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DIVÓRCIO
SEPARAÇÃO DE FACTO
DEVER DE FIDELIDADE
CULPA
Sumário
I - É certo que, por via de regra, à separação corresponderá a habitação em residências diferentes, todavia, nada impede que, apesar de habitarem na mesma casa, não exista comunhão de vida entre os cônjuges, designadamente, por não tomarem refeições em comum e dormirem deliberadamente em apartamentos separados, como se casados não fossem. II – É, igualmente, certo que a ruptura dos laços conjugais, traduzida pela separação de facto dos cônjuges, não os desonera, só por ela, dos deveres impostos pelo art.1672º, do C.Civil, designadamente, do dever de fidelidade e de respeito. III - No caso dos autos, o relacionamento do autor com 3ª pessoa, ocorreu quando o casal já se encontrava separado de facto pelo menos quase há três anos, sem que se tenha apurado de quem foi a culpa de tal separação, rompendo-se, então, os laços afectivos e não havendo notícia nos autos de alguma vez, após a separação, os cônjuges haverem reatado qualquer relacionamento. IV - Deste modo, sendo certo que a possibilidade da vida em comum já se encontrava comprometida, por razões que se desconhecem, a circunstância de, entretanto, o autor violar o dever de fidelidade, nos termos apontados, poderia, quando muito, alargar ou aprofundar o estado de ruptura existente, o que não se provou. V - Assim, a culpa que o autor terá tido no relacionamento com outra mulher e que, em princípio, face ao vínculo contratual antes assumido, lhe será de assacar, será fraca e sem gravidade bastante para ser causa de divórcio. VI - Tem-se entendido, ultimamente, que a separação de facto, embora não fazendo cessar o dever de fidelidade, todavia enfraquece o conteúdo deste dever, de tal maneira que, sendo o adultério cometido em tal período, é menos grave que se ocorrer no âmbito da vida em comum dos cônjuges. (Sumário do Relator)
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:
1 – Relatório.
No 1º Juízo de Família e Menores de Lisboa, A… intentou acção de divórcio litigioso contra sua mulher B…, alegando que contraíram casamento civil em 9/12/98, precedido de convenção antenupcial, estabelecendo o regime de separação de bens, e que existe uma filha de ambos, menor de 12 anos de idade.
Mais alega que estão separados de facto desde o início do ano de 2002, vivendo totalmente isolados e independentes um do outro, apesar de viverem na mesma casa, não estabelecendo qualquer contacto físico há mais de 4 anos consecutivos.
Alega, ainda, que mantém o propósito de não voltar a restabelecer qualquer contacto com a ré, seja de que espécie for, pelo que, vivem na situação de separação de facto e sem qualquer projecto de vida em comum.
Conclui, assim, que deve decretar-se o divórcio entre o autor e a ré.
Designado dia para uma tentativa de conciliação, esta não foi possível, tendo a ré, então, sido notificada para contestar.
A ré contestou e deduziu reconvenção, alegando que desde finais de 2002 que deixaram de fazer vida normal, como marido e mulher, e que não existe da parte de nenhum dos cônjuges o propósito de restabelecer comunhão de vida.
Mais alega factos que, no seu entender, dada a sua gravidade e a forma como vêm sendo praticados, integram violação grave e culposa dos deveres conjugais de respeito, fidelidade, cooperação, coabitação e assistência, que o autor continua a dever à ré, comprometendo o autor, com a sua conduta, qualquer possibilidade de manutenção de vida em comum com a ré.
Conclui, deste modo, pela improcedência da acção e pela procedência da reconvenção, decretando-se a dissolução do casamento entre o autor e a ré, por divórcio, e declarando-se o autor como único cônjuge culpado.
O autor contestou a reconvenção, concluindo pela procedência do seu pedido inicial, tendo a ré treplicado.
Seguidamente, foi proferido despacho saneador, tendo-se seleccionado a matéria de facto relevante considerada assente e a que passou a constituir a base instrutória da causa.
Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi, após decisão da matéria de facto, proferida sentença, julgando procedente a reconvenção e decretando o divórcio entre o autor e a ré, com culpa exclusiva do autor.
Este, inconformado, interpôs recurso de apelação daquela sentença.
Produzidas as alegações e colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
2 – Fundamentos.
2.1. Na sentença recorrida consideraram-se provados os seguintes factos:
1. A. e R. casaram entre si, segundo o regime de separação de bens, mediante convenção antenupcial outorgada a 26.11.1998, no dia 09.12.1998 (al. A) dos factos assentes)
2. Da relação mantida entre ambos nasceu C… a 16.10.1993 (al. B) dos factos assentes)
3. A e R. viveram em comum, entre si, a partir de Dezembro de 1994 (resposta ao art.° 1° da B.L).
4. Numa casa sita na Rua da …, em . Lisboa. (resposta ao art.° 2° da B.I.)
5. A partir de 1998 (inclusive), A. e R. passaram a residir, juntamente com a filha C… e D…, numa casa sita na Rua …, n.° ., em Lisboa, (resposta ao art.° 3° da B.I.).
6. Pelo menos desde finais de 2002 que A. e R. não comem, não dormem juntos, não convivem, nem mantêm entre si qualquer relação sexual, na casa sita na Rua … e/ou fora dela (resposta ao art.°s 6° e 7° da B.I.).
7. É habitual o R. almoçar com a filha C… aos domingos (resposta ao art.° 10° da B.I.).
8. O R. deixou de contribuir para o pagamento dos encargos com a empregada doméstica (resposta ao art.° 32° da B.I.).
9. Quando passaram a viver na dita casa sita na Rua …, à C… e D… estava destinado um dos quartos, equipado com duas camas, sendo uma para cada uma delas (resposta ao art.° 40° da B.I.).
10. A cama individual existente no outro quarto (além do da cama dupla e do de casal) foi adquirida pela R., quando a filha C…a mudou de quarto (resposta ao art.° 44° da B.I.).
11. Desde Junho de 2005 o A. deixou de pagar o condomínio sem avisar a R., contrariamente ao que fazia até então (resposta ao art. 49° da B.I.).
12. A R., até finais de 2006, não contribuiu para os encargos do condomínio da dita casa sita na Rua …, no valor mensal de €146,84 (resposta ao art.0 50° da B.I.).
13. O A., pelo menos até Março de 2007, tem pago as prestações de empréstimo à habitação, os consumos de água, electricidade e gás, tudo relativo à dita casa, sita na Rua …, o que orça em cerca de €1.000,00 mensais (resposta ao art.0 51° da B.I.).
14. Sendo os consumos de gás, electricidade e água efectuados também pela R., pela filha C…e por D… (resposta ao art.0 52° da B.I.).
15. O A. paga actualmente todos os meses para a filha C… a quantia de € 480,00, acrescida das devidas actualizações, a título de pensão de alimentos (resposta ao art.° 55° da B.I.).
16. No ano de 2005 o R. foi visto de mão dada com uma senhora, a qual trabalhava num hotel sito em …, tendo-a acompanhado a esse hotel (resposta aos art.°s 57° e 58 da B.I.).
17. Em Setembro de 2005 e em Setembro de 2006 o A. fazia-se acompanhar dessa mesma senhora, frequentando juntos a praia da …, onde se abraçavam e beijavam na boca (resposta aos art.°s 59°, 60°, 61° e 61° da B.I.).
18. No Verão de 2006 o A. passou férias em …com essa mesma pessoa (resposta ao art.° 63° da B.I.).
2.2. O recorrente remata as suas alegações com as seguintes conclusões:
1° A douta sentença recorrida atribuiu a culpa pelo divórcio ao A, sem que resultem factos da matéria apurada que fundamentem essa decisão.
2° A separação dos membros do casal era um facto subsistente há cerca de 3 anos.
3° Não existe qualquer factualidade que, em rigor, possa comprovar que a culpa pelo divórcio se deve à conduta do A.
4° A separação do casal encontra-se descrita pela matéria de facto apurada como sendo de natureza insusceptível de qualquer dúvida, ou da hipótese de reversão, indo até além, pela sua clareza, da definição constante do artigo 1782° do Código Civil.
5° A separação mantém-se até ao presente, decorridos que estão cerca de 9 anos desde o seu início.
6° Em nenhum caso se verificou qualquer aproximação ou reconciliação entre A e Ré.
7° O envolvimento do A com uma senhora, nos termos apurados nos autos, deu-se cerca de 3 anos decorridos da separação de facto.
8° À luz das concepções actuais de moralidade socialmente vigente, não é aceitável exigir ao A a manutenção dos deveres de respeito e de fidelidade para com a Ré, ou de esta para com ele, pois o vínculo conjugal que os unia, há muito na prática estava por ambos completamente rompido.
9° Nestas circunstâncias é quase desumano exigir ao A a fidelidade à Ré.
10° A posição expressa na douta sentença recorrida releva mais de uma opção ideológica, conservadora e respeitável, do que da atenção ao pulsar da sociedade na nova valoração moral e social das condutas manifestadas pelos casais, na quase permanente mutação dos seus vínculos, e da interpretação dos valores envolvidos, nos casos de ruptura, como a descrita nos autos.
11° Em domínio tão especial e sensível ao dinamismo da sociedade, como é o direito da família, não pode o Direito mostrar-se em contradição com a vida social, sob pena de perder a sua utilidade e capacidade de normação dos vínculos e relações sociais.
12° A douta sentença recorrida valorou erradamente a matéria de facto apurada, e violou o disposto nos artigos 1782° e 1787° do Código Civil, a alínea c) e d) do n° 1 do artigo 668° do CPC, devendo, em conformidade, ser decretado o divórcio com repartição por igual de culpas, pelo que deve ser revogada.
2.3. A recorrida contra-alegou, concluindo nos seguintes termos:
l. Resume-se a argumentação do Apelante à sustentação de que a “moral social emergente” desculpabiliza o seu comprovado comportamento, em termos de o mesmo não dever ser valorado para efeitos da declaração da sua culpa na produção do divórcio.
2. Tal perspectiva, que pode até ter alguma valia de jure condendo, cede perante o regime jurídico do casamento e do divórcio litigioso ao caso aplicável.
3. Face à factualidade provada, e à dedução pela Recorrida da reconvenção, cumpria ao Tribunal a quo observar a norma do art° 1787° n° l do Código Civil, na versão ao caso aplicável (a anterior à Lei n° 61/2008, de 31.10).
4. A declaração de culpa é, nos termos dos art°s 1787° e 1782° n° 2 do CC, uma declaração oficiosa do tribunal.
5. Tendo a Ré alegado relevante e expressamente, em sede de reconvenção, a violação grave, reiterada, culposa e comprometedora da possibilidade de vida em comum, de deveres conjugais por parte do Autor, e tendo logrado provar factos que a sustentam, não podia o Tribunal deixar, pura e simplesmente, de valorar essa prova enquanto causal e fundacional do divórcio, e da declaração da culpa daquele.
6. E assim é, ainda que se verificasse já anteriormente a separação de facto do casal, uma vez que os deveres conjugais, mormente os de natureza pessoal como são os de respeito e fidelidade, se mantêm até ao trânsito em julgado da sentença que decretar o divórcio (art°s 1788° e 1789° do CC).
7. A violação dos deveres conjugais, fundamento do pedido de divórcio, não obstante poder até não constituir causa de pedir, releva sempre em sede de culpa.
8. Uma acção de divórcio litigioso não se resume a uma mera formalidade de homologação judicial de uma situação factual de ruptura; é, muito mais do que isso, a aferição rigorosa da existência de um ou mais dos únicos fundamentos clausus que o legislador admite a dissolver o vínculo conjugal válido em vida, e a eventual responsabilização do cônjuge que viole os deveres conjugais elencados no art° 1672° do CC, por via da declaração de culpa.
9. É através da acção de divórcio litigioso que o legislador tutela e garante a protecção que quis dispensar à família e ao casamento, nas situações em que a dissolução do vínculo não ocorre por acordo dos cônjuges, o que adquire especial relevo quando há culpa de apenas um deles, naquilo a que a doutrina chama “divórcio-sanção”.
10. O Autor não logrou provar qualquer facto de que resultasse qualquer juízo de desvalor para o comportamento conjugal da Ré, a quem nada há a apontar que pudesse justificar uma repartição de culpas, ou sequer uma justificação para as provadas condutas violadoras do Autor.
11. Nada se tendo provado quanto à culpa na produção da separação de facto das partes, e impondo-se a apreciação oficiosa da culpa no divórcio, o facto de a separação de facto já se verificar desde, pelo menos, finais de 2002, não retira relevância às violações por parte do Réu dos deveres de respeito e de fidelidade, consubstanciadas pelo seu adultério.
12. Autor e Ré permaneciam a residir na mesma casa, nela coabitando com a filha de ambos e com a filha de um anterior casamento da Ré, e mantendo entre si alguma cooperação e assistência (cfr. pontos 3.1.7, 3.1.13, 3.1.14 e 3.1.15 da douta decisão de facto); pelo que, de alguma forma, mantendo-se casados, exteriorizavam a aparência de uma comunhão de vida.
13. Nenhum dos cônjuges estava desvinculado do cumprimento dos deveres conjugais.
14. O adultério é, de entre os comportamentos violadores dos deveres conjugais, porventura o merecedor de maior censura e reprovação sociais, pela gravidade da lesão que causa à honra e consideração da parte ofendida.
15. Pelo que, não obstante não fornecerem os autos elementos que permitam qualquer imputação de culpa pela separação de facto do casal que já se verificava desde, pelo menos, finais de 2002, e impondo-se ao tribunal oficiosamente a apreciação da culpa na produção do divórcio, não podia deixar de ser atendido o pedido reconvencional deduzido pela Ré Recorrida.
16. Já que a Ré logrou provar comportamentos do Marido, graves e reiterados, violadores dos deveres de respeito e de fidelidade que mantinha para consigo, e, por si sós ou em concorrência com outros que não lograram ser provados, comprometedores da possibilidade de vida em comum.
17. E o Autor não logrou, como era seu ónus, inquinar ou enfraquecer tal prova, designadamente demonstrando que lhe não era exigível abster-se de tais violações, ou que a sua conduta não foi reprovável, ou que agiu sem consciência de com ela estar, ou poder estar, a ofender a Ré.
18. As circunstâncias do caso permitiam ao Autor ter plena consciência de que ofendia, ou, ao menos, podia ofender a Ré, ao se exibir publicamente, de forma reiterada, em praias e destinos de férias, em atitudes de intimidade física e afectiva com outra mulher.
19. E que esse seu comportamento era impróprio e inconveniente para um homem ainda casado e Marido vinculado pelos deveres conjugais, e acarretava a desconsideração da imagem da Ré como mulher, como esposa e como Mãe da filha D…
20. Pelo que dúvidas não restam de que, impondo o legislador ao tribunal a declaração oficiosa de culpa, e na falta de prova de factos censuráveis à Ré ou que justificassem a anterior separação de facto, o provado aludido comportamento do Autor integrante de violação de deveres conjugais, não podia deixar de ser valorado e atendido como merecedor do juízo de censura ético-jurídica que justifica a declaração da sua culpa exclusiva na produção do divórcio.
21. Não ocorre, pois, qualquer causa de nulidade da sentença.
22. O comportamento que o Autor Recorrente agora pretende justificar em nome de um progressismo de costumes, não é consentâneo com o regime jurídico do casamento e do divórcio, e designadamente com o disposto nas normas imperativas dos art°s 1672°, 1779°, 1782°, 1787°, 1788° e 1789° do Código Civil.
23. Improcedem, pois, in totum, as suas Conclusões, devendo ser confirmada na íntegra a douta sentença apelada.
2.4. Na sentença recorrida teve-se em consideração que o autor peticionou o divórcio com fundamento único e exclusivo na separação de facto por período de tempo superior a três anos, mas que a ré, na contestação, e em sede de reconvenção, lhe imputou a prática de vários factos violadores dos deveres conjugais de respeito, fidelidade, cooperação, coabitação e assistência.
Mais se considerou que autor e ré, apesar de viverem debaixo do mesmo tecto, estão separados de facto há mais de três anos consecutivos, e que ambos manifestaram a intenção de romper definitivamente a vida em comum, não se tendo apurado nenhum facto conducente a tal separação.
Considerou-se, ainda, que da matéria de facto assente não resulta que o autor tenha violado os deveres de cooperação e assistência, mas que, quando já se encontravam separados de facto pelo menos quase há três anos, em 2005 e em 2006, o autor, ao fazer-se acompanhar publicamente de outra mulher com quem trocou gestos de carinho e com quem partilhou férias em …, teve comportamentos gravemente violadores dos deveres de respeito e de fidelidade a que estava vinculado perante a ré, sua esposa.
Para, depois, se concluir, naquela sentença, que a violação daqueles deveres conjugais, sendo culposa, grave e reiterada, comprometeu irremediavelmente a vida em comum do casal, pelo que, a final, foi julgada procedente a reconvenção e decretado o divórcio entre o autor e a ré, com culpa exclusiva daquele.
Segundo o recorrente, o seu envolvimento com uma senhora, nos termos apurados nos autos, deu-se cerca de três anos decorridos da separação de facto, isto é, numa altura em que o vínculo conjugal que unia o casal há muito que na prática estava por ambos completamente rompido, pelo que, nestas circunstâncias é quase desumano exigir ao autor a fidelidade à ré.
Por conseguinte, a única questão que importa apreciar no presente recurso consiste em saber se, da matéria de facto apurada resulta que o autor violou culposamente os deveres conjugais de respeito e de fidelidade, de forma grave e reiterada, comprometendo, assim, a possibilidade da vida em comum.
Vejamos.
Estamos no domínio da lei civil anterior às alterações provenientes da Lei nº61/2008, de 31/10, sendo que, o regime previsto nesta Lei não se aplica aos processos pendentes em tribunal (cfr. o seu art.9º).
Nos termos do disposto no art.1781º, al.a), do C.Civil (serão deste Código as demais disposições citadas sem menção de origem), na redacção que lhe foi dada pela Lei nº47/98, de 10/8, a separação de facto por três anos consecutivos é fundamento do divórcio litigioso. Por força do disposto no art.1782º, nº1, entende-se que há separação de facto, para os efeitos daquela al.a), quando não existe comunhão de vida entre os cônjuges e há da parte de ambos, ou de um deles, o propósito de não a restabelecer.
Trata-se, pois, de divórcio litigioso fundado no fracasso ou falência do casamento. Extrai-se do disposto no citado art.1782º, nº1, que a separação de facto tanto pode resultar de uma actuação bilateral concertada entre ambos os cônjuges, como de um procedimento bilateral não acordado entre eles, como da atitude isolada de um só deles. Essencial é que a separação compreenda um elemento subjectivo, traduzido na intenção de ambos os cônjuges, ou de um deles, de romper com a vida em comum, e um elemento objectivo, revelado pela falta de vida em comum dos cônjuges, isto é, pela inexistência da comunhão de leito, mesa e habitação.
É certo que, por via de regra, à separação corresponderá a habitação em residências diferentes. Todavia, nada impede que, apesar de habitarem na mesma casa, não exista comunhão de vida entre os cônjuges, designadamente, por não tomarem refeições em comum e dormirem deliberadamente em apartamentos separados, como se casados não fossem. Nestes casos, embora se possa dizer que o elemento objectivo é frouxo e incaracterístico, pois que se mantém uma aparência de vida em comum que não corresponde à realidade, motivada, nomeadamente, por carências habitacionais, é inquestionável o elemento subjectivo da separação, ou seja, o ânimo de não restabelecerem entre si a convivência conjugal (cfr. Antunes Varela, in Direito de família, pág.412, e Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, in Curso de Direito de Família, vol.I, 4ª ed., págs.638 e 639, bem como, o Acórdão da Relação de Lisboa, de 27/9/07, in www.dgsi.pt).
No caso dos autos, resulta da matéria de facto apurada que, pelo menos desde finais de 2002 que autor e ré não comem e não dormem juntos, não convivendo e não mantendo entre si qualquer relação sexual, quer na casa onde a partir de 1998 passaram a residir, sita em …, ou fora dela (cfr. as respostas aos pontos 3º, 6º e 7º da base instrutória). Não se apurou, porém, nenhum facto que tenha conduzido a tal separação, designadamente, que o autor tenha violado os deveres de cooperação e assistência, como se diz na sentença recorrida, onde se conclui, a nosso ver, bem, que autor e ré, apesar de viverem debaixo do mesmo tecto, estão separados de facto há mais de três anos consecutivos, ambos manifestando a intenção de romper definitivamente a vida em comum.
Estamos, deste modo, perante uma situação de separação de facto por três anos consecutivos, nos termos em que a lei a considera relevante para efeitos de constituir fundamento do divórcio litigioso. E foi com esse fundamento que o autor propôs a acção de divórcio. No entanto, manda a lei que, nesse caso, o juiz averigue e declare a culpa dos cônjuges, sempre que a haja (art.1782, nº2). Sendo certo que a ré, em sede de reconvenção, atribuiu ao autor a violação culposa de vários deveres conjugais. Aliás, ainda que a ré não tivesse deduzido reconvenção, sempre haveria lugar à declaração de culpa, atento o disposto no art.1787º, aplicável ex vi do citado art.1782, nº2.
Permite, pois, a lei a prova dos motivos da separação e das violações dos deveres conjugais que a tenham determinado, devendo, assim, ser levados à base instrutória os factos alegados nesse sentido, para o juiz se poder pronunciar, se tiver elementos suficientes para o efeito, sobre o cônjuge culpado ou principal culpado da separação de facto. Deste modo, colherá o cônjuge inocente os benefícios patrimoniais para efeitos de partilha (art.1790º), de perda de benefícios (art.1791º), de reparação de danos não patrimoniais (art.1792º), de concessão de alimentos (art.2016º, nº1, al.a)), etc.
Ora, o que se provou de relevante, a este propósito, foi que, no ano de 2005, o réu foi visto de mão dada com uma senhora, a qual trabalhava num hotel sito em Cascais, tendo-a acompanhado a esse hotel (respostas aos pontos 57º e 58º, da base instrutória). Que em Setembro de 2005 e em Setembro de 2006 o autor se fazia acompanhar dessa mesma senhora, frequentando juntos a praia da …, onde se abraçavam e beijavam na boca (respostas aos pontos 59º a 62º, da base instrutória). E, ainda, que, no Verão de 2006, o autor passou férias em … com essa mesma pessoa (resposta ao ponto 63º, da base instrutória).
Na sentença recorrida considerou-se que tais comportamentos foram culposos e gravemente violadores dos deveres de respeito e de fidelidade a que o autor estava vinculado perante a ré, sua esposa, tendo comprometido irremediavelmente a vida em comum do casal, pelo que, se concluiu pela procedência da reconvenção, tendo o divórcio sido decretado com culpa exclusiva do autor.
Será assim?
É certo que a ruptura dos laços conjugais, traduzida pela separação de facto dos cônjuges, não os desonera, só por ela, dos deveres impostos pelo art.1672º, designadamente, do dever de fidelidade e de respeito. Na verdade, segundo o princípio geral do art.1788º, o divórcio dissolve o casamento e tem juridicamente os mesmos efeitos da dissolução por morte, salvas as excepções consagradas na lei. O que significa que o casamento deixa de produzir efeitos, o que acontece, em princípio, a partir do trânsito em julgado da sentença do divórcio (art.1789º). Assim, a partir desse momento é que se extinguem, nomeadamente, os deveres de fidelidade e de respeito.
Por conseguinte, há que apurar se os factos dados como provados, referentes ao relacionamento do autor com 3ª pessoa, ocorridos durante a separação de facto dos cônjuges, revelam uma violação culposa de deveres conjugais por parte do autor, nos termos previstos no art.1779º. É que, de harmonia com o disposto neste artigo, além de culposa, a violação dos deveres conjugais invocada como causa do divórcio deve ser grave ou reiterada e ter comprometido a possibilidade de vida em comum.
Dir-se-á, antes do mais, que, a nosso ver, aqueles factos apenas traduzem uma violação do dever de fidelidade e não, também, do dever de respeito. Na verdade, o dever de fidelidade tem um conteúdo mais rico do que o simples dever de abstenção da relação de cópula com terceiro – infidelidade material (adultério), abrangendo, ainda, a infidelidade moral, onde a traição à promessa de dedicação plena, exclusiva e sincera dos cônjuges, pode revestir outras formas, designadamente, namoro com outra pessoa ou ligação sentimental com outrem (cfr. Antunes Varela, ob. cit., págs.275 e 276). No caso dos autos, terá existido, pois, pelo menos, uma infidelidade moral. Acresce que, como referem Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, ob. cit., pág.349, o dever de respeito é um dever residual, no sentido de que só são violações do dever de respeito actos ou comportamentos que não constituam violações directas de qualquer dos outros deveres mencionados no art.1672º.
Mas vejamos, então, se da matéria de facto apurada resulta ter o autor violado culposamente, de forma grave ou reiterada, o dever de fidelidade, comprometendo desse modo a possibilidade de vida em comum.
Dir-se-á, desde já, que, a nosso ver, a resposta é negativa. Note-se que o comprometimento da possibilidade da vida em comum não é um facto, mas uma conclusão a extrair da matéria de facto provada, significando, no contexto do art.1779º, que a violação dos deveres conjugais será grave e, como tal, causa do divórcio, quando, em face das circunstâncias do caso, comprometa a possibilidade de vida em comum. É preciso, pois, que a falta tenha sensibilizado de tal modo o cônjuge ofendido que a vida em comum entre ele e o seu consorte tenha cessado.
Ora, no caso dos autos, o relacionamento do autor com 3ª pessoa, nos termos atrás referidos, ocorreu quando o casal já se encontrava separado de facto pelo menos quase há três anos, sem que se tenha apurado de quem foi a culpa de tal separação, rompendo-se, então, os laços afectivos e não havendo notícia nos autos de alguma vez, após a separação, os cônjuges haverem reatado qualquer relacionamento. Assim como também não há qualquer notícia de a ré perspectivar a reconciliação com o autor na altura em que este se relacionou com 3ª pessoa.
Deste modo, sendo certo que a possibilidade da vida em comum já se encontrava comprometida, por razões que se desconhecem, a circunstância de, entretanto, o autor violar o dever de fidelidade, nos termos apontados, poderia, quando muito, alargar ou aprofundar o estado de ruptura existente. Isto é, a violação daquele dever, não podendo ser, obviamente, causa da ruptura inicial do casamento, que já se verificara, poderia considerar-se causa do alargamento ou aprofundamento do estado de ruptura inicial e, assim, concausa da ruptura das relações conjugais. Só que, da matéria de facto dada como provada nada resulta nesse sentido. Aliás, a ré nada alegou para demonstrar que a violação do dever de fidelidade, no caso, alargou ou aprofundou o estado de ruptura existente.
Consideramos, assim, que a culpa que o autor terá tido no relacionamento com outra mulher e que, em princípio, face ao vínculo contratual antes assumido, lhe será de assacar, será fraca e sem gravidade bastante para ser causa de divórcio. Tem-se entendido, ultimamente, que a separação de facto, embora não fazendo cessar o dever de fidelidade, todavia enfraquece o conteúdo deste dever, de tal maneira que, sendo o adultério cometido em tal período, é menos grave que se ocorrer no âmbito da vida em comum dos cônjuges (cfr. neste sentido, os Acórdãos do STJ, de 13/1/89 e de 14/1/10, in www.dgsi.pt, de 11/7/06, in C.J., Ano XIV, tomo II, 157, e da Relação de Lisboa, de 11/11/08, in www.dgsi.pt, bem como, Pereira Coelho, in RLJ, Ano 114º, pág.184; em sentido diferente, podem ver-se os Acórdãos do STJ, de 1/3/79, C.J., 1979, tomo I, 334, da Relação de Lisboa, de 19/11/76, C.J., 1976, tomo III, 816, da Relação de Coimbra, de 23/2/77, C.J., 1977, tomo I, 34, e da Relação de Évora, de 27/6/78, C.J., 1978, tomo III, 1066).
Estamos, pois, perante uma situação em que, face às circunstâncias apuradas, não é possível concluir que da violação do dever de fidelidade em causa tenha resultado o comprometimento da possibilidade da vida em comum dos cônjuges. O que vale por dizer que tal violação não assume a gravidade exigida por lei para poder ser considerada causa do divórcio (art.1779º).
Porém, face à ruptura da vida em comum, ocasionada pela comprovada separação de facto por três anos consecutivos, o divórcio continua a poder ser decretado (arts.1781º, al.a) e 1782º). No entanto, por força do disposto no nº2, deste último artigo, mesmo que o divórcio se funde na separação, o juiz deve declarar a culpa dos cônjuges, se a houver.
A propósito da questão da culpa, refira-se o que vem escrito no já citado Acórdão do STJ, de 11/7/06: «A separação de facto, sem sinais recíprocos de aproximação, significa – sob o ponto de vista do legislador – o fim da relação conjugal, para o qual o divórcio surge como terapia.
E tantas vezes essa opção de apartar vidas, evita o agudizar de crises conducentes a situações limite de desrespeito físico e moral.
Encontrar culpas – únicas ou concorrentes – é tarefa difícil que implicaria um ajuizar exaustivo da vida em comum e imputações de causas de ruptura, com cargas de subjectivismo que, numa relação de intimidade, são de difícil conciliação com os princípios do nº2 do art.487º do Código Civil».
Refira-se, ainda, que no regime da Lei nº61/2008, de 31/10, foi, além do mais, no intuito de evitar que o processo de divórcio se transformasse num litígio persistente e destrutivo, com mediação de culpas sempre difícil senão impossível de efectivar, que se consagrou o afastamento do fundamento da culpa para o divórcio sem o consentimento do outro. É o que vem referido no Projecto de Lei nº509/X, onde também se alude à dimensão afectiva da vida e à não tolerância em relação ao casamento que se tornou fonte persistente de mal estar.
Seja como for, a declaração de cônjuge culpado, prevista no regime anterior àquela Lei, que é o aplicável ao caso, pressupõe um juízo de censura sobre a crise matrimonial na sua globalidade, de modo a poder concluir-se qual ou quais as condutas reprováveis que deram causa ao divórcio. O que implica determinar se o marido ou a mulher é o único ou é o principal culpado (art.1787º). Ora, no caso em apreço, como já resulta do atrás exposto, os factos apurados não permitem que se conclua que o autor é o único – ou principal – culpado do divórcio, sendo que, incumbia à ré o ónus de provar que o autor deu causa culposamente à ruptura conjugal (art.342º, nº1).
Haverá, deste modo, que concluir que, da matéria de facto apurada não resulta que o autor tenha violado culposamente os deveres conjugais de respeito e de fidelidade, de forma grave e reiterada, comprometendo a possibilidade de vida em comum.
Procede, assim, o recurso, havendo, pois, que decretar o divórcio, face à ruptura da vida em comum, ocasionada pela comprovada separação de facto por três anos consecutivos, mas sem que haja lugar à declaração de cônjuge culpado.
3 – Decisão.
Pelo exposto, concede-se provimento ao recurso e revoga-se a sentença apelada, julgando-se a acção procedente e improcedente a reconvenção, ficando o divórcio decretado pela ruptura da vida em comum (separação de facto por três anos consecutivos), sem atribuição de culpas.
Custas pela ré – apelada, em ambas as instâncias.