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CÚMULO JURÍDICO DE PENAS
PRESTAÇÃO DE TRABALHO A FAVOR DA COMUNIDADE
SUBSTITUIÇÃO DA PENA
Sumário
Iº Na realização do cúmulo jurídico, a pena a ter em conta é a pena principal aplicada e não a pena de substituição; IIº Verificando-se os pressupostos para a realização de cúmulo jurídico entre diversas penas de prisão, o facto de uma delas ter sido substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade, não obsta a que se proceda ao cúmulo jurídico entre todas elas; IIº Ao efectuar o cúmulo jurídico, o tribunal não está impedido de ponderar a possibilidade e oportunidade de aplicar uma pena substitutiva à pena que resultar do cúmulo jurídico;
Texto Integral
Acordam na 9ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa
1. – No Proc. n.° 33/07.6PDFUN que corre termos na 2ª Secção das Varas de Competência Mista do Funchal foi proferido despacho pelo Mmo. Juiz a quo que decidiu não proceder ao cúmulo jurídico da pena aplicada nos presentes autos com as penas aplicadas nos processos 147/09.8PDFUN, 166/07.9PDFUN, 136/07.7PDFUN, 105/07.7PDFUN e 111/07.1 PDFUN porquanto, tendo o arguido sido condenado na pena única de um ano e quatro meses de prisão, substituída por trabalho a favor da comunidade, tal obsta à realização do cumulo das penas, por constituir uma pena de natureza diferente das penas que se refere estarem em concurso.
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O Digno Magistrado do MºPº não se conformando com o despacho proferido, por considerar que deveria ser realizado o cúmulo jurídico uma vez que as penas aplicadas nos processos 147/09.8PDFVN, 166/07.9PDFUN, 136/07.7PDFIN, 105/07.7PDFUN e 11/07.1PDFUN face ao disposto nos arts. 77º e 78º, ambos do Código Penal, estão, sem margem para dúvidas, numa relação de concurso com a pena aplicada nestes autos, veio interpor o presente recurso, apresentando na sua motivação, as seguintes conclusões:
1º. As penas aplicadas ao arguido A... nos processos 147/09.8PDFVN, 166/07.9PDFUN, 136/07.7PDFI N, 105/07.7PDFUN e 11/07.1PDFUN, estão numa relação de concurso com a pena aplicada nestes autos.
2º. Não há norma jurídico-penal que obste à realização do cúmulo jurídico de uma pena de prisão efetiva com uma pena de prisão substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade.
3º. Aquando da realização do cúmulo, o tribunal "a quo" irá apreciar se a pena unitária poderá ser – ou – não – substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade.
4º. O tribunal "a quo" ao não designar data para a realização do cúmulo violou o disposto no artº 58º, 77º e 78º, todos do Cód. Penal.
Nestes termos, entende-se ser de dar provimento ao recurso e, em consequência, ordenar ao tribunal "a quo" que substitua o despacho recorrido por outro que designe data para a realização do cúmulo nos termos do art.° 78.° do Cód. Penal.
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Neste Tribunal, o Exmo. Procurador Geral Adjunto teve vista dos autos.
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Cumpre, pois, decidir.
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2. – No presente recurso, a questão a considerar, é a de saber se as penas aplicadas ao arguido A... nos processos 147/09.8PDFUN, 166/07.9PDFUN, 136/07.7PDFUN, 105/07.7PDFUN e 111/07.1PDFUN estão numa relação de concurso com a pena aplicada nestes autos, por não haver norma jurídico-penal que obste à realização do cúmulo jurídico de uma pena de prisão efetiva com uma pena de prisão substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade, – como defende o MºPº recorrente – ou se, pelo contrário, tendo o arguido sido condenado, nestes autos, na pena única de um ano e quatro meses de prisão, substituída por trabalho a favor da comunidade, tal obsta à realização do cumulo das penas, por constituir uma pena de natureza diferente das penas que se refere estarem em concurso – como decidiu a decisão recorrida.
Vejamos:
O regime da punição do concurso de crimes está fixado no art.77.º, do Código Penal, que estipula o seguinte:
1 - Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.
2 - A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.
3 - Se as penas aplicadas aos crimes em concurso forem umas de prisão e outras de multa, a diferente natureza destas mantém-se na pena única resultante da aplicação dos critérios estabelecidos nos números anteriores.
4 - As penas acessórias e as medidas de segurança são sempre aplicadas ao agente, ainda que previstas por uma só das leis aplicáveis.
Por sua vez, quanto ao conhecimento superveniente do concurso, dispõe o artº 78.º do Código Penal:
1 - Se, depois de uma condenação transitada em julgado, se mostrar que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes, são aplicáveis as regras do artigo anterior, sendo a pena que já tiver sido cumprida descontada no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes.
2 - O disposto no número anterior só é aplicável relativamente aos crimes cuja condenação transitou em julgado.
3 - As penas acessórias e as medidas de segurança aplicadas na sentença anterior mantêm-se, salvo quando se mostrarem desnecessárias em vista da nova decisão; se forem aplicáveis apenas ao crime que falta apreciar, só são decretadas se ainda forem necessárias em face da decisão anterior.
A exigência de realização de cúmulo jurídico em caso de conhecimento superveniente de concurso obedece às mesmas regras que se encontram estabelecidas para o cúmulo jurídico a realizar no momento da condenação por uma pluralidade de crimes e consiste na condenação final numa única pena, considerando-se, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.
O pressuposto que está na base da aplicação das mesmas regras, seja o concurso conhecido integralmente ou não no momento da condenação pela prática de cada um dos crimes, é o de garantir um tratamento igual em ambos os casos, sendo precisamente o princípio constitucional da igualdade que determina a aplicação de idênticas regras na operação de cúmulo jurídico contemporânea ou posterior à condenação por cada um dos crimes e, igualmente, é ele que justifica que não ocorra em sentido técnico estrito trânsito em julgado em relação à pena única enquanto for possível a realização de novo cúmulo jurídico segundo as regras dos artigos 77º e 78º do Código Penal pois, só assim, se garante a efectivo tratamento igual do que é igual. É que a pena única final que reúna as penas parcelares aplicadas por cada um dos crimes em concurso não pode ter resultado diferente em função do momento da realização das operações de cúmulo jurídico, posto que tal não constitui circunstância que possa e deva influir no doseamento da pena.
Nesta apreciação ou fixação de pena conjunta, o legislador ressalvou expressamente as situações de “penas de natureza distinta” reportando-se, nos termos do transcrito nº 3 do artigo 77º, do CP, às penas de prisão e multa, situações em que a diferente natureza destas se mantém.
A decisão recorrida, porém, estendeu esta “diferente natureza” à prestação de trabalho a favor da comunidade aplicada em substituição da pena de um ano e quatro meses de prisão, consignando:
«Conforme decorre da sentença proferida nos presentes autos (cfr. fls. 246 a 255) o arguido A... foi condenado, como coautor de dois crimes de roubo, p.p. pelo artigo 210° n° 1 do CP, em duas penas de um ano e um mês de prisão e, em cúmulo jurídico, na pena única de um ano e quatro meses de prisão, substituída por 480 horas de trabalho a favor da comunidade.
Ora, dos autos não decorre que a pena que substituiu a pena de prisão (trabalho a favor da comunidade) foi revogada, sendo certo que ao arguido nem foi dada a oportunidade de cumprir as ditas horas de trabalho a favor da comunidade.
Por outro lado, as penas que se refere estarem em concurso revestem natureza diferente, o que obsta à realização do cúmulo das penas.
Consequentemente e por legalmente inadmissível, não há que proceder ao cúmulo da pena aplicada nestes autos com as penas a que alude a promoção que antecede, razão pela qual determino que, após o trânsito em julgado deste despacho, sejam os autos remetidos ao 2° Juízo Criminal do Tribunal Judicial do Funchal, a fim de aí ser promovida, no momento próprio, a execução da pena de trabalho a favor da comunidade.
Notifique».
Consideramos, todavia e ao contrário do decidido, que esta pena de trabalho a favor da comunidade resultante da substituição de uma pena de prisão, não é exactamente o mesmo, não tem a mesma natureza nem deve ter, consequentemente, o mesmo tratamento, que uma pena de multa directamente aplicada, constituindo “verdadeiras penas” - dotadas, como tal, de um conteúdo autónomo de censura, medido à luz dos critérios gerais de determinação da pena (artigo 72.º) -, que não meros “institutos especiais de execução da pena de prisão” ou, ainda menos, “medidas de pura terapêutica social” – Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, AEQUITAS/Editorial Notícias, 1993, §§ 78 e segs., pp. 89 e segs., sobre a concreta questão da natureza da pena substitutiva da pena de prisão.
Sendo esta a sua verdadeira natureza, nada obsta a que se proceda ao cúmulo jurídico de diferentes penas, incluindo as de substituição – cfr., neste sentido o mesmo Professor Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, a págs. 295 (§ 430) em que afirma o seguinte: «Nas hipóteses que ora consideramos, bem pode acontecer que uma das penas seja uma pena de substituição de uma pena de prisão. Não há na lei qualquer critério de conversão desta para efeitos de determinação da pena conjunta. Também aqui, pois, como atrás (supra § 419), valerá para o efeito a pena de prisão que foi substituída e também aqui, uma vez determinada a pena do concurso, o tribunal decidirá se é legalmente possível e político-criminalmente conveniente a substituição da pena conjunta de prisão por uma pena não detentiva».
Assim, na situação como a dos presentes autos, em que uma pena inicial de prisão é substituída por outra – designada por pena substitutiva (trabalho a favor da comunidade) –, verificando-se os pressupostos para a realização de cúmulo jurídico das diferentes penas parcelares, o que prevalecerá, para estes efeitos, não é a pena de substituição mas sim a pena principal aplicada, não estando o tribunal impedido, ao efectuar o cúmulo jurídico, de ponderar a possibilidade e oportunidade de aplicar uma pena substitutiva à pena que resultar do cúmulo jurídico, bastando que, para o efeito, que se verifiquem os necessários pressupostos – cfr. Ac. Relação do Porto de 08/06/2011, Proc. 237/07.1TAVRL.P1, Relator: Luís Teixeira, in www.dgsi.pt.
Ou seja: o tribunal, por força da factualidade apreciada na sua globalidade, irá novamente apreciar dos pressupostos da substituição da pena de prisão (caso esta seja inferior a 2 anos) por prestação a favor da comunidade.
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3. Por todo o exposto, decide-se conceder provimento ao recurso do recorrente Ministério Público e, consequentemente, revoga-se o despacho recorrido que deverá ser substituído por outro que realize o respectivo cúmulo, nos termos do artº 78º do Código penal.
Sem custas.
Lisboa, 22 de Setembro de 2011
Relator: Cid Geraldo;
Adjunto: Maria da Luz Baptista;