CRIME DE DESOBEDIÊNCIA
EXAME DE DETECÇÃO DE ÁLCOOL NO SANGUE
INCONSTITUCIONALIDADE
Sumário

Iº Para efeitos de detecção de álcool no sangue, existem três tipos de testes: o teste qualitativo, destinado a detectar a presença de álcool no sangue, que é efectuado com analisador qualitativo; o teste quantitativo, destinado a quantificá-la (a determinar a taxa de alcoolemia), que é efectuado com analisador quantitativo; a análise de sangue, também destinada a quantificar a presença de álcool no sangue, efectuada através de recolha e exame de amostra de sangue do examinado;
IIº A regra é que a detecção de álcool no sangue seja efectuada através de teste ao ar expirado, efectuado com alcoolímetros, sendo excepcional a análise de sangue, que só acontecerá em caso de impossibilidade de efectuar o teste em analisador quantitativo e em caso de contraprova, quando o examinado requeira e opte pelo método da análise de sangue;
IIIº O condutor que recusa submeter-se ao exame de pesquisa do álcool pelo método de ar expirado, comete o crime de desobediência, mesmo que se disponibilize para realizar exame para pesquisa do álcool através da colheita de sangue;
IVº O art.152, nº3, do Código da Estrada, na interpretação de que resulta a punição como crime de desobediência da recusa de sujeição a colheita de sangue para detecção da presença de álcool no sangue, nos casos em que seja tecnicamente possível fazê-lo, não é inconstitucional;

Texto Integral

Acordam, em conferência, na 5.ª Secção (Criminal) do Tribunal da Relação de Lisboa

I – Relatório
Submetido a julgamento em processo abreviado que, sob o n.º 1003/10.2 SILSB, corre termos pelo 1.º Juízo de Pequena Instância Criminal de Lisboa, A… foi condenado, por sentença de 18.01.2011, pela prática de um crime de desobediência previsto e punível pelo artigo 348.º, n.º 1, al. a), e 69.º, n.º 1, al. a), do Código Penal, na pena de 75 dias de multa à razão de € 15,00 por dia, perfazendo a multa de € 1 125,00, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor, pelo período de 5 meses.
Inconformado, veio o arguido interpor recurso da sentença condenatória para este Tribunal da Relação, com os fundamentos explanados na respectiva motivação, de que extraiu as seguintes conclusões (em transcrição, na parte relevante):
1. “De acordo com o disposto no n.º 3, do art.º 152.º do CE, comete o crime de desobediência quem recuse submeter-se às provas estabelecidas para a detecção do estado de influência pelo álcool.
2. A recusa de sujeição a um dos métodos de detecção não preenche o tipo legal do crime de desobediência.
3. No caso vertente, apenas foi dado como provado ter o Recorrente recusado submeter-se a “exame para pesquisa de álcool no ar expirado”.
4. Não se encontra, por conseguinte, preenchido o tipo legal do crime pelo qual foi o Recorrente condenado.
5. A disposição legal, com base na qual, foi julgada verificada a prática do crime de desobediência – n.º 3, do art.º 152.º do CE – foi considerada inconstitucional pelo Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa (Ac. de 27.4.2010, in www.dgsi.pt).
6. Sendo assim, não devem os tribunais aplicá-la.
7. Provou-se que o Recorrente recusou submeter-se “a exame para pesquisa  de álcool no ar expirado”.
8. Contudo, o n.º 1, do art.º 153.º CE exige que aquele exame seja efectuado “mediante a utilização de aparelho aprovado para o efeito”.
9. Não se tendo provado que o Recorrente tivesse recusado utilizar o “aparelho aprovado”, não se pode concluir que tenha cometido o crime previsto no n.º 3, do art.º 152.º do CE.
10. A acusação nem sequer refere a disponibilização do aparelho aprovado limitando-se a referir um vago exame para pesquisa de álcool no ar expirado o que, manifestamente, não satisfaz a exigência do sobredito comando legal.
11. Não tendo o Recorrente cometido o crime de desobediência, não pode a sanção acessória de proibição de conduzir ser-lhe aplicada”.

Pretende, assim, que, no provimento do recurso, seja revogada a sentença condenatória e absolvido o recorrente.
                                                *
Na 1.ª instância, o digno Magistrado do Ministério Público apresentou resposta, que conclui nos seguintes termos (transcrição integral):
1. Tendo-se o arguido pura e simplesmente recusado a efectuar o exame de pesquisa de álcool no ar expirado que lhe foi ordenado, nada justificava que lhe fosse proposta a recolha de sangue, pelo que a sua conduta integrou, sem margem para dúvida, a prática do crime de desobediência por que foi condenado.
2. O âmbito de aplicação do juízo de inconstitucionalidade efectuado no Ac. da RL de 27/04/2010 – Proc. 811/08.9 GBCLD.L1-5 não tem o alcance que o recorrente lhe pretende conferir, na medida em que apenas incide sobre a vertente em que passou a ser criminalizada, em 2005, a recusa a submissão a colheita de sangue.
3. Seja como for, o Tribunal Constitucional tem-se pronunciado pela não inconstitucionalidade orgânica do art.º 152.º, n.º 3 do Cód. Estr. – por todos, vide o Ac. n.º 40/2011, de 25 de Janeiro publicado no DR, 2ª Série, de 23 de Fevereiro de 2011.
4. Não faz qualquer sentido que o recorrente questione agora a validade do aparelho a cujo teste se deveria ter submetido quando o mesmo se recusou, sem mais, a efectuá-lo, designadamente sem invocar qualquer reserva ou dúvida sobre a aprovação desse aparelho.
5. O Tribunal a quo não violou assim qualquer norma nem a sentença recorrida padece de qualquer vício.
Entende, por isso, que o recurso deve ser julgado improcedente e confirmada a sentença recorrida.
                                               *
Nesta instância, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto sufragou a posição tomada pelo Magistrada do Ministério Público na 1.ª instância.
                                                *
Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.
                                                *
Apesar de o recorrente – sem que se entenda porquê – pretender pôr em causa a credibilidade dos depoimentos das testemunhas (agentes da PSP) em que o tribunal se baseou para dar como provados (e não provados) os factos que, de seguida, iremos reproduzir, certo é que não impugna a decisão sobre a matéria de facto.
Questiona, isso sim, a correcção do seu enquadramento jurídico-penal.
Mais exactamente, entende o recorrente que o crime de desobediência só estaria verificado se, além da recusa em submeter-se ao exame para pesquisa de álcool pelo método do ar expirado, se tivesse provado, também, que teve idêntica atitude em relação ao exame para pesquisa do álcool através da colheita de sangue.
Isto porque, nas suas próprias palavras, “quer o crime de desobediência previsto no Código da Estrada, quer o crime de desobediência a que alude a referida disposição do Código Penal, pressupõem a recusa às provas legalmente estabelecidas e não a recusa de submissão a um dos exames possíveis”. 
Por outro lado, o n.º 3 do art.º 152.º do Código da Estrada seria organicamente inconstitucional porque o Governo não tinha a necessária autorização legislativa para aprovar o Dec. Lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro (diploma que procedeu à reforma do Código da Estrada aprovado pelo Dec. Lei n.º 114/94, de 3 de Maio).
Sabendo-se que são as conclusões pelo recorrente extraídas da motivação do recurso que, sintetizando as razões do pedido, recortam o thema decidendum (cfr. artigos 412.º, n.º 1, e 417.º, n.º 3, do Cód. Proc. Penal, e acórdão do STJ de 27.05.2010, www.dgsi.pt/jstj), as questões a apreciar e decidir são as seguintes:

§ se está verificado o elemento objectivo do crime de desobediência ou se, pelo contrário, falta esse pressuposto que é o não acatamento de uma ordem legítima por não se ter provado a recusa de submissão a um dos exames possíveis para detecção de álcool;
§ se o n.º 3 do art.º 152.º do Código da Estrada é organicamente inconstitucional. 

II – Fundamentação
A factualidade que o tribunal recorrido deu como provada é a seguinte:
1. No dia 25 de Julho de 2010, pelas 05H:45, o arguido conduzia o automóvel de matrícula …, na Rua …, quando foi fiscalizado por agentes da PSP, que aí se encontravam – devidamente fardados e fazendo uso de colete reflector – em operação de fiscalização de trânsito, que ordenaram ao arguido que se submetesse a exame para pesquisa de álcool no ar expirado, tendo o arguido recusado.
2. Acto contínuo foi o arguido acompanhado por um destes agentes, o agente B…, às instalações da Divisão de Trânsito da PSP, sita na Av.ª ….
3. Antes, porém, de entrar no mencionado edifício, o arguido solicitou ao agente B… que lhe permitisse regressar ao seu carro para buscar uns objectos pessoais de que necessitava, ao que o agente anuiu.
4. De imediato, o arguido entrou dentro do carro e pô-lo em andamento, ausentando-se do local.
5. O arguido sabia que a ordem para se submeter a exame para pesquisa de álcool no ar expirado, que lhe fora pessoalmente comunicada, provinha de autoridade com competência para a proferir e que devia obediência à mesma, sob pena de cometer uma infracção penal.
6. O arguido é licenciado em direito, exerce a profissão de advogado e de docente universitário, auferindo com tais actividades entre € 4 500,00 e € 4 800,00; reside só em casa própria, suportando a quantia mensal de € 2 300,00, referente à amortização de empréstimo contraído para aquisição de casa própria. Tem dois filhos maiores de idade e independentes.
7. No certificado de registo criminal do arguido, emitido em 18.11.2010, nada consta.
8. O arguido é tido no seu meio social como pessoa trabalhadora, sincera e honesta. É ainda referido como pessoa um pouco ansiosa e stressada, tomando medicação para debelar tais estados.

Factos não provados:
O tribunal considerou não provados os seguintes factos:
a) No momento referido em 4, o arguido conduziu a sua viatura na direcção do agente da PSP, tendo este tido necessidade de saltar para o lado, de molde a evitar ser atingido pelo mesmo;
b)  O arguido conhecia a qualidade do agente da PSP em causa e quis com a sua conduta impedir que este praticasse acto relativo ao exercício das suas funções, bem sabendo que este actuava no exercício das mesmas.
*
Integrado no capítulo dos crimes contra a autoridade pública, o art.º 348.º do Cód. Penal pune com prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias "quem faltar à obediência devida a ordem ou a mandado legítimos, regularmente comunicados e emanados de autoridade ou funcionário competente" desde que uma disposição legal comine, no caso, a punição da desobediência ou, inexistindo disposição legal, a autoridade ou o funcionário façam a correspondente cominação.
O crime de desobediência exige, pois, a verificação cumulativa dos seguintes elementos objectivos:
- o não acatamento de uma ordem formal e substancialmente legal ou legítima;
- que a ordem emane de uma autoridade ou funcionário competente e
- que seja regularmente comunicada.
Tutela-se, com esta incriminação, a autonomia intencional do Estado na vertente da não colocação de quaisquer obstáculos ao desenvolvimento da actividade administrativa das autoridades. Ou seja, trata-se de garantir que todos aqueles que executam funções públicas e detêm por isso um específico poder, sejam inequivocamente respeitados[1].
Das duas dimensões típicas que o crime pode assumir, no caso dos autos está em causa a dimensão da «disposição legal que qualifica a conduta como desobediência».
Ora, nos termos do disposto no artigo 152.º, n.º 1, alínea a), do Código da Estrada, entre outros, os condutores «devem submeter-se às provas estabelecidas para a detecção dos estados de influenciado pelo álcool ou por substâncias psicotrópicas” e, de harmonia com o n.º 3 do mesmo preceito legal, se essas pessoas se recusarem submeter-se às provas estabelecidas para a detecção do estado de influenciado pelo álcool ou por substâncias psicotrópicas são punidas por crime de desobediência.
Por conseguinte, comete o crime de desobediência previsto no artigo 348.º, n.º 1, alínea a), do Cód. Penal o condutor a quem a autoridade de fiscalização rodoviária manda que se submeta às provas de detecção de álcool e se recusa a tal.
Está provado que, nas circunstâncias de tempo, modo e lugar supra descritas, agentes da PSP, no exercício de funções e como tal devidamente identificados, ordenaram ao arguido que se submetesse a exame para pesquisa de álcool no ar expirado, mas este recusou-se a tal.
O recorrente não questiona a legitimidade da ordem, nem a competência do funcionário de que emanou, nem, tão pouco, a regularidade da sua comunicação.
O seu inconformismo quanto à verificação do crime pelo qual foi condenado está em que, na sua perspectiva, o não acatamento daquela ordem não é suficiente para se configurar o crime de desobediência, pois seria, ainda, necessário que tivesse tido idêntica atitude em relação ao exame para pesquisa do álcool através da colheita de sangue.
Noutros termos, na tese do recorrente, a autoridade de fiscalização rodoviária teria de permitir ao fiscalizado a escolha entre sujeitar-se ao exame para pesquisa de álcool através do ar expirado ou através de análises ao sangue. Só recusando submeter-se a qualquer deles é que haveria desobediência.
A questão assim posta não constitui novidade e já foi apreciada e decidida por esta Relação, no acórdão de 24.06.2003, disponível em www.dgsi.pt (Relatora: Des. Filomena Lima), tendo-se considerado que “embora tivesse resultado da prova produzida em audiência, não é relevante para a decisão de direito o facto do arguido se ter oferecido para efectuar o teste de pesquisa de álcool através da recolha de sangue”.
Também no acórdão da Relação de Coimbra, de 03.11.2010 (www.dgsi.pt; Relator: Des. Mouraz Lopes) foi decidido que comete o crime de desobediência o condutor que recusa submeter-se ao exame de pesquisa do álcool pelo método do ar expirado, mesmo que se tivesse disponibilizado para ir ao hospital e aí sujeitar-se a recolha de sangue para realização do exame.
Na verdade, a tese defendida pelo recorrente não tem tido qualquer eco na jurisprudência porque carece de fundamento legal e pode mesmo dizer-se que é “contra legem”.
O n.º 1 do art.º 153.º do Código da Estrada estabelece que o exame de pesquisa de álcool no ar expirado é realizado por autoridade ou agente de autoridade mediante a utilização de aparelho aprovado para o efeito.
Sendo o resultado positivo e sendo requerida a realização de contraprova, então sim, esta pode ser efectuada, de acordo com a vontade do examinando, ou através de alcoolímetro devidamente aprovado, ou através de análises sanguíneas (n.º 3 do mesmo artigo).
É, também, através de análises de sangue que se detecta o estado de influenciado pelo álcool quando não for possível a realização de prova por pesquisa de álcool no ar expirado (n.º 8, ainda do art.º 152.º do Código da Estrada), situação que ocorre, sobretudo, em caso de acidente de viação em que os condutores intervenientes ficam feridos e são levados para o hospital. 
O n.º 1 do art.º 158.º do Código da Estrada remete para regulamentação autónoma a definição dos meios e métodos a utilizar para a detecção e determinação da quantidade de álcool (a taxa de alcoolemia), regulamentação que, actualmente, consta da Lei n.º 18/2007, de 17 de Maio, que aprovou o “Regulamento de Fiscalização da Condução sob Influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas”(substituindo o Decreto Regulamentar n.º 24/98, de 30 de Outubro).
O artigo 1.º deste Regulamento estabelece o seguinte:
1 – A presença de álcool no sangue é indiciada por meio de teste no ar expirado, efectuado em analisador qualitativo.
2 – A quantificação da taxa de álcool no sangue é feita por teste no ar expirado, efectuado em analisador quantitativo, ou por análise de sangue.
3 – A análise de sangue é efectuada quando não for possível realizar o teste em analisador quantitativo.

Por seu turno, dispõe o art.º 2.º do mesmo Regulamento:
1 – Quando o teste realizado em analisador qualitativo indicie a presença de álcool no sangue, o examinando é submetido a novo teste, a realizar em analisador quantitativo, devendo, sempre que possível, o intervalo entre os dois testes não ser superior a trinta minutos.

Por último, tem interesse para o caso, o n.º 1 do art.º 4.º que dispõe o seguinte:
1 – Quando, após três tentativas sucessivas, o examinando não conseguir expelir ar em quantidade suficiente para a realização do teste em analisador quantitativo, ou quando as condições em que se encontra não lhe permitirem a realização daquele teste, é realizada análise de sangue. 
 
Temos, assim, três tipos de testes: o teste qualitativo, destinado a detectar a presença de álcool no sangue, que é efectuado com analisador qualitativo; o teste quantitativo, destinado a quantificá-la (a determinar a taxa de alcoolemia), que é efectuado com analisador quantitativo; a análise de sangue, também destinada a quantificar a presença de álcool no sangue, efectuada, obviamente, através da recolha e exame de amostra de sangue do examinando.  
Resulta, claramente, quer das citadas normas do Código da Estrada, quer das normas do Regulamento de Fiscalização, que a regra é que a detecção de álcool no sangue seja efectuada através de teste ao ar expirado, efectuado com os alcoolímetros.
Excepcionalmente, a fiscalização da condução sob influência do álcool faz-se através de análise de sangue, de que é recolhida uma amostra em estabelecimento público de saúde.
Assim acontecerá nas seguintes situações:
§ em caso de impossibilidade de efectuar o teste em analisador quantitativo;
§ no caso de contraprova, quando o examinando a requeira e opte pelo método da análise de sangue.
Ora, pedido de contraprova, obviamente, não houve e nada permite afirmar que se verificava alguma situação enquadrável na impossibilidade de realização do teste pelo método do ar expirado.
É, pois, evidente a falta de fundamento da tese de que só a prova de que o recorrente recusou qualquer um dos métodos possíveis de detecção de álcool no sangue permitiria concluir pelo preenchimento do elemento objectivo do tipo de crime em causa.
Mas nem só por isso cai pela base a tese do recorrente.
Na realidade, ao contrário do que pretende o recorrente, está provado que ele inviabilizou a realização de qualquer teste para detecção de álcool no sangue.
Com efeito, num primeiro momento, o arguido/recorrente recusou, expressamente, submeter-se a exame para pesquisa de álcool no ar expirado.
Posteriormente, dirigiu-se, acompanhado pelo agente ..., às instalações da Divisão de Trânsito da PSP e, já aí, sob o pretexto de que necessitava de uns objectos pessoais, dirigiu-se para a sua viatura, entrou nela, pô-la em andamento e abandonou o local, sem que ao referido agente fosse possível impedi-lo.
Como está bom de ver, com esta atitude, o recorrente recusou, também, submeter-se ao exame para detecção de álcool através de análise de sangue.
Tal comportamento configura inequívoca desobediência, sendo completamente irrelevante a identificação e as características do aparelho que teria sido utilizado na realização do teste, se a tal não se tivesse furtado o recorrente.
Impondo a lei que os aparelhos a usar pelas forças policiais na fiscalização da condução sob influência do álcool sejam devidamente aprovados pelo IPQ, absurda é a hipótese, equacionado pelo recorrente, de, no seu caso, poder ser utilizado alcoolímetro não aprovado.
                                                 *
O recorrente invoca a inconstitucionalidade do n.º 3 do art.º 152.º do Código da Estrada.
Não diz porquê, limitando-se a invocar o acórdão desta Relação de Lisboa, de 27.04.2010, que assim decidiu, pelo que se pode dizer que o recorrente concorda, quer com a decisão proferida sobre a inconstitucionalidade, quer com os fundamentos que a sustentam.
Convém, pois, conhecer esse acórdão e por isso aqui se transcreve o respectivo sumário com que foi publicado (disponível em www.dgsi.pt):
I  - “O Dec. Lei nº44/05, de 23Fev., alterou o Código da Estrada, retirando ao condutor o direito de recusar a colheita de sangue para análise de pesquisa de álcool no sangue, quando não for possível a realização de prova por pesquisa de álcool no ar expirado, tornando essa conduta punível como crime de desobediência (arts.153, nº8 e 152, nº3, ambos do C.E.);

II - Tratando-se de matéria da reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República (art.165, nº, al. c), da Constituição da República Portuguesa) e não tendo a Lei de autorização legislativa n° 53/2004, de 4Nov., que precedeu o Dec. Lei nº44/05, de 23Fev., contemplado a criminalização da recusa de submissão a colheita de sangue, está aquele art.153, nº 8, ferido de inconstitucionalidade orgânica, o que impede a sua aplicação pelos tribunais”.
  
No mesmo sentido da inconstitucionalidade orgânica vão, entre outros, os acórdãos da Relação de Coimbra de 19.10.2010, proferidos nos Processos n.ºs 178/09.8GCAGD.C1 e 164/09.8GBPBC.C1 (ambos disponíveis em www.dgsi.pt/trc).
Esta orientação jurisprudencial perfilha o juízo de inconstitucionalidade emitido pelo Tribunal Constitucional no seu acórdão
n.º 275/2009, de 27 de Maio (www.tribunalconstitucional.pt), do qual se destaca a seguinte passagem:
“Da mera comparação literal entre o n.º 8 do actual artigo 153º do Código da Estrada e as anteriores normas – seja ela a extraída do n.º 3 do artigo 158º [segundo o Decreto-Lei n.º 2/98] ou a extraída da conjugação entre o n.º 3 do artigo 158º e o n.º 7 do artigo 159º [segundo o Decreto-Lei n.º 265-A/2001] – resulta evidente que o legislador governamental substituiu o elemento negativo do tipo de crime de desobediência a realização de exame “se recusar”, substituindo-o por “se esta não for possível por razões médicas”. Com efeito, o legislador governamental pretendeu retirar aos condutores sujeitos aos exames para comprovação do teor de influência do álcool o direito à recusa de colheita de sangue – note-se – mesmo nos casos em que a impossibilidade de realização de exame por método de ar expirado é apenas imputável ao Estado. Quando antes qualquer condutor podia recusar a sujeição a exame mediante colheita de sangue, sem necessidade de fundamentação em razões médicas – frise-se bem –, passa agora a exigir-se que a não realização da colheita de sangue apenas possa ser justificada pela impossibilidade técnica de tal operação médica.
(…) Ora,
a nova redacção do n.º 8 do artigo 153º do Código da Estrada vem, de modo manifesto, agravar a responsabilidade criminal dos condutores que pretendam – muitas vezes, admite-se, por razões plenamente justificadas e até protegidas pela Lei Fundamental [direito à integridade física e moral, direito à intimidade privada, direito à objecção de consciência] –, na medida em que passa a punir como crime de desobediência a recusa de sujeição a colheita de sangue nos casos em que seja tecnicamente possível fazê-lo. Verificado esse mesmo conteúdo inovatório, é forçoso concluir-se que o legislador governamental necessitava da autorização legislativa, na medida em que a decisão normativa primária cabia à Assembleia da República, por força da alínea c) do n.º 1 do artigo 165º da CRP. Opta-se, assim, pela inconstitucionalidade orgânica da norma objecto do presente recurso, razão pela qual não se conhecerá da também alegada inconstitucionalidade material por violação do princípio da proporcionalidade (artigo 18º, n.º 2, da CRP) ou por violação da proibição de obtenção de prova mediante ofensa da integridade física ou moral da pessoa ou abusiva intromissão na vida privada (artigo 32º, nº 8, da CRP)”.
No entanto, mais recentemente, o Tribunal Constitucional inverteu a sua orientação, passando a formular um juízo de não inconstitucionalidade das referidas normas, de que resulta a punição como crime de desobediência da recusa de sujeição a colheita de sangue, nos casos em que seja tecnicamente possível fazê-lo, para detecção da presença de álcool no sangue [neste sentido, os Acórdãos n.ºs 479/2010, 485/10 e 48/2011, respectivamente de 09.12.2010, 9/12/2010 e 26/1/2011, bem como o Acórdão n.º 40/2011, de 25 de Janeiro (que acolhe a fundamentação do Acórdão n.º 479/2010, para a qual remete), invocado pelo Ministério Público na sua resposta ao recurso do arguido, todos eles disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt].
Não há necessidade de aprofundar esta questão, pois, no caso, o art.º 152.º, n.º 3, do Código da Estrada, na referida dimensão interpretativa, não foi aplicado.
Com efeito, o recorrente só foi confrontado com a obrigação de se submeter ao teste de pesquisa de álcool no ar expirado e foi à ordem, nesse sentido, dada pelo agente da PSP que desobedeceu.
Uma recusa de sujeição a colheita de sangue para detecção da presença de álcool no sangue não podia ter existido porque, tendo-se escapulido o recorrente, nem sequer foi aventada essa possibilidade.

                                                        *
Na motivação do seu recurso, que não nas respectivas conclusões, o recorrente afirma que a pena acessória de proibição de conduzir é excessiva.
Importa recordar que o tribunal a quo fixou essa pena em 5 meses, ou seja, num patamar que está próximo do limite mínimo da respectiva moldura (que vai de 3 meses a 3 anos).
Uma consulta de jurisprudência revela-nos que é, aproximadamente, essa a medida da pena aplicada a quem conduz veículo motorizado com uma taxa de alcoolemia que não se afasta significativamente do limite (1,2 g/l) a partir do qual tal conduta é considerada crime.
 Mas, verdadeiramente decisivo, é saber qual o quantum de pena necessário para se atingir aquele nível mínimo de verdadeira advertência penal e não temos dúvidas em considerar que o período de inibição de cinco meses é o mínimo indispensável para que tal pena não fique irremediavelmente afectada na sua eficácia preventiva.
Por tudo o exposto, impõe-se a improcedência do recurso.  

III – Decisão

Em face do exposto, acordam os juízes desta 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa em negar provimento ao presente recurso e confirmar integralmente a sentença recorrida.
O recorrente pagará taxa de justiça que se fixa em 5 (cinco) UC (artigos 513.º, n.º 1, e 514.º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal e 8.º, n.º 5, do Regulamento das Custas Processuais).
 (Processado e revisto pelo primeiro signatário, que rubrica as restantes folhas).   

Lisboa, 13 de Setembro de 2011

Relator: Neto de Moura;
Adjunto: Alda Tomé Casimiro;
-------------------------------------------------------------------------------------
[1]  Cfr. Cristina Líbano Monteiro in “Comentário Conimbricense do Código Penal”, III Volume, 1999, pág. 337.