CONTRATO DE LOCAÇÃO FINANCEIRA
PROVIDÊNCIA CAUTELAR
APREENSÃO
ENTREGA JUDICIAL DE BEM
VEÍCULO AUTOMÓVEL
ANTECIPAÇÃO DE JUÍZO SOBRE A CAUSA PRINCIPAL
CADUCIDADE DA PROVIDÊNCIA CAUTELAR
Sumário

I - Nos termos do nº 7, do art. 21º do DL 149/95, de 24/6, na redacção introduzida pelo DL 30/2008, de 25/2, “decretada a providência cautelar, o tribunal ouve as partes e antecipa o juízo sobre a causa principal, excepto quando não tenham sido trazidos ao procedimento, nos termos do nº 2, os elementos necessários à resolução definitiva do caso”.
II - Em face da apontada redacção do nº 7, do art. 21º, do DL 149/95, de 24-6, manifesto é que conferiu o legislador ao julgador a faculdade de decidir a causa logo no próprio procedimento cautelar, antecipando neste mesmo processo a resolução definitiva do litígio .
III- É que, para o legislador, não se justificando a obrigatoriedade de intentar uma acção declarativa apenas para prevenir a caducidade de uma providência cautelar requerida por uma locadora financeira ao abrigo do disposto no art 21º do DL 149/95 de 24/6 , com a nova redacção introduzida evitava-se “ (…) assim a existência de duas acções judiciais – uma providência cautelar e uma acção principal – que materialmente têm o mesmo objecto: a entrega do bem locado “.
IV- Destarte, apenas num caso o tribunal poderá obstar ao prosseguimento dos autos para a decisão sobre o juízo antecipado da causa : quando, justificadamente, entender que o procedimento cautelar não reúne os elementos necessários e indispensáveis para tal, contando-se, então, a partir da notificação desta decisão, o prazo para a propositura da acção principal.

Texto Integral

Acordam os Juízes do Tribunal  da Relação de Lisboa:

A ( BANCO …,SA.) , com sede na …, Porto, intentou, nas Varas Cíveis de Lisboa, contra B,  residente em …., Gafanha da Nazaré, uma providência  cautelar de entrega judicial (nos termos do artigo 21º do Decreto-Lei nº 149/95, de 24 de Junho, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº 265/97, de 2 de Outubro e pelo Decreto-Lei nº 30/2008, de 25 de Fevereiro), pedindo a entrega judicial do veículo automóvel de marca Ford, modelo  Focus C-Max 1.6 TDCI, com a matrícula 00-CV-00.
A Requerida foi regularmente citada e apresentou oposição nos termos constantes de  fls. 47-52, pugnando pela improcedência da providência.
Realizada a audiência final, veio a ser proferida sentença (datada de 23/9/2010) que  decretou a entrega judicial requerida e, consequentemente, ordenou a imediata apreensão e  entrega do veículo automóvel de marca Ford, modelo Focus C-Max 1.6 TDCI, com a matrícula 00- CV-00.
Efectuada a apreensão do veículo em causa (o que ocorreu em 24/1/2011: cfr. o Auto  de apreensão de veículo constante de fls. 121), foi a mesma notificada à Requerente (com envio de  certidão para efeitos de efectivação do concernente registo) em 18/2/2011 (cfr. fls. 123).
Em 21/2/2011, foi proferido despacho ordenando que a Requerente fosse notificada  para, em 5 dias, esclarecer se já fora intentada a acção principal (cfr. fls. 125).
Dado que a Requerente se quedou pelo silêncio, nada tendo vindo informar, foi proferido novo despacho, em 6/4/2011, mandando notificar uma vez mais a Requerente para prestar a aludida informação, “sob pena de caducidade da providência” (cfr. fls. 127).
Em 26/4/2011, a Requerente veio aos autos informar que, nos termos do art. 21º,  nº 7, do Decreto-Lei nº 149/95, de 24 de Junho (na redacção do Decreto-Lei nº 30/2008, de 25 de  Fevereiro), estava dispensada de intentar a acção principal, incumbindo ao tribunal, depois de  ouvidas as partes, antecipar o juízo sobre a causa principal.
Foi então proferido, com data de 28/4/2011, um Despacho do seguinte teor:
“Vistos os autos, a antecipação do juízo da causa principal só tem lugar quando pedido pela Requerente.
O que não aconteceu no caso vertente.
Desta forma, incumbe à Requerente propor a acção principal, sob pena de caducidade da providência.
Nestes termos, notifique, de novo, a Requerente para, em 5 dias, esclarecer se já propôs a acção principal, sob pena de caducidade da providência decretada”.
Notificada do teor deste Despacho de 28/4/2011, a Requerente remeteu-se ao  silêncio, nada tendo vindo requerer ou informar.
Em 13/5/2011, foi proferido um Despacho a declarar caduca a providência cautelar decretada, nos termos do artigo 389º, nº 1, al. a), do Código de Processo Civil, visto se mostrarem esgotados os prazos legais de propositura da acção principal sem que haja notícia da sua  propositura.
Inconformada com este Despacho, a Requerente A interpôs recurso do mesmo – o qual foi recebido como Apelação, com subida imediata, no próprio procedimento e com efeito suspensivo (nos termos dos arts. 691º, nº 1 e nº 5,  691º-A, nº 1, al. d) e 692º, nº 3, al. d), todos do CPC) -, tendo formulado, a rematar as suas Alegações, as seguintes conclusões:
“1.Nos termos do disposto no nº 7 do artigo 21º do Decreto-Lei nº 149/95, na redacção vigente, e inteiramente aplicável ao caso sub judice, «Decretada a providência cautelar, o tribunal ouve as partes e antecipa o juízo sobre a causa principal, excepto quando não tenham sido trazidos ao procedimento, nos termos do nº 2, os elementos  necessários à resolução definitiva do caso»
2. O requerente da Providência Cautelar, não tinha assim de intentar acção principal, não implicando a falta desta a caducidade da providência, como decretado.
Nestes termos, deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se o despacho recorrido, com todas as consequências legais, nomeadamente a  manutenção da Providência decretada, porque só assim se fará JUSTIÇA.”
Não foram apresentadas contra-alegações, por parte da Requerida B.
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
No caso sub judice, das conclusões da alegação de recurso apresentada pela Requerente do procedimento cautelar e ora Apelante que o objecto da presente Apelação está circunscrito a uma única questão:
1) Se, no procedimento cautelar nominado previsto e regulado no artigo 21º do Decreto-Lei nº 149/95, de 24 de Junho, o locador requerente está sempre dispensado do ónus de  propor a acção principal, ex vi do disposto no nº 7 do mesmo preceito (introduzido pelo Decreto-Lei nº 30/08, de 25 de Fevereiro), mesmo que ele não tenha solicitado a antecipação da decisão definitiva ?
O tribunal “a quo” fundamentou nos seguintes termos a sua decisão de declarar caduca a providência cautelar decretada, nos termos do artigo 389º, nº 1, al. a), do Código de Processo , “  A , com sede na …, Porto, intentou providência de entrega judicial contra B, residente em Avenida …, Gafanha da Nazaré, pedindo a entrega judicial do veículo automóvel de marca Ford, modelo Focus C-Max 1.6 TDCI, com  a matrícula 00-CV-00.
Por decisão de 23/09/2010, a fls. 86-108 pp, foi decretada a providência requerida.
A mesma foi efectuada.
Apreciando e decidindo.
Dispõe o 389.º n.º 1 alínea a) e n.º 2 do Código Processo Civil que:
"1. O procedimento cautelar extingue-se e, quando decretada, a providência caduca:
a) Se o requerente não propuser a acção da qual a providência depende dentro de 30 dias, contados da data em que lhe tiver sido notificada a decisão que a tenha ordenado, sem prejuízo do disposto no n.º 2;
(...).
2. Se o requerido não tiver sido ouvido antes do decretamento da providência, o prazo para a propositura da acção de que aquela depende é de 10 dias  contados da notificação ao requerente de que foi efectuada ao requerido a notificação  prevista no n.º 5 do artigo 385.º".
Assim sendo, esgotados os prazos legais de propositura da acção principal sem  que haja notícia da sua propositura, é de declarar a caducidade da providência:
Nos termos e pelos fundamentos expostos, declaro a caducidade da providência cautelar decretada.
Custas pela Requerente.
Registe.
Notifique.»
Do mérito da Apelação
Há assim que apreciar do mérito do recurso que, como já referimos,  está circunscrito a saber se no procedimento cautelar nominado previsto e regulado no  artigo 21º do Decreto-Lei nº 149/95, de 24 de Junho, o locador requerente está sempre  dispensado do ónus de propor a acção principal, ex vi do disposto no nº 7 do mesmo  preceito (introduzido pelo Decreto-Lei nº 30/08, de 25 de Fevereiro), mesmo que ele não tenha solicitado a antecipação da decisão definitiva.
Refere a  recorrente que a presente providência cautelar foi intentada ao abrigo do DL nº 149/95, de 24 de Junho, na redacção que lhe foi dada pele Decreto-Lei nº 32/2008, de 25 de Fevereiro, que institui regime especial aplicável no âmbito do regime jurídico da locação financeira.
E que o nº 7 do artº 21º dos aludidos diplomas obriga o Tribunal a antecipar o juízo sobre a causa principal, em consonância com a intenção expressa pelo Legislador nessa matéria de “se evitar assim a existência de duas acções judiciais uma providência cautelar e uma acção principal - que materialmente, têm o mesmo objecto: a entrega do bem locado.
Afigura-se-nos que a razão está do lado da apelante.
Estamos na presença dum contrato de locação financeira mobiliária, datado de 25.1.2007.
Dispõe o artº 21º do DL 149/95, de 24-6 (com as alterações introduzidas pelos DL 265/97, de 2-10; DL 285/2001, de 3-11 e DL 30/2008, de 5-2) que:
1 - Se, findo o contrato por resolução ou pelo decurso do prazo sem ter sido exercido o direito de compra, o locatário não proceder à restituição do bem ao locador, pode este requerer ao tribunal providência cautelar consistente na sua entrega imediata ao requerente e no cancelamento do respectivo registo de locação financeira, caso se trate de bem sujeito a registo.
2 - Com o requerimento, o locador oferece prova sumária dos requisitos previstos no número anterior, excepto o do pedido de cancelamento do registo, ficando o tribunal obrigado á consulta do registo, a efectuar, sempre que as condições técnicas o permitam, por via electrónica.
(…)
7 - Decretada a providência cautelar, o tribunal ouve as partes e antecipa o juízo sobre a causa principal, excepto quando não tenham sido trazidas ao procedimento, nos termos do nº 2, os elementos necessários à resolução definitiva do caso.
(…)
Efectivamente, este tipo de providência cautelar (entrega judicial do bem locado) teve em vista enfrentar as situações de periculum in mora decorrentes do incumprimento dos contratos de locação financeira por parte dos locatários e que não são compatíveis com a natural morosidade da justiça (devido aos princípios que a regem, como por exemplo o do contraditório e o direito de recurso) nem com a bom funcionamento da economia.
O Legislador, neste particular, foi mais longe, na redacção dada pelo DL 30/2008, de 25-2 ao nº 7, do art. 21º, do DL 149/95, de 24-6, dando ao julgador a faculdade de decidir a causa no próprio procedimento cautelar, antecipando nesse processo a resolução definitiva do litígio.
Dispõe o referido nº 7 do art 21º do DL 149/95 de 24/6 (na redacção do DL 30/2008 de 25/2): «Decretada a providência cautelar, o tribunal ouve as partes e antecipa o juízo sobre a causa principal, excepto quando não tenham sido trazidos ao procedimento, nos termos do nº 2, os elementos necessários à resolução definitiva do caso».
Pretendeu o legislador que ainda no âmbito do próprio procedimento cautelar, se proceda à «resolução definitiva do caso», explicando-se no preâmbulo do referido DL 30/2008 que se «permite ao juiz decidir da causa principal após decretar a providência cautelar da entrega do bem locado, extinguindo-se a obrigatoriedade de intentar uma acção declarativa apenas para prevenir a caducidade de uma providência cautelar requerida por uma locadora financeira ao abrigo do disposto no art 21º do DL 149/95 de 24/6 (…) evita-se assim a existência de duas acções judiciais – uma providência cautelar e uma acção principal – que materialmente têm o mesmo objecto: a entrega do bem locado».
É evidente, sendo confessado nesse mesmo preâmbulo, que o objectivo de tal medida se prende com «o descongestionamento do sistema judicial», «no sentido de evitar acções judiciais desnecessárias», numa área de enorme litigância judicial como o é a da locação financeira enquanto instrumento preferencial de financiamento das pequenas e médias empresas as mais das vezes descapitalizadas. Cfr Ac RL 20/5/2010, (Carlos Valverde), acessível em www dgsi pt. 
 Ora, se o objectivo do Legislador era evitar a acção principal, não se compreende que se invoque o prazo de caducidade previsto no artº 389º nº 1 a) do CPC, excepto quando dos autos não constem os elementos necessários à resolução definitiva do caso e o requerente seja notificado nesse sentido.
Assim, só pode admitir-se que o procedimento cautelar em apreço se convole por força da lei em processo adequado para conhecer em definitivo do direito do locador a ver restituído o bem.
Sobre  esta matéria, e no mesmo sentido, já foi proferido acórdão nesta mesma secção votado pela signatária e que fez vencimento, sendo relator o Desembargador Afonso Henrique-Recurso de Apelação 2732/10.6TBTVD.L1.


DECISÃO
Pelos fundamentos expostos acordam em revogar o despacho em recorrido, devendo os autos prosseguir em conformidade com o disposto no artº 21º nº7 DL 149/95, de 24-6 (redacção introduzida pelo Decreto-Lei nº 30/2008, de 25/02).
Sem custas.

Lisboa, 9 de Novembro de 2011

Maria do Rosário Barbosa  (1ª Adjunta)
Maria do Rosário Gonçalves (2ª Adjunta)
Rui Torres Vouga ( Relator vencido)


Projecto do Relator que não obteve vencimento
“ (…)
O  OBJECTO  DO  RECURSO
Como se sabe, sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio, é pelas conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintéctica, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 690º, nº 1, do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem [1] [2].
(…)
No caso sub judice, emerge das conclusões da alegação de recurso apresentada pela Requerente do procedimento cautelar e ora Apelante que o objecto da presente Apelação está circunscrito a uma única questão:
1) Se, no procedimento cautelar nominado previsto e regulado no artigo 21º do Decreto-Lei nº 149/95, de 24 de Junho, o locador requerente está sempre dispensado do ónus de propor a acção principal, ex vi do disposto no nº 7 do mesmo preceito (introduzido pelo Decreto-Lei nº 30/08, de 25 de Fevereiro), mesmo que ele não tenha solicitado a antecipação da decisão definitiva ?
A  DECISÃO  RECORRIDA
O tribunal “a quo” fundamentou nos seguintes termos a sua decisão de declarar caduca a providência cautelar decretada, nos termos do artigo 389º, nº 1, al. a), do Código de Processo Civil:
(…)
O  MÉRITO  DO  RECURSO
1) Se, no procedimento cautelar nominado previsto e regulado no artigo 21º do Decreto-Lei nº 149/95, de 24 de Junho, o locador requerente está sempre dispensado do ónus de propor a acção principal, ex vi do disposto no nº 7 do mesmo preceito (introduzido pelo Decreto-Lei nº 30/08, de 25 de Fevereiro), mesmo que ele não tenha solicitado a antecipação da decisão definitiva ?
O art. 383º, nº 1, do Código de Processo Civil consagra o princípio geral segundo o qual «O procedimento cautelar é sempre dependência da causa que tenha por fundamento o direito acautelado e pode ser instaurado como preliminar ou como incidente de acção declarativa ou executiva».
«Constituindo a providência cautelar a antecipação duma providência definitiva, de natureza declarativa ou executiva, o procedimento que visa a sua obtenção está sempre na dependência duma acção em que o autor faz valer o direito – ou o interesse tutelado – que através dele visa acautelar»[3]. «Essa acção tem, na grande maioria dos casos, natureza declarativa, mesmo quando a providência cautelar pretendida antecipa uma providência de natureza executiva (arresto, arrolamento ou outra apreensão), a ter lugar após a obtenção, na acção declarativa, duma sentença de mérito favorável, que constitui o título da futura execução»[4]. «Mas pode ser uma acção executiva, como a nova redacção do preceito do nº 1 [deste art. 383º] deixou claro»[5].
«O procedimento cautelar pode ser instaurado antes de proposta a acção de que dependa ou já na sua pendência»[6]. «No primeiro caso, é preliminar da acção, a propor, sob pena de caducidade da providência que nele seja ordenada, no prazo indicado no art. 389º, nºs 1-a e 2; no segundo, diz o nº 1 [do cit. art. 383º] que constitui um seu incidente»[7].
Desde que «as providências cautelares estão necessariamente dependentes de uma acção pendente ou a instaurar posteriormente, acautelando ou antecipando provisoriamente os efeitos da providência definitiva, na pressuposição de que será favorável ao requerente a decisão a proferir no processo principal»[8], «os efeitos de qualquer providência estão dependentes do resultado que for conseguido na acção definitiva e caducam se a acção não for instaurada, se esta for julgada improcedente ou se o direito tutelado se extinguir (art. 389º)»[9].
Porém, esta dependência necessária do procedimento cautelar relativamente a uma acção ou execução já pendente ou a instaurar posteriormente «não é um dogma que impeça diversa solução, a qual está instalada em sistemas jurídicos bem próximos do nosso»[10] [11].
Entre nós, o art. 16º do Decreto-Lei nº 108/06, de 8 de Junho – que institui o denominado Processo Civil Experimental – veio, pela primeira vez no nosso ordenamento jurídico-processual, introduzir a possibilidade de o juiz decidir imediatamente a causa no próprio procedimento cautelar, evitando a propositura da acção de que o procedimento é instrumental, ao estatuir que: «Quando tenham sido trazidos ao procedimento cautelar os elementos necessários à resolução definitiva do caso, o tribunal pode, ouvidas as partes, antecipar o juízo sobre a causa principal.».
No domínio do procedimento cautelar nominado de Entrega Judicial de Bem Locado previsto e regulado no artigo 21º do Decreto-Lei nº 149/95, de 24 de Junho, o Decreto-Lei nº 30/08, de 25 de Fevereiro, veio também introduzir a possibilidade de a causa principal ser imediatamente decidida no próprio procedimento cautelar, sem necessidade de ser proposta a acção de que o procedimento é instrumental, ao aditar àquele artigo 21º um nº 7 do seguinte teor:
«7. Decretada a providência cautelar, o tribunal ouve as partes e antecipa o juízo sobre a causa principal, excepto quando não tenham sido trazidos ao procedimento, nos termos do nº 2, os elementos necessários à resolução definitiva do caso».
Diz-se - no preâmbulo do já referido Decreto-Lei n.º 30/2008 de 25 de Fevereiro (que conferiu ao n.º 7 do art.º 21.º do DL 149/95 de 24/6, a sua actual redacção) - que:
«[…] permite-se ao juiz decidir a causa principal após decretar a providência cautelar de entrega do bem locado, extinguindo-se a obrigatoriedade de intentar uma acção declarativa apenas para prevenir a caducidade de uma providência cautelar requerida por uma locadora financeira ao abrigo do disposto no artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 149/95, de 24 de Junho, alterado pelos Decreto-Leis n.ºs 265/97, de 2 de Outubro, e 285/2001, de 3 de Novembro. Evita-se assim a existência de duas acções judiciais — uma providência cautelar e uma acção principal — que, materialmente, têm o mesmo objecto: a entrega do bem locado
Assim sendo, não é aplicável ao requerente deste procedimento cautelar o ónus de intentar uma acção declarativa com vista à confirmação da decisão proferida no procedimento cautelar, decorrente do disposto no artigo 389º do CPC, se for aplicável ao procedimento cautelar em questão o disposto no cit. n.º 7 do artigo 21º do Decreto – Lei 149/95, com a alteração introduzida pelo artigo 1º do Decreto-Lei nº 30/2008, de 24/02.
Dito isto, «nada impede, porém, que o requerente apenas se limite a pedir que seja decretada a providência e ordenada a entrega imediata do bem locado, sem que seja antecipado o juízo da causa final quanto ao contrato de locação financeira, através do qual se permitiu a utilização do bem cuja entrega se requer» - cfr., explicitamente neste sentido, o Acórdão desta Relação de 6/5/2010 (Processo nº 4460/08.3TBOER.L1-6; Relator – GRANJA DA FONSECA), cujo texto integral pode ser acedido, via Internet, no sítio www.dgsi.pt.
Foi precisamente isso que ocorreu no caso dos autos, em que a Requerente do procedimento cautelar e ora Apelante afirmou, explicitamente, logo no cabeçalho do seu requerimento Inicial, que vinha requerer PROVIDÊNCIA CAUTELAR DE ENTREGA JUDICIAL, nos termos e para os efeitos dos artigos 381º e seguintes do C.P.C., e como preliminar da competente acção (sic).
Por outro lado, em coerência com esta declaração preambular, a Requerente fez questão de realçar,  no termo do seu Requerimento Inicial (artigo 20º), que: «As providências cautelares, por força das disposições dos artigos 381º a 384º do C.P.C., são sempre dependência de uma causa que tenha por fundamento o direito a acautelar e podem instaurar-se como preliminar ou incidente da acção
Perante um Requerimento Inicial deste teor, o Tribunal “a quo” não podia, sob pena de infringir directamente o princípio do pedido consagrado no art. 3º, nº 1, do CPC (“O tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a acção pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja devidamente chamada para deduzir oposição”), afoitar-se a antecipar o juízo da causa final quanto ao contrato de locação financeira, através do qual se permitiu a utilização do bem cuja entrega lhe foi  requerida a título cautelar, fazendo assim tábua rasa da vontade inequívoca da Requerente do procedimento cautelar, expressamente manifestada nos autos.
Por outro lado, independentemente da vontade manifestada pela Requerente do procedimento cautelar no sentido da não antecipação do juízo da causa final quanto ao contrato de locação financeira em questão, a Requerente ora Apelante deixou transitar em julgado um despacho no qual o tribunal “a quo”, acertada ou erroneamente, consignou expressamente o seu entendimento de que, na ausência dum pedido expresso de antecipação da decisão da causa principal, não havia lugar a essa antecipação, pelo que, caso a Requerente não intentasse a acção principal, a providência cautelar de entrega do veículo objecto do contrato de locação financeira em causa, seria, pura e simplesmente, declarada caduca, nos termos da disposição geral contida no art. 389º, nº 1, al. a), do CPC.
Efectivamente, está provado que, perante o requerimento da Requerente ora Apelante de 26/4/2011 – no qual esta sufragou a tese de que estava dispensada de intentar a acção principal, porquanto incumbiria ao tribunal, depois de ouvidas as partes, antecipar o juízo sobre a causa principal (nos termos do art. 21º, nº 7, do Decreto-Lei nº 149/95, de 24 de Junho, na redacção do Decreto-Lei nº 30/2008, de 25 de Fevereiro) -, o tribunal “a quo” proferiu um Despacho, datado de 28/4/2011, do seguinte teor:
“Vistos os autos, a antecipação do juízo da causa principal só tem lugar quando pedido pela Requerente.
O que não aconteceu no caso vertente.
Desta forma, incumbe à Requerente propor a acção principal, sob pena de caducidade da providência.
Nestes termos, notifique, de novo, a Requerente para, em 5 dias, esclarecer se já propôs a acção principal, sob pena de caducidade da providência decretada”.
Confrontada com um despacho deste teor, a Requerente não podia  – como fez – remeter-se ao silêncio, nada tendo vindo requerer ou informar, tendo antes o ónus de interpor imediatamente recurso do mesmo, em ordem a obstar ao respectivo trânsito em julgado.
Não o tendo feito, o aludido despacho datado de 28/4/2011 transitou em julgado.
Assim sendo, aqueloutro Despacho ulterior, datado de 13/5/2011, que veio a declarar caduca a providência cautelar decretada, nos termos do artigo 389º, nº 1, al. a), do Código de Processo Civil, visto se mostrarem esgotados os prazos legais de propositura da acção principal sem que haja notícia da sua propositura - que constitui o objecto do presente recurso – não constitui senão o mero corolário do antecedente despacho de 28/4/2011, no qual o tribunal “a quo” decidiu que, in casu, não havia alugar à antecipação do juízo da causa principal, por tal não haver sido pedido pela Requerente do procedimento cautelar.
Numa hipótese similar à dos presentes autos, o cit. Acórdão desta Relação de 6/5/2010  (de que foi Relator o então ainda Desembargador GRANJA DA FONSECA) também considerou que:
«5 – (…) ainda que tenha sido pedida a antecipação do juízo da causa final quanto ao contrato de locação financeira, se o Tribunal a quo, ao abrigo do disposto no artigo 234º-A, n.º 1 CPC, ex vi artigo 234º, n.º 4, alínea b) do mesmo diploma, se pronunciar expressamente, quanto à pretensão da requerente, concluindo que entre o pedido de apreensão e entrega da fracção autónoma e o pagamento de quantias monetárias não há qualquer relação de instrumentalidade, pelo que, entendendo verificar-se a excepção dilatória de falta de instrumentalidade, indeferir liminarmente o pedido de antecipação do juízo sobre a causa principal quanto ao pagamento das quantias monetárias, prosseguindo os autos apenas quanto à medida cautelar requerida de apreensão e entrega imediata da fracção, essa decisão, se não for impugnada, transita em julgado.
6 - Aceitando, como aceitou a recorrente esta decisão, tudo se passa como se o pedido de antecipação do juízo sobre a causa principal não existisse.
7 - Consequentemente, tendo sido decretada a providência cautelar da entrega da fracção autónoma, acima mencionada, a providência caduca, se o requerente não houver proposto a acção da qual a providência depende dentro de 30 dias, contados da data em que lhe foi notificada a decisão que a ordenou, uma vez que a requerida foi ouvida antes do decretamento da providência (artigos 389º e 385º, n.º 6 CPC).
8 – Não tendo sido impugnada a decisão que indeferiu liminarmente o pedido de antecipação do juízo sobre a causa principal, a recorrente carece de fundamento para poder impugnar o despacho que determinou a caducidade do procedimento, invocando agora que o aludido despacho contraria frontalmente a letra e o espírito da lei, nomeadamente o disposto no artigo 21º do aludido regime, deste fazendo tábua rasa, aplicando lei geral em completa oposição com o disposto em lei especial inteiramente aplicável in casu».
Efectivamente, desde o momento que transita em julgado uma decisão na qual o tribunal de 1ª instância (fundada ou infundadamente) recusa expressamente a antecipação do juízo sobre a causa principal, não resta ao requerente do procedimento cautelar senão propor imediatamente a acção principal, sob pena de ver caducar a providência cautelar que oportunamente foi decretada.
A esta luz, o Despacho ora Recorrido – ao declarar caduca a providência cautelar decretada, nos termos do artigo 389º, nº 1, al. a), do Código de Processo Civil, visto se mostrarem esgotados os prazos legais de propositura da acção principal sem que haja notícia da sua propositura – não merece qualquer censura, improcedendo, necessariamente, o recurso contra ele interposto pela Requerente do procedimento cautelar.
DECISÃO
Nestes termos, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a presente Apelação, confirmando integralmente a Decisão recorrida.
Custas a cargo da Apelante.
Rui Torres Vouga
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[1] Cfr., neste sentido, ALBERTO DOS REIS in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 362 e 363.
[2] Cfr., também neste sentido, os Acórdãos do STJ de 6/5/1987 (in Tribuna da Justiça, nºs 32/33, p. 30), de 13/3/1991 (in Actualidade Jurídica, nº 17, p. 3), de 12/12/1995 (in BMJ nº 452, p. 385) e de 14/4/1999 (in BMJ nº 486, p. 279).
[3] LEBRE DE FREITAS-MONTALVÃO MACHADO-RUI PINTO in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 2º, 2ª ed., 2008, p. 16.
[4] LEBRE DE FREITAS-MONTALVÃO MACHADO-RUI PINTO in ob. e vol. citt., pp. 16-17.
[5] LEBRE DE FREITAS-MONTALVÃO MACHADO-RUI PINTO in ob. e vol. citt., p. 17.
[6] LEBRE DE FREITAS-MONTALVÃO MACHADO-RUI PINTO in ob. e vol. citt., p. 18.
[7] LEBRE DE FREITAS-MONTALVÃO MACHADO-RUI PINTO, ibidem.
[8] ABRANTES GERALDES in “Temas da Reforma do Processo Civil”, III Vol, 3ª ed., Janeiro de 2004, p. 144.
[9] ABRANTES GERALDES, ibidem.
[10] ABRANTES GERALDES in ob. e vol. citt., p. 145, nota 222.
[11] ABRANTES GERALDES (in ob., vol. e loc. citt.) cita, a título exemplificativo, o instituto do “référé”, consagrado na França ou na Bélgica, o qual permite que a medida cautelar conserve os seus efeitos ainda que não seja seguida de acção principal. Por outro lado, ainda segundo o mesmo autor (ibidem), na Alemanha, a necessidade de instauração da acção principal depende de requerimento de uma das partes.