi a Demandante quem persuadiu a Demandada a aceitar as simplificações construtivas constantes dos aludidos Anexos.
47. O conteúdo dos Anexos apura-se em relação ao projecto então já aprovado pela CM..., consagrando precisamente algumas simplificações ao projecto propugnadas pela Demandante, o que mostra que esta conhecia o documento.
48. Em quase todos os itens da Lista dos Preços Unitários de que consta o documento nº 2 da p.i. a Demandante faz referência à conformidade do aí individualizado com os desenhos e especificações do caderno de encargos.
49. O prazo de 9,5 meses para a conclusão da obra não só foi acordado expressamente com a Demandante, como foi pressuposto da celebração do contrato de empreitada, posto que, além do mais, do seu cumprimento dependia o recebimento, pela ora Demandada, do prémio de realização estipulado no contrato de financiamento celebrado no âmbito do “D”, no valor de € 473.008,91, que a ora Demandante sabia por ter sido informada pela ora Demandada.
50. Para se efectivar o equilíbrio e a viabilidade económica do projecto empresarial que motivou, explicou e justificou a obra e a escolha da proposta da “A”, era fundamental criar-se mecanismos propiciadores do controlo dos custos e do rigor orçamental. Esse objectivo só podia ser prosseguido com a remuneração do empreiteiro segundo o regime da empreitada por preço global, nos termos definidos pelo artigo 9º do Decreto-Lei nº 59/99, de 2 de Março, o que a ora Demandante sempre soube.
51. Acresce que as características da obra, as especificações técnicas, as espécies e quantidades de trabalhos e materiais estão especificamente determinados nos projectos aprovados, no caderno de encargos e até no contrato de empreitada, que inclui os seus Anexos, todos do conhecimento da Demandante, pelo que a natureza da empreitada só poderia ser a de preço global, como foi acordado entre as partes.
52. O valor final da Lista de Preços Unitários anexa ao contrato de empreitada, proposta pela Demandante à Demandada em 21/12/2004 corresponde ao preço global acordado pelas partes para a empreitada.
IV – Da execução e extinção do contrato
IV – I – Da execução física da obra
53. O local da realização da obra foi facultado à Demandante no dia 15 de Setembro de 2005.
54. Por razões de ordem burocrática dos serviços da CM..., alheias à vontade e diligência da Demandada, a licença de construção foi emitida e levantada em 19 de Setembro de 2005.
55. Todavia, ainda antes da obtenção e levantamento da licença de construção, os trabalhos de movimentação das terras já estavam a ser executados, com início precisamente no dia 15 de Setembro de 2005.
56. A Demandada manteve sempre um permanente acompanhamento técnico da obra, na pessoa do arquitecto “N”.
57. De resto, conforme já alegado, os elementos constantes dos projectos de arquitectura e de execução, bem como o caderno de encargos e o próprio contrato de empreitada, que inclui os Anexos, eram muitíssimo detalhados.
IV- I – I – Das alterações pretendidas pela Demandante
58. O contrato de empreitada foi assinado em 15 de Agosto de 2005, mantendo-se o preço total proposto em Dezembro de 2004, embora com as simplificações e atenuações consagradas nos respectivos anexos I e II por imposição da Demandante.
59. Ficou claro que estas alterações seriam as únicas admitidas e aceites pelo dono da obra e, como tal, integradas no contrato de empreitada.
60. A partir daí, toda e qualquer modificação ao plano originariamente previsto teria de ser objecto de análise casuística e, se fosse caso disso, de aprovação e aceitação escrita por parte do dono da obra.
61. A partir de Janeiro de 2006, a todo e qualquer pretexto ou mesmo sem pretexto algum, sempre que se tornava necessário adquirir e aplicar certos materiais de acabamento, a Demandante amofinava e queria a todo o transe fazer tábua rasa do projecto e do caderno de encargos, construindo e usando os materiais e as técnicas construtivas que mais lhe conviessem do ponto de vista da redução de custos.
62. Assim, à estrutura em lamelado de pinho, projectada e aprovada conforme peças desenhadas nº E – 125 - 03 – 04 (planta que mostra a estrutura da cobertura), E - 125 – 03 – 12 (pormenores) e E – 125 – 03 – 13 (pormenores) – do projecto de arquitectura, a “A” pugnou pela execução de uma estrutura mais aligeirada e menos densa no atinente ao número, espessura e imbricação das peças, de tal sorte que os m3 dos pés de madeira projectados eram o dobro dos executados.
63. Aos materiais a usar em alvenaria: em vez de tijolo, queria usar o bloco de cimento em todas as paredes, interiores e exteriores.
64. No projecto, os blocos de tijolo tinham 13 cm de altura e, por isso, só podiam ser deitados. A “A”, para reduzir os custos, pugnou pela disposição do tijolo ao alto.
65. A “A” opôs-se à aquisição e aplicação dos materiais projectados e contratualmente definidos, pugnando pela aquisição e aplicação de materiais mais baratos.
66. A Demandada, pressionada pelos prazos e pela circunstância dos trabalhos estarem em atrasado estado de execução e procurando subtrair-se a maiores prejuízos decorrentes do seu atraso, nesta fase revelou à “A” que estaria disposta a analisar qualquer proposta que esta apresentasse com o intuito de aligeirar as soluções construtivas, nos domínios em que mostrasse dificuldades em cumprir o contratualmente ajustado e aceite.
67. A solução para a cobertura de madeira contratualmente prevista foi alterada, por sugestão da Demandante, numa reunião havida em 26/02/2006 entre as partes.
68. Na parte do dossier referente à estrutura de madeira, a Demandada aceitou a alteração do orçamento dos € 115.301,00 contratualmente previsto para € 179.500,00, ressalvando, porém, que no atinente aos meios para montagem, administração e lucros só aceitava o valor inicial de € 17.295,15, devendo ainda incluir certificado de garantia.
69. Contudo, a Demandada submeteu a aceitação das alterações a uma condição: este novo acordo, considerado na sua totalidade, teria de ser reunido numa vinculação entre as partes onde se mantivesse o mesmo tipo de empreitada por preço global, agora com novo valor e nova lista de preços unitários, e ainda que fosse clarificado se o prazo para conclusão da obra se manteria ou se o mesmo seria prorrogado e em que medida.
IV – I – II – Da falta de coordenação dos trabalhos
70. Ao contrário do contratualmente assumido, a Demandante absteve-se de coordenar os trabalhos e a intervenção de todos os demais empreiteiros e de prestar informação e orientação técnica e operacional aos mesmos.
71. Essa omissão da coordenação devida deu-se, apesar da Demandada, reiteradamente, ter alertado a “A” para a necessidade e premência da sua observância regular.
72. A falta de planeamento e de coordenação dos trabalhos pela Demandante gerou dúvidas e hesitações nos subempreiteiros, designadamente quanto ao momento da sua intervenção, que nunca era atempadamente revelado.
73. Por isso, tendo os subempreiteiros de gerir e afectar os seus meios de produção pelas demais obras que, ao tempo estavam a executar, as quais, na sua maioria, se localizavam na ilha da Madeira, casos houve em que, no momento em que a Demandante lhes pedia a pronta realização dos trabalhos, foram incapazes de corresponder. Todavia, se a intervenção pretendida lhes fosse comunicada com a antecedência devida – 2/3 dias – estariam aptos a satisfazê-la prontamente.
IV – I – III – do abandono da obra pela Demandante
74. A partir de Maio de 2006, tornou-se evidente que a Demandante foi progressivamente reduzindo o número de trabalhadores na obra e o ritmo dos trabalhos.
75. Em 27 de Outubro de 2006, a Demandante paralisou completamente os trabalhos, retirando todos os seus trabalhadores da obra.
76. Essa diminuição progressiva no ritmo e volume dos trabalhos até à sua paragem total não foi precedida de qualquer comunicação verbal ou escrita recebida pela Demandada.
77. No dia 24 de Fevereiro de 2007, os trabalhadores da Demandante foram ao local da execução da obra e levantaram materiais e utensílios de trabalho, designadamente os andaimes que lá estavam dispostos.
78. Fizeram-no à socapa e sem qualquer comunicação prévia.
IV – I – IV – Da intimação para o cumprimento do contrato dirigida pela Demandada à Demandante.
79. Em 8 de Janeiro de 2007, por carta registada, a Demandada interpelou a Demandante para cumprir o contrato de empreitada em prazos determinados, ali fixados, sob pena de resolução do mesmo contrato.
80. A Demandante recebeu a comunicação em 11 de Janeiro de 2007. Porém, nem nos 90 dias posteriores nem depois retomou os trabalhos.
IV – I – V – Da resolução do contrato
81. No dia 8 de Maio de 2007, através de carta registada, a Demandada comunicou à Demandante a resolução do contrato de empreitada, por incumprimento definitivo da Demandante.
82. A Demandante recebeu esta comunicação no dia 15 de Maio de 2007.
83. Em Março de 2007, a Demandante encomendou à ““O” – ... – Inspecção de Edifícios, L.da”, empresa especializada na análise estrutural dos edifícios e diagnóstico de patologias construtivas uma peritagem tendente ao apuramento da:
· Percentagem de execução física da obra, considerando todas as espécies e quantidades de trabalhos contratados;
· Conformidade dos trabalhos executados com o plano contratualmente previsto;
· Correcção dos trabalhos à luz das regras técnicas e da arte de bem construir.
84. As conclusões constam dos relatórios do documento junto com o nº 46.
85. Dada a urgente necessidade de conclusão da obra, a Demandada ajustou com a ““P”, S.A., a empreitada para a conclusão dos trabalhos.
86. Esses trabalhos tiveram início em 26 de Fevereiro de 2008, ao abrigo da licença de construção nº .../2008 da CM... e conclusão em Setembro de 2008.
87. A “P” continuou os trabalhos a partir do ponto em que a Demandante os havia abandonado e executou e concluiu a obra que, segundo os projectos, o caderno de encargos e o contrato, a Demandante teria de executar e concluir.
88. O único trabalho realizado pela “P” que não era exigível à Demandante foi o “fontanário” do hammam, com o custo de € 12.850,00, não previsto no contrato de empreitada.
89. A “P” entrou na obra e executou os trabalhos ao abrigo de uma nova licença de construção, que custou € 11.845,07. A necessidade desta licença resultou da caducidade da anterior, por esgotamento das possibilidades de prorrogação.
IV – II – Da execução financeira do contrato
90. À Demandante pagou a Demandada o total de € 1.567.480,92, com IVA incluído, dos quais reteve, a título de garantia da obra, a quantia total de € 17.791,41.
91. Da factura nº 60051 (auto de medição nº 11): o saldo a pagar refere-se aos 5% de garantia, no montante de € 7.312,80.
92. Da factura nº 60052 (auto de medição nº 12): foi pago o que havia sido contratado.
93. Da factura nº 60069 e Nota de crédito nº 50007 (auto de medição nº 13) o saldo a pagar refere-se aos 5% de garantia, no montante de € 6.060, 96.
94. Da factura nº 60057 (apoio AVAC e electricidade): o saldo a pagar refere-se aos 5% de garantia, no montante de € 113,69.
95. Da factura nº 60063 (aumento de fiadas de bloco no solário): o saldo a pagar refere-se aos 5% de garantia, no montante € 49,78.
96. Factura nº 60073 – Trata-se de um erro do Director de Obra da Demandante. Esta factura refere-se a trabalhos não previstos no projecto e solicitados em obra. Só foi aceite o valor de € 255,30 (222,00+ IVA) correspondente ao acordado extra projecto. Foi pago o valor de € 244,20, ficando por pagar € 11,10, correspondente aos 5% de garantia.
97. Quanto às facturas nºs 60082, 60092 e 60095 no valor global de € 110.696,53 estão de acordo com o contrato, mas não foram pagas porque se venceram num momento em que a Demandante já tinha abandonado a obra e, por isso, entende que tal pagamento não é devido.
98. Quanto às facturas nºs 60067, 60068 e 60072, no valor total de € 8.218,58, as respectivas importâncias não são devidas. A primeira foi devolvida, porque os trabalhos dela constantes não estavam contemplados no contrato nem houve acordo extra projecto. A segunda foi devolvida em 1 de Setembro de 2006 pela mesma razão. A terceira foi devolvida com a fundamentação de que, de acordo com o contrato de empreitada, os trabalhos a que se refere o ponto 1 do respectivo auto (nº 5), respeitam ao apoio de construção civil e o ponto 2 do mesmo auto respeita ao artigo 9.1.3. da lista de preços, pelo que não dizem respeito a trabalhos a mais.
99. Inexistindo as obrigações de capital, não há lugar ao vencimento de juros.
100. As quantias retidas a título de garantia da obra, pela sua própria natureza e função, também não vencem juros.
101. A factura nº 60096: estava de acordo com o contratado, mas não foi paga, mercê do abandono da obra pela Demandante.
102. A factura nº 60056 não foi aceite pela Demandada, porque os trabalhos a que se referia não correspondiam com os trabalhos efectivamente executados. Como tal a factura e o auto de medição foram devolvidos.
103. Para concluir a obra a Demandada pagou à ““P””a quantia total de € 1.357.153,58.
V – Dos danos invocados pela Demandante
104. A Demandante não sofreu danos. Mesmo que os tivesse sofrido, só poderiam ter resultado do seu comportamento traduzido na falta de realização pontual da obra.
V – I – Quanto ao alegado pagamento de facturas emitidas e recebidas
105. Os dados reais relativos às facturas nºs 60051, 60052, 60057, 60063, 60069 e 60073 são os já alinhados.
V- II – Quanto à alegada falta de pagamento de facturas relativas a trabalhos contratuais e aos juros de mora
106. Também neste domínio os dados reais relativos às facturas nºs 60082, 60092 60095 são igualmente os já alinhados.
V- III – Quanto aos alegados trabalhos extra
107. Os dados reais relativos às facturas nºs 60067, 60068 e 60072 também já foram referidos.
V – V – Materiais existentes em obra
108. Na carta de 8 de Maio de 2007, enviada pela Demandada em que comunicava à Demandante a resolução de todos os vínculos emergentes do contrato, foi ainda revelada a disponibilidade para a inventariação em autos dos materiais e ferramentas afectos à obra, a realizar conjuntamente.
109. A essa comunicação a Demandante nada disse.
110. A “P” usou apenas paralelepípedos e barrotes de madeira, nada mais.
111. Algum do material era perecível (por exemplo, os sacos de cimento) e perdeu-se com o abandono da obra pela Demandante.
112. Os quadros eléctricos do exterior foram retirados pela “A”.
113. O contentor apareceu aberto em meados de Outubro de 2008. No seu interior, além dos projectos de execução, encontravam-se apenas: 18 jogos para ferragens; 9 curvas em latão; um rodo de ferro e uma espátula de ferro.
114. Quando se apercebeu de que o contentor tinha sido aberto, a Demandada mandou tirar um conjunto de fotografias ao seu interior.
V – VI – Quanto aos alegados lucros cessantes
115. A existirem lucros cessantes, o que não se concede, só ao comportamento culposo da Demandante se ficam a dever.
V- VII – Quanto aos custos alegadamente incorridos pela impossibilidade de se iniciar a empreitada na data prevista
116. O local da realização da obra foi facultado à Demandante no dia 15 de Setembro de 2005 e nessa data tiveram início os trabalhos de movimentação das terras, como ficou alegado.
117. A licença de construção, e apenas esta, foi obtida no dia 19 de Setembro de 2005.
V – VIII – Quanto aos valores alegadamente em dívida para a rubrica estaleiro
118. Nenhum dos equipamentos e utensílios abandonados pela Demandante foi usado pela Demandada ou pela “P”, que tinha e fazia questão de usar o seu equipamento e o seu próprio estaleiro.
119. Aliás, o contentor que a Demandante desamparou nas instalações da Demandada, com a entrada na obra da “P”, passou a constituir estorvo e, neste momento, com a conclusão das obras e início da exploração da nova estrutura, é mesmo um factor de degradação do ambiente que tem de ser urgentemente removido do local a expensas da “A”.
120. A Demandada nada deve à Demandante.
121. A entender-se de modo diferente, declara-se desde já a compensação dos eventuais créditos da Demandante com os créditos da Demandada sobre a mesma.
Com a contestação a demandada apresentou reconvenção, na qual pede:
a) que seja absolvida do pedido formulado pela Demandante; e
b) que seja julgado procedente o pedido reconvencional e, consequentemente, seja a Demandante condenada a pagar-lhe a quantia total de € 1.804.840,33, acrescida de juros de mora a contar da data da citação, à taxa aplicável aos créditos de que sejam titulares empresas comerciais, singulares ou colectivas, nos termos do nº 3 do artigo 102º do Código Comercial e até integral e efectivo pagamento, correspondendo aos seguintes montantes parcelares de capital:
§ € 11.845,07 pela nova licença de construção;
§ € 1.042.373,37, a título de diferença entre o preço total contratado e a despesa efectivamente suportada pela Demandada para concluir a obra;
§ € 9.350,00, a título de custo emergente da peritagem destinada ao apuramento da percentagem e correcção da execução da obra;
§ € 24.264,00, a título do diferimento do recebimento dos cash- flows operacionais do novo projecto de investimento;
§ € 237.726,00, a título de perda de cash–flows da estrutura original do hotel no período compreendido entre o momento em que a obra devia estar concluída e o momento em que efectivamente foi concluída,
§ € 473.008,91, a título de perda de Prémio de realização, por não conclusão do projecto dentro do prazo, conforme cláusula 3ª do contrato com o ITP;
§ € 6.273,00, a título da dívida em conta corrente referente a facturas de refeições do pessoal da “A” no Hotel do “C”.
Pediu ainda a demandada, e subsidiariamente ao pedido reconvencional formulado na alínea a), e apenas para o caso de se entender ser a demandante credora da demandada por qualquer montante, que seja considerada válida e eficaz a declaração de compensação realizada pela demandada com os créditos sobre a demandante nos termos peticionados na reconvenção.
Invocou, para tanto, a demandada/reconvinte, o seguinte:
1. Apesar de logo por ocasião da medição dos projectos para efeitos de elaboração da proposta, a Demandante ter detectado aquilo que, em seu critério, constituíam erros e omissões (Dezembro de 2004), de caso pensado, só em Outubro de 2005, após o início da execução do contrato, levantou a questão.
2. De acordo com a cláusula 4ª do contrato de empreitada, a obra deveria estar concluída no prazo de 9,5 meses contados da data da consignação, que ocorreu em 15 de Setembro de 2005, ou seja, deveria estar concluída em Julho de 2006.
3. Porém, a Demandante abandonou a obra em Outubro de 2006, numa fase em que ainda estava por concluir.
4. A “O” – ... apurou e inventariou a sua percentagem de execução no relatório que apresentou.
5. O incumprimento da “A” causou à “B” os seguintes prejuízos:
I – Incremento dos custos da obra, incluindo os administrativos e financeiros
§ Nova licença de construção - € 11.845,07;
§ Diferença entre o preço total contratado (€ 1.869.411,13) e a despesa total efectivamente suportada pela Demandada para concluir a obra, somando os valores pagos à “A” (€ 1.567.480,92) aos valores pagos à “P” ( € 1.357.153,58), o que perfaz a quantia total de € 1.055.223,37 (€ 2.924.634,50 - € 1.869.411,13) à qual há ainda que subtrair os € 12.850,00 relativos ao fontanário do hammam;
§ Custo emergente da peritagem destinada ao apuramento da percentagem e correcção da execução da obra, na sequência do abandono da mesma pela “A” - € 9.350,00.
II – Perdas resultantes do diferimento do cash – flows
§ Diferimento dos cash – flows operacionais do novo projecto de investimento - € 24.264,00;
§ Perda de cash – flows da estrutura original do hotel no período compreendido entre o momento em que a obra deveria estar concluída e o momento em que efectivamente foi concluída - € 237.726,00.
III – Frustração do prémio de realização previsto na cláusula 3ª do “D”
§ Perda de Prémio de realização, por não conclusão do projecto dentro do prazo, conforme cláusula 3ª do contrato com o fundo de turismo - € 473.008,91.
IV – Dívida em conta corrente referente a facturas de refeições do pessoal da “A”
no Hotel do “C” - € 6.273,00.
- Quanto ao incremento dos custos da obra
6. A obra devia estar pronta em Julho de 2006 e só ficou concluída em Setembro de 2008.
7. A nova licença de construção custou € 11.845,07.
8. A Demandada pagou à Demandante a quantia global de € 1.567.480,92. À “P” pagou € 1.357.153,58. Deste modo, o custo efectivo da obra cifrou-se em € 2.924.634,50 e não em € 1.869.411,13, contratualmente fixado. A diferença, que é de € 1.055.223,37 (€ 2.924.634,50 - € 1.869.411,13), constitui um dano a indemnizar pela Demandante. A este valor há que deduzir os € 12.850,00 do “fontanário” do hamamm, não incluído no contrato.
9. Por outro lado, o abandono da obra tornou imprescindível o apuramento da percentagem e correcção da execução da obra e respectiva inventariação. Para tanto, a Demandada recorreu à “O” – ... – Inspecção de Edifícios, tendo o respectivo custo importado em € 9.350,00.
- Quanto às perdas resultantes do diferimento dos cash – flows
I – Indemnização pelo diferimento do recebimento dos cash – flows operacionais do novo Projecto de Investimento (os primitivos 99 quartos mais os 5 novos bungallows)
10. O Projecto de Investimento deveria libertar em 2006, 2007 e 2008 os seguintes cash – flows operacionais: 2006 - € 140.058; 2007 – € 358.298; 2008 - € 267.635. O valor de indemnização calculado nesta base é de € 24.264.
II – Perda de cash – flows do Hotel (empresa) existente (os 99 quartos da estrutura original)
11. As obras originaram uma situação de pendência que degradou o ambiente acústico, visual/cénico e até atmosférico na envolvente do hotel, o que teve directas e imediatas consequências quanto à sua aptidão para gerar receitas e lucros, quer por via da diminuição de hóspedes quer da diminuição da receita por hóspede, em ambos os casos quando comparado com o cenário normal da ausência de trabalhos, movimentações, poeiras e barulhos inerentes às obras.
12. A projecção da viabilidade do hotel (empresa) existente deveria produzir os seguintes cash–flows operacionais: 2006 - € 113.176; 2007 - € 290.033; 2008 - € 214.979. Todavia, o desempenho económico e financeiro do hotel ficou aquém das expectativas esperadas, tendo-se verificado a seguinte perda de cash–flows: 2006 - € 0; 2007 - € 127.082; 2008 – 106.345.
13. Para além da perda efectiva dos cash – flows, deverá acrescer um custo financeiro sobre os mesmos no valor de € 237.726.
- Quanto à frustração do prémio de realização previsto na cláusula 3ª do “D”
14. O empreendimento determinante da celebração do contrato de empreitada estava orientado para a obtenção do incentivo financeiro e ajuda proporcionada pelo denominado projecto “D”, pelo qual a Demandada, mediante contrato de concessão de incentivos financeiros, assinado no primeiro semestre de 2005 com o ITP, adquiriu o direito de, verificadas as condições contratualmente previstas, obter um financiamento de até € 2.552.735,00.
15. Entre esses € 2. 552.735,00, contava-se € 473.008,91, concedido sob a forma de incentivo não reembolsável, a deduzir ao montante do incentivo reembolsável concedido, e estava dependente da observação do disposto na cláusula quinta, que se reporta ao grau de cumprimento do contrato.
16. Um dos factores aferidores do grau de cumprimento do contrato é precisamente o prazo. O prazo previsto na candidatura para a execução do projecto, do qual a empreitada constitui um episódio, foi de 13 meses.
17. Com ultrapassagem desse prazo, a atribuição desse incentivo ficou irremediavelmente comprometida.
- Quanto à dívida em conta corrente referente a facturas de refeições do pessoal da “A” no Hotel do “C”
18. No Anexo I do contrato de empreitada ficou estipulado e reciprocamente aceite que as refeições diárias do pessoal seriam asseguradas pelo Dono da Obra, em refeitório próprio, que mensalmente as debitaria à “A”, com base no valor de € 4,25 por refeição.
19. A Demandante não pagou as refeições dos seus trabalhadores no montante de € 6.273,00.
A demandante “A” apresentou réplica, pedindo que seja julgado não provado e improcedente o pedido reconvencional, sendo a reconvinda absolvida do mesmo, invocando, em síntese:
1. O orçamento foi elaborado face aos elementos disponibilizados, nos quais não se incluía o caderno de encargos, nem os projectos devidamente rectificados e expurgados das alterações sucessivamente introduzidas e condizentes com as quantidades orçamentadas.
2. É certo que existe um caderno de encargos – aliás junto como documento nº 12 da contestação/reconvenção – mas não será contemporâneo à elaboração dos projectos e orçamento, sendo certo que só posteriormente e em fase avançada da execução da obra a Demandante dele teve conhecimento. O documento não vem datado nem assinado, nem, ao contrário das restantes peças desenhadas e memórias descritivas juntas, apresenta carimbo de certificação de conformidade com o original depositado na Câmara Municipal de ....
3. É falso que a Demandada tenha entregue à Demandante mais do que um conjunto de desenhos e um mapa de resumo de quantidades para preparação do orçamento, não tendo chegado às suas mãos o caderno de encargos da obra com a celebração do contrato, ou anteriormente.
4. A Demandante não conhecia a qualidade, marca e referências comerciais dos materiais a aplicar, senão as referidas nos ditos elementos, tendo apresentado o seu melhor preço para a execução dos trabalhos considerando os materiais adquiridos localmente e no Continente, usuais para este tipo de trabalhos, de primeira qualidade, escolhendo, na falta de indicação específica que se pudesse extrair das peças desenhadas e do mapa de quantidades, os materiais e equipamentos através do seu prudente arbítrio e ainda animada pelas instruções repetidamente afirmadas de reduzir, sem prejudicar a qualidade da obra, os custos construtivos.
5. Equivale a dizer que se procurava evitar a incorporação de materiais de origem estrangeira que inevitavelmente redundariam em preços mais elevados.
6. Em suma, foi unicamente na posse precária dessas peças desenhadas e do mapa de resumo de quantidades que a Demandante elaborou os seus orçamentos.
7. Apresentada a proposta, a Reconvinte considerou que a mesma extravasava o horizonte dos custos por ela previstos, tendo sido introduzidas alterações, propondo-se soluções construtivas e optando-se pela utilização de materiais distintos, que significaram a possibilidade de a Demandante oferecer novos orçamentos, o último no valor de € 1.869.411,13.
8. As alterações/simplificações mais não são do que as que resultam dos anexos ao contrato de empreitada.
9. Os anexos foram introduzidos no contrato por exigência da Demandante, já que o mapa de quantidades também anexo ao contrato não reflectia aquilo que efectivamente foi acordado.
10. A Demandante foi telefonicamente informada do propósito do contrato a celebrar seguir o regime de “preço global fixo” apenas nas vésperas da assinatura do contrato.
11. Os orçamentos apresentados repousavam num regime de “série de preços” (preços unitários/quantidades), modalidade que conformou tanto o primeiro orçamento apresentado como o último, este já considerando as alterações que acabaram por ser anexadas ao contrato quando a Demandante anuiu ao regime de “preço global fixo”.
12. Seria irrelevante obter cópias do processo administrativo patente na C.M. de ..., ou mesmo tirar cópias das peças que a Demandada havia entregue, posto que esses elementos não se reportavam sequer à versão do projecto da que foi orçamentada em € 2.022.638,68 (s/IVA) nem tão pouco aquela que como contrato a Demandante se obrigou a realizar pelo preço de € 1.869.411,13.
13. Porque as peças desenhadas que foram sendo entregues não estavam em conformidade com o contrato, outra via não restou à Demandante que não fosse a apresentação dos dossiers de erros e omissões, o que só teve possibilidade de fazer à medida que foi tendo acesso aos desenhos que lhe foram dados para executar, “lidos” de acordo com as indicações que iam sendo transmitidas em obra.
14. As divergências relativas a erros e omissões verificados na execução da obra emergem da falta de adaptação dos projectos, por parte da Reconvinte, do que nesses anexos se prescreve.
15. A referência à conformidade com o “caderno de encargos” resulta da utilização de “minutas-tipo” para a elaboração dos orçamentos e mapas de quantidades.
16. A Lista de Preços anexa ao contrato de empreitada não é a mesma proposta apresentada em 21/12/2004, posto que essa proposta de orçamento ascendia a € 2.022.638,69 e não contemplava as alterações tendentes à redução do preço, posteriormente queridas pela Demandada.
17. No que concerne à estrutura de madeira, a Demandante obrigou-se a adquirir a um fornecedor indicado pela Demandada a estrutura por esta projectada e pretendida, pelo preço global de € 115.301,00, prevendo-se que seriam devidos à Demandante, a título de “meios de montagem, administração e lucro” 15% do valor da estrutura (€ 17.295,15). Com esta solução permitiu diminuir, de forma significativa, o valor do último orçamento.
18. Daqui resulta que era a Demandada que tinha a incumbência de encontrar fornecedor para este segmento da obra.
19. Posteriormente, posto que a empresa que tinha dado o valor mais baixo do que o que foi apresentado pela Demandante foi declarada insolvente, a Demandada tentou repercutir na “A” a responsabilidade por realizar a obra pelo mesmo valor.
20. A Demandante não aceitou a responsabilidade, facto que terá determinado uma rotura nas negociações entre as partes.
21. No ponto 15 do Anexo I previu-se que “se este preço vier a sofrer alterações para mais ou para menos, em função da solução final a adoptar pelo Dono de Obra, o valor da proposta será automaticamente corrigido, para mais ou para menos”
22. Quanto à disposição do tijolo decorativo, não tendo a Demandada aceite a solução contratual, gerou-se um conflito entre as partes, sendo a Demandante impedida de efectuar o trabalho e, consequentemente, de concluir a empreitada neste aspecto.
23. É falso que as banheiras, torneiras e lavatórios da casa de banho fossem da marca “Catalano”. Compulsado o caderno de encargos, extrai-se que apenas vem a específica marca “Catalano” referida aos lavatórios, sendo as demais peças sanitárias da marca nacional (“tipo Valadares”).
24. Após argumentos de parte a parte, foi dada ordem à Demandante para que esta encomendasse os artigos pretendidos pela Demandada (excepto no que respeita aos lavatórios e torneiras) e que esta ressarciria a diferença de valores face aos preços orçamentados.
25. Nesta conformidade, a Demandante adquiriu e aplicou os elementos pretendidos, na expectativa de que os mesmos seriam pagos, o que nunca aconteceu.
26. O mesmo se diga no que concerne aos azulejos vidrados de chacota manual.
27. A Demandante não tinha a obrigação de coordenar os trabalhos e a intervenção de todos os demais empreiteiros e de prestar informações e orientação técnica e operacional dos mesmos.
28. Tinha a obrigação de prestar todo o apoio de construção civil necessário ao trabalho dos instaladores de AVAC, ar condicionado, electricidade, sistemas de segurança, equipamentos de piscinas, equipamentos de termalismo e hidromassagem, segundo regras a acordar com o dono de obra ou seu representante no decorrer da construção.
29. O abrandamento no andamento dos trabalhos ficou a dever-se unicamente à não entrega dos elementos respeitantes aos projectos de carpintaria.
30. Posteriormente, foi a Demandada quem solicitou à Demandante que parasse com os trabalhos, na reunião de 8 de Julho, tendo ademais sido retirado o alojamento até então disponibilizado aos trabalhadores da Demandante, alegando para o efeito que tinha o Hotel completamente lotado, com clientes em lista de espera, e necessitava dos quartos para satisfação de reservas já efectuadas.
31. Ainda assim, depois dessa data, ficaram na obra quatro, e depois dois, trabalhadores da Demandante, que foram executando trabalhos no interior da obra que fossem possíveis de executar, face à falta de elementos, nomeadamente dos projectos das carpintarias e face à falta de aceitação das propostas apresentadas pela Demandante que visavam compensar sobrecustos, numa lógica de obras extra.
32. A somar a tudo isto, acrescenta-se o embargo realizado pelas Autoridades da Madeira, que determinou a impossibilidade da “A” de realizar os respectivos trabalhos.
33. E também a retenção de 5% do valor das facturas que foram pagas.
34. Quanto aos trabalhos realizados pela “P”, a Demandada não apresentou os autos de medição respeitantes às facturas.
35. No que concerne à caducidade da licença de construção e a correspondente necessidade de requerer uma nova licença à C.M. de ..., a reconvinte instrui o pedido com a informação de que “a obra se encontra na sua fase terminal”. Equivale a dizer que, datando a última prorrogação do prazo de licença de 11/12/2006, a obra poderia ter sido concluída sem necessidade de obter nova licença camarária, não fosse a necessidade de dar tempo aos demais empreiteiros e à atitude da Demandada.
36. A Demandante vem peticionar o diferencial entre o preço que deveria ter pago à “A” (€ 1.869.411,13) e o valor acumulado do que diz ter suportado com a celebração do novo contrato com “P” (€ 1.357.153,58 - € 12.850), acrescido do valor pago à “A” durante a execução do contrato (€ 1.567.480,92).
37. Se na subtracção o valor de € 1.869.411,13 também for acrescido de IVA (como os restantes), então o diferencial será, não de € 1.042.373,37, que consta do pedido, mas de € 774.811,70 que, deduzido o valor relativo ao fontanário dá um valor final de € 761.961,70.
38. A perda de cash-flows referida pela Reconvinte está totalmente desfasada da realidade.
39. Nem se venha dizer que a perda de cash-flows decorre dos efeitos das obras, nomeadamente do ambiente acústico, visual/cénico e até atmosférico na envolvente do Hotel, diminuindo a sua capacidade de gerar receitas e lucros quer por via da diminuição de hóspedes quer da diminuição da receita por hóspedes.
40. A obra estava completamente isolada fisicamente do Hotel, com taipais e vedações adequadas, em zonas afastadas, permitindo a funcionalidade do mesmo em condições normais.
41. Aliás, um dos argumentos invocados para solicitar a devolução dos quartos ocupados pelos trabalhadores da “A” foi justamente a sobrelotação do Hotel, o que demonstra exactamente o contrário.
42. É a própria Demandada que afirma que no ano de 2006 a realidade superou as expectativas.
43. Ora, o maior volume das obras foi realizado nesse período, concretamente, desde fins de Setembro de 2005 a finais de Outubro de 2006.
44. No que diz respeito à perda do prémio de realização, concedido sob a forma de incentivo não reembolsável, no valor de € 473.008,91, há que ter em conta que o grau de cumprimento do contrato contempla um conjunto de variáveis, sendo o prazo de execução apenas uma delas, pelo que não pode imputar-se à Demandante a responsabilidade da perda do prémio de realização até àquele valor. O grau de cumprimento de 90% seria sempre inatingível, mesmo que o prazo de execução da obra fosse de 13 meses.
Foi requerida prova pericial, tendo os peritos apresentado relatório pericial e adenda, constantes de fls. 1350 a 1360 e de fls. 1726 a 1738, respectivamente.
Foi levada a efeito a audiência de julgamento - que decorreu durante dezassete sessões - na qual os peritos prestaram os esclarecimentos pretendidos pelas partes e foram ouvidas 18 testemunhas arroladas por demandante e demandada.
O Tribunal arbitral proferiu acórdão final, no qual foi incluída a decisão sobre a matéria de facto, com declaração de voto de vencido de um dos árbitros – o nomeado pela demandada – incidindo tal declaração de voto, quer sobre a matéria de facto, quer sobre a decisão de direito.
Os termos do decidido no aludido acórdão são, designadamente, os seguintes:
(…)
Chegados a este ponto, passaremos a analisar a procedência ou improcedência de cada uma das parcelas em que se decompõe o pedido formulado pela Demandante.
A – Pagamento parcial de facturas emitidas e recebidas.
A Demandante pede o pagamento da importância de € 104.586,91 relativa a 6 facturas de trabalhos contratuais emitidas, mas apenas parcialmente pagas, bem como dos respectivos juros que, calculados à data de 10 de Setembro de 2008, se cifram em € 21.419,44.
A importância peticionada de € 7.312,80, diz respeito à factura nº 60051, de 30/6/2006, no valor global (com IVA) de € 168.194,47, correspondente a trabalhos contratuais. Esta importância constitui o valor da retenção de 5% que a Demandada passou a fazer a partir de determinada altura.
A dedução encontra o seu fundamento legal no artº 211º do Regime Jurídico das Empreitadas de Obras Públicas que dispõe o seguinte:
1 – Das importâncias que o empreiteiro tiver a receber em cada um dos pagamentos parciais será deduzida a percentagem de 5%, para garantia do contrato, em reforço da caução prestada, salvo se outra percentagem se fixar no caderno de encargos.
2 – O disposto no número anterior aplica-se a quaisquer pagamentos que o dono da obra deva efectuar ao empreiteiro.
3 – As importâncias deduzidas serão imediatamente depositadas, em Portugal, em qualquer instituição de crédito.
No caso dos autos não foi acordada a dedução de qualquer percentagem como garantia. Parece-nos, porém, que, em qualquer momento, o dono da obra poderá começar a fazer a retenção da percentagem legalmente prevista. O dono da obra só não poderá proceder a uma dedução de percentagem superior à que é fixada no preceito, sem que isso tenha sido acordado pelas partes. Poderá, porém, usar da faculdade que a lei lhe concede, mesmo que inicialmente o não tenha feito, como no caso concreto.
As importâncias deduzidas devem ser imediatamente depositadas numa instituição de crédito. Com efeito, as importâncias deduzidas não são pertença do dono da obra, visto que constituem uma caução. Por isso, a falta de depósito imediato “é abusiva e ocasiona ao empreiteiro um prejuízo concretizado no juro que assim deixa de produzir”
Considerando o modo como se procedeu à extinção do contrato de empreitada, já não há lugar à manutenção daquela garantia, sendo essa importância devida à Demandante.
A Demandante pede a seguir a importância de € 89.347,69, relativa à factura nº 60052, de 30/6/2006, no valor global (com IVA) de € 182.493,95, correspondente a trabalhos contratuais.
A importância de € 89.347,69 facturada pela Demandante corresponde ao remanescente, em dívida, pela obra de cobertura em madeira, calculado este valor em função do acordo a que se refere o ponto nº 30 da matéria de facto provada. Esse valor de € 152.485,57 que a Demandada aceita como dívida por aquela obra pertence ao contrato inicial antes do acordo a que alude o ponto nº 30. Em face deste acordo, o valor devido é o facturado pela Demandante, a que acrescem os 5% retidos, que devem ser pagos por o contrato estar extinto, conforme já acima dissemos.
Também diz respeito à retenção de 5%, a importância de € 113, 69, relativa à factura nº 60057, de 03/07/2006, no valor global (com IVA) de € 2.614,94, correspondente a trabalhos de apoio à AVAC e electricidade. Tratando-se de retenção esta importância é devida em conformidade com o que já deixámos dito.
Diz igualmente respeito à retenção de 5% a importância de € 49,78, relativa à factura nº 60063, de 14/7/2006, no valor global (com IVA) de € 1.144,99, correspondente a trabalhos contratuais. Pelas razões já expostas, esta importância deve ser restituída.
A importância de € 6.060,96, relativa à factura nº 60069, de 1/8/2006, no valor global (com IVA) de € 139.402,10, correspondente a trabalhos contratuais. Ao valor da factura havia sido deduzida a importância da nota de crédito nº 50007 e depois foi retida a percentagem de 5%, cujo valor é agora o reclamado. É devido pelas mesmas razões já expostas.
A importância de € 1903,43, relativa à factura nº 60073, de 1/8/2006, no valor global (com IVA) de € 2.147, 63, correspondente a apoio de construção civil.
A Demandada entende que tal importância não é devida por se tratar de apoio à construção civil e estar incluída no contrato.
Ora, segundo consta do nº 2 da cláusula 1ª do contrato de empreitada, “o Empreiteiro obriga-se ainda a prestar todo o apoio de construção civil necessário ao trabalho dos instaladores de AVAC, ar condicionado, ventilação, electricidade, sistemas de segurança, equipamentos de piscinas, equipamento de termalismo e hidromassagem, segundo regras a acordar com o dono da obra ou seu representante no decorrer da construção”.
Conforme se vê, o que consta do contrato é que o empreiteiro teria de dar apoio à construção civil. E isso ele fez. Não consta, porém, que o apoio teria de ser gratuito. As regras do apoio seriam a acordar com o dono da obra ou o seu representante. Ninguém refere que tenham feito qualquer acordo nesse sentido. Por isso, o trabalho de apoio terá de ser pago.
B – Pagamento de facturas integralmente em dívida, relativas a trabalhos contratuais.
A Demandada não pagou os montantes constantes das facturas 60082, 60092 e 60095, referentes a trabalhos contratuais, apesar de interpelada para o efeito, as quais totalizam a quantia de € 110.696,53, sendo os respectivos juros no valor de € 22.668,34. A Demandada não nega esta dívida, mas justifica a sua atitude invocando que as facturas se venceram em data posterior ao abandono da obra e, por isso, se julgou com o direito de não pagar, considerando ter crédito de valor superior.
Atendendo ao modo como se verificou a extinção do contrato, é evidente que a Demandada terá de pagar a importância em causa.
C – Pagamento de facturas de trabalhos extra.
A Demandante pede ainda o pagamento de um conjunto de facturas relativas a trabalhos extra-contratuais, no valor total de € 8.218,58, ascendendo os juros a € 1.800,52. Trata-se de trabalhos não previstos no orçamento, mas que foram solicitados pela Demandada.
São as seguintes facturas:
a) - Factura nº 60067 - execução de furação em pedra mármore e abertura de rasgos para caixas;
b) - Factura nº 60068 - trabalhos nas paredes exteriores do Hammam/Nichos;
c) - Factura nº 60072 - execução de negativos na zona de estar do espaço 15 e enchimento com betão, no espaço 19, incluindo betonilha de regularização e revestimento a tijolo.
Para o não pagamento a Demandada alega que se trata de trabalhos extra-contratuais.
Pelas razões já sobejamente expostas, o pagamento destes valores é devido à Demandante. Trata-se de trabalhos de apoio à construção civil, que não tinha o dever prestar de forma gratuita e de trabalhos que não faziam parte do contrato.
D – Juros de mora de facturas pagas após o seu vencimento
Sob esta rubrica pede o pagamento da importância de € 901,13, alegando que a mesma corresponde à aplicação das taxas de juro legais sobre o número de dias de mora relativos a facturas que foram pagas após o vencimento.
A importância é devida, sendo certo que a Demandada não questiona esta importância.
E – Pagamento de trabalhos executados e não facturados
Sob a rubrica em epígrafe a Demandante alega que procedeu à execução dos trabalhos de construção civil de apoio, nomeadamente na casa das máquinas e no bloco E do empreendimento. Pede o pagamento da importância global de € 2.102,00, a que acrescerá IVA à taxa legal.
A este respeito está provado que, na casa das máquinas executou a selagem no atravessamento das paredes de betão para passagem de tubos de evacuação de água, trabalhos que ascendem a € 765,00. Colocou e forneceu ainda tubagem em PVC de diâmetro 110 com 8 m na ligação do tubo de limpeza ao poço de bombagem, incluindo abertura e tapamento de roço e poço com dimensões aproximadas de 60x60x40 cms, trabalhos e materiais que importaram em € 485,00.
No bloco E a Demandante procedeu à execução de drenagem em tubos de PVC, de acordo com o desenho de arquitectura nos espaços 28 e 29, incluindo ligação do tecto da cave técnica à rede existente, segundo desenho entregue em 27/6/2006. Esses trabalhos importaram na quantia de € 852,00. A Demandante ainda não emitiu as facturas, pelo que sobre o total de € 2.102,00 acrescerá IVA à taxa legal.
Considerando a prova produzida as importâncias em causa são devidas pelas razões já explanadas.
F – Revisão de Preço
A Demandante pretende proceder à “cobrança da quantia de € 41.755,76 + IVA, resultante de revisão de preço calculado nos termos legais, conforme quadro adjunto que constitui o doc. nº 54, acrescido dos respectivos juros de mora, que ascendem já a € 9.731,12”.
A razão que está subjacente à revisão de preços nos contratos de empreitada de obras públicas prende-se com a necessidade de manter o equilíbrio entre os encargos suportados pelo particular e a remuneração que lhe é paga pela Administração.
Na indústria da construção o preço para a execução da obra é estabelecido antes, por vezes muito tempo antes, da sua finalização. Durante esse período de tempo que medeia entre o estabelecimento do preço da obra e a execução da mesma, podem os custos evoluir por forma a quebrar o equilíbrio que era suposto existir entre o encargo a suportar pelo empreiteiro e o valor a pagar pelo dono da obra.
No caso das empreitadas de obras públicas é de todo o interesse que a remuneração seja justa, reflectindo os encargos suportados pelo particular. Se as várias vicissitudes, nomeadamente a inflação, podem quebrar o equilíbrio que existia, a Administração tem interesse em poder proporcionar a revisão dos preços como forma de restabelecer o equilíbrio perdido.
Só desse modo se evitará que o empreiteiro apresente um orçamento desmesurado com a finalidade de prevenir eventuais aumentos de preço. Sendo admitida a revisão de preços, ele sabe que, se os valores aumentarem lhe é facultado o reajustamento do preço. A Administração e o particular podem, assim, beneficiar de um orçamento equilibrado, que poderá ser reajustado quando a alteração das circunstâncias o impuser.
Considerando estes princípios orientadores, diz-se na parte preambular do Decreto-Lei nº 6/2004, de 6 de Janeiro, que a revisão de preços das empreitadas de obras públicas tem constituído ao longo das últimas décadas uma garantia essencial de confiança entre as partes do contrato permitindo-lhes formular e analisar propostas baseadas nas condições existentes à data do concurso, remetendo para a figura da revisão a compensação a que houver lugar em função da variação dos custos inerentes à concretização do objecto do contrato.
O artigo 1º, nº 1 do diploma determina que o preço das empreitadas de obras públicas fica sujeito a revisão, em função das variações, para mais ou para menos, dos custos de mão de obra, dos materiais e dos equipamentos de apoio, relativamente aos correspondentes valores no mês anterior ao da data limite fixada para a entrega das propostas.
O nº 2 do mesmo artigo dispõe que a revisão é obrigatória, com observância do disposto no presente diploma e segundo cláusulas específicas insertas nos cadernos de encargos e nos contratos.
No caso de eventual omissão do contrato e dos documentos que o integram relativamente à fórmula de revisão de preços – diz-se no nº 3 ainda do mesmo artigo – aplicar-se-á a fórmula tipo para as obras da mesma natureza ou que mais se aproxime do objecto da empreitada.
O diploma estende a sua aplicação aos contratos de empreitada de obras particulares.
Com a entrada em vigor do Decreto-Lei nº 6/2004, que estabeleceu o regime de revisão de preços das empreitadas de obras públicas e de obras particulares e de aquisição de bens e serviços, tornou-se necessário proceder à publicação de fórmulas tipo adequadas à realidade actual, o que foi feito pelo Despacho nº 1582/2004 (2ª série).
Se nos cadernos de encargos não constarem as fórmulas de revisão de preços, podem adoptar as fórmulas tipo estabelecidas no quadro anexo ao presente despacho e que dele faz parte integrante.
A Demandante adoptou estas fórmulas. A Demandada nada disse.
Sendo assim, tem de julgar-se procedente esta parcela do pedido.
G – Pagamento de facturas relativas a erros e omissões
À medida que foi recebendo os projectos finais, diz a Demandante que elaborou e dirigiu à Demandada os respectivos relatórios de erros e omissões, nos termos dos quais – alega ainda – se impunha a correcção do valor orçamentado face às alterações introduzidas pelo dono da obra. Após a realização dos trabalhos emitiu e apresentou a pagamento as facturas 60056 e 60096, que ainda não foram pagas.
Pede o pagamento do valor global das facturas que ascende a € 98.668,45 e os juros já calculados em € 22.181,66.
Já expusemos as razões por que é devido o valor destes trabalhos, tendo sido provado, conforme ponto nº 46, que o valor destas facturas não foi pago. São, portanto, devidas as importâncias peticionadas.
H – Materiais existentes em obra
A este respeito, a Demandante alega que tinha encomendado diverso material para ser aplicado na obra e que não chegou a ser utilizado. A este material atribui o valor de € 41.607,13. Acrescenta que esses materiais vieram a ser posteriormente aplicados e usados pela Demandada, sem indicações da Demandante.
Apenas se provou que, aquando da saída da obra, a Demandante aí deixou alguns materiais, cujas quantidades e valores não foi possível apurar, tais como: barrotes, ladrilhos, adesivos, cimento, painéis de carpintaria, pregos e baldes de construção civil.
A Demandante tem direito a receber o valor destes materiais. Não tendo, porém, sido possível apurar as quantidades e o respectivo valor dos materiais, condena-se a Demandada a pagar o valor que vier a ser liquidado, nos termos do disposto no artº 661º, nº 2 do Código de Processo Civil.
I – Lucros cessantes
O valor inicial do contrato era de € 1.869.411,13, mas o dos trabalhos executados ficou apenas em € 1.496.440,23, o que equivale a uma diferença de € 372.970,90.
Invocando que se viu impossibilitada de concluir a obra e de auferir os rendimentos e lucros que o contrato representava nos termos inicialmente acordados, pede que, em conformidade com o que dispõe o artigo 35º do Decreto-Lei nº 55/99, lhe seja atribuída a importância de 10% sobre o valor dessa diferença, ou seja, a quantia de € 37.297,09.
O artº 1229º do Código Civil – a que já nos referimos – no caso de desistência do contrato pelo dono da obra, atribui a este a obrigação do pagamento de uma indemnização ao empreiteiro dos seus gastos e proveito que poderia tirar da obra. Equivale a dizer que o dono da obra é obrigado a indemnizar o empreiteiro, não só pelos danos emergentes como pelos lucros cessantes.
Esta indemnização ao empreiteiro tem como objectivo dar protecção às suas legítimas expectativas de lucro. Ele estimou o seu lucro a partir de um certo volume da obra a executar, tendo sido os cálculos desse modo efectuados que o determinaram na efectivação do contrato.
O artigo 35º do Decreto-Lei nº 59/99, de 2 de Março – cujas disposições as partes aceitaram em tudo o que não estivesse contemplado no contrato – prevê uma indemnização de 10% do valor da diferença entre os dois quantitativos.
Assim, também esta parte do pedido tem de proceder.
J – Custos incorridos pela impossibilidade de se iniciar a empreitada na data acordada
Alega a Demandante que, embora estivesse contratualmente prevista a data de 15 de Setembro para dar início às obras, a Câmara Municipal de ... não emitiu a licença em tempo útil, por culpa da Demandada, e os trabalhos só tiveram início meio mês depois.
Tendo deslocado pessoal e equipamento para dar início à obra na data prevista, teve de pagar salários, alojamento e alimentação durante um período de tempo em que estiveram imobilizados.
Pede, por isso, que a Demandada seja condenada a pagar-lhe a indemnização de € 14.028,78.
Na verdade, o prazo convencionado para a execução dos trabalhos contratados foi de 9,5 meses a contar de 15 de Setembro de 2005.
É igualmente verdade que, apesar de contratualmente prevista a data de 15 de Setembro como data do início das obras, a Câmara Municipal de ... só emitiu a licença em 19 de Setembro.
A licença de construção, titulada pelo alvará nº .../2005, foi emitida por despacho do presidente da CM... de 19 de Setembro de 2005, data a partir da qual passou a produzir efeitos, com termo em 18 de Junho de 2008.
No entanto, o local da realização da obra foi facultado à Demandante no dia 15 de Setembro de 2005 e antes da obtenção e levantamento da licença de construção, os trabalhos de movimentação das terras já estavam a ser executados, com início nessa mesma data.
Sendo assim, a Demandante não sofreu qualquer prejuízo devido à emissão da licença ter ocorrido quatro dias depois do dia 15 de Setembro, porque nesta data deu início aos trabalhos, começando a movimentação de terras necessária, sem dúvida, à execução dos trabalhos seguintes.
Por estas razões improcede esta parte do pedido.
K - Valores pedidos para a rubrica estaleiro
Segundo a Demandante refere, o estaleiro da obra dos autos é composto por vedações, protecções, portão, contentor, entre outros equipamentos de suporte, e destinava-se à utilização por parte do empreiteiro durante a execução da obra. A Demandada – refere ainda - utilizou esse equipamento e continua a utilizá-lo, pelo que será obrigado a indemnizar a Demandante, a título de enriquecimento sem causa.
Mas nem tanto será preciso, pois decorre do nº 3 do do artigo 24º do Decreto-Lei nº 59/99, de 2 de Março, que os custos com a montagem, manutenção e desmobilização do estaleiro deverão ser uma verba individualizada na lista de preços unitários. Ora, compulsado o orçamento inicial, constata-se que essa verba não está incluída na lista de preços unitários, razão pela qual não foi ainda facturada, mas de cujo ressarcimento a Demandante não prescinde.
Presentemente, desconhece o seu valor, dado que não foi desmobilizado e continua a ser objecto de utilização pela Demandada, pelo que relega para artigos de liquidação o apuramento devido a esse título.
A tal respeito contrapõe a Demandada que nenhum dos equipamentos e utensílios abandonados pela Demandante foi usado por si ou pela “P”, que tinha e fazia questão de usar o seu próprio estaleiro. Aliás, o contentor que ficou nas instalações passou a constituir um estorvo e, neste momento, após a conclusão das obras e início da exploração da nova estrutura, é mesmo um factor de degradação do ambiente, que tem de ser urgentemente removido do local a expensas da Demandante.
Conforme dispõe o nº 3 do artigo 24º do Decreto-Lei nº 59/99, de 2 de Março, os encargos relativos à montagem, construção, desmontagem e demolição do estaleiro são da responsabilidade do dono da obra e constituirão um preço contratual unitário.
O preceito impõe, portanto, a constituição de um preço unitário referente aos trabalhos de construção, desmontagem e demolição do estaleiro. Significa que este encargo do dono da obra constitui uma espécie de trabalho autónoma (artigo 18º) e será com base nela que se determinará o valor desse mesmo encargo.
No caso dos autos isso não se verificou. O encargo económico foi certamente suportado pelo dono da obra, pois o empreiteiro o fez reflectir no valor do orçamento por si proposto, mas sem qualquer individualização. Assim sendo, não se poderá fazer referência, ainda que de forma fugidia – como o fez a Demandante – a enriquecimento sem causa.
Sem necessidade de nos alongarmos em considerações a este respeito, diremos apenas que não se fez prova de que o equipamento que a Demandante qualifica como estaleiro tenha sido utilizado pela Demandada. Tanto basta para que esta parte do pedido tenha de improceder.
Conforme resulta do exposto, o pedido (considerado na sua globalidade) é julgado parcialmente procedente, ou melhor, são julgadas procedentes algumas das parcelas ou alíneas em que o mesmo se decompõe, improcedendo as restantes, tudo conforme se refere em relação a cada uma.
Assim, vai a Demandada condenada a pagar as importâncias constantes das parcelas do pedido que foram julgadas procedentes, acrescidas dos respectivos juros vincendos até integral pagamento, sendo absolvida do pedido das restantes.
Pedido reconvencional
A procedência, embora parcial, do pedido formulado pela Demandante conduz a que o pedido reconvencional, na maioria dos seus itens, seja julgado improcedente. Existe, porém, uma parcela do mesmo que terá de proceder. Trata-se da parte da reconvenção em que a Demandada pede o pagamento da “Dívida em conta corrente referente a facturas de refeições do pessoal da “A” no Hotel de “C””, no valor € 6.273,00.
Na verdade, está provado que a Demandante não pagou as refeições dos seus trabalhadores no montante de € 6.273,00, quando é certo que consta do Anexo I do contrato, na rubrica destinada ao estaleiro que “as refeições diárias do pessoal serão asseguradas pelo Dono de Obra, em refeitório próprio, que mensalmente as debitará à “A” com base num valor, por refeição, de 4,25 €”.
Sendo assim, vai a Demandante condenada a pagar a importância peticionada e os respectivos juros legais.
Deferindo ao requerimento formulado pela Demandada esta importância será objecto de compensação com os créditos da Demandante, nos termos do nº 2 do artº 847º do Código Civil.
Custas pelas partes na proporção de vencido.
Notificada do acórdão arbitral, a demandada requereu a rectificação de erros de cálculo do valor reconvencional e a fixação do valor da acção e ainda a declaração de que a conta de custas, pela sua natureza, só será exigível depois do trânsito em julgado de decisão que puser termo ao processo, propugnando a demandante pelo indeferimento das pretensões.
O Tribunal arbitral proferiu decisão, indeferindo na totalidade o requerimento da demandada.
Inconformada com o assim decidido, a demandada interpôs recurso de apelação, relativamente ao acórdão prolatado, sendo que, no que concerne à questão atinente às custas, o recurso subiu em separado.
São as seguintes as CONCLUSÕES da recorrente:
i) Os factos descritos nos pontos 7, 14, 15, 18, 19, 20, 25 da matéria considerada provada pelo Tribunal arbitral devem ser julgados, pura e simplesmente, não provados;
ii) A resposta negativa a esses pontos de facto decorre do todo persuasivo e da evidência de que a Ré, antes da assinatura do contrato, tinha os projectos que serviam de base à execução da obra fechados e estabilizados, resultante, além do mais: Ø Da matéria dos pontos 62 a 66 da matéria de facto provada; Ø Do documento n.º 11 da Contestação – Caderno em formato A3 com os desenhos dos projectos, documento n.º 12 da Contestação – fls. 445 a fls. 524 – Caderno de Encargos da obra, dos projectos de fls. 569 (doc. n.º 17 da Contestação) a fls. 611, doc. n.º 17 – A fls. 612 a fls. 661, doc. n.º 18 da Contestação – fls. 662 a fls. 669, da proposta da “M” – de fls. 670 a fls. 760 do Quarto Volume e 761 a fls. 798 do Quinto Volume, do relatório da “O” – ... – fls. 873 a fls. 919, dos documentos apresentados pela Ré pelo requerimento de fls. 1857 a fls. 1860, Décimo Primeiro Volume, aduzido aos autos na sessão do julgamento de 16/12/2009, o qual comporta a descrição do conteúdo do CD - Rom fls. 1861 a fls. 1869, onde estão identificados todos os elementos escritos e desenhados dos projectos e, no atinente à definição da obra a executar pela Autora, decorre da conjugação dos elementos probatórios acabados de referir com o requerimento a juntar as plantas do projecto de arquitectura alteradas – apresentado nos autos em 2010-03-25 – fls. 2057 a fls. 2059 – na acta da sessão do julgamento do dia 15 de Abril de 2010 – fls. 2063 a fls. 2064, conforme a juntada e apensação do Secretário do processo, verso de fls. 2056, em 25-03-2010, do contrato de empreitada e dos documentos que o instruem que dele fazem parte integrante; Ø De ilações a extrair a partir dos factos provados, designadamente dos descritos nos pontos 37 e 49 a 66, 54 e 55 (mostram que a Ré concorreu e obteve um incentivo financeiro e ajudas proporcionadas pelo denominado “D”, sob a condição de a empreitada ser adjudicada por preço global), da posição das partes reveladas nos articulados no sentido de que os projectos iniciais deviam ser simplificados mas não abandonados, em conjugação com os dados da experiência comum e da ponderação daquilo que normalmente acontece, com o bom senso, a atenção e consideração devida às circunstâncias matérias em que o caso surgiu, os usos e costumes próprios da profissão de construção civil, da ponderação do interesse da Ré na definição da obra e da falta de interesse da Autora nessa definição;
iii) Além das razões alinhadas na conclusão anterior, os pontos 15, 18, 19, 20, 25 da matéria de facto provada, têm ainda de considerar-se não provados porque a Autora conhecia ou, ao menos foi-lhe dada a possibilidade de conhecer as características da obra, conhecimento esse que resulta inequivocamente confessado nas cláusula 1.ª, n.º 1, 5.ª, n.º 4, 8ª, na Lista dos Preços Unitários de que consta o documento n.º 2 da p. i., onde a Autora faz referência à conformidade do aí individualizado com os desenhos e especificações do caderno de encargos;
iv) Estas declaração inequívocas e sem reservas ou subordinação a condição têm o sentido e alcance inequívoco de uma confissão da Autora de que conhece os projectos e o caderno de encargos, o que aliás lhe era exigível;
v) De resto, ao aceitar vincular-se a um contrato por peço global fixo a Autora também o reconhece porque, como profissional do ramo, sabe que só se usa essa modalidade de empreitada quando os projectos permitem calcular, com pequeníssima margem de erro, os custos dos materiais e mão-de-obra a empregar e as condições técnicas da sua execução, a qualidade e quantidade dos materiais a aplicar e as espécies e quantidades dos trabalhos a realizar estão, desde o início, claramente definidas nas peças escritas e desenhadas dos projecto aprovados;
vi) Acresce que a Autora conversou e negociou com a Ré entre Dezembro de 2004 e Agosto de 2005 – cerca de 9 meses;
vii) Nesse período apresentou as 5 propostas com a pormenorização que as fls. 1104 a 1126, 1889 a 1913, 1914 a 1937, 1938 a 1962 e 811 a 827 patenteiam, o que lhe seria impossível se desconhecesse os projectos e o caderno de encargos da obra;
viii) O ponto 20 da matéria de facto é inconciliável com o que resulta à evidência dos elementos probatórios constantes do processo, com a natureza das coisas porque sem projectos não se pode executar obras, com a realidade captada nas fotografias de fls. 1963, 1965, 1967, 1969, 1971, 1973, 1975, 1977, 1979, 1981 e 1983 e ainda com o livro de obra aduzido aos autos pela Autora no qual inexiste qualquer alusão à falta de elementos projectuais para a realização da obra;
ix) Ao contrário da preocupação em que caminhou o tribunal arbitral na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto (páginas 59, último parágrafo e 60, primeiro parágrafo) e dos pontos 16, 17, 21, 22, 24 e 26 desta, em vez de ficar impressionado com o facto de a Autora, a partir de 24 de Outubro de 2005, ter expedido à Ré cartas pedindo a entrega de documentos com o pretexto de que desconhecia os projectos e o caderno de encargos da obra, devia era impressionar-se com o facto incontroverso de a Autora, que tem a propensão epistolar denotada pelas múltiplas cartas por ela aduzidas aos autos, ter estado a negociar com a Ré durante 9 meses e meio e nem por uma única vez tenha solicitado elementos escritos e desenhados para melhor formar e formular as suas propostas;
x) Só a partir de Outubro de 2005, depois da assinatura do contrato por preço global fixo, é que a Autora se dirigiu à Ré por escrito solicitando elementos dos projectos;
xi) A ponderação formulada no último parágrafo da página 59 e no primeiro da página 60 do acórdão, implica, implícita mas necessariamente, que, segundo os Srs. Árbitros, as cartas da Ré endereçadas à Autora revelando que os projectos estavam bem definidos e fechados e que esta conhecia-os foram feitas com conteúdo falso e doloso para instruir a prova de um processo futuro;
xii) Porém, nada nos autos permite extrair a conclusão de que os representantes da Autora vivem na mais pura lei de Deus e os representantes da Ré não têm carácter e agem sem ética;
xiii) Têm de ser julgados não provados os pontos 44 e 45 na parte relativa aos valores porque estes trabalhos estão incluídos no preço global da empreitada segundo o disposto no n.º 2 da cláusula 1.ª do contrato, o 46, além do mais porque é totalmente descabido, mesmo na lógica argumentativa e expositiva da Autora a que o Tribunal Arbitral aderiu acriticamente: não havia projectos iniciais, o contrato reportava-se a um nada e uma realidade por definir e, pela sua própria natureza e função, os erros e omissões definem-se e apuram-se, precisamente no confronto entre um parâmetro e ponto de referência inicial e um parâmetro ou ponto de referência subsequente, o 48 no atinente ao vocábulo inicialmente porque a Ré jamais aceitou qualquer alteração ao preço global fixo do contrato, devem também ser julgados não provados ou pura e simplesmente omitidos na decisão sobre a matéria de facto;
xiv) Os pontos 7 e 14 devem ser também não provados na parte em que inculcam no sentido da empreitada ser por série de preços porque dos pontos 54 e 55 da decisão sobre a matéria de facto e as cláusulas 2.ª e 3.ª do contrato de empreitada resulta incontroverso que, quer na óptica do apuramento real da vontade (de ambas) as partes quer na óptica da determinação do entendimento objectivo daquilo que ficou efectivamente estipulado e foi declarado, há-de sempre de concluir-se que a Ré desde o início das negociações com a Autora esteve sempre animada pela obtenção do prémio de realização do “D” pelo que jamais iria negociar em termos de série de preços e que o contrato foi celebrado pelo preço global de € 1.869.411,13, sem o IVA, nos termos definidos pelo artigo 9.º do Decreto – Lei n.º 59/99, de 2 de Março.
xv) É irrelevante apurar a vontade e intenção unilateral da Autora neste domínio pois, como é sabido, a interpretação do negócio jurídico tem de tender ao apuramento da vontade real de ambas as partes e não apenas de uma delas.
xvi) Acresce que as alegações da Autora no sentido das suas propostas terem sido apresentadas por série de preços não têm a mínima correspondência no texto do contrato, ainda que imperfeitamente expresso – cf. art. 238.º do CC.
xvii) A Ré impugna também a matéria de facto provada descrita nos pontos 17 e 41 porque neles apresentam-se como factos meras designações e nomenclaturas de que se socorreu a Demandante para elaborar as cartas, nas quais escreveu o que quis.
xviii) Os pontos 80, 81, 82, 83 e 84 da matéria de facto provada, têm de ser julgados não provados por incoerência entre a matéria de facto provada e a respectiva fundamentação;
xix) No atinente à suspensão dos trabalhos, apesar do tribunal a quo a omitir completamente, como é óbvio, há que atender ao disposto no n.º 3 da cláusula 1.º do contrato de empreitada,
xx) Por outro lado, neste domínio há ainda que atentar que, em 14 de Agosto de 2006, pela carta de que consta o documento n.º 37 da Contestação/Reconvenção, relativamente à carta da Autora de 07 de Agosto de 2006, referência 141/06, no do qual se extrai que a Ré não mandou parar a obras mas apenas que, em consonância com o ponto 3º da 1.ª cláusula do Contrato de Empreitada da obra, não fossem executados trabalhos em áreas exteriores da obra bem como não fossem utilizadas máquinas que provocassem excesso de ruído e que tal solicitação não impedia que fossem executados muitos dos trabalhos que manteriam a obra em funcionamento, tais como a aplicação de revestimentos em paredes e pavimentos, elevação de alvenarias, aplicação de rebocos ou mesmo aplicação de carpintarias de limpo, trabalhos estes que não poderiam ser executados com dois homens. Mais de informa que após a reunião do dia 8 de Julho, a provar o teor do que se refere, o auto referente ao mês de Julho contempla trabalhos executados até ao dia 30 desse mês, de acordo com o que se pensa dever ser feito.
xxi) No documento de fls. 1223 a 1245, sétimo volume (n.º 9 do articulado da Ré apresentado em Janeiro de 2009), datado de 21 de Dezembro de 2006 e com o assunto: Condições a cumprir relativamente aos itens que faltam para finalizar a obra, fundamentadas segundo os projectos e contrato tal como foi celebrado, desenvolvida ao longo de 22 páginas a Ré detalhou as espécies e quantidades de trabalhos que então estavam por executar;
xxii) No item 7 a questão das carpintarias está exaustiva e concretamente detalhada;
xxiii) A Autora recebeu esta carta no dia 21-12-2006 – doc. n.º 10 do articulado da Ré apresentado em Janeiro de 2009 – fls. 1246, Sétimo Volume dos autos.
xxiv) Mas nada fez nem nada disse nem nada pediu;
xxv) Por isso, a conclusão de que a Autora parou os trabalhos por falta de elementos de carpintaria é absolutamente infundada e contrária a tudo o que, à evidência, resulta dos elementos probatórios que constam do processo.
xxvi) A Autora, a partir de Maio de 2006, reduziu o número de trabalhadores na obra e o ritmo dos trabalhos e em Outubro de 2006 paralisou completamente os trabalhos retirando todos os seus trabalhadores da obra sem que antes tenha, verbalmente ou por correio postal sob registo e aviso de recepção ou por notificação judicial avulsa, notificado a Ré;
xxvii) A Autora foi interpelada em 8 de Janeiro nos termos do ponto 86 da decisão sobre a matéria de facto e da carta de que consta o documento n.º da Contestação e nada disse e nada executou;
xxviii) Depois da carta resolutiva de 8 de Maio de 2997, a Autora apenas respondeu por carta de 18 de Maio de 2007 – doc. n.º 11 da Resposta à Contestação/Reconvenção – fls. 1148 a fls. 1149 – Sétimo Volume.
xxix) A Autora, nem nas comunicações endereçadas na fase das negociações do contrato nem na fase da execução física da obra nem nos articulados do processo nem na fase do julgamento, esclareceu e informou a Ré e o Tribunal: · Que peças escritas e desenhadas tinha na sua posse; · Que peças escritas e desenhadas precisava para orçamentar e executar a obra.
xxx) As razões que, à evidência, determinam a falta de prova dos pontos de facto identificados nas conclusões anteriores, impõem que se dê como provado o sentido factual essencial das alegações da Contestação relativas à definição e esclarecimento da obra contratada com a Autora, designadamente as vertidas nos artigos 27, 38, 47, 48, 60 a 62, 118 e 119;
xxxi) A partir desses artigos da Contestação deve dar-se por provado que (I) No desenvolvimento do diálogo negocial estabelecido entre a Autora e a Ré a partir de Dezembro de 2004, o Arquitecto “J”, em consonância com a Ré, introduziu alterações nas plantas do projecto de arquitectura original relativas à zona dos tratamentos de areia, às caves e aos corpos de tratamento a Nascente (incluindo a parede inclinada das salas de massagens e o hammam) as quais são as aduzidas aos autos pela Ré no requerimento de 2010-03-25 – fls. 2057 a fls. 2059) (II) A Autora conhecia os projectos originais da obra e as plantas alteradas referidas em (I) foram entregues ao Sr. Eng. “L”, na qualidade de representante da Autora, no dia 14 de Julho de 2005 por e-mail e por correio postal (vide mensagem de correio electrónico reproduzida no documento n.º 3 da resposta à contestação/reconvenção (III ) - Com excepção das que conduziram à elaboração e assinatura dos anexos I e II do contrato de empreitada, que o integram, jamais existiram quaisquer estipulações no sentido da simplificação das soluções construtivas.
xxxii) No atinente à falta de coordenação dos trabalhos das várias empreitadas, a partir do alegado nos artigos 152 a 161 da Contestação, há que dar como provado que:
· A Autora assumiu o dever de coordenar os trabalhos e a intervenção de todos os demais empreiteiros e de prestar informação e orientação técnica e operacional aos mesmos (cláusula 1.ª do contrato de empreitada)
· Ré pugnou pela efectivação desse dever realçando a importância de haver reuniões com os projectistas de arquitectura e de estruturas de forma a interpretarem da melhor forma os desenhos e respectivas especificações do caderno de encargos e que de forma positiva a acelerem ou simplifiquem a execução da obra;
· A Autora assumiu o compromisso de executar o projecto de arquitectura e estrutura, pelo que, pela natureza das coisas ninguém melhor do que ela podia determinar os momentos e as formas de intervenção dos outros operadores.
xxxiii) Os Artigos. 279. a 300. da Contestação, todos relativos às perdas resultantes do diferimento dos cash – flows, mais concretamente à indemnização pelo diferimento do recebimento dos cash-flows operacionais do novo Projecto de Investimento (os primitivos 99 quartos mais os 5 novos bungallows) e à perda de cash-flows do Hotel (empresa) existente (os 99 quartos da estrutura original) e os artigos 301 a 308. relativos à frustração do prémio de realização previsto na cláusula 3.ª do “D” – doc. n.º 3 da Contestação/Reconvenção devem ser julgados provados e que portanto o atraso na conclusão das obras provocou diferimento e perdas de cash-flows nos montantes apurados nas respostas aos quesitos formulados pela Ré nos termos patenteados na adenda ao relatório dos peritos de fls. 1726 e seguintes, e, no atinente à matéria dos artigos 301 a 308 da contestação, a sua prova decorre do documento n.º 58 da Contestação, cláusula Quinta n.º 1, de cuja equação se conclui que o atraso na execução do projecto em período superior a 26 meses determina, só por si e inexoravelmente, a frustração do prémio de realização.
xxxiv) A decisão de não fundamentar a matéria de facto não provada, adoptada na acta de instalação do tribunal arbitral é inconstitucional, por violação dos artigos 13.º, 20.º e 205.º, n.º1 da CRP;
xxxv) A confissão expressa da Autora, feita no contrato e nos documentos em anexo, de que se comprometia a executar a obra em conformidade com os projectos e com o caderno de encargos, o que (I) implica o reconhecimento de que conhecia quer os projectos quer o caderno de encargos quer ainda das demais peças escritas e desenhadas do dossier e (II) atento o disposto no artigo 357º do C.C., consubstancia uma declaração confessória extrajudicial em documento particular com força probatória plena foi feita à Ré;
xxxvi) Por isso, sobre a matéria confessada do conhecimento dos projectos e do caderno de encargos, atento o disposto no artigo 393.º, n.º 2, do CC, não era admissível a prova testemunhal;
xxxvii) Ao formar a convicção determinante da prova dos pontos 15, 18, 19, 20 e 25 da matéria de facto a partir da inquirição das oito testemunhas o Tribunal Arbitral praticou um acto que a lei não admite e que, por ser decisivo para a decisão da matéria de facto, gera nulidade;
xxxviii) A sentença arbitral é também nula porque para prova dos factos descritos nos itens 7,8,10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29 e 40 os Srs. Árbitros maioritários formaram a sua convicção a partir dos depoimentos de 8 testemunhas quando, de acordo com as regras do processo a observar na arbitragem – as do processo sumário – só são consentidas 3 testemunhas por cada facto;
xxxix) A testemunha Dr. “Q”, advogado, estava impedida de depor sobre a matéria relacionada com o abandono da obra;
xl) Porém esse depoimento serviu de base à formação da convicção do tribunal que afastou a tese da Ré de que a Autora abandonou a empreitada a obra o que gera a respectiva nulidade;
xli) Decorre inequivocamente da subsunção ao artigo 436.º do CC da factualidade descrita nos pontos 86, 89 e 90 da matéria de facto provada que a Ré operou eficazmente a resolução do contrato de empreitada;
xlii) A decisão arbitral está inquinada da nulidade cominada pelo artigo 668, n.º 1, alínea d) do CPC porque decidiu para além do litígio definido pelas partes;
xliii) Na verdade a autora nem na petição inicial nem na resposta à contestação, neste caso por via de uma ampliação ou modificação do pedido e da causa de pedir, pediu a anulação da resolução do contrato da empreitada e requereu a declaração da improcedência do respectivo fundamento resolutivo;
xliv) A decisão de que a final a Ré não resolveu o contrato de empreitada porque tal lhe estava vedado mas sim que desistiu da empreitada sem que as partes tivessem equacionado a questão nesses moldes e sem que tivessem sido convidadas a se pronunciarem sobre essa possibilidade antes da enunciação da sentença configura a prolação de uma decisão surpresa e a violação do princípio do contraditório.
xlv) A decisão recorrida contraria flagrantemente o princípio do contraditório porque a observância regular dos seus ditames impunha que se facultasse, ao menos à Ré, a possibilidade de se pronunciar acerca da fantasiada desistência da obra.
xlvi) Por força do princípio do dispositivo, o tribunal deve decidir dentro do “thema decidendum” delimitado pelas partes, dentro dos limites da demanda que lhe é proposta.
xlvii) Nesse sentido a decisão “a quo” é uma decisão surpresa, proscrita pelo artigo 3.º, n.º 3 do CPC.
xlviii) Independentemente da reponderação e alteração que se impõe no domínio da decisão sobre a matéria de facto, mesmo deixando incólume o quadro fáctico traçado pela decisão arbitral, têm necessariamente de ter uma solução jurídica diversa daquela que enuncia, a matéria: · Relativa à resolução do contrato de empreitada que o Tribunal, insolitamente, convolou em desistência da empreitada por parte da Ré, porque a Resolução do contrato de empreitada foi eficazmente efectivada pela Ré por se tratar de um direito potestativo de exercício extra – judicial é um facto porque a Autora não pediu a sua anulação, nem na petição inicial, nem na resposta à contestação por via da ampliação do pedido e da causa de pedir; · A condenação no pagamento de facturas relativas a revisão de preços, nos termos da alínea F) da parte dispositiva da sentença arbitral é indevida porque está fora das possibilidades oferecidas pelo contrato de empreitada e porque a Autora não alegou nem estão provados os factos comprovativos e justificativos da revisão; · A condenação no pagamento de facturas relativas a erros e omissões, nos termos da alínea G) da parte dispositiva da sentença arbitral, quer porque isso significa um intolerável prevalecimento pela Autora da sua própria torpeza quer porque nessa parte a condenação da Ré padece de uma clamorosa e absoluta insuficiência da matéria de facto provada.
xlix) O contrato dos autos não prevê a possibilidade de revisão de preços, legalmente estabelecida apenas para as empreitadas de obras públicas.
l) A possibilidade da revisão dos preços das empreitadas decorre das variações, para mais ou para menos, dos custos de mão-de-obra, dos materiais e dos equipamentos de apoio, relativamente aos correspondentes valores do mês anterior ao da data limite fixada para a entrega das propostas – vide art. 1.º do Decreto-Lei n.º 6/2004, de 6 de Janeiro (Regime de revisão de preços).
li) Como é bom de ver, a Autora, nem sequer vaga ou remotamente, alegou qualquer variação para mais dos custos de mão-de-obra, dos materiais e dos equipamentos de apoio relativamente aos correspondentes valores do mês anterior ao da apresentação da sua proposta contratual.
lii) Correlativamente, na matéria de facto provada, nada consta sobre variação para mais dos custos de mão-de-obra, dos materiais e dos equipamentos de apoio relativamente aos correspondentes valores do mês anterior ao da apresentação da sua proposta contratual.
liii) Na matéria de facto dada como provada pela decisão a quo, nada ampara factualmente essas alegações conclusivas da p. i.;
liv) Por isso, a condenação da Ré no pagamento de € 41.755,76 acrescidos de juros de mora de € 9.731,12 a título de revisão de preços padece de uma ostensiva, grosseira e intolerável insuficiência da matéria de facto.
lv) Há culpa do lesado (no caso da A.) no quadro factual (erradamente) traçado pela decisão a quo e abuso do direito, na modalidade de venire contra factum proprium quanto à condenação no pagamento de facturas relativas a erros e omissões, nos termos da alínea G) da parte dispositiva da sentença arbitral;
lvi) Na verdade, dentro do quadro factual traçado pela sentença arbitral e dos elementos de facto óbvia, inequívoca e incontroversamente adquiridos e denotados pelos autos, haveríamos sempre de concluir da matéria de facto provada conjugada com os factos incontroversos adquiridos pelo processo mesmo que estejam omissos na decisão da matéria de facto, dos conhecimento geral e da ponderação daquilo que normalmente acontece, que o comportamento da Autora no plano da negociação, celebração e execução do contrato contribuiu para o surgimento da situação em causa.
lvii) Por isso, está implicado na decisão a quo que a Autora, ao negociar e contratar nos moldes aí pressupostos, assumiu os efeitos adversos da indefinição e da falta de estabilização da obra.
lviii) Daí que se imponha a conclusão de que a Autora descurou os deveres de cuidado e de diligência na formação do contrato e que essa omissão determinou teve, ao menos, tanta culpa na formação e execução do contrato quanto a que , no cenário em causa, é atribuível à Ré.
lix) Porém, incompreensivelmente o Tribunal desanca em cima da Ré como se ela fosse a única culpada da situação e agisse por um dolo extremo que a própria Autora nem sequer ousou imputar-lhe.
lx) Neste quadro, as facturas e condenação da Ré no pagamento de erros e omissões constitui um aproveitamento pela Autora, com o beneplácito do Tribunal da sua torpeza a seu favor, o que é intolerável por contrariar flagrantemente o disposto no art. 334.º do CC.
lxi) Ainda dentro do quadro fáctico traçado pela decisão a quo e ponderando e apreciando criticamente os demais dados incontroversos do processo, resulta evidente que a Autora, ao nunca ter indicado à Ré que peças escritas e desenhadas dos projectos precisava para executar a obra, violou clamorosamente os deveres acessórios de comunicação, esclarecimento e informação prescritos pelo artigo do 185.º do Decreto – Lei 59/99, de 22 de Março e pela boa fé, só por si legitimadores da resolução do contrato pela Ré;
lxii) Mesmo que existisse indefinição relativamente às carpintarias, havia muitos outros trabalhos por realizar, designadamente os descritos no documento n.º 9 do articulado pelo qual a Ré prenunciou-se acerca do objecto da perícia proposto pela Autora e no Relatório da ““O” – ... – Inspecção de Edifícios, L.da” (http://www.”O”....com), empresa especializada na análise estrutural dos edifícios e diagnóstico de patologias construtivas;
lxiii) Mesmo que a Autora tivesse razões substantivas para parar a obra e suspender os trabalhos, é manifesto que violou os apontados deveres de comunicação e de informação o que, de igual modo, justificaria a legitimidade substantiva da resolução do contrato pela Ré.
lxiv) Com essa omissão, a Autora violou gravemente os princípios da correcção e lealdade entre as partes, além do mais porque ao deixar a obra sem qualquer comunicação e justificação impossibilitou a Ré de perceber a validade e gravidade das suas razões (supondo que existiam) e agir em conformidade.
lxv) Tendo a Autora voluntariamente abandonado a obra antes de concluída, esse comportamento equivale a incumprimento definitivo pelo que era legítimo que o dono da obra concluísse os trabalhos em falta, justificando-se a concessão da indemnização pelos prejuízos sofridos com o incumprimento, mediante a colocação da Ré na situação em que estaria se a obra tivesse sido concluída com o contrato pontual e exactamente cumprido.
lxvi) Em consequência da eficaz resolução extrajudicial do contrato não anulada pelo Tribunal, a Ré, na qualidade de dona da obra, ficou exonerada de pagar as facturas que estavam por pagar quando da sua efectivação, designadamente as referidas no ponto 40 da matéria de facto provada;
lxvii) Da alteração da matéria de facto provada e da prova de factos omitidos pela decisão a quo nos moldes solicitados neste recurso, resulta a improcedência total da acção e a procedência do pedido reconvencional;
lxviii) O incumprimento da Autora traduziu-se na falta de realização pontual da obra, a qual é culposa porque a “A” tinha todas as condições para cumprir regularmente o contrato, mercê, designadamente, da suficiência, disponibilização e conhecimento dos projectos e do caderno de encargos, do pagamento pontual do preço da empreitada e do escrupuloso cumprimento das obrigações acessórias que sobre a “B” recaíam.
Pede, por conseguinte, a apelante, que seja alterada a decisão sobre a matéria de facto nos termos descritos, revogada a decisão do Tribunal Arbitral e, em consequência:
§ Julgar-se improcedente o pedido deduzido pela Autora contra a Ré e procedente o pedido reconvencional;
Respondeu a demandada/recorrida, defendendo a manutenção do decidido e formulando as seguintes CONCLUSÕES:
i) Contrariamente ao sustentado pela Apelante, o Acórdão Arbitral a quo não merece qualquer censura, pelo que deverá ser mantido qua tale.
ii) Cotejando as alegações e conclusões a que se responde percebe-se que a recorrente quer agora fazer passar um pressuposto falacioso: o de que a causa de pedir da autora (e o “pressuposto fáctico em assenta a decisão a quo”) sempre deve improceder conquanto “como é da experiência comum, para que uma obra surja é sempre necessário haver um projecto: a obra jamais poder ser executada sem os projectos e dos autos decorre com toda a segurança que a estrutura do edifício foi executada pela Autora” (vide p. 6 das alegações).
iii) O que a Autora alegou – e logrou provar – foi que: a) para efeitos de orçamentação não teve acesso ao contrato completo, mas apenas a algumas peças desenhadas e a um mapa de quantidades; b) aquando da celebração do contrato) o projecto não estava ainda definido, estabilizado, fechado, concluído; c) sempre esteve na representação das partes (basta para tanto atentar nos anexos ao contrato dos autos – doc. 20 da contestação) que a Ré pretendia tornar, por referência ao projecto original, a obra mais barata e iria adaptar o projecto, em momento subsequente ao da outorga do contrato; d) não obstante as inúmeras interpelações expressas, claras e inequívocas que dirigiu à Ré, esta jamais lhe facultou as peças desenhadas e escritas da obra dos autos em consonância com tais adaptações; e) jamais a Ré definiu, com clareza, projecto que pretendia executar e que era o objecto da prestação contratual da Autora. [Os itens aqui elencados, estão suportados, sem exaustão, pelos docs. 3, 4, 5, 6, 7, 9, 14, 15, 17, 19 da p.i. e doc. 7, 8, 9, 10, 11 da resposta, cujos factos ai insertos foram, como consta da decisão ora em crise, confirmados pela prova testemunhal].
iv) Ademais, a Autora alegou, e logrou provar, que a Ré não coordenou as demais empreiteiras na obra, com manifesto prejuízo para os andamentos do trabalho.(cf. docs. 20, 21, 22 da p.i., fl. 2 do doc. 8 , fl. 2 do doc. 10, fl. 2 do doc. 11 da resposta, bem como pela prova testemunhal que sobre os factos ai insertos foi produzida].
v) Em suma, o que Autora alegou, e logrou provar, foi que: tanto os atrasos como a subsequente paragem dos trabalhos se ficaram a dever às indefinições da Ré, do que é demonstrativa a falta de entrega dos projectos concluídos e estabilizados e a falta de coordenação / entrada atempada das demais empreiteiras contratadas directamente pela Ré.
vi) A Recorrente omite que o orçamento apresentado e junto ao contrato não tem correspondência com os projectos que, até à data da sua assinatura, foram produzidos (facto 15), antes sendo a prestação da contratual da autora balizada pelo que resulta do contrato e seus anexos I e II, compostos por um rol de alterações de soluções construtivas e de materiais, discriminados ao longo das 6 páginas.
vii) No dia da assinatura do contrato, a Demandada não entregou à Demandante os exemplares completos do projecto que veio a ser executado (facto 18) sendo que a Demandante ficou na expectativa que lhe fossem fornecidos exemplares que fixassem a empreitada, nomeadamente os projectos cadernos de encargos e memória descritiva (facto 19) - tais elementos não chegaram a ser entregues (facto 25).
viii) Partindo deste pressuposto, o conhecimento a que se alude nos contrato e na lista de preços unitários, diz respeito não à obra a executar, tal como ela foi querida pelas partes, mas sim aos elementos primitivos, da obra, mais cara e de cuja execução a Ré desistiu.
ix) Por isso, ainda que se considere que as menções no contrato e na lista de preços / mapas de quantidade a ele anexos se tratavam de declarações confessórias com a força probatória que a Recorrente pretende, as mesmas não se reportam à obra a executar (objecto da prestação) mas sim a elementos projectuais anteriores e que são coincidentes com a obra originalmente querida pela recorrente (antes das alterações plasmadas nos anexos).
x) Ainda por hipótese admitindo que se tratam de verdadeiras declarações confessórias, a Ré, por força do princípio da indivisibilidade da confissão, e em face da globalidade do contrato que argumenta conter tais confissões, terá de admitir que o contrato tem como objecto a execução da obra de acordo e “correcção posterior de 18 de Agosto de 2005, apresentada pelo empreiteiro” (no fundo, os ditos Anexos I e II).
xi) Ou seja, se a Recorrente classifica essa menção contratual como declaração confessória extrajudicial, terá, sob pena de violar o princípio da indivisibilidade da confissão (artigo 360º do Código Civil), de aceitar a existência das alterações às soluções construtivas que consensualmente foram introduzidas no contrato na data da sua celebração e que, obrigatoriamente necessitavam da concretização projectual que não veio a ocorrer e que é a que está no âmago dos presente autos.
xii) Tanto mais impressivo quando os factos dados como provados e que a Recorrente pretende atacar com a arguição da “declaração confessória” se reportam, não ao conhecimento do projecto inicial (questão que, bem, foi considerada despicienda pela Decisão a quo – fls 59) mas sim à falta da entrega dos projectos estabilizados que, reflectindo as alterações aos projectos iniciais, concretizassem, com rigor, a prestação contratual que estava adstrita à Autora.
xiii) A Ré não entregou o projecto final, contemplando as alterações negociadas (as mais das quais constantes dos Anexos I e II do doc. 20, pelo que a recorrente, ao verberar com as menções (anódinas, e não confessórias) inscritas no contrato e na lista de preços unitário, está a confundir realidades e grandezas que não são comparáveis.
xiv) Falece razão à premissa fundamental da Recorrente, e que segunda a própria é a de que “comunicou e descreveu à Autora “A” essa obra, quer para efeitos de orçamentação quer para efeitos da execução física da obra e deu-as a conhecer à Autora ainda antes da assinatura do contrato”. (sublinhado nosso).
xv) Aliás, é a própria Recorrente, a fls. 7 das alegações, quem admite que foram entregues elementos projectuais posteriormente à celebração do contrato, o que está flagrantemente em oposição com a sua tese recursiva.
xvi) A entrega do projecto consolidado, é uma exigência legal, que decorre do artigo 10º do DL 59/99, que prescreve “O dono da obra definirá, com a maior precisão possível, nos elementos escritos e desenhados do projecto e no caderno de encargos, as características da obra e as condições técnicas da sua execução, bem como a qualidade dos materiais a aplicar, e apresentará mapas-resumo de quantidades de trabalhos”.
xvii) Não tendo a Ré dado cumprimento a este preceito constituiu-se em mora desde o dia da outorga do contrato (18 de Agosto de 2005) pois foi nessa data, com a correcção apresentada pelo empreiteiro que ficou definido o quid da prestação da Autora – cf. clausula 1ª, nº 1, e só nessa altura lhe seria exigível a definição a que alude o artigo vindo de citar.
xviii) Ao contrário do propugnado pela Recorrente, a Autora nunca afirmou, nem isso é objecto da contenda, que não lhe foram disponibilizados, em obra, elementos que lhe permitissem realizar algum trabalho que a mesma sabia que não sofrera modificações e simplificações expressivas.
xix) A fase inicial da estrutura foi realizada pela Demandada, aqui Recorrida, através de elementos que lhe foram entregues esparsamente pelos projectistas ao longo da execução desse segmento da obra e de esclarecimento solicitados e prestados junto desses projectistas e do arquitecto “N” que acompanhou a obra em nome da Demandante (facto 78).
xx) Apesar, na fase inicial da obra, imbuída de boa fé e no pressuposto de que a dona da obra também o estaria, a Autora tudo ter feito para suprir a falta do cumprimento dos deveres acessórios de conduta da Ré, solicitou, desde o início da relação contratual, que lhe fossem entregues os projectos na sua versão final, ou, para utilizar a expressão da alegante, na sua versão “reduzida”.
xxi) Sendo a celebração do contrato contemporâneo às últimas alterações do seu objecto (maxime os anexos I e II e orçamento corrigido em conformidade) seria irrazoável exigir a entrega do projecto formalmente consignado antes a outorga do mesmo.
xxii) Acresce que, como se alegou na p.i. (e não foi levado ao probatório por objectivamente não ser necessário para a boa solução da causa) só nas vésperas da outorga do contrato é que a Ré informou a Autora que o contrato seria por “preço global”, sendo certo que é perfeitamente possível orçamentar uma obra com base numa lista de preços / quantidades e na posse de algumas peças desenhadas, como foi provado.
xxiii) Relativamente à apreciação que a Recorrente faz da “propensão epistolar” da autora, e em face do teor das cartas em causa (vide, pelo menos docs. 3, 15 e 17 da p.i. e 7 e 11 da resposta), o qual revela, que a Autora, de forma coerente, repetitiva, concreta e peremptória explanou as razões de ser dos sucessivos pedidos de envio dos elementos projectuais devidamente estabilizados (correcção, para menos ou para mais, do preço da empreitada e dificuldade ou impossibilidade de execução da obra), tem de se por completo que flua do contexto e conteúdo das cartas da autora que o seu intuito fosse “incrementar os preços contratuais” e que as mesmas não revelem “dificuldades ou impossibilidades de execução da obra com base em falta de elementos caracterizadores”, como alega a recorrente a fls. 7.
xxiv) Tal interpretação, em substância de má fé (e cuja consequência se deixa à consideração dos poderes de conhecimento oficioso do Tribunal da Relação) trata-se de uma manobra de diversão que tem apenas como objectivo, também ele censurável, desvalorizar o acervo probatório dos autos, consubstanciado nas cartas que a Autora redigiu à Ré.
xxv) O que deve ser valorada é quase absoluta falta de resposta da Ré às cartas da Autora, pois que comandava a lógica que, querendo contrariar os fundamentos e pretensões ai plasmadas, a Ré deveria ter prontamente respondido a essas cartas.
xxvi) Quanto às putativas nulidades identificadas em 1 (conclusão 37), 4 (conclusão 34), 5 (conclusão 36), e 6 (conclusões 39 a 40), apenas se podem enquadrar, e em tese, como tratando-se “da prática de um acto que ali não admita” ou da “omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva” “quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou decisão da causa” – conforme dispõe o nº 1 do artigo 201º do C.P.C..
xxvii) A recorrente, representada em juízo por dois Advogados, não reclamou das nulidades em tempo, como lhe comanda o artigo 205º, apenas as vindo arguir agora como fundamento de recurso.
xxviii) Destarte, as nulidades referidas nas conclusões 34, 36, 37 e 38 e 39 a 40 não devem ser conhecidas, por, a existirem, estarem sanadas.
xxix) Em face do espartilho jurídico consignado pelo artigo 27º e 16º da LAV apenas poderão, em tese, ser consideradas as nulidades levadas à conclusão 42 (excesso de pronuncia) e conclusão 43 a 47 (decisão surpresa e violação do princípio do contraditório) – e neste último caso apenas se tal violação tenha “influência decisiva na resolução do litígio” (cf. al. c) do nº1 do art.º 27 da LAV).
xxx) A Ré estava, desde a fase dos articulados, absolutamente ciente de que a inexistência de pressupostos da resolução e, outrossim, como o preenchimento dos pressupostos da desistência da empreitada eram questões a decidir pelo Tribunal a quo;
xxxi) Pelo que é insustentável considerar que a Sentença a quo viola (ademais gravemente) o princípio do contraditório ou que decidiu para além do objecto do litígio.
xxxii) Paralelamente, não configura decisão-surpresa sobre que se justifique prévia audição das partes a aplicação do regime jurídico a que se subsumem os factos em que o autor funda o seu direito.
xxxiii) Não existe qualquer excesso de pronúncia por parte do Tribunal recorrido, que, ao contrário do que alega Recorrente se moveu dentro obviamente dentro do thema decidendum definido pelas partes (vide, pelo menos, artigos 332º, 333º e 336º a 345º da Resposta à contestação / Reconvenção) tendo, em face da resposta que deu às questões suscitadas, subsumido o direito aos pedidos.
xxxiv) O Tribunal deve conhecer das questões que, nos articulados, lhe são colocados pelas partes e que se demonstrem essenciais para a boa decisão da causa, pelo que o Aresto recorrido só merece aplausos.
xxxv) Improcedem pois, as alegações quanto à nulidade da Sentença arguidas pela Apelante.
xxxvi) A decisão de não fundamentar a matéria de facto não provada, adoptada na acta de instalação do tribunal arbitral e contestada na conclusão 34 das alegações da Apelante configura, em abstracto, uma nulidade secundária, que, não tendo sido arguida nem reclamada oportunamente, não poderá ser objecto de pronúncia por este Tribunal.
xxxvii) Sem prescindir, a sua arguição configura abuso de direito, na modalidade de venire contra factum propriu, conquanto que a Ré, bem sabendo das regras do processo arbitral, definidas de acordo com o artigo nº 3 do artigo 15 da LAV, a elas aderiu sem qualquer reserva, só vindo agora, e por ter perdido a acção, alterar a sua posição.
xxxviii) O objectivo velado da arguição desta nulidade / inconstitucionalidade é o de abrir uma porta para recorrer para o Tribunal Constitucional, no sentido de protelar a decisão definitiva da causa.
xxxix) De todo o modo, e ainda sem prescindir, é jurisprudência pacífica, e tal resulta dos artigos do CPC que regulam esta questão, que a Sentença não tem, obrigatoriamente, que fazer referência aos factos que não foram dados como provados.
xl) A conclusão antecedente, resulta, ademais, da própria ponderação do Tribunal Constitucional sobre tal temática, o que redobra a convicção de que a situação arguida não consubstancia qualquer inconstitucionalidade.
xli) Como bem observa o Tribunal da Relação de Lisboa em acórdão supra identificado “não tem sentido uma interpretação que imponha a especificação de fundamentos quanto a cada resposta negativa: facto essencial é o existente, o positivo, o provado; o não provado, em princípio, não existe como fundamento da decisão; aliás, é obvio que a razão de ser das respostas negativas é a ausência de prova, sendo, por isso, pleonástico e mesmo absurdo justificar uma ausência que se impõe.”
xlii) O depoimento do Dr. “Q”, ao contrário do que a Recorrente verbera, não versou sobre o abandono da obra, mas sim sobre as conversações tendentes à normalização da relação contratual – pelo que se não verifica a nulidade arguida nas conclusões 39 e 40 das alegações da apelante.
xliii) Tanto assim que, compulsado o Acórdão sub judice, e sem dificuldades de interpretação, percebe-se que a referência ao depoimento da testemunha Dr. “Q”, lavrada no acórdão, versa sobre “uma solução que previa a retoma dos trabalhos”, ie., sobre os factos sobre os quais o mesmo estava autorizado a depor no âmbito da dispensa do sigilo que foi decidido pelo C.D. do Porto da Ordem dos Advogados - Acórdão recorrido refere expressamente que a sua convicção relativamente os factos 80 a 84 se formou a partir do depoimento da testemunha “R” e dos documentos que identifica, e não do depoimento do Dr. “Q”.
xliv) Assim à guisa de conclusão genérica acerca das nulidades invocadas constata-se que, para além de formalmente, a maioria das nulidades arguidas não poderem ser legalmente atendidas pelos Exmos. Senhores Desembargadores, o certo é que não assiste qualquer razão, em substância, para se julgar que alguma delas se tenha verificado.
xlv) É inadmissível a modificação da resposta aos pontos 7, 14, 15, 27, 18, 19, 20, 25, 46 (conclusões 1, 3, 8, 10, 13, 17, 37 e 38) 44, 45 (conclusão 13), 80, 81, 82, 83 e 84 (conclusão 18), propugnada pela Recorrente, conquanto a convicção do Tribunal a quo se formou, também, a partir dos depoimentos testemunhais referidos na decisão em crise a que o Tribunal da Relação não tem acesso.
xlvi) Com efeito, perante o teor literal do artigo 712º do C.P.C. a interpretação unânime seguida pela Jurisprudência é a de que, assentando a matéria de facto apurada na primeira instância (também em) prova testemunhal, e não tendo esta sido gravada, está vedado ao Tribunal da Relação conhecer acerca do pedido de modificabilidade da decisão de facto.
xlvii) ”Tendo sido ouvidas testemunhas, sem que tivessem sido registados os seus depoimentos, ainda que a quesitos diferentes daqueles cujas respostas se questionam, a Relação não pode alterar a matéria de facto apurada pela 1.ª instância, com fundamento na alínea a) do n.º 1 do art. 712 do CPC, porque podem ter influenciado, ainda que indirectamente, tais respostas” (Tribunal da Relação de Lisboa, a 08.02.2007, n.º 10077/2006-6, in dgsi.pt).
xlviii) Ainda assim, e sem prescindir, a verdade é que os argumentos e os elemento probatórios oferecidos pela Recorrente nas suas alegações jamais poderiam impor decisão inversa da que foi tomada pelo Tribunal a quo, e muito menos conseguirá sustentar o pedido que a Recorrente formula no fim das suas alegações – que ambiciosamente pretende ver revogada a decisão a quo e julgados procedentes os seus pedidos reconvencionais. Vejamos:
xlix) Quanto ao doc. de fls. 1223 e seguintes, ficou demonstrado que o mesmo não tem a relevância que a Recorrente lhe atribuí, antes reforça a bondade da decisão da matéria de facto, ainda que tenha ficado prejudicado o exercício do seu contraditório pelo facto de a ora alegante não ter podido recorrer ao depoimento das testemunhas que o analisaram e que foram determinantes para a formação da convicção do Tribunal a quo.
l) No mais, a prova documental oferecida pela Recorrente sobre o pedido de condenação da Autora no pagamento de € 780.655,82 correspondente à “diferença entre o total contratado (…) e a despesa total efectivamente suportada pela Ré para concluir a obra” subsume-se ao fascículo de facturas junto como doc. 50 da Contestação - tal prova apresenta-se fraca, indigna de ser valorada, sequer por hipótese, por este Tribunal.
li) A ser valorada tal prova, só o poderá ser no sentido contrário ao propugnado pela Apelante, pois que, para além de não resultar demonstrado que os trabalhos facturados pela “P” correspondem àqueles que estavam contratualmente estabelecidos com a Apelada, percebe-se que nesse fascículo estão incluídos estão incluídos trabalhos que orçam em 350.630,01€ que não correspondem a obra anteriormente adjudicada à “A” [facturas nº: 51570014 (19.145,80€); 51770008 (85.015,97€); 51170003 (156.367,83€); 51370014 (90.100,41€)].
lii) Por continuar a insistir em tal condenação, não expurgando sequer os documentos que, patentemente, em nada contendem com a relação contratual dos autos, a Recorrente revela má fé substancial e instrumental, fazendo um uso censurável do processo com o ínvio objectivo de obter um benefício que sabe não ser legítimo, pelo que, após prévia audição ao abrigo do artigo 3º do C.P.C., a Recorrente, na pessoa do seu legal representante (458º C.P.C.), deve ser condenada como litigante de má fé, em multa condigna e indemnização a favor da recorrida, em montante não inferior a 10% do valor supra referido, i.e., a 35.000,00€.
liii) O montante da indemnização prende-se, para além dos demais danos que a existência de um pedido injusto acarreta para o seu bom nome comercial e com as despesas processuais (custas arbitrais, honorários do mandatário, despesas com testemunhas, etc.)
liv) Quanto ao pedido relativo ao ressarcimento do preço de nova licença de construção, que alegadamente se tornou necessária para a conclusão da obra constata-se que Ré não alega, e inerentemente, não prova, qual a causa da emissão da nova licença [quando é certo que as licenças de construção são renováveis] nem tão pouco em que medida tal custo é imputável à Autora, pelo que tal pedido só poderá improceder.
lv) O exame de peritagem que a Ré entendeu ser de encomendar à “O”... não pode ser imputado à Autora, dado que a sua elaboração não era essencial para a conclusão dos trabalhos, não existindo qualquer causalidade adequada entre o custo e o objecto do contrato. Nem tão pouco a Ré alegou tal nexo…
lvi) O pedido indemnizatório relativo ao diferimento de cash-flows parte dos pressupostos de rentabilidade insertos num estudo de viabilidade económica e financeira destinado a tornar mais atractivo o seu projecto.
lvii) Para além das contradições que apresenta, tal projecto de investimento está totalmente desfasado da realidade, não tendo a Ré feito qualquer prova (sequer) quanto à plausibilidade dos mesmos.
lviii) Quanto à perda de cash flows (rubrica que a Ré Apelante computa em 237.726,00€), a prova pericial não amparou a tese da recorrente. Adicionalmente, é a própria Ré quem admite, no artigo 294º da Contestação, que no ano em que mais obras foram realizadas pela Autora, “a realidade superou as expectativas”, pelo que a Ré não demonstrou qualquer nexo de causalidade entre as obras e a ocupação do hotel.
lix) A obtenção do prémio “D” dependia em 60% da verificação de outras variáveis, que não apenas do tempo de execução das obras. Nem através da prova pericial a Ré logrou provar que esses 60% estavam cumpridos, pelo que não pode, sequer em tese, concluir que a frustração desse prémio se deveu ao atraso na conclusão das obras.
lx) A Ré não demonstrou sequer que não tenha recebido esse prémio…
lxi) Em suma nenhum dos pedidos reconvencionais que a Recorrente pretende ver julgados procedentes está suportado em qualquer elemento probatório que permita ao Tribunal ad quem substituir-se à decisão recorrida (ainda que tal fosse possível apesar de o Tribunal ad quem não ter acesso a todos os elementos de prova que foram decisivos para a formação da convicção probatória constante na decisão recorrida).
lxii) Paralelamente, não se vê fundamento para que o facto 48 seja alterado, já que o valor ai consignado diz respeito, efectivamente, ao custo inicial (i.e, ao contratado) da empreitada dos autos.
lxiii) Quanto ao impugnado facto 41, realce-se que o mesmo foi admitido por acordo, pelo que deve manter-se a resposta nos exactos termos exarados no acórdão recorridos.
lxiv) Assim, e ainda sem prescindir, é forçoso concluir-se que os elementos probatórios em que a recorrente estriba a suas pretensões (a revogação da sentença que a condenou e a condenação da Demandante, aqui recorrida) não têm a virtualidade de significar a revogação da resposta à matéria de facto, e, de igual sorte, não são suficientes para que sejam considerados provados os factos favoráveis à recorrente.
lxv) Quanto à solução jurídica que a Ré pugna ser a ajustada aos autos, há que ter em conta que o direito à resolução se trata de um direito vinculado e que a validade da revogação depende da verificação do fundamento legal em que se estribou (no caso a suposta mora da Autora).
lxvi) Assim, e considerando que a Autora impugnou a validade da resolução e delimitou a situação dos autos ao abandono da empreitada, só se pode aplaudir a solução jurídica a que chegou o Tribunal a quo.
lxvii) Tanto que, a Autora logrou provar a mora da Ré e a Ré não logrou demonstrar a mora da Autora, ou seja, não provou o fundamento em que justificara a destruição do vínculo contratual.
lxviii) Ainda assim, a Ré, pugna que a sua resolução é operante e que tem direito a ser ressarcida dos danos (que não provou, nem alegou convenientemente!) pelo interesse contratual positivo, pretensão que não poderia, sequer em hipótese, ser atendida, conquanto “Resolvido o contrato de empreitada, o valor despendido pela Ré (comitente) para concluir a obra, tratando-se do dano de cumprimento (interesse contratual positivo), não está coberto pela indemnização”. (Acórdão da Relação de Coimbra, de 6-11-2007, proc. 1687/04.0TBAVR.C1).
lxix) A Recorrente formula pedidos incompatíveis com a solução legal a que deitou mão – a resolução do contrato, pelo que também por ai só poderá naufragar o presente recurso.
lxx) A recorrente, que nos articulados pretendeu prevalecer-se do artigo 185º do DL 59/99 de 2 de Março relativo à “Suspensão dos trabalhos pelo empreiteiro”, como causa resolutiva, levou tal fundamento às conclusões apenas como fundamento de um putativo “incumprimento de deveres acessórios de comunicação, esclarecimento e informação prescritos” (conclusão 61).
lxxi) Não obstante tratar-se de uma questão nova, a consequência jurídica que as conclusão 61 prossegue não poderá ter provimento, a um passo porque, como resulta do probatório, a suspensão dos trabalhos ficou deveu-se à Ré, dono de obra, a outro porque a Autora, nomeadamente através da carta que constitui o doc. 8 da resposta, prestou os esclarecimentos quanto à iminência da paralisação dos trabalhos, bem como das inerentes causas.
lxxii) A recorrente, na sua tese recursiva, assim como nos articulados, deturpa por completo regime legal da empreitada por obra preço fixo, já que este regime, para além de obrigar o dono da obra à estabilização completa dos elementos projectuais de molde a identificar, sem tibiezas, os trabalhos a realizar (o que nunca aconteceu e é a causa da mora da Ré) prevê a possibilidade, utilizada pela Demandante, de o empreiteiro recorrer a dossiers de erros e omissões sempre que o trabalho pretendido não se coadune com o que está estabilizado nesses elementos projectuais.
lxxiii) Não se entende, por conseguinte, como pode a Recorrente qualificar de torpe a o objectivo da Autora querer ser paga pelo trabalho que realizou (tal como resultou provado), nos termos que invoca nas conclusões 48 a 54.
lxxiv) A recorrente, em desespero de causa, “dispara em todas as direcções” a partir da conclusão 49º rejeitando a admissibilidade do pagamento do valor respeitante a revisão de preços, invocando culpa do lesado na formação e execução do contrato e abuso de direito – tratam-se de questões novas, que não deverão ser apreciadas.
lxxv) Sem prescindir da arguição de que se tratam de questões novas, não assiste razão à recorrente, a um passo porque todo o enquistamento da relação contratual se deve à Ré, que não deu seguimento às inúmeras solicitações que os autos atestam para que esta cumprisse a sua prestação, a outro porque com tais alegações a Recorrente se pretende eximir ao pagamento do preço de trabalhos que, comprovadamente, assimilou na sua obra.
lxxvi) No pedido conclusivo do recurso, a recorrente requer que “Deve ainda condenar-se a Autora no pagamento das custas do processo, quer no quadro do funcionamento do Tribunal Arbitral, liquidadas no valor total de € 125.277,56 quer nesta sede recursória.”
lxxvii) Ocorre que o pagamento das custas liquidadas no quadro do funcionamento do Tribunal Arbitral, por força das regras processuais atinentes a custas que regularam a instância arbitral, é já devida pela Ré, como consta do acórdão de fls. 2252 e seguintes.
lxxviii) Sobre esta decisão, a Ré não interpôs recurso autónomo, nem o incluiu no âmbito da presente Apelação, pelo que a condenação em custas a proferir apenas deverá dizer respeito às concernentes ao presente recurso.
A apelante respondeu às contra-algações apresentadas pela apelada, no que concerne ao pedido de condenação da apelante como litigante de má fé, repudiando a imputação de que havia deduzido pedidos cuja falta de fundamento conhecia ou que havia alterado a verdade dos factos, requerendo que seja negado provimento ao pedido formulado na conclusão 50ª da alegação da apelada, de condenação da demandada como litigante de má fé.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
***
II. ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO
Importa ter em consideração que, de acordo com o disposto nos artigos 684º, nº 3 do Código de Processo Civil, é pelas conclusões da alegação da recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente,apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Assim, e face ao teor das conclusões formuladas, a solução a alcançar pressupõe a análise das seguintes questões controvertidas, as quais serão abordadas de acordo com a sua precedência lógica:
i) DA INVOCADA NULIDADE DO ACORDÃO RECORRIDO, POR TER CONHECIDO DE QUESTÕES DE QUE NÃO PODIA TOMAR CONHECIMENTO (ARTº 668º, Nº 1 ALÍNEA D) DO CPC) E A SUA CONCATENAÇÃO COM A ALEGADA VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO – A PROLAÇÃO DE UMA DECISÃO SURPRESA (conclusões 42ª e 43ª, 44ª a 47ª da alegação de recurso)
Þ DAS DESIGNADAS NULIDADES PROCESSUAIS INVOCADAS PELA RECORRENTE:
ii) DA DECISÃO DE NÃO FUNDAMENTAR A MATÉRIA DE FACTO PROVADA, ADOPTADA NA ACTA DE INSTALAÇÃO DO TRIBUNAL ARBITRAL (conclusão 34ª da alegação de recurso )
iii) DA VIOLAÇÃO DAS REGRAS DO PROCESSO SUMÁRIO A OBSERVAR NA ARBITRAGEM, NO QUE CONCERNE AO NÚMERO DE TESTEMUNHAS QUE PODEM SER INQUIRIDAS SOBRE CADA FACTO (conclusão 38ª da alegação de recurso )
iv) DA INCIDÊNCIA DO DEPOIMENTO DA TESTEMUNHA, DR. “Q”, ADVOGADO (conclusões 39ª e 40ª da alegação de recurso )
v) DA ALTERAÇÃO PELO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO ESTABELECIDA NO ACÓRDÃO ARBITRAL RECORRIDO (conclusões 1ª a 33ª, 35ª a 37ª da alegação de recurso )
vi) DA SUBSUNÇÃO JURÍDICA DOS FACTOS APURADOS AO DIREITO APLICÁVEL (conclusões 41ª, 48ª a 68ª da alegação de recurso )
Þ Por forma a apurar se deve ser revogada a decisão do tribunal arbitral e julgar improcedente o pedido deduzido pela demandante contra a demandada e procedente o pedido reconvencional, apreciando as seguintes sub-questões:
a) Da resolução do contrato de empreitada celebrado entre as partes “versus” desistência da empreitada, por parte da demandada;
b) Da cumulação do direito de indemnização com o exercício do direito de resolução (caso se conclua pela validade da invocada resolução do contrato)
c) Do direito da demandante a exigir da demandada o pagamento das facturas emitidas relativas a revisão de preços e a erros e omissões.
d) Da conduta processual da apelante.
***
III . FUNDAMENTAÇÃO
A - OS FACTOS
Foram dados como provados no acórdão arbitral os seguintes factos:
1. A Demandante dedica-se à construção de edifícios e empreitadas de obras públicas.
2. Por sua vez, a Demandada dedica-se à gestão de empreendimentos turísticos.
3. Em 18 de Agosto de 2005, a Demandada e a Demandante celebraram um contrato de empreitada nos termos do qual aquela, na qualidade de entidade promotora, incumbiu a Demandante, na qualidade de empreiteiro, dos trabalhos de empreitada “de Construção da Ampliação do Hotel de “C” de acordo com os projectos de Arquitectura, Estabilidade, Redes de Água, Redes de Esgotos e Redes de Incêndio, e a Proposta de Orçamento de 24 de Dezembro de 2004 e correcção posterior de 18 de Agosto de 2005, apresentada pelo empreiteiro”.
4. Em 2004 a Demandante estava encarregada de várias empreitadas de construção de moradias e construção da estrutura de betão e outros trabalhos do Complexo de Ténis na Ilha de ....
5. Durante a execução dessas empreitadas, a “A” foi pessoal e directamente abordada por um colaborador da Demandada no sentido de apresentar um orçamento para as obras dos autos.
6. Na sequência desse contacto foi promovida uma reunião entre as partes, que teve lugar nos escritórios da Demandada, no ....
7. No decurso dessa reunião negocial, a Demandada entregou à Demandante um conjunto de desenhos e um mapa de resumo de quantidades como base de trabalho para o orçamento a apresentar, com os respectivos preços unitários.
8. E informou que as soluções construtivas a adoptar na obra de ampliação iriam ser, no futuro, simplificadas com o intuito de reduzir os custos.
9. A Demandada, antes de ter contactado a Demandante, havia consultado outros empreiteiros cujos orçamentos considerou elevados para o investimento que pretendia realizar.
10. Na reunião entre Demandante e Demandada ficou estabelecido que o projecto final seria alterado com vista a diminuir o preço da empreitada.
11. Na sequência da consulta, a Demandante apresentou o seu orçamento.
12. A elaboração do orçamento teve por base as explicações veiculadas pela Demandada na referida reunião onde se abordou as alterações ao projecto a levar a cabo.
13. O orçamento inicial, de 21 de Dezembro de 2004, foi objecto de várias alterações tendo, por último, dado origem ao contrato de 18 de Agosto de 2005, junto a fls. 48 e segs.
14. As partes convencionaram, nas cláusulas 2ª e 3ª do contrato de fls. 48 e segs, que a empreitada ficaria subordinada ao regime de “preço global”, nos termos definidos pelo artº 9º do Decreto-Lei nº 59/99, de 2 de Março, e que este, no montante de € 1.869.411,13 com IVA, corresponde à soma dos preços unitários constantes da proposta que está na origem do contrato e junta a fls. 54 e segs.
15. O orçamento foi elaborado com base em peças desenhadas e mapas de quantidade que não correspondiam ao projecto que, a final, se veio a implantar.
16. Pela missiva enviada pela Demandante, em 24 de Outubro de 2005, foi solicitado à Demandada que fornecesse “todos os projectos de execução, o mais urgente possível, devidamente corrigidos, quer no que entretanto foi adicionado/alterado, quer do que foi suprimido, espelhando, inequivocamente, a pretensão final da obra a executar e permitindo proceder à correcção, adição ou supressão de preços/quantidades, corrigindo o valor global da empreitada, para mais ou para menos”.
17. A Demandante escreveu ainda nessa missiva, “a programação e o planeamento da sua execução de forma clara, inequívoca e coordenada dependem, em grande medida, da posse das referidas peças, pelo que, sem que tal suceda, não nos é possível efectuar e prosseguir com o planeamento global da empreitada, coordenando tarefas, consultando fornecedores, adquirindo materiais e fazendo-os chegar a ..., incorporando-os em obra dentro dos “timings” mais adequados”.
18. No dia da assinatura do contrato, a Demandada não entregou à Demandante os exemplares completos do projecto que veio a ser executado.
19. A Demandante ficou na expectativa que lhe fossem fornecidos exemplares que fixassem a empreitada, nomeadamente os projectos, caderno de encargos e memória descritiva.
20. Só em 30 de Novembro de 2005, por carta, veio a Demandada fornecer os primeiros elementos projectivos, a saber:
a) peças desenhadas relativas a fundações e estruturas de betão armado; águas e esgotos.
b) 1 fascículo com medições da rede de distribuição de água; 1 fascículo com resumo das medições das fundações e estrutura; 1 fascículo com resumo de quantidades.
21. Por carta datada de 9 de Dezembro de 2005, a Demandante acusou a recepção dos elementos atrás referidos e comunicou à Demandada: “Não nos foi enviada qualquer Memória Descritiva ou Caderno de Encargos referente a estes projectos/documentos”.
22. Nessa mesma carta escreveu ainda a Demandante o seguinte: “dado que não é possível proceder a uma avaliação global do projecto pelo facto de não nos ter o mesmo sido ainda fornecido, de modo a permitiruma mais célere apreciação dos erros e omissões, faremos a sua identificação à medida que os ditos elementos e definições do projecto nos sejam fornecidos ou deles venhamos a ter perfeito conhecimento. Assim, face à documentação recebida, vimos pela presente enviar a V.Ex.as o dossier de erros e omissões, mas apenas relativamente aos projectos acima descritos, ou seja, fundações e estruturas de betão armado e águas e esgotos”.
23. Com essa carta seguiu o “Relatório de Erros e Omissões referentes aos projectos de fundações e estrutura de betão armado e águas e esgotos”, junto a fls. 94 e seguintes.
24. Na carta de 9 de Dezembro de 2005 escreveu a Demandante: “continuaremos a aguardar o envio dos restantes elementos em falta para que, de igual forma, os possamos analisar e elaborar o respectivo dossier de erros e omissões”.
25. Os referidos elementos não chegaram a ser entregues.
26. Por carta de 12 de Janeiro de 2006, a Demandante insistiu: “apesar das sucessivas promessas de V.Ex.as, o projecto não nos foi ainda fornecido, não se conhecendo em toda a extensão o que se pretende executar, desconhecendo-se a existência de eventuais discrepâncias nas quantidades, erros e omissões, consideradas na lista de preços/quantidades que deram origem à proposta”.
27. Por carta de 29 de Março de 2006, a Demandante remeteu à Demandada o relatório de erros e omissões referentes aos projectos de arquitectura e estruturas em madeira lamelada, carpintarias, revestimentos de paredes com tijolo “burro” denominado de ladrilho e outras indefinições, conforme documento de fls. 19 e seguintes.
28. Recebido o relatório, a Demandada respondeu enviando à Demandante a carta de 18 de Julho de 2006, junta a fls. 136 e seguintes.
29. Nesta carta, a Demandada acusa a Demandante da “dificuldade em respeitar o preço global fixo” e imputando-lhe “as sistemáticas perturbações e atrasos com significativos prejuízos”.
30. Em reunião havida a 26 de Fevereiro de 2006, foi discutida a nova (em comparação com a do projecto que serviu de base ao orçamento) versão da cobertura de madeira. Foi a Demandada quem definiu a nova solução projectada e participou na escolha do fornecedor, aceitando o preço por este apresentado para os trabalhos pretendidos e dando ordem à Demandante para proceder à encomenda da estrutura em madeira lamelada para a cobertura, aceitando o preço de € 179.500,00, mas “ressalvando que, no atinente aos meios para montagem, administração e lucros só aceitava o valor inicial de € 17.295,15, devendo ainda incluir certificado de garantia”. A Demandada “submeteu ainda a aceitação das alterações a uma condição: este novo acordo, considerado na sua totalidade, teria de ser reunido numa vinculação entre as partes, onde se mantivesse o mesmo tipo de empreitada por preço global, agora com novo valor e nova lista de preços unitários e ainda que fosse clarificado se o prazo para a conclusão da obra se manteria, ou se o mesmo seria prorrogado e em que medida” – cfr. artºs 147º e 148º da contestação.
31. Relativamente à entrada em obra de outras artes adjudicadas a outros empreiteiros, a Demandante acusou a falta de subempreiteiros em número suficiente para dar cabal cumprimento ao que se lhes exigia.
32. A este propósito, por carta de 12 de Janeiro de 2006, a Demandante dá conta de um atraso de 3 meses e meio na entrada em obra do empreiteiro das redes eléctricas e do empreiteiro dos sistemas de tubagens e equipamentos das piscinas. E chama igualmente a atenção para a manifesta insuficiência de elementos das equipas a quem cabiam essas funções, sugerindo-se “significativa incrementação”.
33. Após ter sido alertada em 12 de Janeiro de 2006 para tal facto, a Demandada comunicou, através de fax de 7 de Fevereiro de 2006, que a entrada em obra desses empreiteiros se faria a 8 de Janeiro de 2006 (certamente por lapso).
34. Na resposta de 7 de Fevereiro, uma vez mais a Demandante alertou a Demandada que “ a evolução destas empreitadas (e das outras) que deveriam prosseguir em simultâneo com a nossa empreitada, não tem ocorrido, situação que naturalmente vem provocando atrasos e perturbações na execução da nossa empreitada”.
35. Nos termos da cláusula 4ª do contrato de empreitada, os trabalhos deveriam ter início em 15 de Setembro de 2005.
36. Na data acordada, 15 de Setembro de 2005, a Demandante colocou ao serviço da obra os meios (equipamento e pessoal) necessários para o início dos trabalhos e a Demandada facultou à Demandante o local de realização da obra.
37. A licença de construção a ser emitida e levantada na Câmara Municipal de ..., cuja obtenção era da responsabilidade da Demandada, veio a ser concedida em 19 de Setembro de 2005.
38. A Demandada não pagou à Demandante parte do valor das seguintes 6 facturas, no total de € 104.586,91 assim discriminado:
a) a importância de € 7.312,80, relativa à factura nº 60051, de 30/6/2006, no valor global (com IVA) de € 168.194,47, correspondente a trabalhos contratuais (auto de medição nº 11) – fls. 164 e segs;
b) a importância de € 89.347,69, relativa à factura nº 60052, de 30/6/2006, no valor global (com IVA) de € 182.493,95, correspondente a trabalhos contratuais (auto de medição nº 12) – fls. 175 e seg;
c) a importância de € 113,69, relativa à factura nº 60057, de 03/07/2006, no valor global (com IVA) de € 2.614,94, correspondente a trabalhos de apoio à AVAC e electricidade (auto de medição nº 1 TM– diversos) – fls. 177 e seg;
d) a importância de € 49,78, relativa à factura nº 60063, de 14/7/2006, no valor global (com IVA) de € 1.144,99, correspondente a trabalhos contratuais (auto de medição nº 2 – TM diversos) – fls. 179 e seg;
e) a importância de € 6.060,96, relativa à factura nº 60069, de 1/8/2006, no valor global (com IVA) de € 139.402,10, correspondente a trabalhos contratuais (auto de medição nº 13) – fls. 181 e segs;
f) a importância de € 1903,43, relativa à factura nº 60073, de 1/8/2006, no valor global (com IVA) de € 2.147,63, correspondente a apoio de construção civil (auto de medição nº 6 – TM) – fls. 189 e seg.
39. A Demandada não pagou as quantias indicadas no número anterior com os seguintes fundamentos:
a) a quantia referente à factura nº 60051, por ter feito a retenção de 5% a título de garantia, invocando o artº 211º do Regime Jurídico das Empreitadas de Obras Públicas – Decreto - Lei nº 59/99;
b) a quantia referente à factura nº 60052, por entender o seguinte:
b.1) dos trabalhos em causa apenas era devida, nos termos do contrato, a importância de € 152.485,57 (IVA incluído);
b.2) dos trabalhos em causa já havia sido facturada e paga na totalidade a quantia de € 54.894,80 (IVA incluído) na factura nº 60031, de 22/5/2006 (auto de medição nº 9);
b.3) sobre o valor que aceitou da factura nº 60052, ou seja, a quantia de € 84.861,54 + IVA, haveria lugar à retenção, que fez, de 5%, a título de garantia, invocando o artº 211º do Regime Jurídico das Empreitadas de Obras Públicas – Decreto - Lei nº 59/99.
c) a quantia referente à factura nº 60057, por ter feito a retenção a título de garantia, invocando o artº 211º do Regime Jurídico das Empreitadas de Obras Públicas – Decreto - Lei nº 59/99.
d) a quantia referente à factura nº 60063, por ter feito a retenção a título de garantia, invocando o artº 211º do Regime Jurídico das Empreitadas de Obras Públicas – Decreto - Lei nº 59/99.
e) a quantia referente à factura nº 60069, por ter feito a retenção a título de garantia, invocando o artº 211º do Regime Jurídico das Empreitadas de Obras Públicas – Decreto - Lei nº 59/99, sendo que ao valor da factura já havia sido abatido o valor da nota de crédito nº 50007, de 10/8/2006.
f) a quantia referente à factura nº 60073, por ter aceite apenas o valor de € 255,30 (IVA incluído) e por ter feito a retenção a título de garantia, invocando o artº 211º do Regime Jurídico das Empreitadas de Obras Públicas – Decreto - Lei nº 59/99.
40. Não liquidou os montantes constantes das facturas 60082, 60092 e 60095, referentes a trabalhos contratuais, apesar de interpelada para o efeito, as quais totalizam a quantia de € 110.696,53, tendo invocado para tal que as facturas se venceram em data posterior ao abandono da obra, pelo que se julgou com o direito de não pagar, por ter crédito de valor superior.
41. No seguimento da execução de trabalhos extra-contrato, a Demandante emitiu um conjunto de facturas, que a Demandada não pagou, no valor total de € 8.218,58. Tratam-se de trabalhos não previstos no orçamento e que foram por esta solicitados:
a) Factura nº 60067 - execução de furação em pedra mármore e abertura de rasgos para caixas;
b) Factura nº 60068 - trabalhos nas paredes exteriores do Hammam/Nichos;
c) Factura nº 60072 - execução de negativos na zona de estar do espaço 15 e enchimento com betão, no espaço 19, incluindo betonilha de regularização e revestimento a tijolo.
42. A Demandada não pagou à Demandante a quantia de € 8.218,58 relativa às 3 facturas referidas no número anterior com os seguintes fundamentos:
a) Factura nº 60067, no valor de € 4.610, 35 (IVA incluído), de 31/7/2006, (auto nº 3 TM) – fls. 202 e seg. – invocando tratar-se de trabalhos extra-contrato e falta de acordo extra-projecto;
b) Factura nº 60068, no valor de 2.206, 24 (IVA incluído), de 31/7/2006, – fls. 204 e seg. – invocando tratar-se de trabalhos extra-contrato e falta de acordo extra-projecto;
c) Factura nº 60072, no valor de € 1.401,99 (IVA incluído), de 1/8/2006, – fls. 206 e seg. – invocando quanto ao ponto 1 do respectivo auto (auto nº 5 TM) que tais trabalhos constituem apoio de construção civil, o qual é devido, nos termos do contrato, e incluído no preço global; e quanto ao ponto 2, invocando tratar-se de trabalho incluído no artigo 9.1.3 da lista de preços unitários.
43. A Demandante procedeu à execução dos trabalhos de construção civil de apoio, nomeadamente na casa das máquinas e no bloco E do empreendimento.
44. Na casa das máquinas executou a selagem no atravessamento das paredes de betão para passagem de tubos de evacuação de água, trabalhos que ascendem a € 765,00. Colocou e forneceu ainda tubagem em PVC de diâmetro 110 com 8 m na ligação do tubo de limpeza ao poço de bombagem, incluindo abertura e tapamento de roço e poço com dimensões aproximadas de 60x60x40 cms, trabalhos e materiais que importaram em € 485,00.
45. No bloco E, a Demandante procedeu à execução de drenagem em tubos de PVC, de acordo com o desenho de arquitectura nos espaços 28 e 29, incluindo ligação do tecto da cave técnica à rede existente, segundo desenho entregue em 27/6/2006. Esses trabalhos importaram na quantia de € 852,00. A Demandante ainda não emitiu as facturas, pelo que sobre o total de € 2.102,00 acrescerá IVA à taxa legal.
46. A Demandante, à medida que foi recebendo os projectos finais, elaborou e dirigiu à Demandada os respectivos relatórios de erros e omissões. A Demandante emitiu e apresentou a pagamento as facturas 60056 e 60096, que não foram pagas, no valor global de € 98.668,45.
47. Aquando da saída da obra, a Demandante aí deixou alguns materiais, cujas quantidades e valores não foi possível apurar, tais como: barrotes, ladrilhos, adesivos, cimento, painéis de carpintaria, pregos e baldes de construção civil.
48. Nos termos inicialmente acordados o valor do contrato ascendia a € 1.869.411,13. O valor dos trabalhos contratados, executados e facturados pela Demandante ascende a € 1.498.358,70 (incluído o valor da factura nº 60068, de 31/7/2006, a fls.963 e segs).
49. Apesar de contratualmente prevista a data de 15 de Setembro como data do início das obras, a verdade é que a Câmara Municipal de ... emitiu a licença em 19 de Setembro.
50. A empreitada em causa constituiu um dos episódios orientados para a concretização física do projecto empresarial da “B” tendente à ampliação da sua única unidade hoteleira: o Hotel do “C”.
51. Numa primeira versão, esse projecto, da iniciativa da ““E” – Explorações Hoteleiras, S.A.”, então proprietária da unidade, consistia na dotação do Hotel do “C” de 4 bungalows com 16 camas, de uma nova piscina exterior, um SPA e ainda na remodelação dos espaços comuns exteriores.
52. Numa segunda versão, já da responsabilidade formal da ““B” – Empreendimentos Turísticos, S.A.”, empresa resultante da cisão simples da ““E” – Explorações Hoteleiras, S.A.”, os bungalows passaram para 5 e as camas para 30, mantendo-se todo o resto.
53. Do ponto de vista da estratégia comercial de exploração do Hotel do “C”, a Demandada tinha conveniência em concretizar a abertura ao público da infra-estrutura assim ampliada antes da inauguração das já então anunciadas duas novas unidades hoteleiras do ...: o “F” e o “G”´.
54. Para efeito da obra, a Demandada concorreu à obtenção do incentivo financeiro e ajuda proporcionada pelo denominado “D”, pelo qual, mediante contrato de concessão de incentivos financeiros no âmbito de apoio aos programas integrados turísticos de natureza estruturante e base regional, negociado no primeiro semestre de 2005 com o ITP – Instituto de Turismo de Portugal, adquiriu o direito de, verificadas as condições contratualmente previstas, obter um financiamento público de até € 2.552.735,00.
55. Uma das condições contratualmente previstas era o de a empreitada ser adjudicada por preço global.
56. Pretendeu-se ainda dotar o Hotel do “C” das valências, serviços e infra-estruturas aptas a proporcionar aos seus hóspedes e aos demais interessados as vantagens terapêuticas e medicinais da areia do ..., as quais foram laboratorialmente apuradas e testadas.
57. Com essas estruturas e serviços pretendia-se fazer interessar o mercado do norte da Europa, especialmente da Dinamarca, Suécia e Noruega, e a própria segurança social desses países.
58. A nova obra era de ampliação da estrutura existente.
59. A estrutura existente do Hotel do “C” tem 90 quartos duplos e a classificação de Hotel de 4 estrelas.
60. As casas de banho são revestidas com bons materiais.
61. Quanto aos acabamentos, a nova estrutura foi projectada com materiais igualmente bons ou até melhores.
62. Deste modo, foram concebidos os projectos:
· de arquitectura;
· de estrutura;
· de distribuição de águas e águas residuais;
· de climatização e ventilação;
· de instalações eléctricas, segurança e telecomunicações.
63. O revestimento das paredes exteriores dos novos bungalows foi concebido com uma mistura de cal, cimento e areia, para que pudesse prescindir de pintura.
64. A Demandada fez dar entrada na Câmara Municipal do “C”, em 2002, de um projecto de arquitectura e o respectivo caderno de encargos, para efeitos de aprovação, sobre o qual recaiu o nº .../2002 – 2.30064.
65. Este projecto de arquitectura e os projectos de especialidades foram aprovados por deliberação da CM... de 10 de Março de 2005, pela qual foi ainda concedida a correspondente licença para edificação.
66. A licença de construção, titulada pelo alvará nº .../2005, foi emitida por despacho do presidente da CM... de 19 de Setembro de 2005, data a partir da qual passou a produzir efeitos, com termo em 18 de Junho de 2008.
67. Para a execução do projecto de arquitectura a que se refere o ponto nº 64 e de todos os projectos de especialidades, foram convidadas a apresentar proposta, na sequência de contactos verbais directos, várias empresas.
68. Os preços apresentados pelas referidas empresas, em números redondos cifrados entre os € 3.100.000,00 e os € 3.800.000,00, a que acrescia o IVA, foram significativamente superiores ao cálculo dos custos da obra efectuado pelo Atelier “I”, responsável pela elaboração daquele projecto de arquitectura.
69. Depois da análise das propostas até aí recebidas e da ponderação dos preços praticados no mercado pelos empreiteiros das especialidades, a Demandada decidiu consultar a “A” – Engenharia e Obras Limitada, no sentido de apresentar preço para a execução dos projectos de arquitectura, redes de águas, esgotos e incêndios e ainda de estruturas (estabilidade).
70. Ficou liminarmente esclarecido com a “A” que a execução das demais especialidades seria adjudicada directamente pelo dono da obra a outras empresas.
71. A “A” propôs-se executar o projecto de arquitectura, de estruturas (estabilidade) e água e esgotos pelo preço total de € 1.869.411,13, a que acresce o IVA.
72. Apesar de a esse tempo ser desconhecida da Demandada, a Demandante foi convidada a apresentar proposta porque se encontrava a construir no ..., conforme consta do ponto nº 4.
73. A Demandada, após ter o preço da “A”, pediu ainda preço à “M” – – Engenheiros e Construções, S.A..
74. No tempo que mediou entre a proposta de Dezembro de 2004 e outorga do contrato em 2005 existiram conversações e negociações entre a Demandante e a Demandada.
75. O prazo convencionado para a execução dos trabalhos contratados, nos termos da cláusula 4ª do contrato de fls. 50, foi de 9,5 meses a contar de 15 de Setembro de 2005.
76. O local da realização da obra foi facultado à Demandante no dia 15 de Setembro de 2005.
77. Antes da obtenção e levantamento da licença de construção, os trabalhos de movimentação das terras já estavam a ser executados, com início no dia 15 de Setembro de 2005.
78. A Demandada fez acompanhar a obra pelo arquitecto “N”.
79. Quanto à disposição do tijolo decorativo que constitui o revestimento da nave, gerou-se um conflito entre as partes, entendendo a Demandante que o mesmo deveria ser colocado por forma a que a face visível seria a que tem as dimensões de 28cmx13cm . A Demandada, por sua vez, entendia que deveria ser colocado por forma a ficar visível a face com as dimensões de 28cmx5cm.
80. A Demandante, a partir de Maio de 2006, reduziu o número de trabalhadores na obra e o ritmo dos trabalhos.
81. O abrandamento no andamento dos trabalhos ficou a dever-se à não entrega dos elementos respeitantes aos projectos de carpintaria.
82. Posteriormente, foi a Demandada quem solicitou à Demandante que parasse com os trabalhos, na reunião de 8 de Julho, tendo ademais sido retirado o alojamento até então disponibilizado aos trabalhadores da Demandante, alegando para o efeito que tinha o Hotel completamente lotado, com clientes em lista de espera, e necessitava dos quartos para satisfação de reservas já efectuadas.
83. Ainda assim, depois dessa data, ficaram na obra alguns trabalhadores da Demandante, que foram executando trabalhos no interior da obra, face à falta de elementos, nomeadamente dos projectos das carpintarias.
84. Em Outubro de 2006, a Demandante paralisou completamente os trabalhos, retirando todos os seus trabalhadores da obra.
85. Em Fevereiro de 2007, os trabalhadores da Demandante foram ao local da execução da obra e levantaram materiais e utensílios de trabalho, designadamente os andaimes que lá estavam dispostos.
86. Em 8 de Janeiro de 2007, por carta registada, a Demandada interpelou a Demandante para cumprir o contrato de empreitada em prazos determinados, ali fixados, sob pena de resolução do mesmo contrato - doc. de fls. 861 e segs.
87. A Demandante recebeu esta carta em 11 de Janeiro de 2007.
88. A Demandante não retomou os trabalhos.
89. No dia 8 de Maio de 2007, através de carta registada, a Demandada comunicou à Demandante a resolução do contrato de empreitada, por incumprimento definitivo da Demandante - doc. de fls. 866 a 868.
90. A Demandante recebeu esta comunicação no dia 15 de Maio de 2007 – doc. de fls. 869 a 871.
91. Em Março de 2007, a Demandante encomendou à ““O” – ... – Inspecção de Edifícios, Lda”, empresa especializada na análise estrutural dos edifícios e diagnóstico de patologias construtivas uma peritagem tendente ao apuramento da:
· percentagem de execução física da obra, considerando todas as espécies e quantidades de trabalhos contratados;
· conformidade dos trabalhos executados com o plano contratualmente previsto;
· correcção dos trabalhos à luz das regras técnicas e da arte de bem construir.
92. As conclusões da ““O” – ...” constam dos relatórios do documento junto com o nº 46 – fls. 873 a 919.
93. A Demandada ajustou com a ““P”, S.A., a empreitada para a conclusão dos trabalhos.
94. Esses trabalhos tiveram início em 26 de Fevereiro de 2008, ao abrigo da licença de construção nº .../2008 da CM... e conclusão em Setembro de 2008 - doc. de fls. 920.
95. A “P” continuou os trabalhos a partir do ponto em que a Demandante os havia deixado e executou e concluiu a obra.
96. O “fontanário” do hammam, com o custo de € 12.850,00, executado pela “P” não estava previsto no contrato de empreitada ajustado com a Demandante.
97. A “P” entrou na obra e executou os trabalhos ao abrigo de uma nova licença de construção, que custou € 11.845,07 – fls. 920.
98. A Demandada pagou à “P” a importância de € 1.357.153,58. Pela peritagem referida no ponto nº 91 a Demandada pagou a quantia de € 9.350,00.
99. O atraso na conclusão das obras provocou diferimento e perda de cash-flows em montante não determinado.
100. Nos termos da cláusula 3ª do contrato de incentivos financeiros, de fls. 385 e seguintes, a percepção do prémio de realização, no valor de € 437.008,91 dependia da conjugação de vários factores, entre os quais o cumprimento do prazo de execução das obras.
101. A Demandante não pagou as refeições dos seus trabalhadores no montante de € 6.273,00.
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B - O DIREITO
i) DA NULIDADE DO ACORDÃO RECORRIDO, POR TER CONHECIDO DE QUESTÕES DE QUE NÃO PODIA TOMAR CONHECIMENTO (ARTº 668º, Nº 1 ALÍNEA D) DO CPC) E A SUA CONCATENAÇÃO COM A ALEGADA VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO – A PROLAÇÃO DE UMA DECISÃO SURPRESA (Cls. 42ª e 43ª, 44ª a 47ª)
A sentença, como acto jurisdicional, pode ter atentado contra as regras próprias da sua elaboração e estruturação ou contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é decretada e, então, torna-se passível de nulidade, nos termos do artigo 668º do Código de Processo Civil.
A este respeito, estipula-se no apontado artigo 668º do CPC, sob a epígrafe de “Causas de nulidade da sentença”, que:
“1 - É nula a sentença: a) Quando não contenha a assinatura do juiz; b) Quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c) Quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão; d) Quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; e) Quando condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.....”
A demandada/recorrente imputa ao acórdão arbitral recorrido a nulidade prevista na alínea d) do nº 1 do citado artigo 668º do CPC, a qual se reconduz a um vício de conteúdo, na enumeração de J. CASTRO MENDES, Direito Processual Civil, II vol., 793 a 811, ou seja, vício que enferma a própria decisão judicial em si, nos fundamentos, na decisão, ou nos raciocínios lógicos que os ligam.
Decorre da citada alínea que o tribunal deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
E, é tendo em consideração o disposto no artigo 660.º, n.º 2 CPC que se terá de aferir da nulidade prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 668.º do CPC.
Como esclarece M. TEIXEIRA DE SOUSA, Estudos sobre o novo Processo Civil, Lex, 1997, 220 e 221, está em causa “ocorolário do princípio da disponibilidade objectiva (art. 264.º, n.º 1 e 664.º 2.ª parte) o que significa que o tribunal deve examinar toda a matéria de facto alegada pelas partes e analisar todos os pedidos formulados por elas, com excepção apenas das matérias ou pedidos que forem juridicamente irrelevantes ou cuja apreciação se tornar inútil pelo enquadramento jurídico escolhido ou pela resposta fornecida a outras questões “.
As questões a que alude a alínea em apreciação são, como bem esclarece A. VARELA, RLJ, Ano 122.º, pág. 112, “(...) todas as pretensões processuais formuladas pelas partes que requerem decisão do juiz, bem como os pressupostos processuais de ordem geral e os pressupostos específicos de qualquer acto (processual) especial, quando realmente debatidos entre as partes …”.
Há decisão “ultra petitum” sempre que o julgador não confina o julgamento da questão controvertida à pretensão formulada e conheceu, fora dos casos em que tal lhe é permitido “ex officio”, questão não submetida à sua apreciação, sendo este princípio válido quer para o conhecimento excessivo em termos quantitativos, quer por condenação em diverso objecto.
É, pois, necessário que se verifique uma correspondência entre a pronúncia e a pretensão, isto é, a sentença não pode decidir para além do que está ínsito no pedido, nos termos formulados pelas partes.
No caso vertente, invocou a demandada/recorrente que a decisão arbitral está inquinada da aludida nulidade, visto se ter decidido que a demandada não havia resolvido o contrato de empreitada dos autos porque tal lhe estava vedado, mas sim que desistiu da empreitada, não tendo a demandante, nem na petição inicial, nem na resposta à contestação, neste caso por via de uma ampliação ou modificação do pedido e da causa de pedir, formulado pedido de anulação da resolução do dito contrato de empreitada ou requerido a declaração da improcedência do respectivo fundamento resolutivo invocado pela demandada.
Defende, por isso, a recorrente, que as partes não foram convidadas a se pronunciarem sobre a possibilidade de se estar perante uma situação de desistência da empreitada, por parte da demandada, antes da prolação da decisão arbitral, o que configura uma decisão surpresa e a violação do princípio do contraditório.
Como é sabido, a reforma do Código de Processo Civil, operada em 1995/1996 pelos Dec.-Leis nºs 329°-A/95 de 12 de Dezembro e 180/96 de 25 de Setembro, acentuou a importância, designadamente, dos princípios da contraditório e da igualdade das partes, passando aquele a ter uma ampliada consagração legal, ao estatuir o nº 3 do artigo 3º do CPC que “O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”.
O princípio do contraditório é, com efeito, um dos princípios estruturantes do processo civil.
Decorre do aludido princípio que cada parte é chamada a apresentar as suas razões de facto e de direito, a oferecer as suas provas e a pronunciarem-se sobre o valor e resultado de umas e outras e, portanto, salvo caso de manifesta desnecessidade, não é lícito ao juiz decidir sobre questões de direito ou de facto, mesmo de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.
O princípio do contraditório traduz-se na garantia das partes de uma efectiva participação em todos os actos do processo.
Como já referia MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, 379, cada uma das partes é chamada a deduzir as suas razões (de facto e de direito), a oferecer as suas provas, a controlar as provas do adversário e a discretear sobre o valor e resultados de uma e outras. Visa, em suma, dar a oportunidade às partes de influenciar a decisão judicial que vai ser tomada.
O Tribunal Constitucional tem considerado que o princípio do contraditório integra, ao cabo e ao resto, o direito de acesso aos tribunais, constitucionalmente consagrado no artigo 20º da CRP.
Com efeito, tem sido sucessivamente sublinhado na jurisprudência do Tribunal Constitucional que “o processo de um Estado de Direito (processo civil incluído) tem de ser um processo equitativo e leal. E, por isso, nele, cada uma das partes tem de poder fazer valer as suas razões (de facto e de direito) perante o tribunal, em regra, antes que este tome a sua decisão. É o direito de defesa, que as partes hão-de poder exercer em condições de igualdade. Nisso se analisa, essencialmente, o princípio do contraditório, que vai ínsito no direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20°, n. ° 1, da Constituição, que prescreve que “a todos é assegurado o acesso [...] aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos" – v. a título meramente exemplificativo, Acórdão n. ° 358/98 (publicado no Diário da República, II série, de 17 de Julho de 1998), repetindo o que se tinha afirmado no Acórdão n. ° 249/97 (publicado no Diário da República, II série, de 17 de Maio de 1997).
Como se reconhece, entre outros, no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 259/2000 (DR, II série, de 7 de Novembro de 2000): “A norma contida no artigo 3° n.º 3 do CPC resulta, assim, de uma imposição constitucional, conferindo às partes num processo o direito de se pronunciarem previamente sobre as questões - suscitadas pela parte contrária ou de conhecimento oficioso - que o tribunal vier a decidir.”
E, o direito de acesso aos tribunais implica a vinculação ao princípio da igualdade, assente na ideia de que as partes têm de dispor, quer de idênticos meios processuais, quer de idênticos direitos processuais.
Visa o nº 3 do citado artigo 3º do CPC banir as decisões surpresa e, por isso se defende que o Juiz não pode decidir questões de conhecimento oficioso sem que previamente tenha sido facultada ás partes a possibilidade de sobre elas se pronunciarem, não podendo igualmente decidir com base em qualificação substancialmente inovadora que as partes não hajam considerado, sem antes lhes ter dado a possibilidade de produzirem as suas alegações, perspectivando o enquadramento jurídico vislumbrado pelo tribunal.
Sucede que não se pode descurar o que resulta do não menos importante princípio da auto responsabilidade das partes.
Defendia já MANUEL DE ANDRADE, ob. cit., 378 que “as partes é que conduzem o processo a seu próprio risco. Elas é que têm de deduzir e fazer valer os meios de ataque e de defesa que lhes correspondam (incluindo as provas), suportando uma decisão adversa, caso omitam algum”.
Sendo as partes que conduzem o processo, poderá ser dispensada a exigência da sua audição, sempre que estas, agindo com a diligência devida, devessem, por sua vez, ter-se espontaneamente pronunciado sobre determinada questão, por ser razoável, no plano técnico-jurídico, contar com o conhecimento da mesma ou com determinado enquadramento ou qualificação jurídica – v. J. PEREIRA BATISTA, Reforma do Processo Civil, Princípios Fundamentais, 39.
Ainda antes da invocada reforma do CPC, o Tribunal Constitucional, apreciando o que se deveria entender como “situação surpresa” deu relevância, nos Acs. 479/89, DR II s., de 24.04.92 e Ac. T.C. 367/96, DR II s. de 10.05.96, ao seu carácter insólito e imprevisível, afirmando que “não pode deixar de recair sobre as partes o ónus de considerarem as várias possibilidades interpretativas das normas de que se pretendem socorrer, e de adoptarem, em face delas, as necessárias cautelas processuais (por outras palavras), o ónus de definirem e conduzirem uma estratégia processual adequada”.
No caso aqui em apreciação, o acórdão arbitral abordou a questão atinente à resolução do contrato de empreitada invocado pela demandada, para concluir pela inexistência de uma situação de incumprimento definitivo, por banda da demandante, por estender que não era esta que estava em mora, mas sim a demandada, e fez apelo à faculdade discricionária do dono da obra – desistência – prevista no artigo 1229º do Código Civil, para caracterizar a actuação da demandada.
Esta questão não extravasou o thema decidendum definido pelas partes, já que a demandante a ela aludiu, como se infere dos artigos 322º, 323º, 336º a 345º da resposta à contestação, contrariando a verificação de mora susceptível de ser convertida numa situação de incumprimento definitivo, como a demandada defendia na contestação/reconvenção.
Não pode, por conseguinte, a recorrente, invocar agora que os pressupostos da inexistência da resolução do contrato, contrapostos aos pressupostos da desistência da empreitada eram questões que o Tribunal Arbitral não poderia conhecer, pois tal não tem, manifestamente, acolhimento.
Não proferiu, pois, o Tribunal Arbitral uma decisão ultra petitum, já que sempre poderia conhecer dessa matéria.
Por outro lado, se é certo que a recorrente apresentou articulado, pretendendo responder à resposta à contestação apresentada pela demandante - que não foi aceite pelo Tribunal Arbitral, por inadmissível - a verdade é que, sempre poderia a demandada, ao abrigo do preceituado no artigo 3º, nº 4 do CPC, responder às excepções deduzidas pela demandante na resposta à contestação, no início da audiência final, faculdade que esta não exerceu.
De resto, e como elucidam JOSÉ LEBRE DE FREITAS, JOÃO REDINHA E RUI PINTO, CPC Anotado, Vol. 1º, 10, em nota ao artigo 3º, não deve ter lugar o convite para discutir uma questão de direito quando as partes, embora a não tenham invocado expressamente (…), implicitamente a tiveram em conta sem sombra de dúvida (…).
Considerando que a recorrente teve oportunidade de exercer o contraditório, só o não tendo exercido porque não quis, forçoso é concluir que não ocorreu in casu qualquer violação do disposto no nº 3 do artigo 3º do C.P.C., suportando a recorrente, por força dos princípios do dispositivo e da auto responsabilidade das partes, as consequências da sua actuação processual.
Assim sendo, considera-se que o invocado vício de conteúdo a que se refere o artigo 668º, n.º 1, alínea d) do Código do Processo Civil, não se verifica na decisão recorrida, tão pouco se verificando qualquer violação do princípio do contraditório, improcedendo o alegado a esse propósito nas conclusões da apelante.
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Þ DAS DESIGNADAS NULIDADES PROCESSUAIS INVOCADAS PELA RECORRENTE:
Aponta ANSELMO DE CASTRO, Lições de Processo Civil, Actos e Nulidades Processuais, 170, três princípios fundamentais em matéria de nulidades:
i. Princípio da nulidade meramente relativa - a nulidade que só pode ser invocada pelo interessado na observância da formalidade ou na repetição ou eliminação do acto;
ii. Princípio da redução da nulidade à mera irregularidade do acto, sem consequências, sempre que o acto haja atingido o seu fim;
iii. Princípio do aproveitamento, no possível, do próprio acto cuja nulidade tenha de ser declarada.
Das nulidades processuais, umas são principais, típicas ou nominadas, de conhecimento oficioso, sendo-lhes aplicável a disciplina fixada nos artigos 139º a 200º e 202º a 204º do CPC; outras são secundárias, atípicas ou inominadas e têm a sua regulamentação genérica no artigo 201º, nº 1 do CPC, estando a sua arguição sujeita ao regime previsto no artigo 205º do mesmo diploma legal.
E, só há nulidade secundária quando a lei o disser ou quando a irregularidade cometida poder influir no exame - instrução ou discussão - ou na decisão da causa - no julgamento. Daí se falar em nulidades secundárias relevantes e irrelevantes, sendo que só daquelas se podendo reclamar.
O princípio que domina a matéria das nulidades em processo civil é o de que as nulidades se devem considerar meramente relativas.
O artigo 201º do C.P.C. estabelece o regime legal das nulidades secundárias, prescrevendo o seu nº 1 que, “a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa”.
Como salientava já ALBERTO DOS REIS, Comentário ao Código de Processo Civil, 2º, 485, “É ao tribunal que compete, no seu prudente arbítrio, decretar ou não a nulidade, conforme entenda que a irregularidade cometida pode ou não exercer influência no exame ou na decisão da causa”.
As nulidades não sanadas ou concomitantes a uma decisão judicial, que não sejam as nulidades da sentença, podem subdividir-se em duas espécies, sendo distinto o respectivo regime de arguição:
i) Nulidades processuais que se encontrem a coberto de decisão judicial e que igualmente poderão ser impugnadas no recurso da decisão que lhes deu cobertura;
ii) Nulidades processuais que não estejam a coberto de decisão judicial, sendo, neste caso, o meio impugnatório a reclamação perante o juiz que proferiu a decisão. E, do despacho que recair sobre essa reclamação caberá, então, recurso nos termos gerais.
A este propósito refere MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1976, pág. 182 que, se a nulidade está a coberta por uma decisão judicial que ordenou, autorizou ou sancionou, expressa ou implicitamente, a prática de qualquer acto que a lei não admite ou a omissão de um acto que a lei impõe, o meio próprio para a arguir não é a simples reclamação, mas o recurso competente a interpor e tramitar como qualquer outro do mesmo tipo.
Do mesmo modo o entende ANTUNES VARELA, Manual de Processo Civil, 1985, pág. 393 que refere que: “Se entretanto, o acto afectado de nulidade for coberto por qualquer decisão judicial, o meio próprio de o impugnar deixará de ser a reclamação (para o próprio juiz) e passará a ser o recurso da decisão”.
Para J. ALBERTO DOS REIS, Comentário ao Código de Processo Civil, II, 507/508, “A arguição da nulidade só é admissível quando a infracção processual não está ao abrigo de qualquer despacho judicial; se há um despacho a ordenar ou autorizar a prática ou omissão do acto ou da formalidade, o meio próprio para reagir contra a ilegalidade que se tenha cometido, não é a arguição ou reclamação por nulidade, é a impugnação do respectivo despacho pela interposição do recurso competente”.
Salienta, mais adiante J. ALBERTO DOS REIS, ob. cit, 510 que “nem mesmo é preciso que haja qualquer indicação mais ou menos concludente no sentido de o juiz ter considerado o ponto a que se refere a nulidade, bastando que assim o deva ter feito”.
Feita esta introdução ao regime legal das nulidades processuais, importa analisar dos fundamentos que consubstanciam as designadas nulidades processuais invocadas pela apelante, adiantando-se, desde já, que nenhuma é susceptível de integrar o regime das nulidades processuais principais, porque não contempladas no elenco taxativo previsto nos artigos 193º a 200º do Código de Processo Civil.
E, tratando-se de eventuais irregularidades susceptíveis de consubstanciarem nulidades secundárias, haverá que aplicar o regime decorrente do artigo 201º, nº 1, do Código de Processo Civil.
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ii) DA DECISÃO DE NÃO FUNDAMENTAR A MATÉRIA DE FACTO PROVADA, ADOPTADA NA ACTA DE INSTALAÇÃO DO TRIBUNAL ARBITRAL (Concl. 34ª)
A arbitragem, que pode ser definida como um meio de resolução alternativa de litígios, em que a decisão, com base na vontade das partes, é confiada a terceiros, tem o seu quadro legal previsto, quanto
à arbitragem voluntária, na Lei nº 31/86, de 29 de Agosto (LAV), que sofreu uma única alteração com o Decreto-Lei nº 38/2003, de 8 de Março.
Trata-se de uma lei que se limita a definir alguns princípios delimitadores e um conjunto de regras, na sua maioria susceptíveis de serem afastadas pelas partes, sem qualquer preocupação de prever um regime exaustivo regulador das arbitragens.
Esclarece o artigo 1º da LAV que, “desde que por lei especial não esteja submetido exclusivamente a tribunal judicial ou a arbitragem necessária, qualquer litígio que não respeite a direitos indisponíveis pode ser cometido pelas partes, mediante convenção de arbitragem, à decisão de árbitros”, podendo a convenção de arbitragem ter por objecto um litígio actual, ainda que se encontre afecto a tribunal judicial (compromisso arbitral), ou litígios eventuais emergentes de uma determinada relação jurídica contratual ou extracontratual (cláusula compromissória).
A convenção de arbitragem deve ser reduzida a escrito, embora o legislador seja bastante flexível na forma de tal acordo (artigo 2º), podendo uma mera troca de correspondência ser aceite como consubstanciando um válido compromisso arbitral.
Iniciada a arbitragem, a tramitação deverá respeitar os seguintes princípios fundamentais, previstos no artigo 16º, cuja ofensa poderá inquinar a validade da decisão arbitral:
a) As partes serão tratadas com absoluta igualdade;
b) O demandado será citado para se defender;
c) Em todas as fases do processo será garantida a estreita observância do princípio do contraditório;
d) Ambas as partes devem ser ouvidas, oralmente ou por escrito, antes de ser proferida a decisão final.
Pode ser produzida perante o tribunal arbitral qualquer prova admitida pela lei de processo civil.
Nos artigos 27.º e 29.º da LAV prevê-se a admissibilidade, em determinadas circunstâncias, da decisão arbitral poder ser anulada pelo Tribunal da Relação, em via de recurso, caso as partes a ele não tiverem renunciado, e nos mesmos termos que caberiam de uma sentença proferida em Tribunal de Comarca.
Enunciam-se, no artigo 27.º da LAV, os fundamentos que podem levar a que o Tribunal Judicial venha a anular a decisão arbitral. São eles:
a) não ser o litígio susceptível de resolução por via arbitral;
b) ter sido proferido por Tribunal incompetente ou irregularmente constituído;
c) ter havido no processo violação dos princípios referidos no art. 16.º, com influência decisiva na resolução do litígio;
d) ter havido violação do artigo 23.º, nº 1 alínea f), nºs 2 e 3 [obrigatoriedade de assinatura dos Árbitros; número de assinaturas e identificação dos votantes, designadamente de vencidos; obrigatoriedade de fundamentação da decisão];
e) ter o Tribunal conhecido de questões de que não podia tomar conhecimento, ou ter deixado de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar.
Quanto ao formalismo do processo, optou o legislador, no artigo 15º, por permitir que as Partes procedam à sua definição – com respeito pelos princípios fundamentais antes apontados enumerados no artigo 16º - sendo habitual proceder-se à elaboração de regulamentos de arbitragem, mais ou menos detalhados.
Criticando a frequente prática de os árbitros escolherem regras processuais pré-definidas, designadamente uma das formas previstas no Código de Processo Civil, MARIANA FRANÇA GOUVEIA, Curso de Resolução Alternativa de Litígios, 132-140, defende uma maior liberdade de criação de regras de tramitação processual adequadas ao caso concreto, argumentando que uma das vantagens da arbitragem é, precisamente, a possibilidade de criar regras processuais flexíveis, quase casuísticas, que permitam um tratamento célere e adequado do caso.
No caso em apreço, a demandante notificou a demandada, em 18.08.2005, com vista à constituição de um Tribunal Arbitral para dirimir o conflito emergente de um contrato de empreitada celebrado entre as partes, e no qual estas haviam acordado incluir uma cláusula compromissória (Cláusula 9º), remetendo os litígios emergentes do contrato de empreitada entre elas celebrado para a decisão de árbitros, por aplicação da Lei nº 31/86, de 29 de Agosto.
E, de harmonia com o disposto no nº 3 do citado artigo 15º da LAV, consta precisamente da acta de instalação do Tribunal Arbitral que, encontrando-se presentes os árbitros designados pelas partes, o árbitro
nomeado pelo Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa e os respectivos mandatários de demandante e demandada, o Tribunal estabeleceu os trâmites processuais a observar na arbitragem em causa, os quais foram enumerados, minuciosa e exaustivamente, afastando, por
vezes, regras constantes do Código de Processo Civil, densificando melhor outras, para que dúvidas não subsistissem.
Consta do nº 3 da aludida acta que: O processo reger-se-á pelas normas constantes do Código de Processo Civil, na forma sumária, com as seguintes alterações: (…) m) A decisão sobre a matéria de facto apenas constará da decisão final e nela apenas serão indicados os factos dados como provados.
Invoca a recorrente que essa decisão adoptada pelo Tribunal Arbitral é inconstitucional, por violação dos artigos 13º, 20º e 205º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa.
Na data da instalação do Tribunal Arbitral as partes encontravam-se devidamente representadas pelos respectivos mandatários, e não resulta dos autos que o mandatário da demandada, de algum modo, se haja insurgido contra tal decisão.
Mas, decorre, com efeito, do artigo 13º da Constituição da República Portuguesa que o princípio da igualdade aí consagrado tem a ver, fundamentalmente, com igual posição em matéria de direitos e deveres. O seu âmbito de protecção abrange várias dimensões, tais como a proibição do arbítrio, a proibição da discriminação e a obrigação da diferenciação.
Segundo J.J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, I Vol, 339-340, a proibição do arbítrio constitui um limite externo da liberdade de conformação ou de decisão dos poderes públicos, servindo o princípio da igualdade como princípio negativo de controlo: nem aquilo que é fundamentalmente igual deve ser tratado arbitrariamente como desigual, nem aquilo que é essencialmente desigual deve ser arbitrariamente tratado como igual. (…) A vinculação jurídico-material do legislador ao princípio da igualdade não elimina a liberdade de conformação legislativa, pois a ele pertence, dentro dos limites constitucionais definir ou qualificar as situações de facto ou as relações da vida que hão-de funcionar como elementos de referência a tratar igual ou desigualmente.
Por seu turno, o nº 4 do artigo 20º da Constituição da República Portuguesa, dá expresso acolhimento ao direito ao processo equitativo, através do qual o direito de acção ou de agir em juízo tem de efectivar-se.
Como igualmente referem J.J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, ob. cit., 414-415, O due process positivado na Constituição Portuguesa deve entender-se num sentido amplo, não só como um processo justo na sua conformação legislativa, mas também como um processo materialmente informado pelos princípios materiais da justiça nos vários momentos processuais.
E, de entre os princípios através dos quais a doutrina e a jurisprudência têm densificado o aludido princípio do processo equitativo, encontra-se, é certo, o direito à fundamentação das decisões.
O dever de fundamentação das decisões dos tribunais, consagrado no artigo 205º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa, obedece a razões que radicam, entre outros, e citando a terminologia dos supra mencionados autores, ob. cit., 526-527, na teleológica jurídico-constitucional dos princípios processuais. Serve para a clarificação e interpretação do conteúdo decisório, favorece o autocontrolo do juiz responsável pela sentença, dá melhor operacionalidade ao heterocontrolo efectuado por instâncias judiciais superiores e contribui para a própria justiça material praticada pelos tribunais.
Com efeito, a fundamentação das decisões, quer de facto, quer de direito, proferidas pelos tribunais estará viciada caso seja descurado o dever de especificar os fundamentos decisivos para a determinação da sua convicção, já que a opacidade nessa determinação sempre colocaria em causa as funções de ordem endoprocessual e extraprocessual que estão ínsitas na motivação da decisão, i.e., permitir às partes o eventual recurso da decisão com perfeito conhecimento da situação em causa e, simultaneamente, permitir o controlo dessa decisão, colocando o tribunal de recurso em posição de exprimir, em termos seguros, um juízo concordante ou divergente.
Mas, no caso vertente, o Tribunal Arbitral fundamentou a sua decisão sobre a matéria de facto, embora em sentido não coincidente com as pretensões da recorrente.
Referiu o Tribunal Arbitral quais os depoimentos e documentos que o impressionaram e em que medida, justificando aqueles que mais contribuíram para alicerçar a sua convicção, em ordem à decisão da matéria de facto que proferiu.
De resto, e a entender a apelante que a decisão sobre algum facto essencial para o julgamento da causa não estivesse devidamente fundamentada, sempre poderia requerer, ao abrigo do preceituado no nº 5 do artigo 712º do C.P.C., que este Tribunal determinasse a remessa do processo ao Tribunal Arbitral para o efeito, faculdade que a apelante não utilizou.
Deu o Tribunal Arbitral inteira observância ao disposto no artigo 659º do CPC, e não se mostra que a opção de, na decisão final, apenas se indicarem os factos dados como provados e, obviamente, a inerente fundamentação, viole os identificados princípios – da igualdade, do direito ao processo equitativo e da fundamentação das decisões judiciais - com consagração constitucional.
Mas, ainda que se entendesse que tal determinação processual estabelecida pelo Tribunal Arbitral violava, designadamente, o dever de fundamentação da respectiva decisão do Tribunal – o que se não entende – necessária também seria a admissibilidade da reapreciação, por este Tribunal da Relação, da prova produzida perante o Tribunal Arbitral, questão que se apreciará em momento subsequente, pois só assim se cumpririam as aludidas funções endoprocessual e extraprocessual.
Conclui-se, por conseguinte, que a decisão recorrida aplicou as normas processuais tal como estavam delineadas e definidas no momento da constituição do Tribunal Arbitral, normas essas que as partes aceitaram, não padecendo as mesmas de qualquer inconstitucionalidade.
Soçobra, assim, o que a este propósito consta das conclusões da apelação da recorrente.
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iii) DA VIOLAÇÃO DAS REGRAS DO PROCESSO SUMÁRIO A OBSERVAR NA ARBITRAGEM, NO QUE CONCERNE AO NÚMERO DE TESTEMUNHAS QUE PODEM SER INQUIRIDAS SOBRE CADA FACTO (Concl. 38ª)
Como acima ficou dito, ficou estabelecido no nº 3 da acta de instalação do Tribunal Arbitral que o processo se iria reger pelas normas constantes do Código de Processo Civil, na forma sumária, elencando-se, de seguida, as alterações que o Tribunal entendeu introduzir a tal regime processual, não se mostrando que o disposto no artigo 789º do CPC haja sido afastado, o que significa que cada uma das partes não poderia produzir mais de três testemunhas sobre cada um dos factos que se propunha provar.
Sucede que, por força do Princípio das Aquisição Processual consagrado no artigo 515º do C.P.C., o Tribunal pode tomar em consideração todos os dados de facto relevantes, podendo fundar a sua convicção não exclusivamente nos meios concretos de prova indicados para cada quesito.
Com efeito, e como tem sido entendimento pacífico na jurisprudência, o tribunal não está adstrito, na fundamentação das respostas aos quesitos, apenas aos depoimentos das testemunhas indicadas com esse objectivo, podendo socorrer-se de todos os elementos que possam interessar à formação da sua convicção, seja qual for a sua proveniência.
Os depoimentos das testemunhas podem, pois, aproveitar-se para fundamentar respostas a quesitos para cuja prova não foram indicadas, designadamente se os depoimentos prestados se relacionem com a matéria desses outros quesitos – v. Ac . STJ 10.03.79, BMJ 195, 233 e Ac. R.P. 09.04.87, CJ II, 235.
Ora, no caso em apreciação, não é possível aferir se as partes, designadamente a demandante, indicaram mais de três testemunhas a cada um dos factos sujeitos à apreciação do Tribunal Arbitral. Mas, se assim tivesse sucedido, sempre a parte contrária teria necessariamente de se insurgir contra essa eventual irregularidade cometida, sob pena de sanação dessa pretensa nulidade secundária.
In casu, apenas é possível identificar na fundamentação de decisão de facto que, a um conjunto de enunciados de facto – 23 - o Tribunal Arbitral alicerçou a sua convicção em depoimentos de oito testemunhas, que expressamente identificou, as quais lograram convencer os julgadores no sentido constante da decisão de facto.
Não se vislumbra, por conseguinte, que o disposto no artigo 633º do CPC não haja sido observado, pelo que improcede, o que a este propósito consta das conclusões da apelação da recorrente.
iv) DA INCIDÊNCIA DO DEPOIMENTO DA TESTEMUNHA, DR. “Q”, ADVOGADO (Concl. 39ª e 40ª )
Alega a recorrente que a testemunha, Dr. “Q”, advogado, estava impedida de depor sobre a matéria relacionada com o abandono da obra e, no entanto, o seu depoimento serviu de base à formação da convicção do tribunal, quanto a essa matéria.
A aludida testemunha, ouvida na 7ª sessão da audiência de julgamento, apresentou autorização do Conselho Distrital do Porto da Ordem dos Advogados para depor aos artigos 252º, 257º a 260º, 267º e 268º da resposta da demandante à contestação da demandada.
Tal testemunha está identificada, de forma fugaz, aquando da fundamentação dos factos enumerados nos pontos 80 a 84, com relação à redução dos trabalhadores e abrandamento no andamento dos trabalhos e a razão pela qual tal situação ocorreu.
Todavia, conforme decorre da fundamentação da decisão de facto, o Tribunal Arbitral deu absoluta relevância ao depoimento da testemunha “R”, bem como aos documentos que ali se identificam – cartas de fls. 852, 1140 e 1146 - sendo que a referencia à expressão utilizada pelo aludido advogado diz respeito a uma eventual tentativa de solução que previa a retoma dos trabalhos, por parte da demandante, o que, indubitavelmente, cabe no âmbito das conversações havidas entre as partes tendentes à resolução amigável do diferendo, e a que se alude no artigo 257º do mencionado articulado.
Não se vislumbrando que haja sido cometida qualquer nulidade, improcede o que a esse propósito consta das alegações da recorrente.
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v) DA ALTERAÇÃO PELO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO ESTABELECIDA NO ACÓRDÃO ARBITRAL RECORRIDO (Conclusões 1ª a 33ª. 35ª a 37ª)
O artigo 712º do Código de Processo Civil, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei nº 303/2007, de 24/8, aqui aplicável, permite a alteração pelo Tribunal de Relação da decisão da matéria de facto estabelecida na 1ª instância, nas seguintes situações, as quais constituem excepções à regra básica da imodificabilidade da decisão de facto proferida na 1ª instância:
a) Se do processo constarem todos os elementos de prova queserviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravações dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 685º-A, a decisão com base neles proferida; b) Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas; c) Se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou.
Estabelece, por seu turno, o nº 1 do artigo 685º-B do mesmo diploma legal quais os procedimentos que o recorrente deve assumir para que a reapreciação ao abrigo da alínea a) possa ocorrer.
Tal significa que, no plano da apreciação da matéria de facto, o aludido artigo 712º do CPC concede ao Tribunal da Relação as seguintes faculdades:
a) Alterar a decisão da 1ª instância;
b) Determinar a renovação dos meios de prova;
c) Anular a decisão;
d) Ordenar a fundamentação da decisão omitida pelo tribunal de 1ª instância.
Quanto à primeira das aludidas faculdades, a alteração pode verificar-se no caso de ter ocorrido gravação dos depoimentos prestados, e na impugnação da decisão com base neles proferida haja sido observado o disposto no aludido artigo 685º-B do CPC. Levará, então, o Tribunal da Relação em consideração o conteúdo das alegações de recorrente e recorrido, o que não obsta a que, oficiosamente, possa atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados – al. a) 2ª parte.
A alteração pode também ocorrer se a prova produzida, na parte impugnada, estiver assente apenas em documentos, depoimentos escritos (v.g. testemunhas inquiridas por carta e que não tenham sido reduzidos a escrito os respectivos depoimentos, por impossibilidade de gravação) ou relatórios periciais, visto que só neste caso o Tribunal da Relação está perante os mesmos elementos probatórios com que se defrontou a 1ª instância – al. a) 1ª parte.
Como esclarece F. AMÂNCIO FERREIRA, Manual dos Recursos em Proc. Civil, 215, a 1ª parte da alínea a) do n.º 1 do art. 712º ( se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa) verifica-se quando a prova de uma determinada questão de facto assentou apenas em documentos e/ou depoimentos de testemunhas inquiridas antecipadamente ou por deprecada e reduzidas a escrito, por impossibilidade de gravação (art. 522º-A, n.º 2).
Mas, a alínea b) do nº 1 do artigo 712º do Código de Processo Civil consente ainda a modificabilidade da decisão de facto “Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas”.
O supra mencionado fundamento está correlacionado com o valor legal da prova. Daí que, ao abrigo da aludida alínea, a alteração das respostas só é admissível quando haja no processo um meio de prova plena, resultante de documento, confissão ou acordo das partes, e esse meio de prova plena diga respeito a determinado facto sobre o qual o Tribunal também se pronunciou em sentido divergente.
Já salientava ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 472 que, se estivesse junto aos autos documento susceptível de fazer prova plena ou cabal de determinado facto e o juiz, na sentença, tivesse admitido facto oposto, incumbiria ao Tribunal da Relação fazer prevalecer a força probatória do documento.
Propugna a apelante a alteração da matéria de facto no sentido de:
Þ Os pontos 7, 14, 15, 18, 19, 20, 25, 44, 45, 46, 80 a 84 serem julgados não provados;
Þ Ser eliminado o vocábulo inicialmente ao facto constante do ponto 48;
Þ Ser julgada provada a matéria factual vertida nos artigos 27, 38, 47, 48, 60 a 62, 118 e 119, 152 a 161, 279 a 300 da contestação;
No caso vertente, não ocorreu gravação dos depoimentos prestados. E, na fundamentação da decisão de facto, o Tribunal Arbitral dez consignar o seguinte:
Os factos atrás referidos foram dados por provados com base na convicção que o Tribunal extraiu dos diversos meios de prova produzidos nos autos, desde os documentos juntos aos autos até aos depoimentos das testemunhas ouvidas em audiência de discussão e julgamento, sem esquecer as conclusões da prova por arbitramento que se realizou e nos esclarecimentos prestados em audiência pelos peritos que a levaram a cabo.
Para dar por provados os factos a que se referem os Pontos nºs 7, (…), 14, 15, (…) 18, 19, 20, (…) 25, (…) e 46 – todos eles alegados pela Demandante e sobre os quais recaiu a principal controvérsia ente as partes – o Tribunal fundamentou-se
§ no teor dos documentos juntos aos autos a fls. 48, 90 a 91, 92 a 107, 108, 112, 118, 136 a 140, 142 a 145, 151 a 160, 161, 163, 271 a 274, 275 a 276, 1132 a 1139, 1140 a 1141, 1142 a 1145, 1146 a 1147 e no depoimento das testemunhas “R”, “S”, “T”, “U”, “V”, “X”, “Z” e Engº “Y”, os quais, depondo com conhecimento dos factos por terem estado pessoalmente ligados à empreitada – seja porque intervieram na negociação e na celebração do contrato, seja porque desempenharam múltiplas funções ao longo da sua execução – lograram convencer o Tribunal atenta a forma isenta, serena e convincente como prestaram os seus depoimentos e responderam às múltiplas questões que lhes foram colocadas.
Designadamente, a testemunha “R”, directora financeira da Demandante, depondo sobre os factos que precederam a celebração do contrato de empreitada de 18 de Agosto de 2005 e nos quais interveio pessoalmente, foi convincentemente categórica em afirmar que a proposta apresentada pela Demandante se apoiou apenas num mapa de quantidades de trabalho e que, quando o contrato foi celebrado, ainda não estava tudo decidido por parte da Demandada, tendo depois ocorrido a realização de trabalhos diferentes dos que serviram de base à apresentação da proposta. A testemunha “S”, que, como engenheiro civil, deu apoio à Demandante na fase de orçamentação (chegou mesmo a deslocar-se à Madeira onde participou numa reunião com representantes da Demandada) depôs sobre os preliminares do contrato e foi categórico em afirmar que o orçamento da Demandante foi apenas elaborado com base numa lista preços unitários e no desenho de algumas peças. Finalmente, a testemunha “Y”, que, como técnico da Demandante, exerceu na obra as funções de director desde o início dos trabalhos, foi também categórico em afirmar de modo inteiramente persuasivo e convincente: a) que a obra realizada não correspondeu à que estava orçamentada, do que sempre chamou à atenção, quer à Demandante, quer aos Arquitectos e aos representantes da dona da obra; b) que esta divergência se traduziu em se terem realizado trabalhos que não estavam previstos nas quantidades de trabalho que serviram de base ao orçamento; c) que foi, ela própria, testemunha, quem elaborou o mapa dos trabalhos que, não estando contemplados no orçamento, foram, afinal, realizados por ordem da Demandante, assegurando que tudo o que deu lugar às facturas a que se refere o Ponto 46 dos factos provados corresponde à verdade, estando certo e rigoroso, quer nas espécies e nas quantidades de trabalho, quer nos valores; d) finalmente, que os trabalhos a que se referem estas facturas não podiam ser previstos, dada a sua natureza, quando foi efectuado o orçamento que serviu de base à celebração do contrato. No que respeita à prova destes factos, o Tribunal, fundamentando-se no depoimento das testemunhas vindas de referir, não deixou de ter presente os depoimentos prestados pelas testemunhas da Demandada, designadamente o Arqº “N” e o Arqº “J”, os quais, apesar de ponderados, não lograram convencer em sentido diferente do provado. E para que a convicção do Tribunal se consolidasse no sentido das respostas dadas, foi decisivo ter presente, como a Demandada sempre, aliás, reconheceu ao longo da audiência de discussão e julgamento, que a procura da “A” para apresentar proposta com vista à realização da obra desejada se fundou, atentas as suas disponibilidades financeiras, na necessidade de fazer uma obra menos dispendiosa do que a que constava do projecto de arquitectura que serviu de base às propostas anteriores fornecidas por entidades terceiras, sendo, por isso, um projecto que, tendo seguramente muito de comum com o que veio a ser realizado pela Demandante, era, todavia, diferente e não podia, por isso, servir para efeito da proposta a apresentar pela “A”. É por isto que não tem relevo para o caso sobre o qual o Tribunal estava convocado a formar convicção, saber se houve ou não entrega à Demandante do projecto de arquitectura e do caderno de encargos referente ao projecto inicial que, por ser caro, foi abandonado pela Demandada – projecto, em CD ou em suporte físico, e caderno de encargos que o Tribunal não ficou seguro que tivesse, de facto, sido entregue à Demandante quando esta foi convidada a apresentar a proposta que conduziu à celebração do contrato de 18 de Agosto de 2005. O Tribunal ponderou ainda, para chegar à conclusão a que chegou (ter o orçamento sido elaborado com base numas meras peças desenhadas e num mapa de quantidades que não vieram a corresponder ao projecto que, a final, se veio a implantar - ponto nº 15 da matéria provada) ter ganho consistência a convicção de que estas peças existiram de facto, como sempre sustentou a Demandante, e que surgiram no decurso da audiência, juntas pela própria Demandada a quem a Demandante alegava tê-las devolvido. E ponderou finalmente que as sucessivas cartas que a Demandante remeteu à Demandada e que constituem os documentos acima referidos, consolidam a resoluta convicção de que as coisas se passaram como vêm alegadas pela Demandante. Só assim não seria, de facto, se o Tribunal admitisse como possível ter a Demandante, numa fase em que o conflito era ainda meramente potencial, estivesse, já então, a redigir cartas de conteúdo falso, dolosamente enviadas para instruir a prova de um processo que tão pouco se sabia se ia existir ou não. E, por aqui, o Tribunal não foi – por isso que, dando àquelas cartas a força probatória que realmente merecem - as ponderou, juntamente com os depoimentos atrás referidos, para dar, como deu, por provados aqueles factos.
(…)
Os factos a que se referem os Pontos 1, (…) 44, 45, (…) da matéria de facto dada por provada,
§ sobre não terem sido, em geral, objecto de controvérsia e impugnação entre as partes, foi dada por provada atento a circunstância de estar provada pelos documentos juntos aos autos,
§ associados aos depoimentos das testemunhas “R”, “S”, “T”, “U”, “V”, “X”, “Z” e “Y”.
(…)
Para dar por provados os factos a que se referem os Pontos 80, 81, 82, 83 e 84, o Tribunal teve presente:
§ o depoimento da testemunha “R” que, depondo sobre a matéria, foi convincente ao afirmar que a redução dos trabalhadores, o abrandamento no andamento dos trabalhos ficou a dever-se a atrasos por parte da dona da obra e que a paragem a que se refere o Ponto nº 82 foi solicitada pela própria Demandante.
§ O depoimento prestado por esta testemunha tem a oferecer-lhe decisiva credibilidade a carta de fls. 852, 1140 e 1146, nas quais a Demandante justamente menciona que a paragem teve, por fundamento, precisamente o pedido da dona da obra. Aliás, não tendo as partes ”por uma unha negra” concretizado – referiu-o a testemunha Dr. “Q” – os termos de uma solução que previa a retoma dos trabalhos mediante o pagamento do que, na tese da Demandante, estava em dívida, a ideia de abandono da obra apontada pela Demandada deixa de ser credível. E não tendo havido abandono, mas tendo os trabalhos parado, só resta, a explicar a paragem, o pedido da Demandante, como se refere na carta de fls. 1140 e foi confirmado pela testemunha “R”.
Não estamos, portanto, perante a situação descrita no artigo 712º, nº 1, alínea a), 2ª parte do CPC, já que a prova não foi gravada e a decisão da matéria de facto assentou, como se viu, na apreciação crítica por parte do Tribunal Arbitral, quer dos depoimentos das identificadas testemunhas, quer dos mencionados documentos, o que desde logo leva a rejeitar a pretensão da apelante, no sentido da modificação da prova assente.
E, não sendo possível reponderar os depoimentos prestados, nomeadamente pelas testemunhas indicadas pela demandada/apelante, tão pouco se mostra viável aferir da razoabilidade do alegado pela recorrente, quanto aos enunciados de facto que foram invocados na contestação e que a recorrente propugna que deveriam ter sido considerados provados.
Alega, outrossim, a apelante, nas suas conclusões da alegação de recurso, que a confissão expressa da demandante, feita no contrato e nos documentos em anexo, de que se comprometia a executar a obra em conformidade com os projectos e com o caderno de encargos, implica o reconhecimento de que conhecia os projectos, o caderno de encargos e demais peças escritas e desenhadas do dossier.
Mais alega a apelante que sobre esta matéria confessada não era admissível prova testemunhal, sendo por isso nula a prova dos pontos 15, 18, 20 e 25 da matéria de facto provada, assente na inquirição das identificadas oito testemunhas.
Ora, decorre do nº 1 da cláusula 1ª do contrato de empreitada, datado de 18.08.2005, sob a epígrafe “Objecto da empreitada”, que: o empreiteiro obriga-se a executar a empreitada de Construção da Ampliação do Hotel “C” de acordo com os projectos de – Arquitectura, Estabilidade, Redes de Águas, Redes de Esgotos e Rede de Incêndios, e a Proposta de Orçamento de 24 de Dezembro de 2004 e correcção posterior de 18 de Agosto de 2005, apresentado pelo empreiteiro, que farão parte integrante do presente contrato.
Mas, os anexos I e II – Esclarecimentos Anexos à Proposta e Lista de Alterações a Soluções Construtivas – constituem, em suma, alterações ao projecto inicial, a que o próprio contrato se refere, muitas as quais ainda não se mostravam à data perfeitamente definidas, como a leitura dos anexos facilmente comprova.
Assim, nunca se poderia concluir, sem mais, como parece defender a apelante, pelo reconhecimento, por parte da apelada, no momento do outorga do contrato, quer dos projectos, quer do caderno de encargos, quer ainda das demais peças escritas e desenhadas, no que concerne à obra efectivamente acordada entre as partes, obra essa que partindo dos elementos pré-existentes ao contrato, tinha em vista uma simplificação dos mesmos com o intuito de reduzir custos.
Não estando em causa, neste conspecto, um documento particular com força probatória plena, não se mostra postergada a força probatória de um documento que não pudesse ser afastada ou complementada pela prova testemunhal – que sempre seria admissível - ou por qualquer outro documento.
Não ocorrendo, consequentemente, nenhuma das situações descritas nas alíneas a), 1ª parte, b) ou c) do nº 1 do citado artigo 712º do CPC, a decisão da matéria de facto tem, portanto, de se manter inalterável.
Importa então proceder à subsunção jurídica face à matéria de facto dada como provada, por forma a ponderar se assiste razão à apelante quando defende que o acórdão do Tribunal Arbitral deverá ser alterado no sentido de a demandada/apelante ser absolvida do pedido formulado pela demandante e condenar-se a esta no pedido reconvencional.
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vi) DA SUBSUNÇÃO JURÍDICA DOS FACTOS APURADOS AO DIREITO APLICÁVEL
(conclusões 41ª, 48ª a 68ª da alegação de recurso )
a. DA RESOLUÇÃO DO CONTRATO DE EMPREITADA CELEBRADO ENTRE AS PARTES “VERSUS” DESISTÊNCIA DA EMPREITADA, POR PARTE DA DEMANDADA
Em causa está um contrato de empreitada celebrado entre a demandante, na qualidade de empreiteiro, e a demandada, na qualidade de dono da obra, qualificação que se não discute nos autos.
Por força de um contrato de empreitada celebrado entre demandante e demandada, aquela assumiu perante esta o encargo de efectuar os trabalhos de ampliação do Hotel de “C”.
Ao contrato de empreitada aplicam-se as normas especiais previstas nos artigos 1207º e seguintes do Código Civil, como também as regras gerais relativas ao cumprimento das obrigações.
Da empreitada resultam vantagens para ambas as partes, já que sendo o contrato de empreitada um contrato bilateral ou sinalagmático, oneroso e consensual, dele emergem obrigações recíprocas e interdependentes - a obrigação de executar a obra e a do pagamento do preço - sendo uma, o motivo determinante da outra.
O empreiteiro está adstrito a uma obrigação de resultado – efectuar a obra completa e isenta de defeito - sendo responsável pelos vícios ou defeitos que a obra apresentar ou nela se venham a revelar.
Na empreitada, e como refere PEDRO R. MARTINEZ, Contrato de Empreitada, 189, o cumprimento será defeituoso quando a obra tenha sido realizada com deformidades, porque desconforme com o plano convencionado, ou com vícios, se as imperfeições verificadas excluam ou reduzam o valor da obra ou afectem a sua aptidão para o seu uso ordinário ou fim previsto no contrato.
E se a obra apresenta defeitos, tem o empreiteiro o dever de os eliminar, como decorre do disposto no artigo 1221º, nº 1 do Cód. Civil .
Por via do contrato, o empreiteiro obriga-se a executar a obra, ou seja, o produto acabado que incorpora o trabalho fornecido, em conformidade com o que foi convencionado com o dono da obra, impondo-se a inexistência de vícios que excluam ou reduzam o seu valor, ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato, conforme decorre do preceituado no artigo 1208º do Código Civil.
Segundo ALMEIDA COSTA, Direito das Obrigações, 8º ed., 977, existe cumprimento defeituoso ou inexacto quando a prestação efectuada não tem os requisitos idóneos a fazê-la coincidir com o conteúdo do programa obrigacional, tal como este resulta do contrato e do princípio geral da correcção e boa fé.
E esta inexactidão tanto pode ser quantitativa como qualitativa. No primeiro caso, coincide com a prestação parcial em relação ao cumprimento da obrigação.
A inexactidão qualitativa do cumprimento em sentido amplo pode traduzir-se tanto numa diversidade da prestação, como numa deformidade, num vício ou falta de qualidade da mesma ou na existência de direitos de terceiro sobre o seu objecto.
Em caso de cumprimento defeituoso, a lei concede ao dono da obra meios jurídicos de actuação, no sentido de pôr cobro aos aludidos defeitos que o empreiteiro, tem a obrigação de eliminar, e que se enquadram nos seguintes grupos, segundo um esquema de prioridade ou precedência de direitos:
a) Exigir a reparação das deficiências, se puderem ser eliminadas ou a realização de obra nova, salvo se as respectivas despesas forem desproporcionadas em relação ao proveito a obter - artigo 1221, n.ºs 1 e 2 do C. Civil; b) Pedir a redução do preço; c) Pedir a resolução do contrato, se não forem eliminados os defeitos ou construída de novo a obra, e aqueles a tornarem inadequada aos fins a que se destina – artigo 1222º, n.º1 do C. Civil; d) Requerer uma indemnização, nos termos gerais dos artigos 562º e seguintes – artigo 1223º do C. Civil.
Invocou a demandada/recorrente que fez operar a resolução do contrato de empreitada celebrado com a demandante, visto esta ter abandonado a obra, deixando-a inacabada, verificando-se um incumprimento definitivo, por banda do empreiteiro.
Como se sabe, o direito à resolução de um contrato, com o consequente pedido de indemnização, apenas encontra o seu fundamento na impossibilidade culposa da prestação (v. artigo 801º e 802º do CC), sendo certo que são equiparados por lei à impossibilidade culposa da prestação (não cumprimento definitivo), os casos em que, apesar de ser materialmente possível a prestação, o credor perdeu o interesse nela.
A circunstância do empreiteiro não ter concluído a obra, por abandono desta, apenas o constitui em mora, continuando este, em princípio, adstrito à prestação em atraso (v. artigos 762º, 763º, 804º e 805º, nº 2 al. a) do Código Civil.
É que, a mora não dá direito à resolução, a menos que seja convertida em incumprimento definitivo com a interpelação admonitória a que se refere o art. 808º, 1 do CC., nos dois casos aí previstos: se o credor perder o interesse que tinha na prestação ou, se a prestação não for realizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor.
A interpelação admonitória tem, assim, que conter três elementos:
a. Intimação para o cumprimento;
b. Fixação de um termo peremptório para o cumprimento;
c. Admonição ou a cominação (declaração admonitória) de que a obrigação se terá por definitivamente não cumprida se não se verificar o cumprimento dentro do prazo.
Com fundamento no incumprimento do devedor, assiste ao credor o direito potestativo de considerar não cumprida a obrigação, declarando a resolução do contrato e exigindo a indemnização pelo não cumprimento.
No caso em análise, ficou demonstrado que a demandada interpelou a demandante, por carta registada datada de 08.01.2007, para cumprir o contrato no prazo ali fixado, sob pena de resolução do contrato, a qual veio a ser comunicada à demandante, pela demandada, por carta registada de 08.05.2007 – Nºs 86 a 90 da Fundamentação de Facto.
Mas, muito embora a demandada haja promovido uma interpelação admonitória contendo os três elementos essenciais - Intimação para o cumprimento, por parte do empreiteiro, a fixação de um termo para esse cumprimento e a declaração admonitória – importa ponderar se a demandante se encontrava, efectivamente, em mora no cumprimento da sua prestação.
Está provado nos autos que, por força do contrato de empreitada celebrado entre demandante e demandada, aquela assumiu perante esta o encargo de efectuar os trabalhos de ampliação do Hotel de “C”, com base em projectos de arquitectura, estabilidade, redes de água, redes de esgotos e de incêndio, pré-existentes, que seriam corrigidos, por força a adoptar soluções simplificadas com o intuito de reduzir custos, tendo ficado estabelecido que o projecto final seria alterado para diminuir o preço da empreitada – Nºs 3 e 8 e 10, 62, 64, 65, 67 e 69 da Fundamentação de Facto.
Para o efeito, a demandada entregou um conjunto de desenhos e um mapa de resumo de quantidades como base de trabalho para o orçamento a apresentar e respectivos preços unitários - que a demandante apresentou - que foi alvo de várias alterações, dando origem ao contrato datado de 18.08.2005 – Nºs 7, 11 a 13 da Fundamentação de Facto.
O prazo convencionado para a execução dos trabalhos contratados foi de 9,5 meses a contar de 15.09.2005 e nesse dia foi facultado o local da realização da obra. Os trabalhos deveriam ter início em 15.09.2005, tendo nessa data a demandante colocado ao serviço da obra os meios necessários para o início dos trabalhos, sendo que a respectiva licença de construção veio a ser concedido em 19.09.2005 – Nºs 35 a 37, 49, 66, 75 e 76 da Fundamentação de Facto.
Convencionaram as partes que a empreitada ficaria subordinada ao regime de “preço global” que foi fixado em € 1.869.411,13 com IVA que corresponde à soma dos preços unitários constantes da proposta de fls. 54 a segs. – Nºs 14, 15 e 55 da Fundamentação de Facto.
O contrato de empreitada celebrado entre demandante e demandada - empreiteira e dona da obra - seguiu de perto o regime das empreitadas de obras públicas – Decº-Lei nº 59/99, de 2/03 – tendo as partes acordado pela aplicação subsidiária de tal regime.
Nos termos do artigo 9º do citado diploma legal entende-se por preço global a empreitada cujo montante da remuneração, correspondente à realização de todos os trabalhos necessários para a execução da obra ou parte da obra objecto do contrato, é previamente fixado.
Sucede que, de acordo com o preceituado no artigo 10º do Decº-Lei nº 59/99, de 2/03, o dono da obra deverá definir, com a maior precisão possível, nos elementos escritos e desenhados do projecto e no caderno de encargos, as características da obra e as condições técnicas da sua execução, bem como a qualidade dos materiais a aplicar, e deverá apresentar mapas-resumo de quantidades de trabalhos.
No caso em apreciação, o dono da obra não deu integral cumprimento a essa obrigação a que legalmente estava vinculado.
Senão vejamos,
Ficou provado que a demandada não entregou à demandante, no dia da assinatura do contrato, os exemplares completos do projecto a executar, ficando esta a aguardar, nomeadamente que lhe fossem fornecidos os projectos, caderno de encargos e memória descritiva – v. Nºs 18 e 19 da Fundamentação de Facto.
E, sendo certo que, como acima se mencionou, a obra deveria encontrar terminada no final do mês de Junho de 2006, a verdade é que, os primeiros elementos projectivos apenas foram enviados à demandante em 30.11.2005, na sequência do pedido por esta formulado através da carta de 24.10.2005, no sentido de serem fornecidos todos os projectos de
execução devidamente corrigidos, espelhando inequivocamente a pretensão final da obra a executar, por forma a permitir proceder à correcção do valor global da empreitada – v. – Nºs 16, 17, 20 da Fundamentação de Facto.
A demandante voltou a insistir pelo envio dos elementos em falta, designadamente Memória Descritiva ou Caderno de Encargos, por carta de 09.12.2005, os quais nunca chegaram a ser entregues, salientando ainda a demandante, por carta de 12.01.2006, dirigida à demandada, desconhecer toda a extensão do que se pretendia executar – v. Nºs 21, 22, 24 a 26 da Fundamentação de Facto.
Resultou, por outro lado, da prova produzida que foram adjudicadas outras empreitadas a distintos empreiteiros e, a circunstância dessas outras empreitadas não terem prosseguido simultaneamente com a que está em causa nos autos, também provocou nesta atrasos e perturbações, situação para a qual a demandante deu conhecimento à demandada. E, em 26.02.2006, ainda estava a ser discutida a solução, distinta da que estava no projecto inicial, para a cobertura de madeira – v. Nºs 30, 31 a 34 e 70 da Fundamentação de Facto.
É verdade que resultou da prova produzida que a demandante, a partir de Maio de 2006, reduziu o ritmo dos trabalhos. Mas, tal situação ficou a dever-se à não entrega dos elementos respeitantes aos projectos de carpintaria, o que levou à redução do número de trabalhadores da demandante em obra. Também, posteriormente, foi a própria demandada que solicitou a paragem dos trabalhos, por razões que tinham a ver com a própria gestão do hotel – v. Nºs 80 a 83 da Fundamentação de Facto.
Apodíctico é que, em Outubro de 2006, a demandante paralisou completamente a obra, dela retirando os seus trabalhadores, os quais, em Fevereiro de 2007, retiraram da obra todos os materiais que ali se encontravam, incluindo os andaimes – v. Nºs 80 a 83 da Fundamentação de Facto.
Ora, muito embora a obrigação principal do dono da obra se reconduza, como se assinalou supra, ao pagamento do preço, impende sobre ele deveres de colaboração, cuja violação acarreta mora acipiendi nos termos do artigo 813º e seguintes do Código Civil
Como é sabido, qualquer relação jurídica obrigacional está estabelecida em torno de uma ou mais prestações típicas, que são os inerentes deveres principais ou primários da prestação, alargando-se, no entanto, o seu âmbito aos deveres acessórios de conduta, secundários ou complementares, de conteúdo diversificado.
Para JOSÉ JOÃO ABRANTES, A Excepção de Não Cumprimento do Contrato, 42, nota 8, deveres acessórios de conduta, são os que, não respeitando directamente, nem à perfeição, nem à perfeita (correcta) realização da prestação debitória (principal), interessam todavia ao regular desenvolvimento da relação obrigacional, nos termos em que ela deve processar-se entre os contraentes que agem honestamente e de boa-fé nas suas relações recíprocas.
Segundo ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, 7ª ed., 124/125, há que distinguir dos deveres principais ou típicos da prestação nos contratos nominados, os deveres secundários ou acidentais, definindo tais deveres de conduta como aqueles que não interessando directamente à prestação principal, nem dando origem a qualquer acção autónoma de cumprimento (cfr. art. 817º e sgs.) são todavia essenciais ao correcto processamento da relação obrigacional em que a prestação se integra.
Os deveres acessórios de conduta são indissociáveis da regra geral ínsita no artigo 762º, nº 2 do Código Civil que impõe aos contraentes uma actuação de boa-fé, no sentido de que os sujeitos contratuais, no cumprimento das suas obrigações e no exercício dos deveres correspondentes, devem agir com honestidade e consideração pelos interesses da outra parte.
Estipula o artigo 813º do Código Civil que o credor incorre em mora quando, sem motivo justificado, não aceita a prestação que lhe é oferecida nos termos legais, ou não pratica os actos necessários ao cumprimento da obrigação.
Sempre que o credor não dê a sua cooperação necessária ao cumprimento de determinada obrigação que tenha por objecto uma prestação de coisa, prevê a lei, no artigo 841 e segs. do Código Civil, para protecção do interesse do devedor em ver-se exonerado da responsabilidade no cumprimento, a possibilidade de o devedor se libertar dessa obrigação através do depósito da coisa devida.
Estando em causa, no entanto, uma prestação de facto, não prevê a lei um mecanismo próprio de o devedor se liberar do respectivo vínculo, quando o credor não dê a cooperação necessária ao cumprimento dessa prestação.
Uma das soluções preconizadas na doutrina e na jurisprudência consiste na aplicação analógica do artigo 808º, nº 1 do Código Civil à mora do credor, o que significa que o devedor teria de fixar um prazo razoável para que aquele realize a cooperação indispensável ao cumprimento da prestação devida pelo devedor, por forma a fazer converter a mora do credor em impossibilidade definitiva de cumprimento por causa não imputável ao devedor, com a consequente extinção da obrigação, nos termos do preceituado no artigo 790º, nº 1 do Código Civil – v. neste sentido, PEDRO ROMANO MARTINEZ, Cumprimento Defeituoso em Especial na Compra e Venda e na Empreitada, 386 e, a título meramente exemplificativo, Ac. S.T.J. de 27.05.2008 (Pº 08A461), acessível na Internet, no sítio www.dgsi.pt.
Mas, a entender-se que inexiste similitude entre a falta de cooperação do credor, geradora de mora creditoris, e o incumprimento do devedor, gerador de mora debendi, a solução seria proceder à integração da lacuna com a criação de uma norma dentro do espírito do sistema, por força do disposto no nº 3 do artigo 10º do Código Civil, diferindo-se ao tribunal a fixação de prazo razoável compatível com a observância da obrigação de correcção e boa fé, para que o credor realize a cooperação necessária ao cumprimento da prestação devida, seguindo-se a tramitação prevista nos artigos 1456º e 1457º do C.P.C. – v. neste sentido CALVÃO DA SILVA, Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, 130 e, também a título meramente exemplificativo, Ac. R.C. de 15.02.2011 (Pº 2279/07.8TBOVR.C1), igualmente acessível no supra citado sítio da Internet.
Admitindo-se, contudo, que havendo recusa inequívoca e concludente do devedor em cumprir a sua obrigação, tal recusa configura o incumprimento definitivo, dispensando-se a interpelação admonitória do credor, o mesmo se poderá defender quando essa recusa inequívoca advenha do credor.
Aplicando-se as antecedentes considerações ao caso dos autos e, com base na factualidade supra enumerada, da qual se infere que a demandada não deu integral cumprimento a todas as suas obrigações, visto não ter entregue à empreiteira, todos os elementos necessários ao atempado cumprimento da prestação a que aquela se obrigara, elementos esses que a demandante insistentemente solicitou, forçoso é concluir – como se defende no acórdão recorrido – que não era a demandante que se encontrava em mora, mas sim a demandada.
Daí se entender que a resolução do contrato de empreitada defendida pela recorrente nunca poderia ter operado para os efeitos pretendidos, atenta a ausência de um dos seus pressupostos – a verificação de uma situação de mora, por parte do devedor.
Por outro lado, estando comprovado nos autos que a demandada contratou outro empreiteiro para concluir a obra iniciada pela demandante – v. Nºs 93 a 95 da Fundamentação de Facto – impedida sempre esta estaria de prosseguir os trabalhos e realizar a obra.
Corrobora-se, por isso, o entendimento consagrado no acórdão recorrido, no sentido de considerar que ocorreu desistência da empreitada, por parte da recorrente.
A extinção do contrato, por desistência do dono da obra, que se mostra prevista no artigo 1229º do Código Civil, traduz-se numa faculdade discricionária que pode ser tácita – como sucedeu no caso vertente - não carecendo de fundamento, nem de pré-aviso e assume eficácia ex nunc.
Como referem P.LIMA/A.VARELA, Código Civil Anotado, vol. II, 2ª ed., 745, por não se enquadrar nas figuras da resolução, revogação ou denúncia, trata-se de uma situação "sui generis" de extinção do contrato de empreitada, que confere ao dono da obra a possibilidade de não prosseguir com a empreitada, por variadas razões, interrompendo a sua execução para o futuro, mas conferindo, por seu turno, ao empreiteiro, o direito a uma indemnização pelos "gastos e trabalho" e ainda pelo "proveito que poderia tirar da obra".
Alega ainda a recorrente, nas suas alegações de recurso, que a demandante, ao contratar nos termos por esta invocados, terá de se considerar que descurou os deveres de cuidado e de diligência na formação do contrato, violando deveres acessórios de comunicação, esclarecimento e informação prescritos no artigo 185º do Decreto-Lei nº 59/99, de 22 de Março, os quais sempre seriam, só por si, legitimadores da resolução do contrato pela demandada.
Trata-se, como bem assevera a recorrida, nas suas contra alegações, de uma questão nova, somente agora suscitada e que, não sendo de conhecimento oficioso, dela não pode este Tribunal da Relação conhecer em sede de recurso.
O recurso jurisdicional, como se sabe, visa modificar a decisão proferida e não criar soluções sobre matéria nova, estando vedado aos tribunais superiores apreciar questões não colocadas nas instâncias inferiores.
Decorre dos artigos 676º, nº. 1, e 690º, nº. 1, ambos do CPC, e é jurisprudência pacifica, que os recursos visam o reexame, por parte do tribunal superior, de questões precedentemente resolvidas pelo tribunal a quo, e não a pronúncia sobre questões novas.
Às partes não é, portanto, lícito suscitar questões que não hajam sido objecto da decisão recorrida, não podendo o tribunal de recurso pronunciar-se sobre questões ali não decididas, excepto nas situações em que a lei expressamente determine o contrário, ou naquelas em que a matéria em causa seja de conhecimento oficioso, que não é necessariamente o caso.
Neste sentido, corroborando-se o decidido no acórdão recorrido, improcede, nesta parte, o recurso interposto pela demandada, ficando prejudicada a apreciação da suscitada questão recursiva (vi.b.), consistente na cumulação do direito de indemnização com o exercício do direito de resolução, já que sempre terá de improceder o pedido reconvencional, como bem se decidiu no acórdão recorrido.
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c) DO DIREITO DA DEMANDANTE A EXIGIR DA DEMANDADA O PAGAMENTO DAS FACTURAS EMITIDAS, RELATIVAS A REVISÃO DE PREÇOS E A ERROS E OMISSÕES
Insurge-se a apelante contra a sua condenação, quanto ao pagamento das facturas atinentes à revisão de preços, por a mesma padecer de ostensiva insuficiência da matéria de facto e, quanto ao pagamento das facturas referentes a erros e omissões, por contrariar o disposto no artigo 334º do C.C.
Como acima se mencionou, e resulta da cláusula 8ª, nº 4, ao presente contrato de empreitada, será aplicável o regime jurídico das empreitadas de obras públicas (Decº-Lei nº 59/99, de 2 de Março) em tudo o que ali não estiver previsto.
Estatui o nº 1 do artigo 199º do aludido diploma que o preço das empreitadas de obras públicas será obrigatoriamente revisto, nos termos das cláusulas insertas nos contratos, os quais, todavia, deverão subordinar-se aos princípios fundamentais previstos na lei especial aplicável.
E, decorre do nº 2 que no caso de eventual omissão do contrato relativamente à fórmula de revisão de preços, aplicar-se-á a fórmula tipo estabelecida para obras de mesma natureza.
O Decreto-Lei nº 6/2004, de 6/1, que revogou o Decreto-Lei nº 348-A/86, de 16/10, reitera, no seu nº 2 do artigo 1º, esse princípio de obrigatoriedade de revisão de preços e consigna, no nº 3 desse normativo que, no caso de eventual omissão do contrato e dos documentos que o integram relativamente à fórmula de revisão de preços, aplicar-se-á a formula tipo para obras da mesma natureza ou que mais se aproxime do objecto da empreitada.
Tais fórmulas tipo mostram-se legalmente estabelecidas no Despacho do Secretário de Estado das Obras Públicas nº 1592/2004, D.R., 2ª s., de 23.01.2004.
Por outro lado, a figura da reclamação quanto a erros e omissões está igualmente prevista no regime jurídico das empreitadas de obras públicas – v. artigos 14º e ss. do Decreto-Lei nº 59/99.
O acórdão recorrido considerou – e bem - aplicáveis ao caso dos autos tais diplomas. E, por entender que, não constando no contrato em apreciação qualquer fórmula de revisão de preços, o empreiteiro poderia adoptar as fórmulas tipo ali estabelecidas – fórmulas legais que a demandante adoptou e a demandada nada disse – julgou procedente o pedido formulado a este título pela demandante.
Corrobora-se o entendimento plasmado no acórdão recorrido, dado o fundamento que está na base da figura jurídica da revisão de preços – reposição do equilíbrio económico e financeiro – obviando-se a que, neste caso a demandante, não sofra agravamento de encargos na execução da empreitada, atento o período temporal que mediou entre a celebração do contrato e a cessação da relação contratual, sendo, de resto, esta – como foi – imputável ao dono de obra, a ora recorrente.
Acresce que, no caso vertente, ficou demonstrado que o acordo estabelecido, aquando da celebração do contrato de empreitada, tinha em vista que a obra, efectivamente a executar, seguisse soluções arquitectónicas de custos mais baixos do que os contemplados nos elementos então disponibilizados.
Ora, a indefinição da demandada, quanto ao projecto que a demandante teria de executar, e a não entrega dos necessários documentos para possibilitar uma avaliação global do projecto, por parte da demandante, fizeram com que esta tivesse comunicado à demandada que os erros e omissões iriam ser apreciados e identificados à medida que tais elementos fossem sendo entregues.
E, foi o que sucedeu com relação aos projectos de fundações e estrutura de betão armado e águas e esgotos e aos projectos de arquitectura e estruturas em madeira lamelada, carpintarias, revestimentos de paredes com tijolo “burro”, os quais deram origem, não só a relatórios de erros e omissões, atenta a necessidade de acertos em relação ao valor inicialmente acordado, com também à ulterior emissão das facturas nºs 60056 e 60096, respectivamente datadas de 03.07.2006 e de 30.10.2006, facturas essas que a demandada não pagou – v. Nºs 16 a 27 e 46 da Fundamentação de Facto.
Não se mostrando que tais trabalhos não hajam sido realizados e não sejam devidos, antes pelo contrário, e inexistindo, como inexiste, qualquer conduta abusiva, por parte da demandante na pretensão formulada, sufraga-se, também nesta parte, o acórdão recorrido.
Improcede, pois, o recurso da apelante.
d) Da conduta processual da apelante
Invocou a recorrida, nas suas contra-alegações de recurso, que a recorrente revelava má fé substancial e instrumental, fazendo um uso censurável do processo com o ínvio objectivo de obter um benefício que sabia não ser legítimo, pelo que requereu a sua condenação como litigante de má fé, em multa condigna e indemnização a favor da recorrida, em montante não inferior a € 35.000,00.
Nos termos das disposições conjugadas dos artigos 456º nº 2, 266º e 266º-A, todos do CPC, litiga com má fé processual a parte que, não apenas com dolo, mas com negligência grave, deduza pretensão ou oposição manifestamente infundadas, altere por acção ou omissão a verdade dos factos relevantes, pratique omissão indesculpável do dever de cooperação ou faça uso reprovável dos instrumentos adjectivos.
Nos pressupostos da litigância de má fé há que distinguir aqueles que têm natureza subjectiva, daqueles que têm natureza objectiva.
Os pressupostos subjectivos da condenação por litigância de má fé englobam a actuação dolosa e a actuação com negligência grosseira, consistindo esta na omissão do dever de diligência exigível a qualquer pessoa que intenta uma acção ou deduz oposição a um pedido, na medida em que a propositura de uma acção judicial deve ser entendida como um acto sério, que normalmente acarreta prejuízos e incómodos para a outra parte – v. neste sentido Ac. R.C. de 28.09.2000 (Pº 1475/00), acessível no supra identificado sítio da Internet.
Quanto aos pressupostos objectivos da condenação por litigância de má fé há que distinguir a má fé substancial da má fé instrumental.
A má fé substancial ou material - directa ou indirecta - verifica-se quando a actuação da parte se reconduz às práticas aludidas nas alíneas a) e b) do nº 2 do citado artigo 456º do CPC, ou seja, quando se deduza pretensão ou oposição manifestamente infundadas (má fé material directa), se altere, por acção ou omissão, a verdade dos factos relevantes (má fé material indirecta). Esta só pode ter lugar quando o tribunal profere decisão sobre a relação jurídica material que é objecto da acção.
A má fé instrumental reconduz-se às alíneas c) e d) do apontado normativo – a omissão indesculpável do dever de cooperação ou o uso reprovável dos instrumentos adjectivos.
Mas, quer na má-fé substancial, quer na instrumental, está presente uma intenção maliciosa ou uma negligência de tal modo grave ou grosseira que, aproximando-a da actuação dolosa, justifica um elevado grau de reprovação ou de censura e idêntica reacção punitiva.
O juízo de censura radica, pois, na violação dos elementares deveres de probidade, cooperação e de boa fé a que as partes estão adstritas e que estão fixados nos artigos 266º e 266º-A do C.P.C
No caso em análise, a apelada sustentou a condenação da apelante, como litigante de má fé, reportada ao facto de num dos pedidos formulados na reconvenção, atinente aos trabalhos facturados pela empreiteira contratada para terminar a obra iniciada pela demandante, estarem incluídos trabalhos que não constavam da empreitada celebrada com a demandante.
Não se vislumbrando, contudo, que a conduta processual da apelada se haja processado de modo a integrar o conceito de litigância de má fé, tanto mais que este Tribunal de recurso não chegou a apreciar o pedido reconvencional, pelas razões acima enumeradas, improcede o pedido de condenação da apelada como litigante de má fé.
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Vencida, é a recorrente responsável pelas custas respectivas - artigo 446º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.
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IV. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente o recurso, confirmando-se a decisão recorrida e em condenar a recorrente no pagamento das custas respectivas.
Lisboa, 14 de Julho de 2011
Ondina Carmo Alves – Relatora
Ana Paula Boularot
Lúcia Sousa