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CONTRATO DE EMPREITADA
PRETERIÇÃO DO TRIBUNAL ARBITRAL
CONVENÇÃO ARBITRAL
Sumário
I - Pela convenção de arbitragem, as partes determinam que os litígios entre si, emergentes de uma certa relação jurídica, serão resolvidos por um terceiro através de uma decisão que formará caso julgado e é susceptível de ser executada. II - Prevendo as partes que as divergências que surjam na interpretação ou execução do contrato serão objecto de uma tentativa de conciliação, a submeter a uma comissão de conciliação que emitirá um parecer, ao qual as partes podem aderir ou não, encontrar-nos-emos perante um mero acordo de mediação. (Sumário da Relatora)
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa (7ª Secção):
I. RELATÓRIO A (…), S.A., instaura a presente acção declarativa sob a forma de processo ordinário contra, B (…), S.A.,
pedindo a condenação da ré no pagamento de determinadas quantias com fundamento num contrato de empreitada celebrada entre ambas, e na qual a autora figura como dono da obra e a ré como empreiteiro.
Contestou a ré, por impugnação e por excepção, invocando, entre outras, a excepção de preterição do tribunal arbitral.
O autor replicou, pronunciando-se no sentido da improcedência de tal excepção, alegando que a clausula 18º não constitui uma cláusula compromissória strito sensu.
Foi proferido despacho saneador a julgar improcedente as invocadas excepções, nomeadamente a de preterição do tribunal arbitral, passando à elaboração da base instrutória.
Inconformado com tal decisão, a Ré interpôs recurso de apelação, concluindo a respectiva motivação, com as seguintes conclusões:
1. Como resulta do texto e contexto do contrato, o estipulado na clausula 18ª – “convenção arbitral e foro” – do contrato sub iudice constitui verdadeira clausula compromissória (v. arts. 236º e 237º do CC), estabelecendo que eventuais diferendos referentes à interpretação ou execução do contrato de empreitada de 2006.11.30, seriam submetidos a uma comissão de conciliação (v. arts. 1º/2 e 2ª/3, parte final, da Lei nº 31/86, de 29 de Agosto, alterada pelo DL 38/2003, de 8 de Março) – cfr. texto ns. 1 a 4.
2. Da referida clausula 18ª resulta que quaisquer litígios ou divergências relacionados com a “interpretação ou execução do contrato” tinham de ser dirimidos da seguinte forma:
1. Solução amigável – diálogo e modos de composição de interesses (v. clausula 18º, nº1;
2. Comissão de conciliação prevista em convenção arbitral – caso as divergências (…) não possam ser solucionadas amigavelmente;
3. Foro da Comarca do Montijo – “para todos os litígios que não possam ser resolvidos (…) nos termos previstos no número anterior (v. clausula 18ª, nº3) – cfr. texto ns. 4 e ss.
3. É assim inquestionável que as partes atribuíram competência a uma Comissão de Conciliação para decidir os litígios referentes ao alegado incumprimento execução ou resolução do contrato de empreitada como resulta claro do texto e contexto do documento (v. art. 238º/1, do CC) e corresponde à vontade real das partes inequivocamente expressa na clausula 18º (v. art. 236º do CC).
4. A A. estava vinculada ao estipulado na referida clausula 18º, não podendo interpor a presente acção sem previamente propor uma solução amigável e requerer a intervenção de uma comissão de conciliação, sob pena de violar o princípio pacta sunt servanda (v. art. 406º e 76º e ss, do CC) e de preterir um pressuposto processual inominado (v. arts. 493º e 494º do CPC).
5. O despacho recorrido enferma assim de manifestos erros de julgamento, sendo o tribunal a quo manifestamente incompetente para conhecer do objecto da presente acção, tendo sido preterida a clausula compromissória estabelecida no contrato e violado frontalmente o disposto nos arts. 236º, 237º, 238º, 334º, 406º e 762º e ss. do CC, nos arts. 1º e 2º da Lei nº 31/86, de 29 de Agosto, e nos arts. 100º, 290º, 493º e 494º do CPC.
Conclui pela revogação do saneador, na parte em que julgou improcedente a excepção de preterição do tribunal arbitral, com as legais consequências.
Não foram apresentadas contra alegações.
Dispensados que foram os vistos legais, ao abrigo do disposto no nº4 do art. 707º, do CPC, há que decidir.
II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO.
Considerando que as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste tribunal, a questão a decidir é uma única:
1. Excepção de preterição do tribunal arbitral – se nos encontramos perante uma verdadeira convenção de arbitragem, na modalidade de cláusula compromissória.
III – APRECIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO.
1. Excepção de preterição do tribunal arbitral – se nos encontramos perante uma verdadeira convenção de arbitragem.
Os tribunais podem ser estaduais ou arbitrais.
Os tribunais estaduais são aqueles que integram a organização judiciária do Estado.
Os tribunais arbitrais podem ser necessários ou voluntários.
Os tribunais arbitrais voluntários são instituídos pela vontade das partes mediante convenção de arbitragem – nº1 do art. 1º da Lei nº 31/86, de 29 de Agosto (Lei da Arbitragem Voluntária).
A divergência entre as partes respeita à verificação (ou não) de uma convenção de arbitragem, ou seja, saber se a cláusula 18ª do contrato integra uma verdadeira cláusula compromissória, cuja existência terá como consequência excluir os tribunais judiciais do conhecimento dos litígios aí previstos.
Como se refere na decisão recorrida, a existir convenção de arbitragem no contrato de empreitada, tratar-se-á de uma convenção de arbitragem na modalidade de cláusula compromissória, tendo em conta que tem por objecto litígios eventuais emergentes desse contrato.
Nas palavras de Mariana França Gouveia, “a arbitragem pode ser definida como um modo de resolução jurisdicional de conflitos em que a decisão, com base na vontade das partes, é confiada a terceiros[1]”.
A propósito do conteúdo da convenção de arbitragem, Raul Ventura[2] distingue a parte essencial, o núcleo essencial para que exista convenção de arbitragem, e a parte facultativa do conteúdo.
E, segundo tal autor, no art. 1º da Lei nº 31/86, de 29 de Agosto (Lei da Arbitragem Voluntária) o conteúdo essencial e geral da convenção de arbitragem é definido pelas palavras cometer à decisão dos árbitros.
“A convenção de arbitragem é o acordo pelo qual as partes se vinculam a submeter os litígios existentes ou futuros a um tribunal arbitral. Por esse acto de vontade, as partes determinam que os litígios entre si, emergentes de uma certa relação jurídica, contratual ou extracontratual, serão resolvidos por um terceiro através de uma decisão que formará caso julgado e é susceptível de ser executada[3]”.
Partindo de tais características – reconhecimento de força de caso julgado material e força executiva igual à de uma sentença da 1ª instância[4] – Pedro Pina qualifica a arbitragem como um mecanismo heterocompositivo de resolução de litígios com dimensão pública: “O conflito, ao contrário do que sucede na transacção ou na conciliação, não termina, é resolvido, ainda que contra a vontade do vencido; para além disso, a solução ditada não vincula apenas os oponentes, mas todas as entidades, públicas e privadas[5]”.
Segundo Pedro Pina, o legislador pretendeu atribuir aos árbitros um poder jurisdicional e não meramente negocial, prevendo e permitindo, dentro de um específico domínio normativo, a decisão de litígios por meio daqueles agentes[6].
“A decisão arbitral tem o mesmo valor que uma decisão dos tribunais estaduais, formando caso julgado e, quando tenha natureza condenatória, constituiu título executivo”.
Comparando a arbitragem com outros meios de resolução alternativa de conflitos, Manuel Pereira Barrocas considera nítida a linha de demarcação entre a arbitragem e a mediação:
“Na mediação, um terceiro desenvolve esforços para aproximar as partes e tentar que estas resolvam o litígio por acordo, sem dispor, no entanto de poderes para resolver o litígio. A sua intervenção esgota-se nesse esforço, ficando concluída quando o acordo se concretiza ou, ao invés, se torna inviável. A solução que o mediador proponha às partes não é vinculativa, enquanto estas não a converterem numa transacção[7]”.
Maria França Gouveia distingue os meios de resolução alternativa de conflitos em adjudicatórios e consensuais: “Os mecanismos adjudicatórios, de que a arbitragem é o exemplo típico, são aqueles que atribuem o poder de decisão a um terceiro. Os consensuais, por seu turno, visam a solução através da obtenção de um acordo, permanecendo nas partes, portanto, a capacidade de decisão do litígio[8]”.
Passemos à análise da cláusula em discussão, que apresenta a seguinte redacção: (Convenção Arbitral e Foro) 1. No caso de litígio ou disputa relativa a este contrato, designadamente os respeitantes à sua interpretação, cumprimento, incumprimento, execução, cessação, apreciação ou resolução, os contraentes diligenciarão, por todos os meios de diálogo e modos de composição de interesses, obter uma solução concertada de interesses. 2. Quaisquer divergências que surjam sobre a interpretação ou execução do contrato que não possam ser solucionadas amigavelmente entre a PRIMEIRA e o EMPREITEIRO, serão objecto de tentativa de conciliação a ter lugar nos seguintes termos: a) O diferendo será submetido a uma comissão de conciliação composta por três membros, sendo um designado pela PRIMEIRA e outro pelo EMPREITEIRO e o último em comum acordo, tudo num prazo máximo de 15 dias a contar do pedido de tentativa de conciliação, sob pena desta ficar sem efeito; b) A comissão deverá dar o seu parecer no prazo máximo de 30 dias a contar da nomeação do último membro. c) O parecer proferido pela comissão considera-se aceite caso nenhum dos contraentes declare, no prazo de 5 dias úteis após a sua recepção não o aceitar. 3. Para todos os litígios que não possam ser resolvidos amigavelmente, nos termos previstos no número anterior, será competente o foro da comarca do Montijo com exclusão de qualquer outro.
Na cláusula em apreço, as partes prevêem, em primeiro lugar, que, no caso de litígio respeitante ao contrato de empreitada celebrado entre ambas, os contraentes “diligenciarão, por todos os meios de diálogo e modos de composição de interesses, obter uma solução concertada de interesses”.
O apelo ao “meios de diálogo e modos de composição de interesses” no ponto 1 de tal cláusula, aponta para uma solução amigável “entre as partes”, uma negociação sem intervenção de terceiros[9].
E, no ponto 2, estabelecem que quaisquer divergências que surjam sobre a interpretação ou execução do contrato que não possam ser solucionadas amigavelmente entre a 1ª e 2ª outorgantes, serão objecto de tentativa de conciliação, a ter lugar nos termos previstos nas suas alíneas a), b) e d).
Ora, não só as partes denominam, tal modo de resolução de conflitos, de “tentativa de conciliação”, como o mesmo se limita a atribuir a uma comissão de conciliação a tarefa de emitir um “parecer”, que não é vinculativo para qualquer das partes – o parecer considerar-se-á aceite caso nenhum dos contraentes declare, no prazo de cinco dias, não o aceitar.
E, no ponto 3, as partes prevêem que, para todos os litígios que não possam ser resolvidos amigavelmente, nos termos previstos no número anterior – ou seja, mediante a descrita tentativa de conciliação – será competente o foro do Montijo com exclusão de qualquer outro.
Ou seja, o sentido a dar a tal clausula só pode ser o que lhe foi atribuído pela decisão recorrida – as partes apenas prevêem o recurso a uma comissão de conciliação para a realização de uma tentativa de conciliação e emissão de parecer, sendo que no caso este não seja aceite pelas partes, desde logo, indicam qual o tribunal judicial competente – o tribunal judicial da comarca do Montijo.
Tal cláusula nunca poderia ser considerada como convenção de arbitragem por lhe faltar o requisito primeiro e essencial de uma arbitragem: o de as partes terem querido que o litigio fosse resolvido por decisão de um terceiro susceptível de formar caso julgado e ter exequibilidade.
Como refere Manuel Pereira Barrocas, “o critério de distinção entre a arbitragem e figuras afins consiste, pois, em as partes terem ou não terem pretendido atribuir a um terceiro poderes jurisdicionais, ou seja, poderes para resolver o litígio por uma sentença que formará caso julgado e seja exequível. Em presença de um acordo relativo aos meios de resolução dos conflitos deve ser verificado, caso a caso, se as partes atribuíram ao terceiro esse poder, o que se faz através da indagação da sua vontade, por interpretação das declarações negociais. Só em caso afirmativo se tratará de uma arbitragem[10]”.
Encontrar-nos-emos, claramente, perante um mero acordo de mediação[11].
Na conciliação ou mediação[12] é designado um terceiro para a resolução da controvérsia, com base na vontade das partes, mas o terceiro tem por missão promover o acordo das partes. O conciliador não tem poderes para impor às partes uma decisão vinculativa[13].
E, tratando-se de um mero acordo de mediação, não se encontra sujeita ao principal efeito da convenção de arbitragem – vincular as partes a submeter à arbitragem a resolução dos conflitos abrangidos pela convenção[14].
Como tal, não se encontrava a autora impedida de submeter a resolução do conflito em causa junto dos tribunais judiciais, improcedendo as conclusões da apelante.
IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pela recorrente, com taxa de justiça nos termos da Tabela I-B Anexa ao RCP.
Lisboa, 18 de Outubro de 2010
Maria João Areias
Luís Lameiras
Roque Nogueira
-------------------------------------------------------------------------------------- [1] “Curso de Resolução Alternativa de Conflitos”, Almedina, 2011, pag. 91. [2] Cfr., “Convenção de Arbitragem”, estudo publicado na Revista da Ordem dos Advogados, Ano 46, Setembro de 1986, pag. 345. [3] Manuel Pereira Barrocas, “Manual de Arbitragem”, Almedina, 2010, pag. 143. [4] Cfr., art. 26º, ns. 1 e 2 da Lei da Arbitragem. [5] “Arbitragem e Jurisdição”, estudo publicado na revista JULGAR, 06, pag. 143. [6] Estudo e local citados, pag. 144. [7] “Manual de Arbitragem”, pag. 144. [8] Obra citada, pag. 18. [9] Segundo Mariana França Gouveia, a negociação pode ser definida como um processo de resolução de conflitos através do qual uma ou ambas as partes modificam as suas exigências até aceitarem um compromisso aceitável para ambas, mecanismo pelo qual se tenta chegar a um acordo através do diálogo – “Curso de Resolução Alternativa de Conflitos”, pag. 35 e 36. [10] Obra citada, pag. 146. [11] Note-se que a Lei nº 29/2009, de 29 de Junho, incorporando na ordem interna portuguesa as disposições normativas da Directiva 2008/52/CE relativa à mediação civil e comercial, veio prever a mediação pré-judicial e a mediação no decurso da acção (aditando os arts. 249º-A a 249º-C, e 279º-A, ao Código de Processo Civil). E, de acordo com a definição constante de tal Directiva, a mediação é um processo estruturado através do qual duas ou mais partes um litígio procuram voluntariamente alcançar um acordo sobre resolução do seu litígio com a assistência de um mediador (art. 3º da Directiva). [12] Como defende Mariana França Gouveia, só faz sentido distinguir conciliação e mediação quando a primeira é feita por quem tem poder adjudicatório, isto é, pelo juiz ou pelo árbitro – “Curso de Resolução Alternativa de Litígios”, pag. 21. [13] “Uma Lei de Arbitragem para o Século XXI”, disponível in http://www.arbitragem.pt.estudos. [14] O recurso à mediação encontrar-se-á sujeito no nosso sistema à voluntariedade, podendo qualquer das partes recusar participar na mediação ainda antes do seu início (o nº4 do art. 447º-D do CPC estabelece tão só que suportará as custas de parte, o autor que, podendo recorrer a estruturas de resolução alternativa de conflitos – as estruturas elegíveis para este efeito serão a definir por portaria que ainda se não mostra publicada – opte pela via judicial.