ACUSAÇÃO MANIFESTAMENTE INFUNDADA
IDENTIFICAÇÃO DO ARGUIDO
Sumário

Não é manifestamente infundada, não devendo por isso ser rejeitada, a acusação em que o arguido é identificado apenas pelo seu nome abreviado.

Texto Integral

Processo nº 96/16.3GBPFR.P1

Acordam, em conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto

I. RELATÓRIO
1. No âmbito dos presentes autos Processo Comum (Singular) 96/16.3GBPFR (do Juízo Local Criminal de Paços de Ferreira, Comarca do Porto Este), após dedução da acusação particular pelo assistente B… (acusação essa constante de fls. 48 e segs, que não foi acompanhada pelo Ministério Público), depois de remetidos os autos à distribuição, pela Sra. Juíza foi proferido o despacho de fls. 76 a 78 em que, além de indeferir, por falta de legitimidade do assistente, a parte dessa acusação respeitante ao crime de ameaça (com o argumento do mesmo revestir natureza semi - pública e do Ministério Público e do Ministério Público ter proferido despacho de arquivamento em relação a esse crime), no demais (isto é quanto aos crimes injúria e difamação) rejeitou a acusação, por manifestamente infundada e não admitiu o pedido de indemnização civil.

2. Inconformado com a parte desta decidida rejeição da acusação e não admissão do pedido de indemnização civil, o assistente interpôs recurso (constante de fls. 86 a 90), finalizando a respectiva motivação com as seguintes conclusões (transcrição):
1. O Tribunal a quo rejeitou a acusação particular deduzida pelo Recorrente por entender que a mesma era manifestamente infundada, em virtude de não identificar o arguido, não admitindo, consequentemente, o pedido de indemnização civil deduzido pelo Recorrente, ao abrigo do princípio da adesão.
2. Salvo melhor opinião e com o devido respeito, o Tribunal a quo andou mal quando rejeitou a acusação particular e, consequentemente, não admitiu o pedido de indemnização civil, uma vez que, nos autos em causa, constam elementos suficientes para se proceder à identificação completa e exaustiva do Arguido, contra quem se deduz.
3. Nos autos de inquérito supra referidos, o arguido C…, está devidamente identificado contendo, bem assim, todos os elementos suficientes, insuscetíveis de levantar quaisquer dúvidas quanto à identidade do Arguido.
4. Nos referidos autos, C… foi constituído Arguido.
5. O Assistente, na sua peça processual de acusação particular, identificou o referido C… como Arguido e destinatário da acusação.
6. A Mmª Juíz do Tribunal a quo, ao rejeitar a acusação particular com base na alínea a) do nº2 e alínea a) do n.º 3 artigo 311º do C.P.P., manifestamente infundada, não interpreta correctamente o espírito e a letra da mesma norma.
7. Neste sentido, o Tribunal a quo andou mal quando interpretou que a falta de identificação do arguido, descrita no artigo 311º, nº 2, al. a) e nº 3, al. a), do CPP, consubstanciava, também, a INCOMPLETA identificação do arguido.
8. No caso concreto, a acusação particular não pode ser, salvo melhor opinião, considerada manifestamente infundada, por falta de identificação do arguido, uma vez que, nos presentes autos foi o arguido notificado.
9. Refira-se ainda que o Tribunal a quo sempre poderia ter proferido um despacho de aperfeiçoamento, no sentido de o Recorrente completar a identificação do arguido já referenciado na acusação.
10. O douto despacho recorrido proferido pelo Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 285º, nº 3, 283º, nº3 al. a), e 311º, nº 2, al. a) e nº 3, al. a), todos do CPP.
11.Termos em que se Requer a V. Exas. que, atendendo aos fundamentos supra expostos, seja o presente recurso julgado procedente por provado, e em consequência, seja o douto despacho recorrido revogado e substituído por douto Acórdão que admita a acusação particular e, consequentemente, admita o pedido de indemnização civil, assim se fazendo JUSTIÇA!

3. O recurso foi admitido por despacho de fls. 90.
4. O magistrado do Ministério Público, junto da primeira instância, a fls. 94 a 98, respondeu ao recurso, pugnando pelo seu não provimento e manutenção da decisão recorrida.
5. Nesta Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto (a fls. 108), emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
6. No âmbito do art.º 417.º, n.º 2 do Código Penal, não foi apresentada resposta.
7. Foram colhidos os vistos legais e realizou-se a conferência, cumprindo apreciar e decidir.
II. FUNDAMENTAÇÃO
1. Poderes cognitivos do tribunal ad quem e delimitação do objecto do recurso
Constitui jurisprudência corrente dos tribunais superiores que o âmbito do recurso se afere e se delimita pelas conclusões formuladas na respectiva motivação (artigo 412º, nº 1, in fine, do Código de Processo Penal), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.
No caso vertente, vistas as conclusões do recurso, a questão a decidir consiste em saber se, em virtude de apenas ter sido identificado o arguido pelo seu nome (ou seja, sem menção de quaisquer outros elementos identificativos), a acusação particular (na parte respeitante aos imputados crimes de injúria e difamação) é, ou não, manifestamente infundada.
2. A decisão recorrida
É do seguinte teor a decisão recorrida (transcrição):
“Autue como processo comum com intervenção do Tribunal Singular.
O Tribunal é competente.
*
A fls. 55, veio B… deduzir acusação particular contra C…, imputando-lhe a prática de um crime de ameaça p. e p. pelo art. 153º do Código Penal, de um crime de injúria p. e p. pelo art. 181º, nº1 do Código Penal e, de um crime de difamação p. e p. pelo art. 180º do Código Penal.
No que ao crime de ameaça concerne, sempre se dirá que, o mesmo assume natureza semi-pública. Nestes termos, e ao abrigo do disposto nos artigos 49º e 283º do Código de Processo Penal, é o Ministério Público quem tem legitimidade para deduzir acusação quanto a tal ilícito.
Assim sendo, e por manifesta falta de legitimidade por parte do ofendido, ao abrigo do disposto no artigo 311º nº 1 do Código de Processo Pena, decide-se indeferir a acusação particular constante de fls. 55 e seguintes dos autos, nesta parte. Note-se aliás que, sobre tal ilícito penal já havia recaído o despacho de arquivamento de fls. 42.

No que ao crime de injúria e difamação respeita, cumpre referir que, o assistente B… deduziu a acusação particular de fls. 55 e seguintes, dela fazendo constar na identificação do arguido, apenas, C….
Ora, dispõe o artigo 283º, nº 3, alínea a), do Código de Processo Penal, aplicável à acusação particular "ex vi" nº2, do artigo 285º, do citado diploma legal, que a acusação contém, sob pena de nulidade, as indicações tendentes à identificação do arguido.
A este respeito, prescreve o artigo 342º, do Código de Processo Penal - relativo à identificação do arguido em sede de audiência de discussão e julgamento -, que "1 - O presidente começa por perguntar ao arguido pelo seu nome, filiação, freguesia e concelho de naturalidade, data de nascimento, estado civil, profissão, local de trabalho e residência e, se necessário, pede-lhe a exibição de documento oficial bastante de identificação. (...)'.
No mesmo sentido vai a norma consagrada no nº 3, do artigo 141 º, do Código de Processo Penal, relativo ao primeiro interrogatório judicial de arguido detido.
Decorre da análise conjunta das citadas disposições legais que a identificação do arguido que se exige na acusação deve conter os elementos que acima se deixaram enunciados. Não os contendo, terá de considerar-se como não efectuada a identificação do arguido.
Prevê o artigo 311º, do Código de Processo Penal, na parte que ora nos interessa, que:
"2 - Se o processo tiver sido remetido para julgamento sem ter havido instrução, o presidente despacha no sentido:
a) De rejeitar a acusação, se a considerar manifestamente infundada; (…),
3 - Para efeitos do disposto no número anterior, a acusação considera-se manifestamente infundada:
a) Quando não contenha a identificação do arguido;
b) Quando não contenha a narração dos factos;
c) Se não indicar as disposições legais aplicáveis ou as provas que a fundamentam; ou
d) Se os factos não constituírem crime”.
Acusação manifestamente infundada é aquela que, em face dos seus próprios termos, não tem condições de viabilidade.
No caso concreto, há que concluir que a acusação particular deduzida pelo assistente B… é manifestamente infundada, por não conter a obrigatória identificação do arguido.
Pelo exposto, atentas as considerações expendidas e as disposições legais citadas, decide-se, nos termos e ao abrigo do previsto no artigo 311º, nº 2, alínea a) e nº3, alínea a) do Código de Processo Penal, rejeitar a acusação particular deduzida pelo assistente B… por se considerar a mesma manifestamente infundada.
Custas a cargo do assistente, fixando-se a taxa de justiça no mínimo legal.
*
A fls. 56 e seguintes veio o assistente B… deduzir pedido de indemnização civil contra o arguido C…, em virtude dos factos expostos na acusação particular de fls. 55 e seguintes.
No entanto, e considerando a rejeição da acusação particular em causa, não é legalmente admissível o pedido de indemnização civil formulado (cfr. artigos 71º e 74º ambos do Código de Processo Penal), pelo que, rejeito liminarmente o pedido de indemnização civil formulado pelo assistente B… contra o arguido/demandado C….
(…)”
3. Conhecendo
Como supra deixámos mencionado, a questão a decidir consiste em saber se, em virtude de apenas ter sido identificado o arguido pelo seu nome (ou seja, sem menção de quaisquer outros elementos identificativos), a acusação particular (na parte respeitante aos imputados crimes de injúria e difamação) é, ou não, manifestamente infundada.
No entendimento expresso no despacho recorrido (despacho que acabámos de transcrever), secundado pelo magistrado do Ministério Público de primeira instância, a falta de outros elementos de identificação do arguido torna manifestamente infundada a acusação.
Ao invés, no entendimento do assistente/recorrente e do Exmo. PGA junto desta Relação, a simples menção do nome do arguido na acusação não a torna manifestamente infundada.
Apreciando, desde já adiantamos que, a nosso ver e face aos demais elementos que constam do processo, a razão está do lado do assistente/recorrente e do Exmo. PGA.
Vejamos, então.
Decorre da leitura do art. 311º, n.º 2, al. a) do Código de Processo Penal[1] que, se o processo tiver sido remetido para julgamento sem ter havido instrução, o presidente despacha no sentido de rejeitar a acusação, se a considerar manifestamente infundada.
Considera-se que a acusação é manifestamente infundada, nos termos da alínea a) do n.º 3 do art. 311º do CPP, quando não contenha a identificação do arguido.
Entendeu o tribunal a quo que a acusação é manifestamente infundada, alicerçado no argumento de que, “no que ao crime de injúria e difamação respeita (…,) o assistente B… deduziu a acusação particular de fls. 55 e seguintes, dela fazendo constar na identificação do arguido, apenas, C….
Lendo a acusação, corresponde efectivamente à verdade que a acusação apenas identifica o arguido pelo nome “C…”.
Todavia, salvo o muito devido respeito por opinião contrária, o arguido está, ainda que incompletamente, identificado. A acusação não foi deduzida contra um arguido inominado ou incerto…foi contra C….
É certo que em tal libelo acusatório não constam todos os seus demais elementos ou indicações tendentes à identificação completa do arguido, pois falta-lhe, por exemplo, a indicação da sua filiação, da data de nascimento, do estado civil, da profissão, do estado civil, do local de residência, etc…elementos esses que aquando do início da audiência de julgamento, o juiz presidente pergunta ao arguido a fim de proceder à sua identificação (cfr. artigo 342º nº 1 do CPP).
Porém, mesmo que na acusação faltem essas, ou algumas dessas, indicações tendentes à completa identificação do arguido, nada impede que o juiz questione a pessoa que tem perante si, como arguido, acerca dos elementos identificativos em falta e os tenha em consideração, mais tarde, aquando da elaboração da sentença. Com efeito, repare-se no artigo 374º do CPP, que tem por epígrafe “Requisitos da sentença”, no seu nº 1 a) dispõe que:
1 – A sentença começa por um relatório, que contém:
a) As indicações tendentes à identificação do arguido;”
Regressando à acusação particular dos autos que a Sra. Juíza decidir rejeitar, importa também referir que já o artigo 283º nº 3 a) do CPP referente à acusação do Ministério Público (normativo que, por força do que estabelece o nº3 do artigo 285º do mesmo diploma, tem aplicação ao assistente no caso deste formular acusação particular) estipula que a acusação contém, sob pena de nulidade, “as indicações tendentes à identificação do arguido”. Ou seja, salvo o muito devido respeito por opinião contrária, se com a simples menção do nome do arguido (ainda que incompleto, digamos) a acusação particular não estaria ferida de nulidade, por idêntica razão, ou mesmo até por maioria de razão, não haveria argumentos no sentido de poder vir a ser considerada como manifestamente infundada em virtude do arguido apenas ter sido nela identificado pelo respectivo nome (repare-se que que a alínea a) do nº 3 do artigo 311º restringe aos casos em que a acusação “não contenha a identificação do arguido“.
Para além disso, importa ainda realçar que dos autos, e em momento prévio ao despacho recorrido, já constavam outros elementos tendentes à identificação completa do arguido que a Sra. Juíza não podia, de todo, ignorar.
Com efeito, compulsados os autos, desde logo no Auto de Denúncia de fls. 3 a 5, o (entretanto constituído) assistente apenas imputou factos a uma única pessoa e apresentou queixa contra essa uma única pessoa que ali identificou como sendo “um indivíduo que sabe chamar-se C…, residente na Travessa … – …. - … – Paços de Ferreira”.
Também parecem não surgir quaisquer dúvidas que a única pessoa que, nos autos, foi formalmente constituída como arguido e que prestou termo de identidade e residência (cfr. documento de “Constituição de Arguido”, de fls. 67, e os dois documentos de “Termo de Identidade e Residência”, de fls. 68 e de fls. 73) foi a pessoa contra quem o assistente veio a deduzir a acusação particular em causa e que tem como residência a mesma que o assistente havia referido aquando da apresentação daquela queixa.
De tal acusação particular – e o despacho recorrido não o nega - consta expressamente o nome do arguido, ainda que abreviado. Mas essa mesma abreviatura do nome também resulta aposta na assinatura que o mesmo exarou aquando da sua constituição de arguido ou aquando da prestação do primeiro TIR.
Não constituindo, o nome, naturalmente, a identificação completa do arguido (que, como referimos prestou TIR – a fls. 68 e a fls. 73 – e foi formalmente constituído nessa qualidade – fls. 67 – documentos em são indicados os seus demais elementos identificativos), os restantes elementos/documentos acabados de referir traduzem-se em indicações suficientes tendentes à completude da respectiva identificação.
Não existe, assim, fundamento para a rejeição da acusação por falta de identificação do arguido porquanto, apesar de na mesma não constar a identificação completa do arguido, nela figura o nome do arguido.
Aliás, em sentido idêntico ao que defendemos, perante situações similares, podem ver-se, entre outros, os seguintes acórdãos (todos publicados in www.dgsi.pt), assim sumariados:
- Acórdão da Relação de Coimbra de 03-12-2003 (Proc nº 3444/03, Relator Jorge Dias):
“I - Constando da acusação e como identificação do arguido, unicamente o seu nome, verifica-se uma insuficiência das indicações tendentes à identificação do arguido, que deve ser suprida, nomeadamente através de consulta de outros elementos dos autos.
II – Pelo que não é motivo de rejeição da acusação, por falta de identificação do arguido.
III - Apenas se deve rejeitar a acusação, quando não há arguido, ou seja, a omissão completa da sua identificação.”

- Acórdão da Relação de Coimbra de 14-06-2006 (Proc nº 1008/06, Relator Luis Ramos):”
“1-Só a ausência total de identificação ou a indicação insuficiente de sinais tendentes ao reconhecimento inequívoco do arguido pode desencadear a rejeição da acusação por manifesta improcedência.
2- A simples indicação do nome do cidadão, que prestou TIR e foi interrogado no processo, não é motivo de rejeição da acusação, pois não ficam quaisquer dúvidas sobre a pessoa a quem ela se dirige.”

- Acórdão da Relação do Porto, de 29-11-2006 (Proc. 0614418, Relator Guerra Banha):
“Não constitui causa de rejeição da acusação, mas simples irregularidade, a identificação do arguido nessa peça processual com a mera indicação do seu nome, com ou sem remissão para outras peças do processo.”

- Acórdão da Relação do Porto, de 20-12-2006 (Proc. 0615408, relator Joaquim Gomes):
“Não constitui causa de rejeição da acusação, mas simples irregularidade, a identificação do arguido nessa peça processual apenas com a mera indicação do seu nome, com ou sem remissão para outras peças.”

- Acórdão da Relação de Évora, de 11-10-2011 (proc. nº 69/10.0GBVVC.E1, Relator Sénio Alves):
“Não é manifestamente infundada, nos termos do artº 311°, nº 3, aI. a) do CPP, a acusação onde o arguido esteja identificado pelo seu nome e, por remissão para o auto de denúncia, pela sua residência.”

A acrescer a estes acórdãos ainda se pode mencionar o, quiçá ainda mais arrojado, Acórdão da Relação do Porto, de 30-05-2012 (Proc. nº 69/11.2PSPRT.P1, relator Álvaro Melo) em que, perante uma acusação particular onde nem sequer figurava o nome do arguido, foi consignado o seguinte:
“A acusação contém as indicações tendentes à identificação do arguido quando menciona “o arguido, melhor identificado nos autos…”, se, no inquérito, existiu apenas um denunciado, entretanto constituído arguido, cujos elementos de identificação foram introduzidos nos autos, pelo que nunca houve qualquer dúvida acerca da sua identidade.”

E em reforço do por nós defendido, como se afirma no já mencionado acórdão desta Relação do Porto de 20.10.2012, “Os principais argumentos que suportam esta posição podem-se resumir nos seguintes:
- a acusação deve em regra ser auto-suficiente, devendo, por isso e entre outras coisas, conter a identificação completa do arguido, pelo que para além do seu nome, deve constar a indicação dos outros elementos essenciais, tal como se refere no citado art. 283.º, n.º 3, al. a), com referência aos art. 141.º, n.º 3 e 342.º;
- a razão de ser da exigência legal sobre a identificação o mais completa possível do arguido, prende-se com as garantias constitucionais dos seus direitos de defesa, de modo a não deixar dúvidas sobre a pessoa concreta que está a ser acusada e poderá vir ser sujeita a julgamento;
- a indicação apenas do seu nome corresponde a uma mera irregularidade, que deve considerar-se sanada se não for invocada por quem tem legitimidade para isso e no momento próprio, nos termos previstos no art. 123.º;
- a acusação só será manifestamente infundada, para efeitos de rejeição, por omissão total da identificação do arguido, ou seja, quando nem sequer o seu nome é mencionado, gerando a nulidade do respectivo libelo;
- a rejeição nos casos em que falta a identificação completa do arguido, mas onde consta o seu nome, criaria um desproporcionado obstáculo ao direito de acesso ao direito, contemplado no art. 20.º, n.º 1 da C. Rep.

Voltando ao caso sub judice, não temos dúvidas em afirmar que a imposição legal da indicação dos elementos tendentes à identificação do arguido não se mostra cumprida na perfeição. Longe disso. Contudo, como também referimos, também não é menos certo que tendo o arguido C… sido constituído nessa qualidade e tendo prestado TIR, dúvidas também não podem restar de que é contra ele próprio que a acusação se dirige, assim se impondo reconhecer que objectivo visado pela lei foi alcançado.
Assim sendo, uma vez que só a ausência total de identificação do arguido (ou a indicação insuficiente de sinais tendentes ao reconhecimento inequívoco do arguido no processo) poderia ter gerado a nulidade prevista no art.º 283º nº 3 alínea a), ex vi do art.º 285º nº 3, e, consequentemente, poderia ter desencadeado a rejeição da acusação por manifestamente infundada ao abrigo do art.º 311º n.ºs 2 al. a) e 3 a) do CPP, mal andou o tribunal a quo ao decidir no sentido em que o fez.
Face a tudo o explanado, é de concluir que a acusação deduzida pelo assistente, embora deficiente quanto à identificação completa do arguido, não deve, por esse fundamento, ser rejeitada.
Impõe-se, pois, dar provimento ao recurso interposto pelo assistente.
III. DISPOSITIVO
Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação do Porto em, concedendo provimento ao recurso interposto pelo assistente, revogar o despacho recorrido, o qual deve ser substituído por outro que, se nenhum outro motivo de rejeição existir, receba a acusação deduzida pelo assistente, no que respeita aos crimes de injúria e difamação e admita liminarmente o correspondente pedido de indemnização civil, designando data para a realização de audiência de julgamento, assim prosseguindo o processo os demais trâmites legais.
Sem tributação.
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(Elaborado em computador e revisto pelo relator, o primeiro signatário - art. 94º nº 2 do Código de Processo Penal)
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Porto, 11 de Outubro de 2017
Luís Coimbra
Maria Ermelinda Carneiro
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[1] Diploma a que se reportarão as demais disposições citadas sem menção de origem ou apenas com a sigla CPP.