CONTRATO DE EMPREITADA
DEFEITO DA OBRA
DENÚNCIA
Sumário

I -. Nos termos do artº 1221º CC, feita a denúncia dos defeitos, o passo que o dono da obra tem de dar a seguir, consiste na exigência da eliminação desses mesmos defeitos, através de um meio eficaz. Esse meio traduz-se numa manifestação de vontade cuja forma a lei não estabelece.
II -Entende-se, por isso, que, nessa sequência, uma adenda ao contrato de empreitada na qual são descritos os defeitos e fixado prazo para a sua eliminação, cumpre os propósitos legalmente visados com essa imposição.
III- São de valorar nos termos gerais previstos no artº 432º CC, os comportamentos da empreiteira que reflictam de forma inequívoca, a sua vontade de não cumprir o contrato.
IV- Nos termos do artº 799º/1 CC, presume-se a culpa do devedor em caso de incumprimento defeituoso.
(Sumário da Relatora)

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa
  
Apelante/A.: A…, S.A.
Apelado/R.: B…, C… e D… – Sociedade de Advogados.

I.1. Pedido: resolução do contrato de empreitada e a condenação dos RR., a pagar solidariamente à A. a quantia de € 310.349,72, acrescida de juros de mora, calculados à taxa supletiva para as dívidas de natureza comercial, desde 30.10.2007, relativamente ao valor da garantia bancária (€ 100.000,00) e desde 31.10.2007, relativamente ao restante, até integral pagamento.

Alegou, em síntese, ter celebrado com os RR., em 1 de Setembro de 2004, um contrato de empreitada para reconstrução de um prédio urbano, sito em …, propriedade dos primeiros RR., sendo a R. sociedade dona da obra; a A. executou todas as obras constantes do Mapa de Medições anexo ao contrato e todos os projectos da especialidade; a obra ficou concluída para lá do prazo inicialmente previsto, devido ao facto de os RR., no decurso da mesma, terem procedido a alterações nos projectos, incluindo o de arquitectura, nos materiais a aplicar e introduzirem ampliações de monta no volume de trabalhos compreendidos no contrato de empreitada; a A. acabou por realizar as obras solicitadas sem que os RR. procedessem ao respectivo pagamento e, daí que, em 1 de Setembro de 2006, os RR., mediante adenda ao contrato de empreitada, tenham recebido provisoriamente a obra, excepto os trabalhos identificados nos pontos 1.1 e 1.2 da dita adenda; a A. concluiu todos os trabalhos, incluindo fornecimento de materiais e equipamentos exigidos pelos RR. e aprovação e certificação dos projectos de especialidade; após a aceitação provisória da obra os RR. tomaram posse daquela, e passaram a habitá-la, retirando da obra todos os seus benefícios; a entrega definitiva da obra deveria ter ocorrido no prazo de um ano a contar da recepção provisória, razão pela qual a A., atenta a conclusão dos trabalhos, em 31 de Outubro de 2007, se aprestou a realizar a vistoria contratualmente fixada e proceder à entrega da obra, o que não logrou fazer, atenta a recusa dos RR., sem qualquer justificação; pretende a A. obter a resolução do contrato por via desta recusa e bem assim, receber os montantes em dívida; sem razão que o justifique, os RR. accionaram a garantia bancária no montante de € 100.000,00, quantia de que se apropriaram, sendo certo que a A. nada lhes deve, o que causou prejuízos na esfera patrimonial da A., de que também pretende ser ressarcida.

Os RR. contestaram, alegando, em síntese, que celebraram com a R. o contrato de empreitada mas imputam à A. os atrasos verificados na obra e que aquela padecia de defeitos vários; em 4 de Setembro de 2006, veio a ser assinada a adenda ao mesmo contrato, pela qual se fixaram novos prazos para a conclusão da obra bem como se regularam outras situações referentes a atrasos e defeitos da obra, aceitando os RR. proceder à recepção provisória da mesma, com excepção das partes aí identificadas; acordaram na realização pela A. de uma lista de trabalhos que esta se comprometeu a executar até 30 de Setembro de 2006, correcções na cobertura, escada exterior e paredes do prédio, a realizar até 31 de Outubro de 2006, e demais condições como compensar trabalhos a mais com penalidades, em determinadas situações; a A. não cumpriu o acordado na adenda pelo que os RR.; quando confrontados com a intenção da A. de proceder à recepção definitiva da obra, informaram aquela de que não podiam aceitar, mais tendo informado a A. de que consideravam o contrato de empreitada resolvido nessa data, solicitaram a entrega de toda a documentação relativa à obra que estava na sua posse e que fariam executar por terceiros os trabalhos que ficaram por concluir pela A., nos termos da cláusula 2.4 da adenda.
Em suma: segundo os RR., a A. não executou nem concluiu os trabalhos acordados no contrato de empreitada e na adenda, nem procedeu a trabalhos a mais. Por terem considerado haver incumprimento, por parte da A., os RR. accionaram a garantia bancária.
Deduziram pedido reconvencional, requerendo a condenação da A. no pagamento da cláusula penal e indemnização, a apurar em incidente de liquidação de sentença relativamente às quantias necessárias e a corrigir os defeitos da obra e, bem assim, a entregar os documentos da obra, necessários a continuar e terminar a aquela.

A A. replicou mantendo, no essencial, que a obra contratada e as respectivas alterações estavam concluídas em 31 de Outubro de 2007, sendo imputável aos RR. o incumprimento do contrato.

O Tribunal a quo julgou a acção improcedente e, em consequência:
a) Absolveu os RR. dos pedidos contra eles dirigidos;
b) Julgou o pedido reconvencional procedente e, em consequência condenou a A. a:
1. Pagar, a título de cláusula penal moratória, a quantia de € 197.500,00, uma vez deduzida a garantia bancária no montante de € 100.000,00, o que perfaz o montante de € 97.500,00, acrescido de juros vincendos até ao seu integral e efectivo pagamento,
2. Pagar, a título de indemnização, a quantia de € 605,00 e ainda a quantia necessária para que sejam feitas as reparações dos defeitos indicados no relatório a fls. 376 a 396 e das infiltrações e outros defeitos identificados na adenda e no respectivo anexo 1, nos termos preditos supra, montante esse a ser apurado em liquidação de sentença, acrescido de juros vincendos até ao seu integral e efectivo pagamento;
3. Entregar o livro de obra e de todos os outros elementos relativos à obra que se encontram na sua posse, no prazo de 30 dias após o trânsito em julgado da sentença, condenando-se a A. em caso de incumprimento, numa sanção pecuniária compulsória de 250,00 euros por cada dia de atraso na entrega desses documentos.

Inconformado com a decisão do Tribunal a quo, a A. apelou, formulando as seguintes conclusões:
1. Resultou da matéria de facto julgada provada que as obras referentes ao contrato de empreitada bem como os “trabalhos a mais” encontravam-se concluídos, e até foram recepcionados provisoriamente, pelos RR.
2. Os RR., notificados para o efeito, não quiseram receber a obra, mediante vistoria levada a cabo para o efeito, nem pagar o valor dos trabalhos realizados, incluindo neste valor 10% de retenção sobre os trabalhos facturados e não pagos até então.
3. Ao terem-se recusado a realizar a necessária vistoria para efeitos de recepção definitiva, eternizando com tal conduta a conclusão da obra, não notificaram a A. para a realização dos trabalhos e ou reparações que achavam existentes na obra, seguindo de imediato para a resolução do contrato a qual, por isso, se mostra ilegal.
4. Não comprovando qualquer incumprimento definitivo por parte da A., consubstanciado na incapacidade desta de eliminar os defeitos que existissem (se existissem), não tinham os RR. o direito de accionar a garantia bancária prestada a seu favor, para garantia do cumprimento do contrato de empreitada, como o fizeram.
5. O pedido reconvencional é manifestamente improcedente, visto que o mesmo radica num acto ilegal dos RR., consubstanciado na resolução unilateral do contrato de empreitada.
6. Não era lícito aos RR. fixar penalizações ou despesas pelo eventual atraso da obra que na verdade inexistiam nem realizarem por eles ou com intervenção de terceiros quaisquer obras e ou reparações, enquanto não notificassem a empreiteira/A. para a reparação das mesmas nos termos da lei.
7. Após a resolução do contrato pelos RR, não lhes era lícito exigirem da A. o Livro de Obra, por manifesta inexistência de obrigação da A. de o entregar após tal resolução.
8. A imputação dos defeitos ditos de construção à A., não tem qualquer fundamento, mormente pelos factos demonstrados segundo os quais, inexiste um nexo de imputação, estabelecido em termos de causalidade adequada, entre os supostos danos e a conduta ou omissão da A., tal como inexiste qualquer elemento de facto que permita atribuir à A., à data da resolução do contrato pelos RR, o incumprimento do mesmo contrato.
9. Resulta claramente da adenda ao contrato celebrada em que a obra (trabalhos constantes do contrato e os trabalhos a mais realizados pela A. a pedido dos RR, julgados provados pelas respostas dadas aos quesitos 1º a 4º da BI) foi aceite provisoriamente pelos RR. com excepção do sistema de ar condicionado, redes eléctrica e de telecomunicações, jardim e edifício anexo, os quais ficaram dependentes de instalação, autorização ou certificação pelas entidades competentes.
10. As autorizações, instalações, e certificações dos trabalhos não recebidos provisoriamente, ocorreram em momento anterior ao pedido de vistoria para entrega definitiva levada a cabo pela A., devendo a mesma ocorrer em 31.10.2007, ou seja quando os RR. inopinadamente resolveram o contrato e accionaram a garantia bancária.
11. A decisão recorrida errou na interpretação dos factos julgados como provados, e não teve em consideração a repercussão que tais factos que constituem fundamento da acção têm na decisão sobre o pedido reconvencional.
12. Da mesma forma a sentença recorrida violou, entre outras que V. Exas. doutamente suprirão, as normas e regimes jurídicos aplicáveis supra indicados e que aqui se reproduzem, bem como fez tábua rasa da jurisprudência, hoje unânime, dos Supremo Tribunal de Justiça, quer quanto à resolução do contrato de empreitada nas suas vertentes material e processual, quer quanto ao accionamento da garantia bancária de boa execução da obra.

Os RR. contra-alegaram, formulando as seguintes conclusões:
1. A recorrente e os recorridos celebraram um contrato de empreitada sujeito ao regime dos artigos 1207.º e seguintes do Código Civil. Nos termos do artigo 1208.º do Código Civil, a recorrente encontrava-se obrigada a executar a obra em conformidade com o convencionado pelas partes no contrato de empreitada e, nomeadamente, a proceder à entrega da obra até 1 de Setembro de 2005.
2. Em virtude de atrasos imputáveis à recorrente, o prazo de execução dos trabalhos previsto no contrato de empreitada foi, ao abrigo de adenda, prorrogado para 30 de Setembro de 2006, em relação a todos os trabalhos identificados no seu anexo I, e para 31 de Outubro de 2006, em relação à correcção dos defeitos na cobertura, escada exterior e paredes do prédio, nos termos das cláusulas 2.1 e 2.2 da adenda.
3. À semelhança do prazo inicial, a recorrente também não cumpriu os prazos de execução dos trabalhos do anexo I da adenda e de correcção dos defeitos da obra, constituindo-se, novamente, em mora, nos termos do artigo 804.º, n.º 2 do Código Civil. Em virtude dessa mora, a recorrente encontra-se obrigada a reparar os danos causados aos recorridos, nos termos do artigo 804.º, n.º 1 do Código Civil, tendo os recorridos o direito a ser indemnizados, a título de cláusula penal moratória, pelos atrasos verificados na execução da obra, nos termos da cláusula 13.1 do contrato de empreitada e das cláusulas 3.1 e 3.3 da adenda.
4. Ora, tendo ocorrido um atraso superior a dois anos em relação à data em que deveria ter sido entregue a obra, a qual deveria ter ocorrido a 1 de Setembro de 2005, e tendo o contrato sido resolvido pelos recorridos a 31 de Outubro de 2007, sendo que até essa data a obra ainda não havia sido concluída, decidiu bem o tribunal a quo, quando condenou a recorrente no pagamento aos recorridos do montante de € 97.500,00 (noventa e sete mil e quinhentos euros), uma vez já deduzido o montante de € 100.000,00 (cem mil euros) da garantia bancária autónoma.
5. Os recorridos tinham fundamento para executar a garantia bancária como forma de satisfazer, parcialmente embora, as penalidades devidas pela recorrente pelo atraso na execução da obra. Com efeito, decidiu igualmente bem o tribunal a quo quando considerou que a parte do pedido formulado pela recorrente que tem por objecto a garantia tem de ser julgado improcedente.
6. Nos termos do artigo 1208.º do Código Civil, a recorrente encontrava-se ainda obrigada a executar a obra sem defeitos que excluíssem ou reduzissem o respectivo valor. Por essa razão, antes de proceder à aceitação da obra, a 3.ª recorrida tinha o direito de verificar se a obra se encontrava nas condições acordadas e sem vícios, nos termos do artigo 1218.º, n.º 1 do Código Civil. Ora, a este respeito, ficou provado que, após várias verificações à obra, a 3.ª recorrida detectou diversos defeitos, tendo a recorrente a obrigação de os eliminar, nos termos do artigo 1221.º do Código Civil, o que a recorrente não fez, verificando-se, assim, uma situação de cumprimento defeituoso do contrato de empreitada e da adenda.
7. Enquanto a recorrente não procedesse à realização de todos os trabalhos previstos no anexo I da adenda e à correcção dos defeitos, o que nunca sucedeu como ficou provado nos autos, os recorridos tinham a faculdade de recusar a realização da vistoria e aceitação definitiva da obra.
8. Ficou, igualmente, provado que a recorrente nunca chegou a concluir a obra que se obrigou a realizar, tendo deixado por concluir, pelo menos, alguns dos trabalhos indicados no anexo 1 à adenda, conforme afirma a recorrente no seu email dirigido à 3.ª recorrida a 6 de Setembro de 2007.
9. Como decidiu o tribunal a quo, a recorrente incumpriu, desta forma, a obrigação de execução da obra a que se encontrava vinculada, como impõe o artigo 762.º, n.º 1 do Código Civil.
10. Os recorridos não estão igualmente obrigados a pagar à recorrente a quantia de € 111.129,72 (cento e onze mil cento e vinte e nove euros e setenta e dois cêntimos) por trabalhos alegadamente não compreendidos no contrato de empreitada e na adenda, uma vez que todos os trabalhos a mais realizados pela recorrente foram compensados por acordo das partes ao abrigo das cláusulas 3ª e 13ª da adenda.
11. O incumprimento do contrato de empreitada e da adenda pela recorrente, bem como o seu cumprimento defeituoso, conferem aos recorridos – e não à recorrente – o direito a exigir a resolução do contrato de empreitada, nos termos dos artigos 432.º, n.º 1 e 1222.º do Código Civil e a ser indemnizados pelos danos sofridos, nos termos do artigo 798.º, 562.º e566.º, n.º 1 do Código Civil.
12. No presente caso, os defeitos da obra vêem todos eles identificados no relatório junto a fls. 376 a 396, todos eles provados nos autos, pelo que, nos termos da cláusula 2.4 da adenda, os recorridos têm direito a ser reembolsados pela recorrente das quantias dispendidas para a realização dos trabalhos por realizar e pelos defeitos verificados e, nomeadamente, da quantia de € 605,00 (seiscentos e cinco euros) respeitante à ligação do sistema de ar condicionado.
13. Os recorridos também têm direito a ser reembolsados das quantias a despender para a realização dos demais trabalhos identificados no relatório junto a fls. 376 a 396, montante, esse, a apurar em execução de sentença.
14. Para que os recorridos possam continuar e terminar os trabalhos que faltam realizar na obra, revela-se necessário que a recorrente proceda à entrega (i) do livro de obra devidamente preenchido e assinado, nos termos de abertura e encerramento, pelo técnico responsável da obra (Engenheiro J...Q...); (ii) do termo de responsabilidade emitido pelo técnico responsável da obra a declarar a conclusão da obra e que esta se encontra em conformidade com os respectivos projectos; (iii) da folha de medições do livro de obra; e (iv) de todos os outros elementos relativos à obra que actualmente se encontram na sua posse.
15. Os recorridos têm, portanto, o direito a requerer, em juízo, a entrega pela recorrente dos referidos documentos. Decidiu, assim, bem o tribunal a quo, quando fixou uma data para o efeito e condenou a recorrente, em caso de não cumprimento, no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória, por cada dia de atraso na entrega dos documentos, nos termos do artigo 829.º-A do Código Civil.
16. Por tudo isto, não assiste razão à recorrente, quando considera ter existido violação grosseira dos regimes jurídicos aplicáveis, nem tão-pouco, quando alega erro na reapreciação da matéria de facto respeitante aos quesitos 6.º a 20.º da base instrutória.
17. Nestes termos, deve ao presente recurso interposto pela recorrente da sentença recorrida ser negado provimento, absolvendo-se os recorridos de todos os pedidos da recorrente e condenando-se a recorrente (i) a pagar, a título de cláusula penal moratória, a quantia de € 197.500,00 (cento e noventa e sete mil e quinhentos euros), uma vez deduzida a garantia bancária no montante de € 100.000,00 (cem mil euros), o que perfaz o montante de € 97.500,00 (noventa e sete mil e quinhentos euros), acrescida de juros vincendos até integral e efectivo pagamento, (ii) a pagar, a título de indemnização, a quantia de € 605,00 (seiscentos e cinco euros) e a quantia que vier a ser liquidada em execução de sentença, acrescida de juros vincendos até integral e efectivo pagamento e (iii) a entregar o livro de obra e todos os outros elementos relativos à obra, que se encontrem na sua posse e a pagar, a título de sanção pecuniária compulsória, a quantia de € 250,00 (duzentos e cinquenta euros) por cada dia de atraso na entrega desses documentos.

I.2. Em primeira instância foram dados como assentes os seguintes factos:
1. Em 1 de Setembro de 2004, a A., na qualidade de empreiteira, os 1.º e 2.º RR., na qualidade de proprietários, e a 3.ª R., na qualidade de dono da obra, celebraram um contrato de empreitada de construção civil para reconstrução de um prédio urbano sito na Rua …, números 20, 22, 24, 26 e 28, em …, o qual seria dividido em quatro fracções, duas para habitação e duas para escritório (“Prédio”).
2. O contrato de empreitada tinha por objecto a reconstrução do Prédio (“Obra”), a qual seria feita de acordo com o Mapa de Medições, Orçamento, Calendário de Execução de Obra e Plano de Pagamentos (cf. Anexos I, II e III do contrato de empreitada) e ainda de acordo com o Caderno de Encargos e os projectos de especialidades indicados na cláusula 5ª do contrato de empreitada.
3. O contrato de empreitada previa ainda a realização de todos os trabalhos preparatórios ou complementares necessários à execução da Obra.
4. A A. comprometeu-se a realizar a Obra de acordo com as especificações constantes nos referidos documentos, bem como a fornecer os materiais necessários à sua execução, devendo ser todos eles de primeiríssima qualidade.
5. Pela execução da Obra, a 3.ª R. pagaria à A. o montante global de € 800.000,00 (oitocentos mil euros) acrescido de IVA à taxa legal em vigor, correspondente a preço por chave na mão, nos seguintes termos:
a) 80% do preço total, de acordo com os prazos definidos no Plano de Trabalhos e sujeito à boa execução das diferentes fases da Obra previstas no Caderno de Encargos;
b) 10% do preço total, na data de aceitação provisória da Obra; e
c) 10% do preço total, na data de aceitação definitiva da Obra.
6. A A. e os RR. acordaram ainda que o prazo de execução da Obra – início, sequência e conclusão dos trabalhos – deveria ocorrer nas datas previstas no Plano de Trabalhos e que, em caso algum, deveria exceder um ano após a data de assinatura do contrato de empreitada, ou seja, 1 de Setembro de 2005.
7. Em caso de incumprimento pela A. dos prazos de execução do contrato de empreitada, a A. ficaria obrigada a indemnizar a 3.ª R. no montante correspondente a € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros) por cada semana de atraso que decorresse entre a data estabelecida no contrato de empreitada para a conclusão da Obra e a data da sua efectiva conclusão.
8. Ficou ainda acordado que o montante de indemnização a pagar pela A., se fosse o caso, seria devido a título de cláusula penal moratória, não a exonerando da obrigação de indemnizar os RR. por outros danos emergentes e lucros cessantes que pudessem vir a resultar de um eventual incumprimento,
9. E que a 3.ª R. poderia ainda compensar tal montante com quaisquer montantes devidos ou que viessem a ser devidos pela A. à 3.ª R.
10. Em contrapartida, a 3.ª R. obrigou-se a pagar à A., a título de prémio se o prazo de execução da Obra fosse antecipado, igualmente um valor de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros) por cada semana de antecipação, na data da aceitação provisória da Obra.
11. Por último, a A. obrigou-se a manter uma garantia bancária prestada à primeira solicitação pelo banco M……, no montante de € 240.000,00 (duzentos e quarenta mil euros), valor correspondente a 30% do preço da Obra como garantia do bom cumprimento das suas obrigações.
12. Os RR. alertaram a A. para a existência de vários defeitos, conforme referido nos emails dirigidos pelos RR. à A. a 28 de Novembro de 2005, 11 de Abril de 2006, 3 de Maio de 2006, 15 de Maio de 2006, 24 de Julho de 2006 e 28 de Julho de 2006, destacando-se, pela sua gravidade, a existência de infiltrações na cobertura, rés-do-chão e escada exterior do Prédio.
13. Em 12 de Junho de 2006, foi realizada uma vistoria à Obra com vista à sua aceitação provisória,
14. No decurso da qual, os RR. constataram que continuavam a subsistir defeitos na Obra, que foram indicados à A. nos emails de 26 de Junho de 2006, 4 de Julho de 2006, 10 de Agosto de 2006, 22 de Agosto de 2006, 31 de Agosto de 2006 e 31 de Agosto de 2006.
15. A 4 de Setembro de 2006, as partes assinaram uma adenda ao contrato de empreitada.
16. No considerando (G) da adenda as partes declaram que na vistoria realizada a 12 de Junho de 2006, com vista à aceitação provisória da Obra, se detectaram “defeitos vários a serem corrigidos pelo Empreiteiro antes da efectiva aceitação provisória da Obra”,
17. Acrescentando no considerando (I) da adenda que a 3.ª R. havia identificado durante os meses de Inverno “infiltrações na cobertura, no R/C e na escada exterior”, infiltrações essas, que são qualificadas como “graves”.
18. Por seu turno, na cláusula 1.1 da adenda, as partes acordaram que, na data de assinatura da adenda, a A. aceitaria proceder à aceitação provisória da Obra, embora excepcionando as seguintes partes:
a) Sistema de ar condicionado;
b) Redes eléctrica, de gás e de telecomunicações;
c) Edifício anexo; e
d) Jardim.
19. Em relação às partes da Obra referidas na alínea anterior, a A. e os RR. acordaram que a sua aceitação provisória seria feita após a realização da respectiva vistoria e da obtenção das certificações legais aplicáveis.
20. Essa aceitação provisória deveria ter lugar até 30 de Setembro de 2006, a menos que nessa data não tivessem sido feitas as vistorias técnicas nos termos da legislação aplicável.
21. Nos termos da cláusula 2.1 da adenda, as partes acordaram ainda uma lista de trabalhos que a A. se comprometeu a executar até 30 de Setembro de 2006 e que vêm referidos no Anexo I da adenda, junto aos autos a fls. 355 a 359.
22. A A. comprometeu-se também, nos termos da cláusula 2.2 da adenda, a mandar executar correcções na cobertura, escada exterior e paredes do Prédio de forma a prevenir novas infiltrações até 31 de Outubro de 2006.
23. Por seu turno, nos termos do disposto na cláusula 3.1 da adenda, os RR. e a A. acordaram em compensar todos os trabalhos que pudessem ser considerados trabalhos a mais realizados, que a A. declarava no considerando (D) estimar terem sido de € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros), bem como eventuais trabalhos a mais a realizar pela A. que constassem da lista em anexo à adenda com as penalidades devidas ao abrigo da cláusula 13 do contrato de empreitada, considerando-se perdoadas 50% das penalidades que seriam devidas desde 1 de Setembro de 2005 até 1 de Setembro de 2006.
24. Tendo em conta que entre a data prevista para a execução da Obra e a data da efectiva aceitação provisória da Obra decorreram cinquenta e quatro semanas e quatro dias de atraso, o montante devido pela A., a título de cláusula penal moratória, seria, à data, de pelo menos € 135.000,00 (cento e trinta e cinco mil euros).
25. A 3.ª R., aceitou perdoar o pagamento do valor remanescente das penalidades devidas, bem como todas as demais penalidades que se venceriam no futuro até à aceitação provisória das partes da Obra indicadas na cláusula 1 da adenda, contanto que a A. cumprisse todas as obrigações previstas no contrato de empreitada e na adenda.
26. Reservando-se, embora, o direito de exigir o integral pagamento do valor remanescente das penalidades devidas, bem como de todas as demais penalidades que se venceriam até à aceitação provisória das partes da Obra indicadas na cláusula 1 da adenda, em caso de incumprimento.
27. Os RR. enviaram à A. emails em 18 de Outubro de 2006, 4 de Dezembro de 2006 e 8 de Janeiro de 2007, dando-lhe conta de diversos trabalhos que não se encontravam concluídos e pedindo a sua conclusão.
28. Por email de 6 de Setembro de 2007, enviado pelo Senhor RS…, da A., esta informava os RR. de trabalhos já efectuados e que quanto “às restantes reclamações, que já não são muitas, vamos tentar terminar estas até final do presente mês, afim de podermos realizar a recepção definitiva da empreitada.”, tudo como melhor consta do documentos junto a fls. 363.
29. Após o envio desse email, a A. cessou todos os trabalhos que vinha realizando.
30. Por carta de 28 de Setembro de 2007, a A., informou os RR. da sua intenção de proceder à recepção definitiva da Obra em 30 de Setembro de 2007.
31. Por carta de 25 de Outubro de 2007, a A. voltaria, de novo, a manifestar a sua intenção de proceder à recepção definitiva da Obra tendo feito deslocar à Obra, em 31 de Outubro de 2007, um representante seu para proceder à respectiva recepção definitiva.
32. Em resposta às cartas da A., em 31 de Outubro de 2007, os RR. informaram a A. que não poderiam aceitar provisoriamente as partes da Obra referidas na cláusula 1 da adenda, nem proceder à aceitação definitiva da Obra no seu todo por não se encontrarem concluídos os trabalhos a que a A. se havia obrigado nos termos da adenda e do próprio contrato de empreitada
33. Nessa mesma carta, os RR. informaram a A. que consideravam o contrato de empreitada resolvido nessa data, por esta se recusar a cumpri-lo, e solicitaram a entrega de toda a documentação relativa à Obra que se encontrava na sua posse.
34. Na referida carta, os RR. informaram ainda a A. que fariam executar por terceiros os trabalhos que ficaram por concluir pela A., nos termos da cláusula 2.4 da adenda.
35. Nos termos da cláusula 9.1, alínea c) do contrato de empreitada, ficou acordado entre as partes que, pela execução da obra, a 3ª R. pagaria à A. 10% do preço total, na data de aceitação definitiva da obra, o que corresponderia ao montante de 80.000,00 euros, acrescido de IVA à taxa legal em vigor.
36. Para além desse montante, na data da aceitação definitiva da obra seria devido à A. o montante de 2.000,00 euros, acrescido de IVA à taxa legal em vigor, correspondente ao acréscimo de preço aceite pelos RR. à data da assinatura da adenda e que vem referido no considerando C) da adenda ao contrato de empreitada.
37. Em 12 de Outubro de 2007, os RR. accionaram a garantia bancária no montante de cem mil euros, valor para o qual se achava reduzida na adenda, e que receberam.
38. No decurso da obra os RR. procederam a alterações no projecto de arquitectura, nos materiais a aplicar e no volume de trabalhos.
39. O que determinou a A. à realização dos trabalhos descritos e identificados no documento junto a fls. 128 a 146.
40. Trabalhos que não constavam do projecto e orçamento iniciais.
41. E que importaram em 111.129,72 euros.
42. Em Novembro de 2007 os RR. solicitaram à C…, Lda. que procedesse à ligação do sistema de ar condicionado.
43. A qual ocorreu nos dias 15 e 21 de Novembro de 2007 e no montante de 605,00 euros.
44. Em Novembro de 2007 os RR. solicitaram à N.., Lda. a realização de uma vistoria à obra com vista à identificação da lista de trabalhos que a A. não concluiu e dos defeitos que se encontravam por corrigir.
45. A entidade referida na alínea anterior constatou a existência de diversas deficiências descritas no relatório junto a fls. 376 a 396.
46. E, nomeadamente, destaca como principais “pontos críticos”:
a) os trabalhos de instalações eléctricas nas cozinhas, instalações sanitárias e no jardim;
b) - os trabalhos de instalações técnicas;
c) - o ar condicionado;
d) - a drenagem das águas pluviais nos vãos exteriores e nas superfícies envolventes.
47. Os circuitos de alimentação de energia dos equipamentos das cozinhas encontram-se mal distribuídos, o que leva a que os disjuntores actuem automaticamente sempre que dois equipamentos de cozinha se encontrem ligados.
48. A utilização das tomadas de uso geral das instalações sanitárias revela-se perigosa por haverem sido instalados equipamentos não estanques e não protegidos.
49. No exterior existem cablagens descarnadas com acesso fácil e desprotegido pelos espaços exteriores do jardim e muitas vezes em contacto próximo com a água da rega, da piscina e do tanque do jardim.
50. Verifica-se um défice de aquecimento das águas sanitárias e das águas das cozinhas devido ao mau isolamento e dimensionamento da respectiva rede.
51. Nos quartos e salas pequenas dos dois pisos e no que tange ao ar condicionado, os pontos de insuflação encontram-se do mesmo lado e muito perto dos pontos de extracção.
52. O que leva a que o ar climatizado insuflado seja quase imediatamente extraído pelas grelhas adjacentes que se encontram na parede.
53. E provoca um défice de conforto térmico.
54. A ausência de pestanas nas folhas das portas e janelas de madeira leva à acumulação e entrada de águas no interior do prédio.
55. E consequentemente à degradação dos acabamentos interiores confinantes com os vãos exteriores, bem como a infiltrações de humidade nas paredes e pavimentos mais porosos.
56. A ausência de pendente e drenagem das soleiras e peitoris das portas e janelas e a situação referida no quesito 18º provoca um mau escoamento das águas pluviais nos vãos exteriores e superfícies envolventes.
57. Por carta de 31 de Outubro de 2007, os RR. solicitaram à A. a entrega de toda a documentação relativa à obra que se encontrava na sua posse com vista à instrução do processo para obtenção da licença de utilização da obra.
58. Os RR. não obtiveram resposta da A. a esta carta, nem entrega da documentação.
59. Por carta de 18 de Dezembro de 2007, os RR. voltaram a solicitar à A. a entrega do livro de obra e de todos os outros elementos relativos à obra.
60. E mais uma vez a A. não respondeu à carta.
61. Por essa razão as fracções de escritório não estão em uso por falta de licença de utilização.
62. O equipamento de ar condicionado encontrava-se testado, lançado e apto a funcionar em 1 de Agosto de 2006.
63. Todos os circuitos das instalações eléctricas foram definidos em obra pelo arquitecto A. do projecto, segundo instruções fornecidas pelos RR.
64. A instalação eléctrica foi objecto de vistoria e certificação por parte da C....
65. Vistoria que ocorreu em 21 de Junho de 2007.
66. O projecto de instalações eléctricas era da responsabilidade dos RR.
67. Cabia aos RR. a escolha e definição de todos os detalhes da instalação.
68. O sistema de ar condicionado foi definido já com a obra em andamento através de um projecto entregue à A. da responsabilidade dos RR.
69. A A. discordou da eficácia do processo e propôs aos RR. o estudo de outra alternativa para correcção dos inconvenientes encontrados.
70. Os RR. recusaram qualquer alternativa ao sistema de ar condicionado, exigindo o exacto e integral cumprimento do projecto.
71. A ausência de pestanas nas folhas das portas e janelas de madeira e de pendente e drenagem das soleiras e peitoris das portas e janelas foi imposição dos RR. já depois de iniciados os trabalhos.
72. Circunstância de que a A. reclamou.
73. Reclamação que os RR. nunca aceitaram, mantendo a exigência de cumprimento dos pormenores.
74. Perante a insistência da A. os RR. assentiram na instalação de pestanas nas janelas do 1º piso e nas portas que abrem directamente para a rua ao nível do R/C.
75. A ligação à rede da EDP das áreas comuns foi feita em16 de Novembro de 2007.

Este tribunal considera ainda provado que:
Da cláusula 8.3. do contrato de empreitada, consta que: “Se tais defeitos não forem corrigidos dentro de um prazo razoável, o dono da obra poderá, quinze dias após a comunicação escrita efectuada nos termos da cláusula anterior, contratar terceiros para a correcção de tais defeitos, devendo os respectivos custos serem suportados pelo empreiteiro.
Da cláusula 2.4. da Adenda ao mesmo contrato, sob a epígrafe conclusão dos trabalhos e conclusão definitiva consta que: Caso o empreiteiro não termine qualquer dos trabalhos nas datas previstas, o dono da obra poderá mandá-los executar a terceiros, ficando com o direito [a] ser reembolsado das quantias despendidas para o efeito ou a compensá-las.
Da cláusula 4.1. do contrato consta que "a A se comprometeu.: “a manter uma garantia bancária prestada à primeira solicitação pelo banco M…, no montante de € 240.000,00 (duzentos e quarenta mil euros), valor correspondente a 30% do preço da Obra como garantia do bom cumprimento das suas obrigações.
O montante desta garantia foi mais tarde revisto para 100.000€" (fls. 249).
As partes incluíram no contrato a cláusula 11.1. onde dispuseram que: ”Como garantia do bom cumprimento das suas obrigações, o empreiteiro manterá […] uma garantia bancária, que se encontra no anexo IV do presente contrato […] à primeira solicitação […] que o dono da obra poderá accionar, caso haja incumprimento ou mora no cumprimento das suas obrigações contratuais, a qual poderá ser exercida mediante notificação prévia […]”.
E na cláusula 11.3. acrescentam que: “o montante de tal garantia servirá ainda de montante de cláusula penal, em caso de resolução do contrato por mora que se prolongue por mais de trinta dias após notificação ao empreiteiro, sem prejuízo do dever de indemnizar os danos adicionais que resultarem do incumprimento ou da mora no cumprimento do contrato“.
Por seu turno, no ponto 4.2. da Adenda, as partes clausularam que: “O dono da obra poderá accionar a garantia bancária […] para assegurar o pagamento de quaisquer quantias que lhe sejam devidas” [1].
Na cláusula 13.1. do contrato referem ainda que: Caso o empreiteiro não conclua a obra ou qualquer parte dela no prazo de execução estabelecido no contrato, indemnizará o dono da obra no montante correspondente a €2.500, por cada semana que decorra entre a data estabelecida no contrato para a conclusão da obra e a data da sua efectiva conclusão.
Por seu turno, dizem na cláusula 13.2. que: O montante da indemnização exigível pelo dono da obra ou empreiteiro [...] será pago a título de cláusula penal moratória e não a título de cláusula penal relativa à totalidade dos danos emergentes e lucros cessantes.

II.1. O âmbito objectivo do recurso é definido pelas conclusões da recorrente (art.os 684.º, n.º 3 e 685.º-A, do Código de Processo Civil), importando, assim, decidir as questões nelas colocadas e, bem assim, as que forem de conhecimento oficioso, exceptuando-se aquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, nos termos do art.º 660.º, n.º 2, do CPC. Importa, por isso, decidir as questões de saber se:
(a) Não assistiriam aos RR. quaisquer direitos, por alegada omissão de notificação da A. na qualidade de empreiteira para eliminar os alegados defeitos;
(b) o pedido reconvencional é manifestamente improcedente com fundamento em não ter havido incumprimento por parte do A., não estando justificada a resolução unilateral;
(c) não tendo os RR. direito a accionar a garantia bancária;
(d) não sendo a A. obrigada a devolver o livro de obra e
(e) não havendo culpa da A..

II.2. Apreciando:

Como se viu, cumpre conhecer, e só, das questões suscitadas no recurso.

Quanto à questão da alegada falta de notificação da A. com vista à eliminação dos defeitos

A A., recorrente, negando o direito reconhecido aos recorridos, começa por se respaldar na circunstância de não ter sido notificada para suprir os defeitos segundo o iter legal previsto no regime do contrato de empreitada.
No contrato de empreitada, nos termos do artº 1220º CC, perante o cumprimento defeituoso, ao dono da obra cumpre, em primeira linha, a denúncia dos defeitos (vícios passíveis de desvalorizar a coisa ou impedir o seu fim útil ou se não tiver as qualidades asseguradas pelo vendedor para a realização desse fim), dentro do prazo legal para o efeito. Tem-se entendido que a falta de denúncia equivale à aceitação da obra.
Ora, a recorrente não põe em causa a denúncia dos defeitos mas, antes, a notificação que lhe deveria, segundo ela, ter sido efectuada e diz não o ter sido, subsequente à denúncia, com vista à reclamação da eliminação desses mesmos defeitos.
Quer na doutrina, quer na jurisprudência é pacífico o entendimento de que a denúncia dos defeitos tem apenas a natureza de um ónus de que depende a não caducidade dos direitos conferidos no artº 1221º e seguintes[2]CC, ela própria sujeita a prazos de caducidade distintos dos previstos para o exercício dos mesmos direitos. Dito de outro modo, a denúncia seria uma condição de que depende o exercício dos direitos do dono da obra. Quer dizer, não dispensa que este subsequentemente faça saber ao empreiteiro que pretende exercer, e em que medida, os seus direitos[3], segundo a prioridade estabelecida por lei.
Diz-nos o nº 2 do mesmo preceito que “Equivale à denúncia o reconhecimento, por parte do empreiteiro, da existência do defeito.
Ora, feita a denúncia dos defeitos, o passo que o comitente tem de dar, a seguir, consiste na exigência da eliminação desses mesmos defeitos, através de um meio eficaz. Esse meio traduz-se numa manifestação de vontade cuja forma a lei não estabelece. Por conseguinte, a notificação é de facto uma possibilidade mas não nos parece que seja a única. No caso dos autos, importa relembrar que, perante os defeitos constatados, os RR. celebraram com a A. uma adenda ao contrato de empreitada na qual são descritos os defeitos e fixado prazo para a sua eliminação. E a A. subscreveu essa adenda que, neste caso, se nos afigura meio adequado de os RR. expressarem a vontade de que aquela eliminasse os assinalados defeitos.
Nesta lógica, cai então o argumento da falta de notificação, dado que, através da Adenda subscrita por ambas as partes (doc. nº 10 com a P.I.), foi atingido o propósito por aquela visado.
De resto, importa relembrar aqui as várias insistências por e-mail (18.10.2006; 04.12.2006 e 08.01.2007), junto da A., dando-lhe conta dos sucessivos trabalhos por concluir e pedindo-lhe que os concluísse [facto DD)].
Além disso, cumpre também ter presente que neste caso, quer no âmbito do que consta inicialmente no contrato de empreitada, quer no âmbito da respectiva adenda, foram estabelecidos prazos certos que a matéria dada como provada demonstra que a A. não cumpriu.
Conclui-se, assim, estar plenamente cumprida a exigência do pedido de eliminação dos defeitos por parte dos RR..

Quanto à questão da resolução contratual

No recurso, a A. afirma ser ilícita a resolução contratual de que os RR. lançaram mão, para daí concluir que a sentença errou ao ter-lhes reconhecido direitos daquela decorrentes.
Na decisão recorrida concluiu-se, em síntese, que os factos provados mostram que a mora da A. se transformou em incumprimento definitivo, com base fundamentalmente em que: (i) a partir de 06.09.2009, a A. cessou todos os trabalhos que vinha realizando, apesar de a própria ter reconhecido que os mesmos não estavam concluídos e os defeitos não estavam completamente corrigidos; (ii) não obstante, a A. propôs-se proceder à recepção definitiva da obra, dando-a como concluída; (iii) a obra não estava terminada e os prazos para a conclusão da obra inicial e suplementar há muito que se encontravam esgotados; (iv) ao dar como concluída a obra, que manifestamente o não estava e ao exigir que os RR. procedessem à recepção definitiva daquela, a A., de forma inequívoca, manifestou a sua vontade de não cumprir o contrato. Daí retira, terem os RR. direito a resolver o contrato.

Vejamos, então:

Importa ter presente que, na realidade, os RR., estribando-se nos artºs 432º/1 e 1222º CC, pediram a resolução do contrato de empreitada com base, essencialmente, em que houve incumprimento do mesmo contrato e da adenda e cumprimento defeituoso do mesmo por parte da A.
A jurisprudência dos Tribunais superiores tem entendido que no domínio do regime legal do contrato de empreitada, no que à aplicação dos artºs 1221º a 1223º respeita, não é admissível o recurso à autotutela, não podendo, por isso, as partes validamente convencionar expressamente de modo diverso, por não lhes ser permitido queimar etapas.
Com efeito, o regime jurídico do contrato de empreitada no caso de cumprimento defeituoso, prevê um iter a que o dono da obra está vinculado, com vista à satisfação daquilo que considera ser-lhe devido. Como é sabido, o artº 1222º/1 CC dispõe que: “…não sendo eliminados os defeitos ou construída de novo a obra[4], o dono pode exigir a redução do preço ou a resolução do contrato, se os defeitos tornarem a obra inadequada ao fim a que se destina…”. Verifica-se, pois, que o dono da obra deve orientar-se de acordo com a seguinte ordem, após a denúncia dos defeitos: em primeiro lugar, deve ser pedida a eliminação dos defeitos ou, construída de novo a obra (sendo eles irreparáveis); em segundo lugar, não sendo os defeitos eliminados ou construída a obra, pode ser exigida a redução do preço (no caso de obra não concluída, por exemplo) e, em terceiro lugar, só no caso de “os defeitos tornarem a obra inadequada ao fim a que se destina” é que poderá ser exigida a resolução do contrato. Quer isto dizer que, perante o cumprimento defeituoso, a lei prevê que o comitente possa lançar mão de um conjunto de mecanismos de acordo com a hierarquização nela prevista[5] [6].
Paralelamente, a jurisprudência tem vindo a distinguir situações que não se podem confundir com as previstas nestes dispositivos legais, por não serem por eles previstas. A este propósito pode ler-se no Ac. da Relação de Coimbra de 06.11.2007 que: "enquanto expressão de um percurso necessário, apresenta esta asserção uma facti species que não é integrada quando, relativamente ao empreiteiro [...], esteja em causa algo que, afectando a subsistência do contrato, não corresponda propriamente à ideia de defeito da obra, entendido este conceito, restritamente, como resultado final do trabalho do empreiteiro, expressando antes um elemento comportamental desse empreiteiro que, respeitando à obra ou reflectindo-se nela, ocorre em paralelo a ela e dela se destaca, permitindo uma valoração correlacionada com a obra mas autónoma na sua essência. O significado deste raciocínio, aparentemente complexo, capta-se quase intuitivamente através da constatação de que o empreiteiro pode adoptar uma performance na execução da obra que torne inaceitável a subsistência do vínculo contratual com o dono desta, sem que isso – sem que o desvalor dessa performance – passe, ou passe só, por algo assimilável ao conceito de “defeitos da obra”, no sentido de elementos ou desvalores passíveis de uma resposta como as contidas nos passos que nos artigos 1221º e 1222º do CC antecedem a resolução do contrato" [7].
Portanto, o direito de os RR. obterem o reconhecimento da válida resolução do contrato, neste caso, não poderia derivar da cláusula 8.3. do contrato de empreitada, onde se lê que: “Se tais defeitos não forem corrigidos dentro de um prazo razoável, o dono da obra poderá, quinze dias após a comunicação escrita efectuada nos termos da cláusula anterior, contratar terceiros para a correcção de tais defeitos, devendo os respectivos custos serem suportados pelo empreiteiro[8].  Do mesmo modo o direito de resolução não poderia derivar da actualização à disciplina pelas partes anteriormente estabelecida na cláusula 2.4., sob a epígrafe conclusão dos trabalhos e conclusão definitiva da Adenda ao contrato, onde se diz que: Caso o empreiteiro não termine qualquer dos trabalhos nas datas previstas, o dono da obra poderá mandá-los executar a terceiros, ficando com o direito [a] ser reembolsado das quantias despendidas para o efeito ou a compensá-las[9].
De resto também as insistências dos RR. não podem ter-se como interpelações admonitórias porque tem-se entendido, pacificamente, que: “para produzir os efeitos de incumprimento e resolução estabelecidos na norma, a interpelação admonitória, deve, além de fixar um prazo razoável para o cumprimento, informar com clareza que a inexecução da prestação dentro desse prazo terá como consequência ter-se a mesma como definitivamente não cumprida, isto é, deve conter uma intimação clara e inequívoca para cumprir sob pena de se ter como verificado o incumprimento definitivo. [10]

No caso dos autos, o direito dos RR. deriva, outrossim, do comportamento da A.  descrito na matéria assente (nºs 29 a 32): foi a própria A. que cessou a sua prestação, não obstante a inconclusão da obra e os defeitos dos trabalhos assinalados (nºs 27 e 28). Isto é, a matéria de facto mostra que, além dos defeitos da obra (aqui abarcando os trabalhos não concluídos) há todo um comportamento por parte da A. passível de  motivar o mecanismo da resolução contratual. Neste caso os defeitos, por inacabamento da obra estão associados a esse comportamento da A. que implica uma valoração autónoma, passível de, como se disse, justificar a resolução do contrato. Como se afirmou, no presente caso, foi a própria A. que, ao cessar os trabalhos e procurar a recepção definitiva da obra, revelou vontade inequívoca de a não prosseguir [GG) e HH)].
Foi precisamente esse comportamento que foi valorado pela decisão recorrida onde se lê que: "Ao dar como concluída a obra, que manifestamente não o estava e aqo exigir que os RR. procedessem à recepção definitiva daquela, a A., de forma inequívoca, manifestou a sua vontade de não cumprir o contrato". e acrescenta que"A A. saiu da obra, que não estava concluída, onde existiam trabalhos que apresentavam defeitos, dando-a como concluída. Ao assim proceder, em nosso entender, a A., na falta de explicação adequada, revelou vontade de não cumprir o contrato, o que equivale para todos os efeitos a não cumprimento. Assim, tem-se por adquirido que a A. não cumpriu a prestação acordada com os RR. e que esse incumprimento é definitivo" (fls.791).
Tem-se entendido que, para além das situações tipificadas de não cumprimento definitivo, existe uma outra situação que a doutrina e a jurisprudência equiparam ao incumprimento definitivo e que se traduz na declaração expressa ou tácita do devedor de não querer cumprir. Assim, quando se esteja face a uma tal declaração expressa ou perante determinada conduta ou omissão que revele manifestamente a intenção de não cumprir a prestação, o credor não tem de esperar pelo respectivo vencimento (se ainda não tiver ocorrido), nem tem de alegar e provar a perda de interesse na prestação ou de interpelar admonitoriamente o devedor para cumprir. Perante uma declaração do tipo referido ou perante conduta ou omissão com o aludido significado, o credor pode, desde logo, ter por não cumprida definitivamente a obrigação[11].

Em sentido convergente argumenta-se no supra referenciado Acórdão da Relação de Coimbra, em cuja orientação revemos o nosso entendimento: "frequentemente aparece associada a contratos com estas características – e a existência na empreitada de um direito de fiscalização do dono da obra (artigo 1209º do CC) é sintomática – a ideia de inexigibilidade para a parte não inadimplente de continuação da relação contratual, expressa através do conceito de “justa causa”. Tal conceito, nominalmente ausente da regulação do contrato de empreitada, não deixa de nele valer na sua essência profunda, através da ponderação dos elementos relacionais múltiplos que a realização de uma obra, e particularmente de uma obra pública, convocam. Pressupõem estes elementos um investimento de confiança do dono no empreiteiro (e, mais ainda, do empreiteiro no subempreiteiro), que não se satisfaz com a eliminação de defeitos e a redução do preço, o qual, por isso mesmo, não pode deixar de convocar uma resposta que passe, desde logo, pela possibilidade de colocar um ponto final à relação contratual.
Aliás, confirmando a ideia de que o “mundo” da resolução do contrato de empreitada não se esgota no percurso que passe, em todas e quaisquer circunstâncias, pelo accionar prévio da eliminação dos defeitos e pela redução do preço, temos o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6/03/2007, relatado pelo Exmo. Conselheiro Azevedo Ramos Colectânea de Jurisprudência – Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, tomo I/2007, pp. 84/86., constatando a existência de situações (no caso um incumprimento definitivo decorrente do abandono da obra pelo empreiteiro) face às quais a resolução do contrato nos termos gerais (como expressamente se refere no texto do aresto) constitui, desde logo, a opção adequada, por obvia inadequação da observância sequencial do regime dos artigos 1221º a 1223º do CC".
Daí se retira, assim, a justificação da resolução do contrato de empreitada, que opera aqui nos termos gerais (artigos 432º e seguintes do CC)[12].

Conclui-se, pois, que se verificou incumprimento definitivo por parte da A., passível, pois, de fundar legalmente a resolução do contrato.


Quanto ao accionamento da garantia bancária

É justamente com base em que não houve incumprimento definitivo que a A. conclui que: “…não tinham os RR. o direito de accionar a garantia bancária prestada a seu favor, para garantia do cumprimento do contrato de empreitada, como o fizeram […]”.
Ora, a pretensão da A. é contrariada pela conclusão do ponto anteriormente tratado. Verificado o incumprimento definitivo, assistiria, assim, direito aos RR. de accionarem a garantia, tanto mais que esta não está acoplada a qualquer dispositivo de ordem imperativa.
Com efeito, ficou, a propósito, provado que a A se comprometeu.: “a manter uma garantia bancária prestada à primeira solicitação pelo banco M…., no montante de € 240.000,00 (duzentos e quarenta mil euros), valor correspondente a 30% do preço da Obra como garantia do bom cumprimento das suas obrigações. O montante desta garantia foi mais tarde revisto para 100.000€ (cláusula 41. a fls. 249).
Neste âmbito, como se viu, as partes incluíram no contrato a cláusula 11.1. onde dispuseram que: ”Como garantia do bom cumprimento das suas obrigações, o empreiteiro manterá […] uma garantia bancária, que se encontra no anexo IV do presente contrato […] à primeira solicitação […] que o dono da obra poderá accionar, caso haja incumprimento ou mora no cumprimento das suas obrigações contratuais, a qual poderá ser exercida mediante notificação prévia […].
E na cláusula 11.3. acrescenta-se: “o montante de tal garantia servirá ainda de montante de cláusula penal, em caso de resolução do contrato por mora que se prolongue por mais de trinta dias após notificação ao empreiteiro, sem prejuízo do dever de indemnizar os danos adicionais que resultarem do incumprimento ou da mora no cumprimento do contrato“.
Por seu turno, no ponto 4.2. da Adenda, as partes clausularam que: “O dono da obra poderá accionar a garantia bancária […] para assegurar o pagamento de quaisquer quantias que lhe sejam devidas” [13].

Vemos assim que a garantia bancária está associada à cláusula penal.

Com efeito, na cláusula 13.1. referem que: Caso o empreiteiro não conclua a obra ou qualquer parte dela no prazo de execução estabelecido no contrato, indemnizará o dono da obra no montante correspondente a €2.500, por cada semana que decorra entre a data estabelecida no contrato para a conclusão da obra e a data da sua efectiva conclusão. Por seu turno, dizem na cláusula 13.2. que: O montante da indemnização exigível pelo dono da obra ou empreiteiro [...] será pago a título de cláusula penal moratória e não a título de cláusula penal relativa à totalidade dos danos emergentes e lucros cessantes.

Ora, diz-nos o art. 810º/1 C. C. que: “as partes podem (...) fixar por acordo o montante da indemnização exigível; é o que se chama cláusula penal".
Por seu turno, o art. 811º/1 CC dispõe que o credor não pode exigir cumulativamente, com base no contrato, o cumprimento coercivo da obrigação principal e o pagamento da cláusula penal, salvo se esta tiver sido estabelecida para o atraso da prestação. E acrescenta o art. 811º nº 2, do mesmo diploma, que: “o estabelecimento da cláusula penal obsta a que o credor exija indemnização pelo dano excedente, salvo se outra for a convenção das partes”.

No âmbito do contrato, as alterações introduzidas pela Adenda apontam no sentido de que as partes tiveram em vista a indemnização por danos atinentes, quer ao interesse contratual positivo (assegurar o pagamento de quaisquer quantias, sem restrições), quer ao interesse contratual negativo, interesse tutelado no caso de indemnização com base na resolução. Isto é, neste caso, como a garantia está associada à cláusula penal, as partes visaram cobrir, não apenas o prejuízo que os RR. não teriam sofrido, se o contrato não tivesse sido celebrado, mas também a indemnização de quaisquer outras quantias, incluindo as baseadas no interesse contratual positivo. Diga-se de passagem que, neste domínio, sobretudo na doutrina, há acesa polémica sobre se é ou não admissível cumular o pedido de resolução do contrato com o pedido de indemnização pelo interesse contratual positivo. Neste caso, afigura-se-nos que esta problemática relevaria, quando muito, para apreciação da problemática da indemnização não coberta pela garantia, mas sobre ela não se estende o objecto do recurso, delimitado como está, pelas conclusões da minuta[14].
Seja como for, a este propósito importa referir que, no caso, não há incompatibilidade entre a natureza intrínseca da resolução que poderá dar origem à indemnização pelo interesse contratual negativo e o pedido correspondente à cláusula penal moratória, por via da garantia bancária, visto que o peticionado se circunscreve ao montante prefixado do prejuízo ocorrido até à resolução do contrato (31.10.2007) e não posteriormente verificado.

Sucede que, no caso em apreço, segundo se colhe do que os RR. alegam na reconvenção a fls. 321 e 322 (artº 142º a 145º), estes pretendem, outrossim, o pagamento de indemnização correspondente e prevista nas cláusulas 13.1, 13.2 do contrato. Isto significa que, quando os RR. invocam a garantia bancária, no pedido reconvencional, reportaram-se exclusivamente à cláusula penal moratória (e não a quaisquer outras importâncias como poderia parecer do explanado a fls. 314 a 316 da defesa). Portanto, o que reclamam, por via do accionamento da garantia bancária, refere-se tão só ao montante que poderiam reclamar a título de cláusula penal moratória no contexto da resolução do contrato, isto é, ao prejuízo decorrente do atraso verificado na conclusão das obras, tendo em conta que o contrato foi resolvido. É isso que está em causa na reconvenção que delimita, como é sabido, o que a este título se poderia decidir no âmbito do recurso. De qualquer modo, o recurso tem ainda um âmbito mais circunscrito, visto que se cinge ao montante da garantia bancária que não excede, neste caso, os € 100.000,00 e que corresponde, portanto, apenas a parte da cláusula penal moratória acordada[15] .
Acresce que nenhum pedido expresso ou implícito foi formulado no sentido de que tenha havido excesso, ao abrigo do artº 812º CC, no qual se dispõe que: “1.. A cláusula penal pode ser reduzida pelo tribunal, de acordo com a equidade, quando for manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente; é nula qualquer estipulação em contrário. e que  2. É admitida a redução nas mesmas circunstâncias, se a obrigação tiver sido parcialmente cumprida”.
Além disso, como tem sido defendido, a “prefixação da indemnização dispensa o credor de demonstrar a efectiva verificação de danos ou prejuízos em consequência do incumprimento do contrato, havendo lugar à inversão do ónus da prova.
            Perante estes dados, que revelam, como se viu, que as partes pretenderam garantir a obrigação (neste caso, parte do valor da própria cláusula penal moratória) através de uma garantia bancária autónoma (accionável “à primeira solicitação”), não resta senão concluir pela improcedência do argumento da recorrente, visto que, os termos do pedido reconvencional estão contidos no âmbito do que comprovadamente, a lei e o contrato autorizavam aos RR..

Quanto à entrega do livro de obra

O livro de obra destina-se a registar as reclamações e ocorrências que possam existir na obra, devendo, portanto, acompanhá-la, independentemente das vicissitudes que possam ocorrer no contrato de empreitada[16].
Como justificação para reter o livro de obra, mais uma vez a A. utiliza o argumento da falta de prova do incumprimento da obrigação pela sua parte, sendo certo, como se viu, que tal justificação não pode ter acolhimento, até porque ficou demonstrado exactamente o contrário.
Além disso, alega ainda que o livro deve estar na obra e é da responsabilidade de um técnico responsável pela mesma obra e não na posse da A..
Sucede que o facto do livro de obra poder ter estado na posse de um técnico responsável pela obra, enquanto a A. a levava a cabo, não exime esta de o entregar ao dono da obra, mal tenha cessado a sua intervenção na mesma obra. Perante os RR., donos da obra, só a A. responde e não também os funcionários ou colaboradores desta.
 A A. não invoca qualquer outro argumento no sentido de a legitimar a reter o livro de obra, visto, até, que foi ela própria que deu como terminada a mesma obra ao pretender fazer a recepção definitiva.
Por conseguinte, não pode acolher-se, também, neste aspecto, a tese da recorrente.

Quanto à questão da imputação

Afigura-se-nos que, sobre esta questão, a lei não deixa margem para dúvida: perante o incumprimento, presume-se a culpa do devedor (artº 799º/1 CC).


III. Pelo exposto e decidindo, de harmonia com as disposições legais citadas, nega-se provimento à apelação e confirma-se, pelos apontados fundamentos, a sentença recorrida.

Custas pela apelante, em ambas as instâncias.

Lisboa, 8 de Novembro de 2011

Maria Amélia Ribeiro
Graça Amaral
Ana Resende
--------------------------------------------------------------------------------------
[1] Vide fls. 18 e 19 e ainda fls. 249 da Adenda ao contrato.
   [2] Direitos de eliminação dos defeitos; redução do preço ou resolução do contrato ou a indemnização (artºs 1221 a 1223 CC).
   [3] Vide NETO, Abílio (2004), Cod. Civil Anot. 14ª Ed. Actualizada, Lisboa, Ediforum, p. 1160.
   [4] Artº 1221º CC.
   [5] Na doutrina, vide, CORDEIRO, António Menezes - Coord. – (1991), Direito das Obrigações, Contratos em Especial, Lisboa, AAFDL, p. 542 e seguintes e MARTINEZ, Pedro Romano (2001), Cumprimento Defeituoso em especial na compra e venda e na empreitada, Coimbra, Almedina, p. 299.
   [6] Na Jurisprudência neste sentido, pronunciou-se, entre muitos outros o Ac. STJ de 02.12.1993, CJ/STJ, 3º, 157. Também no sentido de que o direito de resolução não é alternativo se pronunciou a Relação do Porto em 16.09.1993, CJ 1993, 4º, 203.
[7] É neste sentido, por exemplo, que João Baptista Machado, numa referência que, como veremos, abrange também o contrato de empreitada, fala, relativamente à resolução por incumprimento, em violações insusceptíveis de avaliação “[…] pelo critério do prejuízo certo que […] possa[m] causar à outra ou às outras partes no contrato, mas, antes como elemento sintomático, como facto capaz de fazer desaparecer a particular confiança que no adimplemento depositavam os outros contraentes […]”. Daí – prossegue este Autor – “[…] que nos contratos de que decorre uma relação particularmente estreita de confiança mútua e de leal colaboração, tais como o contrato de sociedade, o contrato de trabalho ou certos contratos especiais de prestação de serviços (p. ex. assistência técnica, de reestruturação da contabilidade de uma empresa, de prestações profissionais como as do médico e do advogado), todo o comportamento que afecte gravemente essa relação põe em perigo o próprio fim do contrato, abala o fundamento deste, e pode justificar, por isso, a resolução” “Pressupostos da Resolução por Incumprimento”, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor J. J. Teixeira Ribeiro, vol. II, Coimbra, 1979, p. 359. E estas considerações valem, na óptica deste mesmo Autor, como se disse, para o contrato de empreitada, o qual, tal como sucede nos exemplos mencionados, “[…] pressupõe uma certa colaboração e entendimento entre as partes para que o objectivo do contrato ou o objectivo visado pelo credor da prestação […] seja plenamente alcançado” “Pressupostos…”, cit. pp. 360/361 e nota, apud citado Ac. da Relação de Coimbra, relatado pelo Desembargador Teles Pereira (disponível in www.dgsi.pt). Vide Também o posterior Ac. RP 14 de Abril de 2008, relatado pela Desembargadora Maria Isoleta de Almeida Costa.
[8] Vide fls. 17 dos autos.
[9] Vide fls. 249 dos autos.
[10] Ac. STJ de 20 de Maio de 2010, Rel. Conselheiro Alves Velho (disponível in www.dgsi.pt).
[11] Ac. STJ de 12.03.2009, Rel. Cons. Moreira Alves (disponível in www.dgsi.pt).
[12] Pedro Romano Martinez, Direito das Obrigações (Parte Especial) Contratos, Coimbra, 2000, p. 455., exonerando o dono da obra (aqui a Apelante), no que aqui nos interessa, da obrigação de pagar o preço Ibidem (v., no mesmo sentido, Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito das Obrigações, vol. III, 3ª ed., Coimbra, 2005, p. 554; António Pereira de Almeida, apud Ac. RC citado.
[13] Vide fls. 18 e 19 e ainda fls. 249 da Adenda ao contrato.
[14] O designado “ interesse contratual negativo […]que [tal como] o interesse contratual positivo, abrange, em princípio, tanto os danos emergentes como os lucros cessantes"  (Neste sentido  Almeida e Costa,Mário Júlio de (2006), Direito das Obrigações, Coimbra, Almedina, 10ª Ed. Reel. pp. 1043 a 1047. No mesmo sentido, Vide também Pires de Lima e Antunes Varela (1981) Código Civil Anotado, Vol. II, 2ª ed. Ver. E Act., Coimbra, Coimbra Ed., p. 52. Em sentido oposto, pronunciou-se Cordeiro Menezes (2010),  Tratado de Direito Civil Português, II, Tomo IV:Devemos afastar totalmente a doutrina segundo a qual, resolvido um contrato, apenas quedaria, à parte fiel, pedir uma indemnização pelo interesse contratual negativo, isto é: uma indemnização que viesse colocar a parte fiel na situação em que estaria se não houvesse contrato. Tal saída implicaria um autêntico prémio à inadimplência, assente num lapso conceitual: o de que a resolução apaga todo o contrato, incluindo os deveres acessórios e o próprio direito ao cumprimento. Além disso, é contra legem: a lei prevê, sem distinguir, a indemnização de (todo o) prejuízo causado ao credor (artº 798º), p. 139”. No mesmo sentido, pronunciaram-se os autores referenciados por Almeida Costa na citada obra, pp. 1045-1046, nota 2.
[15] Os RR. pretendem a este título a quantia de 197.500€, deduzida da quantia já recebida por via do accionamento (100.0000€), o que perfaz 97.500€, acrescida de juros vincendos até ao seu integral e efectivo pagamento.
[16] Vide Decº-Lei nº 133/2005, de 16.08 (artº 14º) e Portª nº 1268/2008, de 6 de Novembro.