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DECLARAÇÃO DE INSOLVÊNCIA
PLANO DE INSOLVÊNCIA
HOMOLOGAÇÃO
NULIDADE
Sumário
I - Através do plano de pagamento a credores previsto no regime especial de insolvência de pessoas singulares, o devedor consegue evitar o curso do processo de insolvência e o estigma que anda associado à situação de insolvente. II - Do artigo 259º decorre que depois de aprovado, o plano deve ser homologado pelo juiz e a sua apresentação suspende logo o processo de insolvência em curso, salvo quando seja altamente improvável que venha a merecer aceitação (cf. artigo 255º, nº1). III - Só o trânsito em julgado da sentença de homologação do plano e de declaração de insolvência determina o encerramento do processo de insolvência (cf. artigo 259, nº4). IV - Dos autos resulta que não foi cumprida a tramitação legalmente definida quanto ao plano de pagamentos a credores apresentado pelos Requerentes na sua petição inicial. V- Ao não emitir no momento processual adequado o despacho liminar de apreciação de tal plano, e sendo certo que a declaração de insolvência não pode preceder a decisão relativa àquele, foi, no tribunal a quo, cometida a nulidade prevista no nº1 do artigo 201º do Código de Processo Civil. VI- Sendo patente que tal irregularidade tem clara influência na decisão da causa, há que declarar verificada esta nulidade e nos termos do nº2 do mesmo artigo e anular a sentença proferida nos autos bem como todos os actos processuais que dela decorreram. ( Da responsabilidade da Relatora)
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa
I - Relatório
A e B vieram requerer a sua declaração de insolvência, invocando para o efeito o disposto no artigo 18.° do CIRE.
Alegam, em resumo, que são casados em regime de comunhão de adquiridos, sendo o seu agregado familiar composto pelos dois e por duas filhas menores, de seis e de nove anos de idade.
O Requerente marido tem neste momento a profissão liberal de contabilista, na qual aufere uma remuneração mensal de €1.563,43 (valor líquido). Paralelamente, exerce a actividade de escriturário na empresa ….., Lda., onde aufere uma remuneração mensal de € 563,77 (valor líquido).
Por seu turno, a requerente mulher é doméstica e está desempregada há mais de 3 anos, não possuindo os requerentes qualquer empresa em seu nome e tão-pouco têm outro tipo de rendimentos além dos supra referidos.
Mais referem os requerentes que não têm contabilidade organizada e que contra os mesmos não existem processos judiciais pendentes.
Acrescentam que em Abril de 2006 ao requerente marido foi amputado o ante-pé esquerdo e, durante o pós-operatório, a perna esquerda, ficando o mesmo com uma incapacidade para o trabalho de 70%. Na sequência do sucedido, o agregado familiar dos requerentes viu durante vários meses os seus rendimentos reduzidos.
Mais alegam que para fazer face às despesas com alimentação, habitação, vestuário e saúde do agregado familiar viram-se obrigados a contratar vários empréstimos junto de entidades financeiras e que no momento não conseguem pagar as dívidas aos credores. Assim, têm actualmente créditos perante o Banco BNP (no valor de € 21.800,00, derivado de crédito pessoal, e no valor de € 8.600,00, derivado do cartão de crédito), a GE Money (no valor de € 19.500,00, derivado de crédito automóvel), a Cofidis (no valor de €15.000,00, derivado de crédito pessoal), o Millennium BCP (no valor de € 15.000,00, derivado de crédito pessoal), o Barclaycard (no valor de € 9.000,00, derivado de cartão de crédito), o Banco BES (no valor de € 2.500,00, derivado de cartão de crédito), o Banco Banif (no valor de € 2.500,00, derivado de cartão de crédito), o que ascende a um valor total dos créditos no montante de € 96.400,00.
Os requerentes identificaram os cinco maiores credores, e juntaram relação de credores por ordem alfabética de todos os credores.
Além do mais, em resultado da actual crise económica que se faz sentir no país, o requerente marido não consegue angariar mais clientes para a sua actividade liberal de contabilista, o que, conjugado com o facto de os requerentes não terem património (bens móveis ou imóveis) suficiente para satisfazer o seu passivo, os coloca numa posição em que ficam absolutamente impossibilitados de cumprir as suas obrigações desde o mês Outubro de 2010, pelo que se encontram numa situação de insolvência.
Concluem, pois, que o passivo dos requerentes - que ascende a € 96.400,00 - é manifestamente superior ao seu activo - estimado em € 24.005,00, não dispondo de bens susceptíveis de garantir o cumprimento de todas as suas obrigações.
Terminaram os requerentes apresentando um plano de pagamento para sujeição aos credores e, caso este não venha a ser aprovado pela maioria dos credores, formulam um pedido de exoneração do passivo restante, referindo para tanto que não beneficiaram da exoneração do passivo restante nos 10 anos anteriores à data do início do processo de insolvência, nem foram condenados por algum dos crimes previstos e punidos nos artigos 227.° a 229.° do Código Penal, que sempre tiveram um comportamento pautado pela licitude, honestidade, transparência e boa fé para com os seus credores, que sempre tiveram perspectiva séria de melhoria da sua situação económica e que não se abstiveram de apresentar à insolvência nos seis meses seguintes à verificação de estarem impossibilitados de cumprirem a generalidade das suas obrigações.
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Nos termos do artigo 24.°, n.° 1, do CIRE, os requerentes apresentaram os seguintes documentos, com base nos quais o Tribunal dá como provados os factos supra alegados:
- Certidões de casamento e de nascimento - documentos n.° s 3 a 7;
- Recibos do vencimento auferido pelo requerente marido no mês de Outubro de 2010 - cfr. documento n.° 8;
- Atestado médico de incapacidade - cfr. documento n.° 9;
- Relação de credores por ordem alfabética, com indicação dos seus domicílios e dos montantes dos seus créditos, e mapa do Banco de Portugal (:e., Central de responsabilidades de crédito) - cfr. documentos n.° s 10 a 12;
- Relação de bens – cfr. documento n.° 13
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Foi proferida sentença com o seguinte dispositivo: “Em face do exposto, e ao abrigo dos citados preceitos legais, declaro a insolvência do Requerente A , portador do cartão de cidadão n.° 00000000 e contribuinte fiscal n.° 000000000, e da Requerente B portadora do cartão de cidadão n.° 00000000 e contribuinte fiscal n.° 000000000, ambos residentes na Rua …, Porto Salvo”.
Inconformados os requerentes interpuseram recurso, concluindo: I. Os Apelantes apresentaram-se à insolvência com um Plano de Pagamentos; II. Requereram a abertura do Incidente de aprovação do plano de pagamentos; III. Plano que, por lapso, não terá sido conhecido pelo tribunal a quo antes de proferir sentença e que foi relegado para momento posterior; IV. É entendimento unânime dos Tribunais Superiores e decorre da lei que "Em processo especial de insolvência de pessoa singular, a declaração de insolvência não pode preceder a decisão do plano de pagamentos apresentado nos termos do art. 251° e segs. do CIRE." Cfr Acórdão do Tribunal da Relação do Porto no âmbito do processo 9007/09.1TBVNG.P1 que pode ser visto em http://www.dgsi.pt/, Pelo que a sentença de insolvência proferida deve ser declarada nula, nos termos do disposto no art. 201°, n°1 do CPC, pois foi decretada a insolvência requerida sem estar liminarmente apreciado e decidido o aludido plano de pagamento a credores; VI. E ser suspenso o processo principal de insolvência nos termos do art.255.° do CIRE até decisão sobre o incidente do plano. VII. O qual, se for aprovado, dará origem a uma sentença mitigada nos termos do art.° 259.° CIRE. Assim se fazendo Justiça!
Não houve contra-alegações.
Nos termos das disposições conjugadas dos artºs 685-A,º nºs 1 e 3, do CPC, na redacção do Dec-Lei nº 303/207, de 24/VIII, são as conclusões do recurso que delimitam o objecto do mesmo e, consequentemente, os poderes de cognição deste tribunal.
Assim, a questão a resolver consiste em saber se a sentença de insolvência proferida deve ser declarada nula, nos termos do disposto no art. 201°, n°1 do CPC, pois foi decretada a insolvência requerida sem estar liminarmente apreciado e decidido o suscitado plano de pagamento a credores
II – Fundamentação de facto
Nesta fase releva a factualidade descrita.
III – Fundamentação de direito.
Através do plano de pagamento a credores previsto no regime especial de insolvência de pessoas singulares, o devedor consegue evitar o curso do processo de insolvência e o estigma que anda associado à situação de insolvente (cf. Catarina Serra, O Novo Regime Português da Insolvência, 2ª edição, Almedina, a pág.73 e seguintes).
O disposto no artigo 249º, nº1 do CIRE (D.L. nº53/2004 de 18.03) é aplicável quando o devedor for uma pessoa singular em e, em alternativa, não tiver sido titular da exploração de qualquer empresa nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência, ou, à data do início do processo, não tiver dívidas laborais, o número dos seus credores não for superior a 20 e o seu passivo global não exceder € 300.000.
Este pedido pode ser apresentado pelo devedor conjuntamente com a petição inicial (cf. artigo 251º), ou, quando não tiver sido dele a iniciativa do processo de insolvência, alternativamente à contestação da petição inicial (cf. artigo 253º).
Salienta-se que: “a apresentação do plano de pagamentos envolve a confissão da situação de insolvência, ao menos iminente, por parte do devedor (cf. artigo 252º, nº4).”
Estipulam os nº1 e 2 do art. 249º do CIRE que o plano de pagamentos deve conter uma proposta razoável de satisfação dos credores e pode compreender moratórias, perdões, reduções de créditos, a constituição ou a extinção de garantias reais, um programa calendarizado de pagamentos ou o pagamento instantâneo e quaisquer medidas concretas susceptíveis de melhorar a situação patrimonial do devedor.
Considera-se aprovado se nenhum credor o tiver recusado ou quando a aprovação dos que se oponham venha a ser suprida pelo juiz (cf. artigo 257º, nº1), o que pode acontecer se houver aceitação do plano por credores cujos créditos representem mais de dois terços do valor total dos créditos relacionados pelo devedor (cf. artigo 258º).
Do artigo 259º decorre que depois de aprovado, o plano deve ser homologado pelo juiz.
A sua apresentação suspende logo o processo de insolvência em curso, salvo quando seja altamente improvável que venha a merecer aceitação (cf. artigo 255º, nº1).
Mas a aprovação e a subsequente homologação judicial do plano não impedem que tenha lugar a declaração de insolvência do devedor, que deve ser proferida após o trânsito em julgado da sentença de homologação do plano (cf. artigo 259º, nº1, 1ª parte).
Efectivamente, só o trânsito em julgado da sentença de homologação do plano e de declaração de insolvência determina o encerramento do processo de insolvência (cf. artigo 259, nº4).
Dos autos resulta que não foi cumprida a tramitação legalmente definida quanto ao plano de pagamentos a credores apresentado pelos Requerentes na sua petição inicial.
Ao não emitir no momento processual adequado o despacho liminar de apreciação de tal plano, e sendo certo que a declaração de insolvência não pode preceder a decisão relativa àquele, foi, no tribunal a quo, cometida a nulidade prevista no nº1 do artigo 201º do Código de Processo Civil.
Sendo patente que tal irregularidade tem clara influência na decisão da causa, há que declarar verificada esta nulidade e nos termos do nº2 do mesmo artigo e anular a sentença proferida nos autos bem como todos os actos processuais que dela decorreram.
Seguiu-se de perto o Ac. da Relação do Porto, Proc. nº 9007/09.1TBVNG.P1, de 06-05-2010, inwww.dgsi.pt.
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Pelo exposto, e na procedência da apelação, delibera-se declarar verificada a nulidade prevista no nº1 do artigo 201º do Código de Processo Civil e, nos termos do nº2 do mesmo artigo anula-se a sentença proferida nos autos bem como todos os actos processuais que dela decorreram.
* Conclusão.
I - Através do plano de pagamento a credores previsto no regime especial de insolvência de pessoas singulares, o devedor consegue evitar o curso do processo de insolvência e o estigma que anda associado à situação de insolvente.
II -Do artigo 259º decorre que depois de aprovado, o plano deve ser homologado pelo juiz e a sua apresentação suspende logo o processo de insolvência em curso, salvo quando seja altamente improvável que venha a merecer aceitação (cf. artigo 255º, nº1).
III - Só o trânsito em julgado da sentença de homologação do plano e de declaração de insolvência determina o encerramento do processo de insolvência (cf. artigo 259, nº4).
IV -Dos autos resulta que não foi cumprida a tramitação legalmente definida quanto ao plano de pagamentos a credores apresentado pelos Requerentes na sua petição inicial.
V- Ao não emitir no momento processual adequado o despacho liminar de apreciação de tal plano, e sendo certo que a declaração de insolvência não pode preceder a decisão relativa àquele, foi, no tribunal a quo, cometida a nulidade prevista no nº1 do artigo 201º do Código de Processo Civil.
VI -Sendo patente que tal irregularidade tem clara influência na decisão da causa, há que declarar verificada esta nulidade e nos termos do nº2 do mesmo artigo e anular a sentença proferida nos autos bem como todos os actos processuais que dela decorreram.
Sem custas
Lisboa, 3 de Novembro de 2011
Ana Lucinda Cabral
Maria de Deus Correia
Maria Teresa Pardal