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EXECUÇÃO
INDEFERIMENTO LIMINAR
Sumário
I - O meio próprio de impugnação do despacho de indeferimento liminar parcial do requerimento executivo é o recurso de apelação, o qual sobe nos próprios autos com efeito suspensivo do processo, nos termos do artigo 234.º-A, nº 2, conforme ressalva da alínea n) do nº 2 do artigo 691.º do CPC. II - Trata-se de um regime especial de impugnação do despacho de indeferimento liminar, tanto na acção declarativa como na acção executiva, justificado pela natureza, função e alcance desse despacho, que, quando parcial, não se compadece com uma impugnação diferida para o âmbito do recurso da decisão final. III - Além disso, no processo executivo propriamente dito, não se verifica qualquer instrumentalidade entre as decisões interlocutórias e a decisão final da extinção da execução, hoje de raríssima ocorrência, que justifique a impugnação diferida daquelas decisões interlocutórias para o eventual recurso dessa decisão final. (Sumário do Relator)
Texto Integral
Reclamante: Condomínio do Prédio sito na, n.º , Reclamados: CJ.
(Reclamação do art. 688º do CPC no Processo nº 2473/08.4TBALM-A do 2º Juízo Cível do Tribunal de Almada)
1. O Condomínio do Prédio sito na n.º, instaurou, junto dos Juízos Cíveis de Almada, contra CJ acção executiva, com base em actas de reunião da assembleia de condóminos, para pagamento das contribuições devidas ao condomínio, bem como de uma penalização pela mora, em conformidade com o regulamento interno do prédio, e das despesas judiciais e extrajudiciais efectuadas para a cobrança da dívida, incluindo honorários de advogado.
2. De seguida foi proferido despacho liminar a indeferir o requerimento executivo quanto à pretensão de pagamento das alegadas penalidades, bem como das despesas judiciais e extrajudiciais, no montante de € 674,06 e de € 250,00, respectivamente, ordenando-se o prosseguimento da execução pela quantia restante.
3. Inconformado com aquele indeferimento liminar parcial, o exequente apelou desse despacho, juntando logo as respectivas alegações, mas o recurso foi indeferido por se considerar “extemporâneo, por antecipação”, nos termos do artigo 691.º, n.º 1 e 2, a contrario sensu, do CPC, entendendo-se que a impugnação em causa teria de aguardar, em conformidade com os n.º 3 e 4 do citado normativo.
4. Veio então o recorrente reclamar para este tribunal daquele último despacho, sustentando, no essencial, que:
- o artigo 691.º, n.º 1 e 2, do CPC não contém no seu elenco a decisão de indeferimento liminar e parcial do requerimento executivo, o que, segundo a decisão recorrida, remeteria para a norma residual do n.º 3, nos termos da qual as restantes decisões proferidas pelo tribunal de 1.ª instância podem ser impugnadas no recurso que venha a ser interposto da decisão final ou do despacho previsto na alínea l) do n.º 2;
- por sua vez, o n.º 4 do referido artigo preconiza que, não havendo recurso da decisão final, as decisões interlocutórias que tenham, para o apelante, interesse autónomo daquela podem ser impugnadas num recurso único a interpor após o trânsito em julgado dessa decisão final;
- porém, em sede de execução, deixou de haver sentença final de extinção, face ao preceituado no artigo 919.º do CPC, não se mostrando sequer que seja recorrível a consignação nos autos desse extinção, por parte do agente de execução, por não se tratar de um acto jurisdicional, tendo a decisão reclamada desconsiderado todas estas questões.
Pede o reclamante que seja admitido o recurso interposto ou, no caso de assim se não entender, que o mesmo não seja indeferido, mas proferido despacho no sentido de ficar nos autos a respectiva peça processual a aguardar renovação.
5. Não foi deduzida resposta pelo reclamado.
Cumpre apreciar e decidir.
6. Apreciação da reclamação
A questão que aqui se suscita, tendo em conta a aplicação ao processo em referência do actual regime recursório introduzido pelo Dec.-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, consiste em saber:
1.º - se o despacho de indeferimento liminar parcial do requerimento executivo é susceptível de impugnação imediata por via de recurso próprio;
2.º - ou se tal impugnação só pode ter lugar no âmbito do recurso que porventura venha a ser interposto da decisão final, nos termos do n.º 3 do artigo 691.º do CPC, ou, não havendo recurso da decisão final, por recurso póstumo a interpor depois do trânsito dessa decisão, nos termos do n.º 4 do mesmo artigo.
A decisão reclamada adoptou a segunda alternativa.
Vejamos então.
Com é sabido, segundo o artigo 691.º do CPC, na redacção introduzida pelo Dec.-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, em vigor desde 1 de Janeiro de 2008, os modos gerais de impugnação das decisões judiciais da 1ª instância perante o tribunal superior dividem-se em três modalidades:
a) – uma aplicável à decisão que ponha termo ao processo (n.º 1 do art. 691.º) e aos casos especificamente previstos no nº 2 do indicado artigo, a qual consiste na interposição, imediatamente subsequente, de recurso de apelação, a subir logo nos próprios autos ou em separado, consoante os casos, em conformidade com o disposto no artigo 691.º-A;
b) – outra aplicável às restantes decisões (não incluídas nos n.º 1 e 2 do art. 691.º), que não se traduz, à partida, em mecanismo de interposição de recurso próprio da decisão a impugnar, mas em impugnação no âmbito do recurso que vier a ser porventura interposto da decisão final, como decorre do n.º 3 do artigo 691.º,
c) – uma terceira modalidade circunscrita às decisões interlocutórias que tenham interesse para o apelante independentemente da decisão final, quando não houver recurso desta decisão, e que consiste num mecanismo de recurso único a interpor após o trânsito em julgado dessa decisão final, nos termos do n.º 4 do artigo 691.º.
Por sua vez, o artigo 922.º-B do CPC faz uma adaptação específica deste regime geral do recurso de apelação aos procedimentos declarativos do processo executivo, nos domínios da verificação e graduação de créditos, da oposição à execução e do incidente de oposição à penhora.
Porém, fora deste quadro geral, o artigo 234.º-A, n.º 2 e 3, do CPC estabelece um regime especial para a impugnação do despacho de indeferimento liminar, que é sempre admissível até à Relação, independentemente do valor da causa ou da sucumbência, e que consiste em recurso de apelação, imediatamente subsequente, a subir nos próprios autos, como decorre do nº 2 do indicado normativo.
A tal propósito, importa ter presente que este regime especial de impugnação do despacho de indeferimento liminar é, no essencial, semelhante ao antecedente recurso de agravo previsto no artigo 475.º do CPC, na redacção anterior à Reforma de 95/96, introduzida pelos Dec.-Leis n.º 329-A/95, de 12-12, e n.º 180/96, de 25-9. A razão de ser deste regime especial prende-se com a função, natureza e alcance do próprio despacho de indeferimento liminar.
Para que se tenha cabal compreensão dessas razões talvez não seja despiciendo lembrar aqui que o despacho de indeferimento liminar[1], na generalidade das acções[2], foi introduzido pelo Decreto nº 12.353 de 22-9-1926, com vista a permitir que o juiz rejeitasse a petição inicial, logo no início da causa, nos casos de vícios processuais insupríveis ou de pretensão manifestamente inviável[3].
Desse modo se procurava pôr cobro à permissividade do CPC de 1876 que, dominado pelo princípio da inércia do juiz, aliás em sintonia com o pensamento liberal da época, não lhe permitia qualquer intervenção inicial ou interlocutória[4] por forma a evitar o prosseguimento de causas irremediavelmente votadas ao insucesso, fosse por falta de pressupostos processuais, fosse por manifesta falta de fundamentos da acção, fazendo com que o processo chegasse à sentença, após prolongado percurso e demoradas diligências probatórias, para afinal o réu ser absolvido da instância ou a acção ser julgada improcedente sem que a prova produzida tivesse, para o efeito, qualquer utilidade[5].
Sucede que a introdução do despacho de indeferimento liminar foi então alvo de muitas críticas, por parte de alguns advogados, com o argumento de que o juiz não disporia de tempo nem de elementos para apreciar, in limine, da viabilidade da causa e de que o indeferimento liminar traria graves prejuízos ao autor fazendo-lhe perder a garantia do direito de acção[6].
Essas críticas foram certeiramente rebatidas pelo Prof. Alberto dos Reis que salientou o dispêndio inútil de actividade judicial que se poupava com o indeferimento liminar de petições claramente votadas ao fracasso e os maiores prejuízos que o próprio autor evitaria com isso. Por outro lado, o dever de apreciação liminar imposto ao juiz forçá-lo-ia a inteirar-se desde logo dos termos do litígio.
Depois das reformulações legislativas introduzidas em 1927 e 1932[7], veio o Código de Processo Civil de 1939 manter o despacho de indeferimento liminar com alguns melhoramentos, bem como o regime especial de agravo que lhe estava associado[8].
Com a Reforma do CPC de 1961, o artigo 474.º do CPC[9] veio esclarecer, no seu n.º 2, que não podia haver indeferimento liminar parcial, a não ser quando dele resultasse a exclusão de algum dos réus, proibição esta que alguns autores interpretavam de forma ampla[10], enquanto outros entendiam que tal proibição não era aplicável ao indeferimento parcial de pedidos cumulados[11]. Essa proibição era alicerçada no argumento de que, se o réu tivesse de ser citado para a acção, quanto às pretensões que houvessem de prosseguir, não se justificava o indeferimento liminar parcial, com o consequente atraso do processo, podendo bem o fundamento de indeferimento ser apreciado, sem outros custos, em sede de despacho saneador. Por sua vez, o artigo 475.º manteve o regime especial de recurso de agravo do despacho de indeferimento liminar[12].
No que respeita ao processo executivo, o CPC de 1961 não continha qualquer disposição específica sobre o despacho liminar, aplicando-se-lhe subsidiariamente o preceituado nos artigos 474.º e seguintes, conforme a norma remissiva do artigo 801.º. Todavia, era então entendimento corrente de que a proibição do indeferimento parcial editada no n.º 2 do artigo 474.º não era ajustada à acção executiva, em que se exigia um controlo liminar mais firme dos pressupostos processuais, em especial da exequibilidade do título, já que aquela forma de processo não comportava sequer uma fase de saneamento, que permitisse o controlo ulterior oficioso desses pressupostos.
Finalmente, a Revisão do CPC de 95/96, que introduziu a regra da oficiosidade da citação, tornou assim excepcional a ocorrência do despacho de citação, e consequentemente do despacho de indeferimento liminar, nos termos do artigo 234.º, nº 1 e 4, mantendo o regime especial do recurso de agravo do despacho de indeferimento liminar, em moldes semelhantes ao regime pregresso, nos termos do artigo 234.º-A, a que foi dada a seguinte redacção: 1. Nos casos referidos nas alíneas a) e b) do número 4 do artigo anterior, pode o juiz, em vez de ordenar a citação, indeferir liminarmente a petição, quando o pedido seja manifestamente improcedente ou ocorram, de forma evidente, excepções dilatórias insupríveis e de que o juiz deva conhecer oficiosamente, aplicando-se o disposto no artigo 476.º. 2. É admitido agravo até à Relação do despacho que haja indeferido liminarmente a petição da acção ou de procedimento cautelar, cujo valor esteja contido na alçada dos tribunais de 1ª instância. 3. O despacho que admita o agravo do indeferimento liminar ordenará a citação do réu ou requerido, tanto para os termos do recurso como para os da causa, salvo se o requerido no procedimento cautelar não dever ser ouvido antes do seu decretamento. 4. O prazo para a contestação ou oposição inicia-se com a notificação em 1ª instância de que foi revogado o despacho de indeferimento previsto nos números anteriores.
Assim, quanto ao indeferimento liminar, deixou de constar a anterior proibição do indeferimento liminar parcial.
A par disso, no âmbito do processo executivo, continuou a ser regra geral a ocorrência de despacho liminar, competindo ao juiz indeferir in limine, total ou parcialmente, o requerimento executivo nos casos previstos no artigo 811.º-A, que consignava o seguinte: 1. O juiz indefere liminarmente o requerimento executivo quando: a) – Seja manifesta a falta ou a insuficiência do título; b) – Ocorram excepções dilatórias, não supríveis, de conhecimento oficioso; c) – Fundando-se a execução em título negocial, seja manifesta, face aos elementos constantes dos autos, a inexistência de factos constitutivos ou a existência de factos impeditivos ou extintivos da obrigação exequenda que ao juiz seja lícito conhecer. 2. É admitido o indeferimento parcial, designadamente quanto à parte do pedido que exceder os limites constantes do título executivo.
Ademais, foi dada nova redacção ao artigo 820.º, no sentido de conferir claramente ao juiz poderes para, em momento ulterior até à realização da venda ou das outras diligências destinadas ao pagamento, conhecer das questões que tivessem escapado ao controlo liminar do requerimento executivo, nos termos do artigo 811.º-A.
Desse modo, o meio de impugnação do indeferimento liminar, total ou parcial, do requerimento executivo passou a estar sujeito ao regime especial do recurso de agravo estabelecido nos n.º 2 a 4 do artigo 234.ºA.
Com a Reforma da Acção Executiva operada pelo Dec.-Lei n.º 38/2003, de 8 de Março, foi introduzida a dispensa de despacho liminar nas execuções baseadas nas espécies de título e condições previstas no artigo 812.º-A, bem como a citação oficiosa pela secretaria nos casos previstos n.º 7 do artigo 812.º, ficando o despacho liminar confinado a situações resi-duais, nos termos do n.º 1 do artigo 812.º, em cujos n.º 2 e 3 se previa o indeferimento liminar, total ou parcial, do requerimento executivo, com os fundamentos anteriormente previstos no artigo 811.º, mantendo-se, nesses casos, a aplicação subsidiária do preceituado no artigo 234.º-A, n.º 2 a 4, quanto ao regime especial do recurso de agravo ali estabelecido.
Nessa conformidade, havendo indeferimento liminar total ou parcial do requerimento executivo, o exequente poderia impugná-lo mediante recurso de agravo, sempre admissível para a Relação, o qual subia imediatamente nos próprios autos com efeito suspensivo do processo (art. 740.º, n.º 1), sendo que, admitido o recurso, o executado seria citado tanto para os termos do recurso como para os da execução, observando-se depois o que de mais se encontra prescrito no n.º 4 do artigo 234.º-A, ou seja, que o prazo para o executado pagar ou deduzir oposição à execução, previsto no então n.º 6 do artigo 812.º se iniciava com a notificação em 1ª instância de que fora revogado o despacho de indeferimento liminar.
Sobreveio entretanto o novo regime de recursos introduzido pelo Dec.-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, que instituiu uma única espécie de recurso ordinário para a Relação - o recurso de apelação -, embora vertebrada nas modalidades acima referidas, de forma a responder às exigências de diferenciação, na economia do processo, entre a decisão final, legalmente designada por decisão que ponha termo ao processo, e as decisões interlocutórias ou incidentais, a saber:
a) - uma modalidade recursória, imediata, de subida nos próprios autos ou em separado, conforme os casos, para a decisão final e para as decisões interlocutórias ou incidentais previstas no n.º 2 do artigo 691.º, com ressalva ainda de outras especialmente previstas na lei;
b) - outra modalidade de impugnação, diferida para o recurso da decisão final, quanto às restantes decisões interlocutórias, nos termos do n.º 3 do artigo 691.º;
c) – uma terceira modalidade de recurso único para as decisões interlocutórias assim diferidas, quando não houver lugar a recurso da decisão final, nos termos do n.º 4 do artigo 691.º.
A ideia-âncora deste regime terá sido, fundamentalmente, obter ganhos de celeridade e simplificação, fundada no pressuposto da natureza instrumental das decisões interlocutórias em relação à decisão final.
Porém, esta ideia de base não se adequa à acção executiva propriamente dita, na medida em que, diversamente da acção declarativa cujo objectivo é a resolução do litígio, a acção executiva tem por fim a satisfação de uma obrigação patrimonial já definida no título, através de uma actividade processual de cariz operativo, desenvolvida por fases ou ciclos diversificados, comportando intervenções pontuais do juiz no controlo da legalidade de alguns actos de maior relevo que possam colidir com interesses ou direitos fundamentais das partes ou de terceiros, sem prejuízo evidentemente dos eventuais procedimentos declarativos.
É por isso mesmo que um modelo recursório assente numa ideia de economia processual referenciada à decisão final não faz qualquer sentido na execução propriamente dita, em que a decisão final da extinção da execução é meramente formal, sendo que, actualmente, só ocorrerá em raríssimas situações, face ao preceituado no artigo 919.º do CPC.
Nessa mesma medida, não deixa de ser surpreendente que a Reforma do Regime de Recursos de 2007, tenha legado um vazio normativo, nesse particular, no campo da acção executiva, limitando-se, no artigo 922.º-B, a uma ligeira adaptação dos procedimentos declarativos, sem aproveitar ao menos a sabedoria já sedimentada no artigo 923.º do CPC de 1961 e transposta, de forma mais sintética, para a alínea c) do n.º 1 do mesmo artigo, na redacção dada pelo Revisão de 95/96.
No que concerne agora à impugnação do despacho de indeferimento liminar, tanto na acção declarativa como na acção executiva, o único acolhimento que essa impugnação tem no bloco normativo dos artigos 691.º a 691.º-A, quando se trate de indeferimento total, é o de que se traduz numa decisão que põe termo ao processo, caso em que desse despacho cabe apelação imediata a subir nos próprios autos, nos termos dos artigos 691.º, n.º 1, e 691.º, n.º 1, alínea a).
Daí que se possa então suscitar a dúvida quanto à modalidade de impugnação do despacho de indeferimento liminar parcial, uma vez que esta decisão não põe termo ao processo.
Ora, como se trata de uma hipótese não prevista especificamente nas alíneas a) a m) do n.º 2 do artigo 691.º, logo ocorre a solução formal de a enquadrar na modalidade residual da impugnação diferida prevista no nº 3 do artigo 691.º, ou seja, relegando essa impugnação para o âmbito do recurso que venha a ser interposto da decisão final, tal como foi entendido pela decisão reclamada. Salvo o devido respeito, esta solução esquece de todo a função, a natureza e o alcance do referido despacho.
Senão vejamos.
Mesmo em sede de acção declarativa, que vantagens adviriam de se deixar a decisão de indeferimento liminar parcial para impugnação em sede de recurso da sentença final? Se porventura, neste recurso, o despacho impugnado fosse revogado, ir-se-ia retomar então toda instância nessa parte?
E, no domínio da acção executiva, a considerar, como o fez a decisão reclamada, de que o despacho de indeferimento liminar, só será impugnável no âmbito da decisão final – sem que se descortine qual é ela -, será que, depois de extinta a execução, caso a impugnação daquele despacho mereça provimento, faz sentido retomar a instância quanto à pretensão rejeitada ou a parte de uma pretensão que prosseguira, duplicando os mecanismos de oposição à execução e à penhora, a própria fase da penhora, o procedimento de concurso de credores e a fase de pagamento?
Estamos em crer que esta solução seria de todo inaceitável.
De qualquer modo, afigura-se que a lei contém a solução adequada.
Com efeito, o artigo 234.º-A, n.º 2 a 4, estabelece um regime especial de recurso de apelação para o despacho de indeferimento liminar, total ou parcial - tanto mais que a lei hoje não consagra sequer a proibição do indeferimento parcial como o fazia outrora -, o que se justifica pelas razões acima expostas maturadas na evolução histórica daquele instituto.
E diga-se que o recurso previsto no mencionado artigo 234.º-A não foi sequer ignorado pelo novo regime de recursos, que evidencia o especial cuidado de lhe suprimir a designação de agravo, sinal inequívoco de o pretender reconduzir às espécies de recurso ora previstas, ainda que provido do respectivo regime especial.
Acresce que a alínea n) do n.º 2 do artigo 691.º determina a modalidade do meio de impugnação imediata por via de recurso de apelação nos casos expressamente previstos na lei, como é o do regime especial para o despacho de indeferimento liminar contemplado pelo artigo 234.º-A, n.º 2 a 4, o que o coloca, desde logo, fora do âmbito de aplicação do n.º 3 do referido artigo 691.º.
Aqui chegados, não nos resta senão concluir que do despacho de indeferimento liminar, total ou parcial, em particular, do requerimento executivo, nos termos hoje previstos no artigo 812.º-E, n.º 1 e 2, do CPC, cabe recurso de apelação, sempre admissível para a Relação, a subir nos próprios autos e, necessariamente, com efeito suspensivo do processo, nos termos combinados dos artigos 234.º-A, n.º 2, e 691.º, n.º 2, alínea n), do CPC, pelo que procede a reclamação deduzida.
7. Decisão
Pelo exposto, decide-se julgar procedente a reclamação apresentada pelo exequente, revogando-se a decisão reclamada e, em sua substituição, admite-se o recurso interposto, ordenando que se solicite o processo principal ao tribunal recorrido, nos termos do n.º 6 do artigo 688.º do CPC.
As custas do incidente ficam a cargo do reclamado.
Lisboa, 15 de Julho de 2011
O Juiz Relator
Manuel Tomé Soares Gomes
------------------------------------------------------------------------------------- [1] Ao despacho liminar chamou-se-lhe, então, despacho inicial, despacho prévio, despacho de introdução ou introdutório, mais raramente despacho limiar ou liminar; esta última designação não se mostrava, na altura, muito adequada, dado que havia antes dele um despacho ordenatório da distribuição; quando este despacho desapareceu, a expressão despacho liminar ganhou foros de cidade. Em português antigo empregava-se o substantivo liminar equivalente ao que hoje designamos por limiar; no português actual liminar é usado como adjectivo - vide prelecções do Prof. PAULO CUNHA, Da Marcha do Processo: Processo Comum de Declaração, ob. supra citada, pag. 274 e 275. [2] O Prof. PAULO CUNHA dá notícia de que, antes de Reforma de 1926, já haveria despacho de indeferimento liminar nalguns casos excepcionais - vide ob. cit. pag. 274; veja-se, por exemplo, a hipótese de indeferimento liminar nos processos de separação de pessoas e bens, nos termos do art. 443º, § 3º do CPC de 1876. [3] O artigo 2º do Decreto nº 12.353 de 22-9-1926 dispunha o seguinte: Distribuída a acção, o juiz fará logo citar o réu, independentemente de requerimento. Deve porém o juiz indeferir in limine a petição inicial: 1º Quando reconhecer que é inepta; 2º Quando fôr manifesta a incompetência do tribunal em razão da matéria; 3º Quando não houver dúvida de que o meio empregado é impróprio; 4º Quando a inviabilidade da pretensão do autor fôr de tal modo evidente que se torne inútil qualquer instrução e discussão posterior. § único. Do despacho de indeferimento cabe agravo de petição. A decisão do tribunal superior será definitiva quanto aos casos 1º, 2º e 3º; no caso do nº 4 o recurso pode su-bir até ao Supremo Tribunal de Justiça, seja qual fôr o valor, e a decisão final, quando favo-rável ao autor, apenas assegura o seguimento da acção. [4] Todavia, fora, primeiramente, introduzido um despacho interlocutório - logo crismado de despacho regulador -, pelo art. 9º do Decreto nº 3 de 29-5-1907, o qual veio permitir que o juiz, findos os articulados, conhecesse das nulidades insupríveis e das supríveis devidamente arguidas pelas partes. Este despacho é o antecedente histórico do despacho saneador. [5] Vide, a este propósito, as referências feitas no preâmbulo do Dec. nº 12.353, de 22-9-1926, in D.G., I Série, nº 211, pag. 1362. [6] Prof. Alberto dos Reis, in CPC Anotado, Coimbra, 1981, pags. 373 e 374. [7] Assim, o Dec. 13.979 de 25-7-1927 veio entretanto reformular o citado art. 2º do Dec. 12.353, convertendo o seu § único no § 1º e aditando o § 2º com o seguinte teor: § 2º. Interposto o agravo, será imediatamente citado o réu tanto para os termos do recurso como para os termos da acção no caso de provimento do agravo. Se o despacho vier a ser revogado, o prazo para a contestação conta-se desde a data em que o processo seja recebido na primeira instância, ou desde a data em que o recebimento seja intimado ao procurador do réu, tendo-o este constituído.
Posteriormente, o Dec. nº 21.287, de 26-5-1932, que veio compilar a anterior legislação do processo civil e comercial, transplantou para o seu art. 93.º o transcrito art. 2º do Dec. nº 12.353, na versão dada pelo referido Dec. nº 13.979, mas com pequenas modificações - em especial, na segunda parte do § 2º. O teor do art. 93.º era pois o seguinte: Distribuída a acção, o juiz fará logo citar o réu, independentemente de requerimento. Deve porém o juiz indeferir in limine a petição inicial, mandando dar baixa na distribuição: 1º Quando reconhecer que é inepta; 2º Quando fôr manifesta a incompetência do tribunal em razão da matéria; 3º Quando não houver dúvida de que o meio empregue é impróprio; 4º Quando a inviabilidade da pretensão do autor fôr de tal modo evidente que se torne inútil qualquer instrução e discussão posterior. § 1º Do despacho de indeferimento cabe agravo. A decisão do tribunal superior será definitiva quanto aos casos dos nºs 1º, 2º e 3º; no caso do nº 4º o recurso pode subir até ao Supremo Tribunal de Justiça, seja qual fôr o valor, e a decisão final, quando favorável ao autor, apenas assegura o seguimento da causa. § 2º Interposto o agravo será imediatamente citado o réu, tanto para os termos do recurso como para os da acção, no caso de provimento do agravo. Se o despacho vier a ser revogado, logo que o processo dê entrada no cartório será intimado o réu, começando a contar-se desta intimação o prazo para a contestação. [8] O art. 481º que rezava o seguinte : A petição deve ser indeferida in limine: 1.º Quando se reconhecer que é inepta; 2.º Quando for manifesta a incompetência absoluta do tribunal, a falta de personalidade ou de capacidade judiciária do autor ou do réu, ou a sua ilegitimidade; 3.º Quando a acção for proposta fora de tempo ou quando, por qualquer outro motivo, for evidente que a pretensão do autor não pode proceder. § 1.º Se a forma de processo escolhida pelo autor não corresponder à natureza ou ao valor da acção, mandar-se-á seguir a forma adequada. Mas quando a petição não possa ser utilizada para essa forma, será indeferida. § 2.º Do despacho de indeferimento cabe agravo. A decisão do tribunal superior será definitiva nos casos dos nºs 1º e 2º e § 1º; no caso do nº 3º, pode subir até ao Supremo Tribunal, seja qual for o valor, o recurso oposto ao indeferimento e a decisão final, quando favorável ao autor, apenas assegura o seguimento da causa. Interposto o agravo, será imediatamente citado o réu, tanto para os termos do recurso como para os da causa, se esta tiver de prosseguir. Sendo revogado o despacho, notificar-se-á o réu logo que o processo dê entrada na secretaria, começando a correr da notificação o prazo para a contestação. § 3.º Se o autor, em vez de agravar do despacho de indeferimento, apresentar outra petição dentro de três dias, considerar-se-á proposta a acção na data em que a primeira petição tiver dado entrada na secretaria. [9] O Artigo 474.º do CPC, na redacção dada pela Reforma de 1961, consignava o seguinte: 1. A petição inicial deve ser liminarmente indeferida: a) – Quando se reconheça que é inepta; b) – Quando seja manifesta a incompetência absoluta do tribunal, a falta de personalidade judiciária ou de capacidade judiciária do autor ou do réu, ou a sua ilegitimidade; c) – Quando seja evidente que a acção foi proposta fora de tempo ou que, por outro motivo, a pretensão não pode proceder. 2. Não é admissível o indeferimento liminar parcial da petição, a não ser que dele resulte exclusão de algum dos réus. 3. Se a forma de processo escolhida pelo autor não corresponder à natureza ou ao valor da acção, mandar-se-á seguir a forma adequada; mas quando não possa ser utilizada para essa forma, a petição é indeferida. [10] Vide, neste sentido, Prof. Antunes Varela e outros, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2ª Edição, 1985, 258, com destaque para a nota de rodapé (2) contendo uma posição crítica à posição restritiva do Prof. Castro Mendes. [11] A este propósito, vide Prof. Castro Mendes, Direito Processual Civil, Vol. III, AAFDUL, 1978/79, pag. 56-60 [12] O indicado artigo 475.º, no que aqui releva, era do seguinte teor: 1. Do despacho de indeferimento cabe agravo, ainda que o valor da causa esteja contido na alçada do tribunal de comarca; se esse valor não exceder, porém, a alçada da Relação, o acórdão proferido sobre o agravo só é susceptível de recurso nos termos do n.º 2 do artigo 678.º. ------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- 3. O despacho que admita o agravo ordenará a citação do réu, tanto para os termos do recurso como para os da causa. 4. Sendo revogado o despacho de indeferimento, mandará o juiz de 1ª instância, em cumprimento da decisão, notificar o réu, começando a correr da notificação prazo para a contestação; se o agravo não obtiver provimento, a entrada do processo na secretaria da 1ª instância é logo notificada ao autor.