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CONTRATO DE CONSUMO
CONTRATO DE EMPREITADA
Sumário
I - A actual redacção do artigo 1.º-A, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 67/2003, permite abranger não apenas a empreitada de construção, mas também a empreitada de reparação ou modificação de imóveis. II - A aplicação deste específico regime pressupõe uma relação de consumo entre o dono da obra e o empreiteiro. Essa relação configura-se quando alguém destina a obra encomendada a um uso não profissional, sendo a obra executada por quem exerça com carácter profissional uma determinada actividade económica, onde se compreenda a realização da obra em causa, mediante remuneração. III - A qualificação do contrato como de empreitada de consumo depende do tipo de utilização das fracções que compõem o edifício constituído em propriedade horizontal. IV - Havendo da parte do empreiteiro reconhecimento de defeitos na execução da obra contratada, traduzido, nomeadamente, na realização de trabalhos de reparação desses defeitos, tal reconhecimento, para além de equivaler à denúncia, nos termos do n.º 2 do artigo 1220.º do Código Civil, tem um efeito impeditivo do decurso de um prazo de caducidade para a instauração da acção destinada a exigir, após a denúncia, a eliminação dos defeitos.
Texto Integral
Processo nº 392/13.1TVPRT.P1
Comarca do Porto
Porto – Inst. Central – 1.ª Secção Cível – J6
Relatora: Judite Pires
1ºAdjunto: Des. Aristides de Almeida
2ª Adjunta: Des. Inês Moura
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
I.RELATÓRIO.
1. Autora: Administração do Condomínio do Prédio sito na Rua ..., n.º .., no Porto Ré: B..., Lda. Interveniente Acessória: C..., Lda.
A autora Administração do Condomínio do Prédio sito na Rua ..., n.º .., no Porto (doravante Autora) intentou acção declarativa, sob o regime processual civil experimental (DL n.º 108/2006, de 08-06), contra a ré B..., Lda. (doravante Ré), formulando os seguintes pedidos:
(i) Declarar-se como defeitos de construção os factos invocados nos artigos 29.º a 50.º da petição inicial;
(ii) Condenar-se a Ré no pagamento à Autora do pedido de indemnização, pelos danos decorrentes do não cumprimento por parte da Ré e pelas despesas suportadas pela reparação dos defeitos de obra, na quantia de € 86.503,56;
(iii) Condenar-se a Ré a pagar os juros, à taxa legal, das quantias indicadas, desde a data em que a Ré foi citada para contestar até efectivo e integral pagamento.
Alegou a Autora, em síntese, que celebrou com a Ré, em 2003, um contrato de empreitada, tendo por objecto a realização por esta de uma obra de reabilitação do prédio constituído em propriedade horizontal do qual a Autora é administradora do respectivo condomínio.
A Ré realizou os trabalhos de empreitada contratados (com início em meados do ano de 2003 e termo no ano de 2005) e recebeu o preço acordado.
Acontece que, a partir do início de 2006, começaram a surgir gravíssimas patologias, por defeitos de construção, no aludido edifício, patologias que a Ré não logrou eliminar, não obstante as várias interpelações que lhe foram feitas pela Autora, as várias reuniões que realizaram, as tentativas de reparação que a Ré, sem êxito, levou a cabo e a aceitação da Ré em resolver os problemas, reconheceu até, em carta de Novembro de 2011, que todas as reparações devidas seriam corrigidas ao abrigo da garantia.
Mantendo-se a ausência de eliminação dos defeitos, a Autora interpelou a Ré, por notificação judicial avulsa, concedendo-lhe o prazo de 30 dias para definitivamente os eliminar, mas tal não aconteceu.
Em face da inércia da Ré e porque estavam em causa obras de reparação necessárias, urgentes e inadiáveis para assegurar o uso e fruição do prédio, a Autora teve de solicitar a um terceiro a realização de tais obras, no que despendeu a quantia de € 15.103,56, faltando realizar as restantes obras de eliminação dos defeitos, com o custo de € 71.400,00, cujo pagamento a Autora reclama da Ré.
Regularmente citada, a Ré apresentou contestação.
Em sede de excepção, no que agora releva, a Ré invocou a caducidade do direito da Autora (a excepção dilatória de nulidade de todo o processo por ineptidão da petição inicial foi julgada improcedente; a excepção dilatória de ilegitimidade activa foi julgada procedente, quanto ao pedido de ressarcimento do custo da reparação dos alegados defeitos verificados nas fracções autónomas de cada um dos condóminos).
Alegou, em síntese, que a entrega da obra ocorreu em 21/01/2004, data em que a obra foi aceite pela Autora e emitida a última factura, liquidada em 20/02/2004, sendo que a única reclamação ocorrida no período da garantia legal (Janeiro de 2004 a Janeiro de 2009), foi, como alega a Autora, em 2006 e houve eliminação de defeitos, verificando-se, pois, a caducidade.
Referiu que a obra foi entregue em 2004 e o primeiro facto interruptivo alegado pela Autora é a notificação judicial avulsa de Agosto de 2011, mais de 5 anos volvidos da entrega da obra, pelo que já havia caducado o direito da Autora exigir a eliminação.
Adiantou ainda que, muito embora se tenha comprometido a reparar todos os defeitos existentes ao abrigo da garantia, nunca reconheceu a existência concreta de quaisquer defeitos.
Alegou que sempre se disponibilizou para reparar defeitos que surgissem no prazo de garantia, mas a Autora tem vindo a reclamar difusamente defeitos, sem qualquer concretização prática, sempre após Janeiro de 2009.
Acrescentou que, a existirem defeitos, além de terem sido denunciados mais de um mês após o seu surgimento, decorreu mais de um ano desde a respectiva denúncia até à efectiva propositura da acção e consequente citação da Ré.
Alegou, por fim, que todos os “defeitos” referidos na notificação judicial avulsa eram, pela sua natureza, verificáveis na aceitação e pagamento da obra em questão.
Em sede de impugnação, a Ré refutou a existência dos defeitos invocados pela Autora, alegando que todas as reclamações de defeitos efectuadas pela Autora, ao abrigo da garantia e da responsabilidade da Ré, foram satisfeitas, tendo a Ré reparado os defeitos.
Argumentou que a Autora pede a reparação de defeitos que não respeitam a obras objecto do contrato celebrado.
A Ré requereu a intervenção provocada acessória da sociedade C..., Lda., alegando que subcontratou a esta sociedade a realização dos trabalhos nas fachadas e cobertura e que, na hipótese de vir a ser condenada, terá direito de regresso contra a subempreiteira.
Regularmente citada, a interveniente acessória «C..., Lda.» (doravante Interveniente Acessória) apresentou contestação, mas tal peça processual foi considerada intempestiva e, em consequência, não foi considerada.
Entretanto, a Autora apresentou resposta à contestação, pugnando, no que agora releva, pela improcedência da excepção de caducidade, refutando os factos alegados pela Ré. Formulou ainda pedido de condenação da Ré como litigante de má fé.
Foi realizada audiência prévia, onde se procedeu à definição do objecto do litígio e à fixação dos temas da prova.
A audiência de discussão e julgamento veio a ser realizada, após o que foi proferida sentença que, julgando a acção parcialmente procedente (por parcialmente provada):
a) Condenou a ré C..., Lda. a pagar à Autora a quantia de € 37.322,00 (acrescida de IVA à taxa legal em vigor), acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal anual dos juros civis, desde a citação até efectivo e integral pagamento;
b) Condenou a mesma ré a pagar à Autora a quantia a liquidar em momento ulterior à sentença (correspondente ao valor que a Autora suportou com a intervenção ao nível do telhado/cobertura em consequência dos defeitos ou desconformidades da obra executada pela Ré, sem que possa ultrapassar o montante de € 15.103,56).
c) No mais, julgou a acção improcedente, incluindo o pedido de condenação da Ré como litigante de má fé, formulado pela Autora.
2. Não se conformando com o decidido, interpôs a Ré recurso de apelação para esta Relação, formulando com as suas alegações as seguintes conclusões: I. A Ré/Recorrente tem opinião diversa quanto à análise e ponderação da prova carreada aos autos e produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, entendendo dever resultar da mesma diferente decisão de facto, e de direito; II. O facto provado n.º 1 deverá ser expurgado do segmento factual nele inserido que preceitua “composto, em grande parte, por fracções autónomas destinadas à habitação”, passando a ter a seguinte redacção: “1. A sujeição do edifício sito na Rua ..., nºs ..., ... e ... e na Rua ..., nºs . a .., freguesia de ..., concelho do Porto, ao regime da propriedade horizontal deu origem ao Condomínio denominado “Condomínio da Rua ... no ..”, com consequente realização de assembleias de condóminos e eleição de administrador do condomínio. “; III. O facto provado n.º 13, deverá sofrer alteração da sua redacção passando a fixar que “A Ré sempre anuiu em analisar os problemas surgidos, visitando a obra várias vezes com tal finalidade.”; IV. Deverá o facto provado n.º 14 ser alterado e receber a seguinte redacção:“14. No ano de 2009 a Ré realizou no edifício obras de correcção da fachada da frente do edifício e em Março de 2011 obras de correcção da fachada traseira, mas tais reparações não eliminaram definitivamente os problemas.” V. O facto provado n.º 15 traz em si um erro de digitação de que já se deu igualmente nota quanto ao facto provado n.º 14, pelo que se dá aqui por reproduzido tudo quanto acima ficou dito, devendo a redacção do facto provado n.º 15 ser alterada, recebendo a seguinte redacção: ”15. Após a última intervenção da Ré no edifício, em 2011, e face à manutenção dos problemas, a Autora continuou a solicitar à Ré a resolução dos problemas.”; VI. Não resulta da matéria carreada aos autos e produzida que alguma vez a Ré tenha feito promessa à Autora, pelo que não se concede a introdução desse termos na redacção do facto provado n.º 17, razão pela qual deve o referido facto ser expurgado desse termo, recebendo a seguinte redacção: “Em face da ausência de realização de reparações pela Ré....”; VII. No que ao facto provado n.º 22 respeita , da valoração do relatório pericial em conjunto com os esclarecimentos do senhor perito, o Tribunal a quo deveria ter concluído unicamente pela existência de alteração do peitoril e apenas dar como provado que: “Após a intervenção da Ré, o edifício apresenta uma alteração do peitoril do muro da varanda da fracção do 4.º esquerdo “E”, que foi revestido a tela sem colocação do mármore como acabamento”; VIII. Devendo o facto provado n.º 22 receber essa nova redacção, transitando para os factos não provados o seguinte facto. “Após a intervenção da Ré, o edifício apresenta problemas ao nível dos muros: falta de pintura de parte do muro exterior do 1º andar; existência de fissuras nos muros situado nos terraços do 3º andar”; IX. Em consequência da alteração preconizada ao facto provado n.º 22, consequentemente terá o facto provado n.º 23 de sofrer alteração dos valores ai exarados, por recurso à resposta dada pelo Perito ao ponto 5 do referido quesito, consta do relatório pericial, página 12/13 no qual identifica como custo de reparação do peitoril o montante de € 800,00, e receber a seguinte redacção: “A eliminação deste problema tem um custo de € 800,00, acrescido de IVA à taxa legal em vigor”; X. Os factos provados n.ºs 24 a 27 respeita, não resultam provados, devendo transitar para a matéria de facto não provada; XI. Deverá ser aditado ao elenco dos factos provados um facto provado n.º 31 com a seguinte redacção: “os defeitos surgidos no edifico em 2006 e denunciados de imediato à Ré são os mesmos que ora se reclamam nos presentes autos.” XII. Sindicados os factos que o Tribunal a quo considerou resultarem provados e expostas as alterações que na óptica da Ré/recorrente se impõe realizar de acordo com a prova carreada aos autos e produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, é chegado o momento de aplicar o direito aos factos já sindicados; XIII. Desde logo, não acompanhando o expendido na sentença pelo Tribunal a quo quanto ao âmbito de aplicação da nova redacção dada ao n.º 2 do artigo 1.º-A do DL n.º 67/2003, acompanhamos Cura Mariano, em Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, 4ª edição, pág. 205, e continuamos a entender que esses contratos de empreitada estão excluídos do regime do DL n.º 67/2003, sendo regulados pelas regras do Código Civil previstas para o contrato de empreitada; XIV. Caso V. Exas assim não entendam, e acompanhem a posição que entende que o regime do DL n.º 67/2003 é aplicável ao contrato de empreitada de reparação de imóvel, ainda assim para que possamos afirmar estar perante um contrato de empreitada de consumo, impõe-se a alegação e prova da existência de uma relação de consumo entre o dono da obra e o empreiteiro, entre Autora e Ré. XV. Não nos assistem dúvidas quanto ao facto de não resultar provado nos presentes autos a qualidade de consumidor da Autora, dono de obra; XVI. Da factualidade provada, já com a alteração que se impõe fazer ao facto provado n.º 1 e que acima ficou já alegada e fundamentada, não resulta provado a qualidade de consumidor da Autora; XVII. E não resulta provado pois não foi sequer alegado pela Autora tal matéria, sobre quem recaia o ónus de na sua Petição inicial quando alegou a existência de uma contrato de empreitada celebrado com a Ré, alegar igualmente, e posteriormente provar, que a maioria das fracções do prédio em causa não se destinavam a utilização profissional, caso pretendesse ver aplicada ao contrato objecto dos autos legislação especial; XVIII. A empreitada de consumo é um subtipo contratual, com um regime normativo especial, que afasta as regras do regime geral do Código Civil, pelo que para as qualidades das partes que permitem estabelecer a relação de consumo têm que se encontrar alegadas e demonstradas no processo, pelo que, desconhecendo-se a que se destinam a maioria das fracções (se estão afectas a habitação ou uso profissional) não é possível qualificar o contrato celebrado como de empreitada de consumo e aplicar-lhes as normas previstas no DL n.º 67/2003; XIX. Autora e Ré celebraram um contrato de empreitada, contrato cujo conteúdo corresponde à proposta apresentada pela Ré e junta a fls 32 a 38 dos autos (facto provado n.º 4); XX. A obra iniciou-se em final do ano de 2003 e terminou em data não concretamente apurada do final do ano de 2004 inicio do ano de 2005. (Facto provado n.º 8); XXI. O defeito/desconformidade que resulta exarado no facto provado n.º 22, é um defeito aparente, visível a olho nu por qualquer pessoa desde o momento de entrega da obra, pelo que renunciou o dono de obra à responsabilização do empreiteiro no que a este defeito respeita; XXII. Os defeitos surgiram no ano de 2006 (facto provado n.º 10) e a Autora interpelou a Ré para proceder às reparações (facto provado n.º 11); XXIII. Os defeitos aqui reclamados e ainda hoje existentes no edifício são os mesmos que logo apareceram após a obra e que com o tempo apenas se agravaram; XXIV. Os defeitos revelaram-se em 2006, foram denunciados à Ré, pelo que dispunha a Autora do prazo de um ano após essas denúncias para querendo exercer o seu direito de reclamar da Ré a eliminação dos mesmos. (n.º 2 do artigo 1225.º do CC); XXV. Porém, a Autora apenas o faz em 24/05/2013. (facto provado, n.º 28), quando se encontrava já excedido esse prazo peremptório de um ano; XXVI. Prazo que não se suspende ou interrompe (artigo 328º do CC) e se conta desde a data da denuncia, algures no ano de 2006; XXVII. Quando a Autora intentou a presente acção há muito havia caducado o seu direito, o que expressamente se invoca; XXVIII. E não se diga que a Ré reconheceu o direito da Autora, porque não o fez; XXIX. Tal como resulta provado, a Ré por intermédio da sua subempreiteira, em 2009 realizou obras de reparação da fachada da frente do edifício, e em Março de 2011 obras de reparação da fachada traseira do edifício; XXX. Aceitamos, que a realização de obras configura um reconhecimento expresso de assunção de responsabilidade pela existência do defeito, e que o reconhecimento do direito é impeditivo da caducidade, necessário é que esse reconhecimento seja expresso e ocorra antes de verificada a caducidade do direito; XXXI. In casu, a Autora denunciou defeitos durante o ano de 2006, e a Ré apenas realizou obras em 2009 e 2011, pelo que, quando a Ré veio a reconhecer parte dos defeitos alegados, há muito que o direito do A. estava extinto por caducidade; XXXII. Certos de que com as obras de reparação da fachada da frente do edifício em 2009 e com as obras de reparação da fachada traseira em Março 2011 novos prazos de garantia se reiniciaram; XXXIII. Atente-se que as obras são efectuadas, respectivamente, em 2009 e Março de 2011 e a Ré apenas intenta a presente acção em 24/05/2013, quando havia já caducado o seu direito; XXXIV. E não se diga que a carta datada de 28/11/2011 consubstancia um reconhecimento de defeitos; XXXV. A jurisprudência exige que o reconhecimento tenha lugar antes de o próprio direito em jogo ter caducado e que o reconhecimento seja concreto, preciso, sem ambiguidades ou de natureza genérica. (ver neste sentido Acórdão STJ de 19/01/2012, proferido no processo n.º 1754/06.6TBCBR.C1.S1 de 7/2/2013 e processo n.º 756/10.2TBFLG.G1.S1, disponíveis em www.dgsi.pt; XXXVI. Nas mesmas águas navega a melhor doutrina, Pires de Lima e Antunes Varela em anotação ao artigo 331.º do seu CC anotado, Vol I, 3.º edição, págs 293 e 294; XXXVII. E citando Vaz Serra, em prescrição Extintiva e caducidade, n.º 118, in BMJ, n.º 107: “Se se trata do prazo de proposição de uma cção judicial o reconhecimento deve ser tal que torne o direito certo e faça as vezes da sentença, pq tem o mesmo efeito que a sentença pela qual o direito fosse reconhecido.”; XXXVIII. A carta enviada pela Ré à Autora é uma carta tipo usada, e na qual apenas se comunica que todas as reparações devidas serão corrigidas ao abrigo da garantia. XXXIX. Aliás, não se perca de vista que nesta data 28/11/2011 a haver reconhecimento então apenas já poderia operar sobre a fachada traseira intervencionada nesse ano, pois quanto a tudo o resto, há muito o direito estava extinto; XL. Ora tendo caducado o exercício dos direitos invocados pela Autora, tornou-se impossível o seu exercício judicial; XLI. Pelo que é manifesto que se verificou a excepção peremptória da caducidade; XLII. Se alguma obrigação persiste para a Ré, então é cristalino que se trata de uma obrigação natural (artigo 402º do CC); XLIII. E, como é sabido, o cumprimento das obrigações naturais não é judicialmente exigível (artigo 402º do CC); XLIV. Por dever de patrocínio, e num cenário, meramente hipotético de não decidir este Venerando Tribunal pela improcedência da excepção peremptória de caducidade do exercido do direito da Autora; XLV. A julgar pela improcedência da excepção peremptória de caducidade do exercido do direito da Autora, então e no que aos defeitos importa nunca a Ré poderá ser responsável por reparações efectuadas ao nível do telhado, uma vez que não trouxe a Autora aos autos prova suficiente da existência do defeito, e é sobre o Autor que recai o ónus da prova da existência do defeito, o que não logrou provar. XLVI. Por tudo quanto ficou exposto, deve este Venerando Tribunal proceder à alteração da matéria de facto conforme se requer e em consequência decidir pela não aplicabilidade das regras especiais da empreitada de consumo aos presentes autos, julgar procedente por verificada a excepção peremptória de caducidade do direito de agir da Autora absolver a Ré, alterando a decisão recorrida em conformidade. Nestes termos, e nos melhores de direito que V. Exas mui doutamente suprirão, deverá ser julgado procedente o presente recurso alterando-se a sentença recorrida nos termos expostos assim se fazendo Inteira e Sã Justiça.
A Autora apresentou contra-alegações, pugnando pela rejeição do recurso que visa a decisão da matéria de facto e, em todo o caso, pela improcedência do recurso.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar.
II.OBJECTO DO RECURSO.
A. Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pela recorrentes e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, importando destacar, todavia, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito.
B. Considerando, deste modo, a delimitação que decorre das conclusões formuladas pelos recorrentes, no caso dos autos cumprirá apreciar se:
a) Ocorreu erro na apreciação da prova;
b) De acordo com a matéria de facto tida por provada:
- Procedência/improcedência da excepção peremptória de caducidade do exercício do direito da Autora;
- Improcedendo a mesma, se responde a Ré por reparações ao nível do telhado do edifício.
III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
III.1. Foram os seguintes os factos julgados provados em primeira instância:
1. A sujeição do edifício sito na Rua ..., n.ºs ..., ... e ... e na Rua ..., n.ºs . a .., freguesia ..., concelho do Porto, composto, em grande parte, por fracções autónomas destinadas à habitação, ao regime da propriedade horizontal deu origem ao Condomínio denominado “Condomínio da Rua ... no ..”, com consequente realização de assembleias de condóminos e eleição de administrador do condomínio.
2. Em assembleia-geral ordinária de condóminos, realizada em 08/01/2013, foi deliberado por unanimidade «eleger os seguintes elementos para a Administração de 2013: D... que representa a fracção “DD” e E... que representa a fracção “FH”».
3. A Ré é uma sociedade comercial que tem por objecto a prestação de serviços de engenharia, manutenção e reabilitação de edifícios, construção e engenharia civil, comércio de produtos e serviços para conservação de imóveis. Manutenção de estações de tratamento de águas residuais, manutenção de sinalização de tráfego. Assistência técnica, consultoria, estudos e projectos de eficiência energética, certificação energética de edifícios, sistemas de energias renováveis.
4. Após a Autora ter solicitado à Ré uma proposta de orçamento para a reabilitação do prédio identificado nos autos e a Ré ter apresentado a proposta que consta do documento junto a fls. 32 a 38 dos autos (“Proposta de Fornecimento de Serviços – Reabilitação do Edifício R. ... – ...”), as partes acordaram na celebração do contrato com o conteúdo correspondente a tal proposta contratual.
5. O preço acordado foi de € 82.950,00, acrescido de IVA à taxa legal em vigor.
6. A execução do contrato incluía a realização dos seguintes trabalhos:
I – Montagem de Andaimes: Montagem e desmontagem de meios de acesso a todos os pontos do edifício, com protecções de acordo com as normas de segurança em vigor;
II – Decapagem e Jacto de Água: Decapagem a jacto de pressão controlada (80bar), com uma solução de STONE QUEST;
III – Tratamento de Fissuras: Tratamento de fissuras, com abertura das fissuras em V e preenchimento com mastique acrílico, à base de uma dispersão acrílica – SIKACRYLS;
IV – Pintura de Exteriores: Pintura de acabamento, dada em duas demãos, com tinta texturada flexível, à base de um co-polímero e pigmentada com dióxido de titânio rutilo e cargas inertes - ROBBIALAC SUPER TARTARUGA REF.ª 037- Aplicação prévia de uma demão de primário fixador ROBBIALAC SOLOXAN REF.ª 021-0008;
V – Reabilitação da Ligação Caixilharia/Parede: Aplicação de mastique-cola monocomponente à base de poliuretano, nas ligações caixilharia/parede - SIKAFLEX 11 FC+.
VI – REABILITAÇÃO DA EMPENA:
a) Montagem de andaimes: Montagem e desmontagem de meios de acesso a todos os pontos do edifício com protecções, de acordo com as normas de segurança em vigor;
b) Revestimento da Empena: Fornecimento e aplicação de cobertura com telha ONDUCOBER da ONDULINE, com todos os acessórios incluídos necessários ao bom funcionamento da cobertura. Remoção da estrutura existente, execução de novo ripado e novas fixações, para aplicação posterior da telha ONDULINE, de acordo com as normas do fabricante. Colocação de rufos nas empenas.
VII – Protecção de Mármore Negro do R/C (OFERTA): Protecção das áreas em pedra natural, com selante/impregnante à base de resina acrílica e hidrocarbonetos - STONEGUARD.
VIII – Impermeabilização de Terraços 1.º e 4.º andar e Remoção do Revestimento do Pavimento: Remoção do Revestimento do Pavimento e preparação do suporte para a recepção de nova impermeabilização.
IX – Impermeabilização de Terraços:
a) Fornecimento e aplicação de primário, à base de emulsão betuminosa não-iónica “IMPERKOTE F”, nas zonas de aderência das telas;
b) Fornecimento e aplicação de 1.ª tela “POLYPLAS 30” , composta por membrana betuminosa de 3Kg/m2, com armadura de fibra de vidro com 50g/m2 e protegida a polietileno, soldada a maçarico nas sobreposições com 10 cm;
c) Fornecimento e aplicação de 2.ª tela “POLYSTER 40”, composta por membrana betuminosa de 4 kg/m2, com armadura de poliéster com 150g/m2 e protegida a polietileno, totalmente aderente à 1a tela;
d) Aplicação de manta geotêxtil de 400g/m2.
X – Revestimento com Cerâmica: Aplicação de cerâmica idêntica à existente no local, e de acordo com o disponível no mercado.
XI – Reabilitação da Cobertura:
a) Tratamento das caleiras à base de pintura de protecção;
b) Pintura impermeabilizante das telhas de cobertura;
c) Colagem das telhas de cobertura;
d) Ligação dos tubos de queda;
e) Pintura de todos os tubos de queda de águas pluviais.
7. Consta do contrato, em sede de «Garantias» que “os trabalhos realizados encontram-se garantidos em conformidade com a legislação em vigor”.
8. O início da execução da obra contratada ocorreu no final do ano de 2003 e o termo ocorreu em data não concretamente apurada do final do ano de 2004 ou do início do ano de 2005.
9. A Ré realizou os trabalhos e recebeu o preço contratado.
10. Durante o ano de 2006, começaram a surgir problemas nas partes comuns do edifício onde ocorreu a intervenção da Ré, impeditivos do uso e fruição plenos de tais partes comuns e também de algumas das fracções autónomas.
11. A Autora interpelou a Ré para proceder à reparação dos problemas surgidos.
12. A Autora reuniu por diversas vezes com a Ré, quer na pessoa do seu representante legal, quer com os seus colaboradores directos ou subordinados, incluindo a sociedade subempreiteira contratada por aquela.
13. A Ré sempre anuiu a resolver os problemas surgidos, visitando a obra várias vezes, com tal finalidade.
14. Nos anos de 2009 e de 2001, a Ré realizou no edifício obras de correcção dos problemas, mas tais reparações não eliminaram definitivamente os problemas.
15. Após a última intervenção da Ré no edifício, em 2001, e face à manutenção dos problemas, a Autora continuou a solicitar à Ré a resolução dos problemas.
16. A Ré respondeu às interpelações da Autora através da carta que constitui o documento de fl. 39 dos autos, datada de 28/11/2011, cujo teor aqui é dado como reproduzido, destacando-se o seguinte: “Antes de mais informamos que a reclamação apresentada por V. Exas., relativa ao edifício em epígrafe, não está de modo algum esquecida pela B... e todas as reparações devidas serão corrigidas ao abrigo da garantia. (...) Realçamos que a época de chuvas que atravessamos condiciona a normal execução do trabalho pelo que esta espera teria sempre de decorrer de qualquer forma.”.
17. Em face da ausência de realização das reparações cuja execução foi prometida pela Ré, a Autora requereu a notificação judicial avulsa da Ré nos termos que constam do documento junto a fls. 43 a 50 dos autos (cujo teor aqui é dado como reproduzido), tendo a Ré sido notificada, no dia 22 de Agosto de 2012, para, “no prazo máximo de 30 dias a contar da notificação, eliminar os defeitos de obra existentes, reservando-se a Autora o direito de executar ela própria a eliminação dos defeitos ou por intermédio de terceiro por si contratado, caso a Ré não elimine os defeitos no prazo concedido, e recorrer ao Tribunal para exercer contra a Ré o seu direito a indemnização pelo incumprimento definitivo do contrato”.
18. Contudo, a Ré não procedeu aos trabalhos de reparação/eliminação dos problemas.
19. Após a intervenção da Ré, o edifício apresenta problemas ao nível das fachadas: o tratamento das fissuras existentes nas fachadas, levado a cabo pela Ré, deixou o edifício com um aspecto desagradável/deplorável, não apresentando as fissuras tapadas um acabamento uniforme, sendo visíveis sulcos, manchas, falta de uniformidade da pintura e diferentes tonalidades em alguns panos pintados.
20. A eliminação destes problemas (cujos trabalhos durarão cerca de dois meses ou dois meses e meio) tem um custo de € 33.422,00, acrescido de IVA à taxa legal em vigor.
20. Após a intervenção da Ré, o edifício apresenta problemas ao nível das varandas: a pintura das partes inferiores encontram-se a descascar.
21. A eliminação deste problema (cujos trabalhos durarão cerca de duas semanas) tem um custo de € 1.300,00, acrescido de IVA à taxa legal em vigor.
22. Após a intervenção da Ré, o edifício apresenta problemas ao nível dos muros: falta de pintura de parte do muro exterior do 1.º andar; existência de fissuras nos muros situado nos terraços do 3.º andar e alteração do peitoril do muro da varanda da fracção do 4.º esquerdo “E”, que foi revestido a tela sem colocação do mármore como acabamento.
23. A eliminação deste problema (cujos trabalhos durarão cerca de sete dias) tem um custo de € 2.600,00, acrescido de IVA à taxa legal em vigor.
24. Após a intervenção da Ré, o edifício apresentava problemas ao nível da impermeabilização do telhado/cobertura.
25. Estes problemas do telhado/cobertura impediam o uso e fruição plenos das partes comuns e também de algumas fracções autónomas, tornando-se urgente e inadiável a reparação/eliminação dos mesmos, com vista a assegurar o uso e fruição das fracções autónomas em condições mínimas de condignidade.
26. Assim, a Autora viu-se obrigada a contratar os serviços da sociedade F..., Lda., a qual levou a cabo uma intervenção ao nível do telhado/cobertura, tendo a Autora despendido, no pagamento deste serviço, valor não concretamente apurado.
27. A sociedade F..., Lda. elaborou a «proposta» que consta do documento de fls. 55 e 56 dos autos, cujo teor aqui é dado como reproduzido.
28. A presente acção foi intentada em 24/05/2013.
29. No âmbito do contrato de empreitada celebrado com a Autora e para a execução dos trabalhos de intervenção nas fachadas e coberturas do edifício, a Ré subcontratou a sociedade C..., Lda..
30. Em assembleia-geral extraordinária de condóminos, realizada em 01/08/2016, foi deliberado ratificar os poderes conferidos à Autora para interpor a presente acção contra a Ré.
III.2. A mesma instância deu como não provados os seguintes factos:
1. O edifício apresenta problemas nos terraços de cobertura ao nível do 4º e 1º andares.
IV. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
2. Reapreciação da matéria de facto.
Discorda a apelante da decisão que recaiu sobre a matéria de facto quanto ao julgamento da que se acha vertida nos pontos 1.º, 13.º, 14.º, 17.º, 22.º, 23.º, 24.º, 25.º, 26.º, 27.º dos factos julgados provados.
Sustenta ainda que deve ter-se por provada a seguinte factualidade, a aditar ao elenco dos factos provados: “os defeitos surgidos no edifício em 2006 e denunciados de imediato à Ré são os mesmos que ora se reclamam nos presentes autos”.
Pretende que, procedendo esta instância à reapreciação da matéria de facto, seja a mesma modificada nos termos que preconiza.
A apelada pugnou pela rejeição do recurso que impugna a decisão da matéria de facto, invocando, por parte da recorrente, o não cumprimento dos ónus impostos pelo artigo 640.º do Código de Processo Civil.
De acordo com o nº 1 do citado artigo 640º, “quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”.
E de acordo com o nº 2 do mesmo dispositivo, “no caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens de gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevante”.
A recorrente concretizou os pontos de facto que considera erradamente apreciados, indicou qual o sentido com que devem ser apreciados, os meios probatórios que impunham decisão diversa da recorrida, satisfazendo ainda o ónus imposto pela alínea a) do n.º 2 do mencionado normativo.
Não existe, assim, fundamento para rejeição do recurso por incumprimento de algum dos ónus impostos pelo artigo 640.º do Código de Processo Civil.
O Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2003, de 26 de Junho introduziu significativas alterações no domínio dos poderes de reapreciação da matéria de facto consentidos à Relação, procedendo ao alargamento e reforço dos mesmos.
Dispõe hoje o n.º 1 do artigo 662º do mencionado diploma: “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”, estabelecendo o seu nº 2:
“A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente: a) Ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento; b) Ordenar, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova; c) Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta”.
Como refere A. Abrantes Geraldes[1], “a Relação deve alterar a decisão da matéria de facto sempre que, no seu juízo autónomo, os elementos de prova que se mostrem acessíveis determinem uma solução diversa, designadamente em resultado da reponderação dos documentos, depoimentos e relatórios periciais, complementados ou não pelas regras de experiência”… “afastando definitivamente o argumento de que a modificação da decisão da matéria de facto deveria ser reservada para casos de erro manifesto” ou de que “não é permitido à Relação contrariar o juízo formulado pela 1ª instância relativamente a meios de prova que foram objecto de livre apreciação”, acrescentando que este tribunal “deve assumir-se como verdadeiro tribunal de instância e, por isso, desde que, dentro dos seus poderes de livre apreciação dos meios de prova, encontre motivo para tal, deve introduzir as modificações que se justificarem”.
Importa notar que a sindicância cometida à Relação quanto ao julgamento da matéria de facto efectuado na primeira instância não poderá pôr em causa regras basilares do ordenamento jurídico português, como o princípio da livre apreciação da prova[2] e o princípio da imediação, tendo sempre presente que o tribunal de 1ª instância encontra-se em situação privilegiada para apreciar e avaliar os depoimentos prestados em audiência. O registo da prova, pelo menos nos moldes em que é processado actualmente nos nossos tribunais – mero registo fonográfico –, “não garante a percepção do entusiasmo, das hesitações, do nervosismo, das reticências, das insinuações, da excessiva segurança ou da aparente imprecisão, em suma, de todos os factores coligidos pela psicologia judiciária e dos quais é legítimo ao tribunal retirar argumentos que permitam, com razoável segurança, credibilizar determinada informação ou deixar de lhe atribuir qualquer relevo”[3].
Também é certo que, como em qualquer actividade humana, sempre a actuação jurisdicional comportará uma certa margem de incerteza e aleatoriedade no que concerne à decisão sobre a matéria de facto. Mas o que importa é que se minimize tanto quanto possível tal margem de erro, porquanto nesta apreciação livre o tribunal não pode desrespeitar as máximas da experiência, advindas da observação das coisas da vida, os princípios da lógica, ou as regras científicas[4].
De todo o modo, a construção da realidade fáctica submetida à discussão não se poderá efectuar de forma parcelar e desconexa, atendendo apenas a determinado meio de prova, ou a parte dele, e ignorando todos os demais, ainda que expressem realidade distinta, a menos que razões de credibilidade desacreditem estes.
Ou seja: nessa tarefa não pode o julgador conformar-se com a análise parcelar e parcial transmitida pelos litigantes, mas antes submetê-la a uma ponderação dialéctica, avaliando a força probatória do conjunto dos meios de prova destinados à demonstração da realidade submetida a debate.
Assinale-se que a construção – ou, melhor dizendo, a reconstrução, pois que é dela que se deve falar quando, como no caso, se procede à ponderação dos factos que por outros foram apreendidos e transmitidos com o filtro da interpretação própria de quem processa essa apreensão – da realidade fáctica não pode efectuar-se de forma parcelar e desconexa, antes reclamando o contributo conjunto de todos os elementos que a integram.
Quer isto dizer que a realidade surge de um conjunto coeso de factos, entre si ligados por elos de interdependência lógica e de coerência.
A realidade não se constrói apenas a partir de um depoimento isolado ou de um conjunto disperso de documentos, ainda que confirmadores de uma determinada versão factual, antes se deve conformar com um património fáctico consolidado de forma sólida, coerente, transmitido por elementos probatórios com idoneidade e aptidão suficientes a conferir-lhe indiscutível credibilidade.
Como se escreveu no acórdão da Relação de Lisboa de 21.12.2012[5], “…a verdade judicial traduz-se na correspondência entre as afirmações de facto controvertidas, relevantes e pertinentes, aduzidas pelas partes no processo e a realidade empírica, extraprocessual, que tais afirmações contemplam, revelada pelos meios de prova produzidos, de forma a lograr uma decisão oportuna do litígio. Sobre as doutrinas da verdade judicial como mera coerência persuasiva ou como correspondência com a realidade empírica, vide Michele Taruffo, La Prueba, Marcial Pons, Madrid, 2008, pag. 26-29. Quanto à configuração do objecto da prova e a sua relação com o thema probandum, vide Eduardo Gambi, A Prova Civil – Admissibilidade e relevância, Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, Brasil, 2006, pag. 295 e seguintes; LLuís Muñoz Sabaté, Fundamentos de Prueba Judicial Civil L.E.C. 1/2000, J. M. Bosch Editor, Barcelona, 2001, pag. 101 e seguintes.
Por isso mesmo, a “reconstrução” cognitiva da verdade, por via judicial, não tem, nem jamais poderia ter, a finalidade exclusiva de obter uma explicação exaustiva e porventura quase irrefragável do acontecido, como sucede, de certo modo, nos domínios da verdade história ou da verdade científica, muito menos pode repousar sobre uma crença inabalável na intuição pessoal e íntima do julgador. Diversamente, tem como objectivo conseguir uma compreensão altamente provável da realidade em causa, nos limites de tempo e condições humanamente possíveis, que satisfaça a resolução justa e legítima do caso (…)”.
Como decorre do artigo 607º, nº 5 do CPC, a prova testemunhal é livremente apreciada pelo tribunal, solução que emana do artigo 396º do Código Civil.
Livre apreciação que, todavia, não se confunde com arbítrio na apreciação desse meio de prova[6], “mas antes a ausência de critérios rígidos que determinam uma aplicação tarifada da prova, traduzindo-se tal livre apreciação numa apreciação racional e criticamente fundamentada das provas de acordo com as regras da experiência comum e com corroboração pelos dados objectivos existentes, quando se trate de questão em que tais dados existam”[7].
Trata-se de um meio probatório de particular importância[8], pela amplitude da sua produção, sendo o mais frequentemente usado em instrução, mas também por ser o único existente ou o único praticável.
Paralelamente, é também o meio probatório que reúne maiores riscos de falibilidade: por perigo de infidelidade da percepção e da memória da testemunha, por perigo de parcialidade da mesma, designadamente[9].
Por isso, e sem pôr em causa a liberdade de julgamento, deve o julgador colocar especial cuidado na avaliação e ponderação dos testemunhos prestados em audiência, valorando-os com um prudente senso crítico, pesando não apenas o seu sentido objectivo, mas ainda a forma como se manifestam.
Por seu lado, a propósito da valoração a atribuir aos documentos particulares, retira-se do Acórdão da Relação de Coimbra de 02.06.2009[10]: “de acordo com o disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 376.º do Código Civil, os documentos particulares cuja autoria seja reconhecida nos termos dos artigos 373.º a 375.º faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, considerando-se provados os factos compreendidos na declaração na medida em que forem contrários aos interesses do declarante.
Uma coisa, porém, é a prova plena, que só funciona nas relações declaratário -declarante, e na medida em que as declarações sejam prejudiciais a este, outra, muito diferente, o valor do documento como elemento de prova.
A prova plena só pode ser invocada pelo declaratário contra o declarante; no mais, o documento é um elemento de prova igual a tantos outros, que o tribunal apreciará livremente”.
Por seu turno, a prova pericial, que tem por objecto “a percepção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, ou quando os factos, relativos a pessoas, não devam ser objecto de inspecção judicial”[11], é livremente apreciada pelo tribunal, como decorre do artigo 389º do Código Civil.
Feita esta introdução – necessariamente genérica - acerca dos meios de prova que se impõe ponderar, sentido e alcance probatório dos mesmos, detenhamo-nos sobre a facticidade de cuja apreciação os recorrentes se manifestam discordantes, procedendo, para tanto, à audição da gravação dos depoimentos prestados em audiência sobre a matéria impugnada. Ponto 1.º [A sujeição do edifício sito na Rua ..., n.ºs ..., ... e ... e na Rua ..., n.ºs . a .., freguesia ..., concelho do Porto, composto, em grande parte, por fracções autónomas destinadas à habitação, ao regime da propriedade horizontal deu origem ao Condomínio denominado “Condomínio da Rua ... no ..”, com consequente realização de assembleias de condóminos e eleição de administrador do condomínio]:
Propõe a requerente a alteração da redacção do referido segmento decisório com eliminação da expressão “composto, em grande parte, pro fracções autónomas destinadas a habitação”, argumentando não ter sido produzida prova que permita dar como demonstrada a referida realidade factual,
Para fundamentação do decidido, escreveu-se na sentença sob recurso: “Dentro destes grupos de questões factuais existem factos admitidos por acordo (resultantes da expressa admissão dos mesmos nas contestações, em complemento, quanto a vários desses factos, com os documentos juntos aos autos, relativamente aos quais não cabe explicitar a motivação do tribunal, sendo naturalmente considerados como provados: factos provados sob os nºs 1 a 7 e 9, importando referir que o segmento factual do facto provado nº 1 em que se refere que grande parte das fracções autónomas do edifício é destinada à habitação resultou dos documentos juntos aos autos e do teor dos vários depoimentos testemunhais ouvidos em julgamento”.
Não identifica, nessa parte, a decisão impugnada os documentos em que se fundamenta para considerar provado que “grande parte das fracções autónomas do edifício é destinada à habitação”, nem concretiza quais os depoimentos testemunhais que motivaram essa convicção.
Relativamente à prova testemunhal, ouvida a gravação dos depoimentos prestados em audiência, teremos de concordar com a recorrente na afirmação de que tal meio probatório é claramente insuficiente para sustentar o questionado segmento factual.
Quanto à prova documental - da designada “acta sessenta e dois”, junta a fls. 411 a 415, não impugnada pela Ré, ora recorrente, pode extrair-se, entre o mais, o seguinte: o “sector de habitações” do prédio representa 73,6% das despesas comuns, enquanto o “sector de garagens” e o “sector de estabelecimentos” representam, respectivamente, 3,2% e 23,2% dessas despesas; que o prédio é composto por 26 andares, 7 garagens e 5 estabelecimentos.
Mas, acrescenta a recorrente, não podia o tribunal recorrido ter concluído, como o fez, que o edifício é “composto, em grande parte, pro fracções autónomas destinadas a habitação”, já que tal matéria nem sequer foi alegada pela Autora, não foi objecto de instrução, nem sobre ela foi exercido contraditório.
Aquela matéria não foi efectivamente alegada e o documento que lhe poderia conferir suporte probatório foi junto na sequência do despacho de fls. 403 a 405, que ordenou a sua junção para que se pudesse aferir se à Autora haviam sido conferidos “poderes para demandar judicialmente a empreiteira pelo alegado cumprimento defeituoso do contrato de empreitada de reabilitação do edifício”.
Por força do princípio do dispositivo, cabe às partes alegar os factos que integram a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções invocadas – n.º 1 do artigo 5.º do Código de Processo Civil -, só podendo o juiz servir-se dos factos articulados, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do aludido normativo.
Significa tal que, excepcionados estes últimos casos, o juiz só pode servir-se dos factos constitutivos, impeditivos, modificativos ou extintivos das pretensões formuladas no processo, alegados pelas partes, seja qual for a natureza e o tipo de acção.
Os contornos fácticos do litígio são assim definidos pelas partes, incumbindo às mesmas a alegação dos factos necessários à decisão a proferir pelo tribunal, cabendo ao autor alegar os factos que confiram consistência à pretensão por si formulada e ao réu alegar os factos que servem de fundamento à sua defesa.
É, portanto, monopólio das partes a conformação da instância nos seus elementos objectivos e também subjectivos[12].
É por demais evidente que o facto que a recorrente pretende ver adicionado à matéria de facto provada excede a matéria por si articulada na contestação, pelo que, não se configurando nenhuma das hipóteses excepcionais ressalvadas pelo n.º 2 do artigo do Código de Processo Civil, não poderiam ser considerados pelo juiz.
O acórdão da Relação do Porto de 08.03.2016[13], fornece a seguinte noção de factos essenciais e factos instrumentais: “Factos essenciais são os previstos nas fatispécies das normas das quais pode emergir o efeito prático-jurídico pretendido pelo autor ou pelo reconvinte ou nos quais se pode fundar a excepção deduzida pelo réu, sendo imprescindíveis para a procedência da acção, da reconvenção ou da excepção. São, por isso, absolutamente indispensáveis à identificação, preenchimento e substanciação das situações jurídicas afirmadas e feitas valer em juízo pelas partes.
Factos instrumentais, por seu turno, são os que não preenchendo a fatispécie de qualquer norma de direito substantivo que confira um direito ou tutele um interesse das partes, permitem, mediante presunção, chegar à demonstração de factos principais, tendo, pois, uma função probatória.[...]”.
Por sua vez, Lebre de Freitas[14], a propósito dos factos a que se refere a alínea b) do n.º 2 do artigo 5.º do Código de Processo Civil, escreve: “Os factos que completem ou concretizem a causa de pedir ou as exceções deficientemente alegadas podem também ser introduzidos no processo quando resultem da instrução da causa; mas, neste caso, basta à parte a quem são favoráveis declarar que quer deles aproveitar-se, assim observando o ónus da alegação. A necessidade desta declaração, decorrente do princípio do dispositivo estava expressa no anterior art. 264-3 ("desde que a parte interessada manifeste vontade de deles se aproveitar e à parte contrária tenha sido facultado o exercício do contraditório") e está implícita na formulação do actual art. 5-2-b ("desde que sobre eles [as partes] tenham tido a possibilidade de se pronunciar"): a pronúncia das partes, ou de uma delas (normalmente a que é onerada com a alegação do facto: "a parte interessada"), terá de ser positiva (no sentido da introdução do facto no processo), pois de outro modo seria violado o princípio do dispositivo, em desarmonia com a norma paralela do art. 590-4. A alteração de redação tem apenas o significado objetivo de frisar que a alegação pode provir de qualquer das partes, atendendo a que o facto em causa não altera nem amplia a causa de pedir (como o do art. 265-1) ou uma exceção, apenas completando ou concretizando uma causa de pedir ou uma exceção já identificada”.
Ainda que se aceite, como o faz alguma jurisprudência[15], que, independentemente de requerimento, pode o juiz considerar oficiosamente esses factos, nunca no caso dos autos essa possibilidade poderia ser concretizada por não ter sido garantido o contraditório.
Procedendo, assim, a impugnação da recorrente relativamente ao segmento decisório em análise, elimina-se do ponto 1.º dos factos provados a expressão “composto, em grande parte, por fracções autónomas destinadas à habitação”, passando a ser a seguinte a sua redacção: A sujeição do edifício sito na Rua ..., n.ºs ..., ... e ... e na Rua ..., n.ºs . a .., freguesia ..., concelho do Porto, ao regime da propriedade horizontal deu origem ao Condomínio denominado “Condomínio da Rua ... no ..”, com consequente realização de assembleias de condóminos e eleição de administrador do condomínio. Ponto 13.º - [A Ré sempre anuiu a resolver os problemas surgidos, visitando a obra várias vezes, com tal finalidade]; Ponto 14.º - [Nos anos de 2009 e de 2001, a Ré realizou no edifício obras de correcção dos problemas, mas tais reparações não eliminaram definitivamente os problemas] e Ponto 15.º - [Após a última intervenção da Ré no edifício, em 2001, e face à manutenção dos problemas, a Autora continuou a solicitar à Ré a resolução dos problemas]:
Extrai-se da sentença, relativamente à motivação probatória da matéria em causa: “Quanto à matéria, nuclear nos autos, relativa à actuação da Ré (e da Autora) com vista à correcção/eliminação dos problemas surgidos (factos provados nos 10 a 18), ressalta dos depoimentos das testemunhas arroladas pelos Autores e também dos depoimentos das testemunhas arroladas pela Ré, bem como do teor dos documentos de fls. 39 e 43 a 50, que a tentativa de resolução amigável dos problemas surgidos no edifício decorreu durante anos.
Como já foi referido, a testemunha G... (arrolada pela Ré) confirmou que, depois do final da obra e durante o prazo de garantia, fez várias visitas ao prédio, referindo ainda esta testemunha que, no ano de 2011, ainda estavam a ser feitas reparações pela Ré, com vista a tentar eliminar/corrigir problemas, e admitindo que, depois de 2011, a Autora continuou a ter queixas, havendo comunicações entre as partes sobre tal matéria, situando a carta da Ré de Novembro de 2011 (fl. 39) no âmbito dessas comunicações.
Também a testemunha H... (arrolada pela Ré) referiu que houve intervenções reparadoras em 2009 (com recurso à técnica de alpinistas) e em 2011 (com colocação de andaimes), na sequência de denúncias/comunicações da Autora sobre a existência de problemas. Depois destas, não ocorreram novas intervenções, mas as reclamações continuaram e a Ré dava resposta à Autora (carta de fl. 39, apesar da testemunha referir que esta é uma espécie de texto standard da Ré, para dar uma satisfação ao cliente, como se o teor da carta não fosse claro no sentido da assunção da vontade de resolver os problemas existentes), remetendo-a para a subempreiteira, até que a subempreiteira (também por força da deterioração da relação comercial entre a Ré e a subempreiteira) deixou de dar andamento às reclamações e de ir ao local fazer averiguações e reparações.
Este relato das testemunhas arroladas pela Ré revelou-se suficiente para o tribunal adquirir a ideia de que, ao longo de anos (de 2006 a 2011 ou 2012) existiram negociações entre a Autora e a Ré com vista à resolução amigável dos problemas surgidos no edifício, tendo a Ré promovido várias visitas ao local e procedido a algumas tentativas de reparação/eliminação dos problemas (que não resultaram, como se verá de seguida).
Resta acrescentar que as testemunhas arroladas pela Autora (muitas delas sofreram “na pele” as consequências dos problemas surgidos na sequência da intervenção da Ré no edifício, uma vez que habitam no edifício ou já aí habitaram ou têm familiares que aí habitam) confirmaram que existiram várias conversas e reuniões com os responsáveis da Ré, onde estes afirmavam que iam resolver os problemas (relatos das testemunhas I... e J...), não se colocando de fora do problema (relato da testemunha K...), até que, a certa altura, a Ré deixou de ter a mesma abertura para a resolução dos problemas (relato das duas mencionadas testemunhas) e a Autora decidiu fazer a notificação judicial avulsa (relato da testemunha K...). O relato destas testemunhas e das restantes arroladas pela Autora foi ainda no sentido das intervenções levadas a cabo pela Ré não terem solucionado os problemas (por exemplo, continuando em muito mau estado as fachadas, no relato da testemunha L...).
Por fim, como já foi salientado, o teor do documento de fl. 39 é claríssimo quanto à disposição da Ré, mesmo no final do ano de 2011, para a resolução amigável dos problemas”.
Ouvida a gravação das testemunhas inquiridas à matéria em causa, constata-se serem os seus depoimentos confirmadores da matéria elencada nos supra indicados pontos 14.º, 15.º e 16.º, com ressalva, quanto a estes últimos, a referência ao ano 2001. Trata-se claramente de um notório lapso de escrita[16], que aqui se corrige, substituindo o termo “2001” pelo termo “2011”, em conformidade, de resto, com o relato das testemunhas ouvidas acerca de tal questão.
Nos termos detalhadamente expostos na fundamentação da decisão da matéria de facto, quanto aos concretos pontos aqui em debate, dos depoimentos das testemunhas aí mencionadas ressalta com clareza que a Ré, pelo menos até finais de 2011 – a carta de fls. 39 tem a data de 28 de Novembro de 2011 -, sempre anuiu em resolver os problemas surgidos na sequência da execução das obras contratadas com a Autora, tendo, para o efeito, efectuado várias deslocações ao local e efectuado intervenções, em 2009 e 2011, para correcção das anomalias detectadas, ainda que sem sucesso, continuando a Autora a apresentar reclamações.
A alteração de redacção do ponto 13.º proposta pela recorrente [A Ré sempre anuiu em analisar os problemas surgidos, visitando a obra várias vezes com tal finalidade] não encontra na prova produzida qualquer correspondência: toda a prova aponta inequivocamente no sentido de que a Ré, até pelo menos finais de 2011, sempre procurou resolver os problemas surgidos no edifício da Autora, na sequência das reclamações por esta apresentadas, chegando, por duas vezes, a nele intervir para os corrigir. Quem se limita a anuir em analisar os problemas surgidos não intervém, de forma activa, como o fez a Ré, para os eliminar. A carta de fls. 39, para além disso, não deixa margem para dúvidas quanto ao real propósito manifestada pela Ré, nela se afirmando que “todas as reparações devidas serão corrigidas”, compromisso que vai muito além da mera anuência da “análise dos problemas surgidos”.
No que concerne ao ponto 14.º, propõe a recorrente a sua alteração, de forma que passe a ser o seguinte o seu teor: “No ano de 2009 a Ré realizou no edifício obras de correcção da fachada da frente do edifício e em Março de 2011 obras de correcção da fachada traseira, mas tais reparações não eliminaram definitivamente os problemas”. Convoca, para o efeito, o depoimento das testemunhas I... e H....
Do depoimento das testemunhas I..., filho da administradora do prédio, morando no mesmo, e H..., funcionária da Ré desde 2001, onde trabalha como administrativa no sector de apoio à produção, resulta esclarecido que a Ré efectuou duas intervenções no prédio da Autora para corrigir as patologias denunciadas, ainda que fracassadas: a primeira no ano de 2009, na fachada da frente do edifício, e a segunda, no início do ano de 2011, na fachada traseira do mesmo.
Todavia, tratando-se de matéria não alegada e sobre a qual o contraditório não foi exercido, deve, com a ressalva do erro de escrita detectado, manter-se inalterado o referido segmento decisório, por corresponder ao alegado pelas partes.
Passa o Ponto 14.º a ter a seguinte redacção: Nos anos de 2009 e de 2011, a Ré realizou no edifício obras de correcção dos problemas, mas tais reparações não eliminaram definitivamente os problemas; sendo a seguinte a do Ponto 15.º: Após a última intervenção da Ré no edifício, em 2011, e face à manutenção dos problemas, a Autora continuou a solicitar à Ré a resolução dos problemas. Ponto 17.º - [Em face da ausência de realização das reparações cuja execução foi prometida pela Ré, a Autora requereu a notificação judicial avulsa da Ré nos termos que constam do documento junto a fls. 43 a 50 dos autos (cujo teor aqui é dado como reproduzido), tendo a Ré sido notificada, no dia 22 de Agosto de 2012, para, “no prazo máximo de 30 dias a contar da notificação, eliminar os defeitos de obra existentes, reservando-se a Autora o direito de executar ela própria a eliminação dos defeitos ou por intermédio de terceiro por si contratado, caso a Ré não elimine os defeitos no prazo concedido, e recorrer ao Tribunal para exercer contra a Ré o seu direito a indemnização pelo incumprimento definitivo do contrato”]:
A divergência da recorrente dirige-se contra a inclusão no transcrito segmento decisório da expressão “cuja execução foi prometida pela Ré”, por cuja eliminação pugna.
Sem razão, porém.
Resulta incontestavelmente demonstrado, não só pelo depoimento das testemunhas I..., K... e J..., mas fundamentalmente pelo próprio conteúdo da carta de 28 de Novembro de 2011, dirigida pela Ré à Autora, junta a fls. 39, que aquela prometeu realizar as reparações, e não o tendo feito a partir da última intervenção de 2011, requereu a Autora a notificação judicial avulsa mencionada no ponto 17.º.
Por isso, não merece censura o decidido neste concreto ponto da matéria de facto provada. Ponto 22.º - [Após a intervenção da Ré, o edifício apresenta problemas ao nível dos muros: falta de pintura de parte do muro exterior do 1.º andar; existência de fissuras nos muros situado nos terraços do 3.º andar e alteração do peitoril do muro da varanda da fracção do 4.º esquerdo “E”, que foi revestido a tela sem colocação do mármore como acabamento] e Ponto 23.º - [A eliminação deste problema (cujos trabalhos durarão cerca de sete dias) tem um custo de € 2.600,00, acrescido de IVA à taxa legal em vigor]:
O tribunal recorrido fundou a convicção probatória quanto à matéria em causa no relatório pericial de fls. 344 a 355 e esclarecimentos complementares prestados em audiência pelo Sr. Perito autor do mesmo.
As anomalias em causa acham-se, com efeito, descritas no relatório pericial, tendo o Sr. Perito, à pergunta sobre a origem dos defeitos em causa respondido que “reporta-se a origem dos defeitos à data da execução dos trabalhos por parte da Ré”.
Pretende a recorrente que o ponto 22.º dos factos provados passe a ter a seguinte redacção: “Após a intervenção da Ré, o edifício apresenta uma alteração do peitoril do muro da varanda da fracção do 4º esquerdo “E”, que foi revestido a tela sem colocação do mármore como acabamento”. Mas, uma vez mais, a reclamada alteração não encontra suporte probatório que a justifique.
Note-se que as patologias enunciadas no ponto 22.º dos factos provados encontram-se descritas no relatório pericial, não tendo o Sr. Perito com os esclarecimentos prestados em audiência infirmado o conteúdo desse relatório, precisando que não houve intervenção da Ré na parte exterior do terraço, não tendo sido pintada parte do muro exterior, como documentam as fotografias que ilustram o relatório.
O mesmo relatório pericial fundamenta o juízo probatório que esteve na base do ponto 23.º dos factos provados. Ponto 24.º - [Após a intervenção da Ré, o edifício apresentava problemas ao nível da impermeabilização do telhado/cobertura]; Ponto 25.º - [Estes problemas do telhado/cobertura impediam o uso e fruição plenos das partes comuns e também de algumas fracções autónomas, tornando-se urgente e inadiável a reparação/eliminação dos mesmos, com vista a assegurar o uso e fruição das fracções autónomas em condições mínimas de condignidade] e Ponto 26.º - [Assim, a Autora viu-se obrigada a contratar os serviços da sociedade F..., Lda., a qual levou a cabo uma intervenção ao nível do telhado/cobertura, tendo a Autora despendido, no pagamento deste serviço, valor não concretamente apurado].
A comprovação desta matéria resultou de prova testemunhal produzida: depoimentos das testemunhas I..., K... e L..., que, de forma convincente, se referiram aos problemas surgidos após a intervenção da Ré no telhado/cobertura por deficiência da sua impermeabilização, o que causou infiltrações em algumas das fracções do prédio. Dada a urgência na resolução do problema, precisaram as mesmas testemunhas ter a Autora contratado os serviços da empresa F..., que realizou obras de reparação do telhado/cobertura – e também obras mais profundas, de requalificação, designadamente substituição da cobertura [muito para além da obra de impermeabilização contratada com a Ré], como resulta dos depoimentos das testemunhas G..., engenheiro, funcionário da Ré desde 2005, sendo responsável pela área norte da mesma, e K..., fazendo também o relatório pericial alusão à intervenção a que o telhado/cobertura foi submetido. Ponto 27.º - [A sociedade F..., Lda. elaborou a «proposta» que consta do documento de fls. 55 e 56 dos autos, cujo teor aqui é dado como reproduzido. A sociedade F..., Lda. elaborou a «proposta» que consta do documento de fls. 55 e 56 dos autos, cujo teor aqui é dado como reproduzido]:
Deste segmento decisório apenas resulta comprovado que a sociedade F..., Lda. elaborou a «proposta» constante de fls. 55 e 56 dos autos, facto nunca antes questionado pela Ré, tendo a mesma na sua contestação apenas impugnado o conteúdo do aludido documento.
Convocando o depoimento das testemunhas I..., M... e L... pugna a recorrente no sentido de ser aditado à matéria provada o seguinte facto: “os defeitos surgidos no edificio em 2006 e denunciados de imediato à Ré são os mesmos que ora se reclamam nos presentes autos.”
Tratando-se, também aqui, de matéria que não foi objecto de alegação pelas partes, pelas razões adiantadas a propósito da apreciação da matéria constante do ponto 1.º, não é possível a sua introdução nos factos provados.
Em resumo: a decisão relativa à matéria de facto mantém-se sem alterações, à excepção dos pontos 1.º, 14.º e 15.º, que sofrem a modificação oportunamente assinalada.
2. Aplicação do Direito aos factos.
2.1. Caracterização da relação negocial.
Segundo a realidade factual demonstrada nos autos, após, a solicitação da Autora, ter a Ré apresentado a proposta de orçamento constante de fls. 32 a 38, acordaram as partes na celebração do contrato com o conteúdo correspondente a tal proposta contratual – ponto 4.º dos factos provados.
Segundo o artigo 1207º do Código Civil, “empreitada é o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço”.
Ou seja, “o contrato de empreitada é uma das modalidades do contrato de prestação de serviços que tem, como elemento tipificador, a realização de uma obra”[17], podendo ainda definir-se como “o contrato pelo qual alguém se obriga a realizar certa obra, ainda que seja o empreiteiro a fornecer os meios materiais para o efeito normalmente instrumentais quanto à sua realização planeada pelo dono”[18].
Como detalhadamente explica o Acórdão do STJ, de 18/9/2003[19], “na tipicidade legal definida nuclearmente no artigo 1207º do Código Civil a empreitada é um contrato obrigacional quoad effectum - conquanto lhe possam andar associados efeitos reais - pelo qual uma das partes, designada “empreiteiro” se obriga a realizar uma obra em relação a outra parte, denominada “dono da obra”, mediante um preço, que constitui obrigação desta.
A obra que constitui elemento constitutivo prototípico da empreitada, e objecto desta, tanto pode consistir na realização de uma coisa (corpórea) nova, como na modificação de uma coisa existente, e, mesmo na fabricação de qualquer outro produto, mediante prestação de trabalho ou de serviços.
Todavia, o trabalho exigível na empreitada não é devido enquanto tal, mas apenas como meio de realização da obra ou da produção do resultado que constitui o objecto nuclear da prestação obrigacional. Por isso se compreende que esse trabalho não tenha de ser prestado pelo próprio empreiteiro a título pessoal - salvo tratando-se de obra caracterizada à partida infungivelmente pela personalidade do obrigado -, intervindo ele em regra no contrato na veste de agente económico autónomo, inconfundível com a de um trabalhador subordinado, numa posição de independência de ordens e instruções da contraparte inassimilável à posição de mandatário.
Assumindo a obrigação de realizar a obra, mas não tendo de a executar por si pessoalmente - tal como na complexa construção de edifícios - deve então o empreiteiro recrutar a mão de obra, assegurar o concurso de técnicos das especialidades e a disponibilidade das matérias-primas, máquinas e instrumentos necessários à boa consecução do empreendimento”.
Assim, sem dissídio, caracterizou a sentença recorrida a relação contratual estabelecida entre Autora e Ré, tendo precisado: “Cumpre referir que a obra em causa configura uma obra levada a cabo num edifício destinado por sua natureza a longa duração, sendo potencialmente aplicável o regime especial previsto no art. 1225º do CC.
Como é sabido, o art. 1225º do CC estabeleceu regras específicas relativas à responsabilidade do empreiteiro por defeitos em empreitadas de construção, modificação ou reparação de edifícios ou outros imóveis, destinados por sua natureza a longa duração, consagrando, basicamente, prazos alargados de denúncia dos defeitos e de exercício dos respectivos direitos do dono da obra”.
Quanto ao regime legal concretamente aplicável, enveredou a mesma sentença, depois de detalhada fundamentação, pelo entendimento de que “o contrato de empreitada de consumo, celebrado entre a Autora e a Ré, rege-se pelas regras especiais previstas no DL n.º 67/2003 e na LDC, adaptáveis a este tipo contratual, com aplicação subsidiária das regras previstas no Código Civil”, posição que mereceu a discórdia da recorrente, que, socorrendo-se da opinião de Cura Mariano[20], sustenta a inaplicabilidade do regime jurídico em causa aos contratos que tenham por objecto a simples reparação ou manutenção duma construção já existente.
Sem nos alongarmos excessivamente na explicação das razões que nos levam a compartilhar do entendimento acolhido na sentença recorrida – até porque disso já ela cuidou sobejamente, sendo que nos revemos nas razões expostas para defesa do entendimento acolhido de que a empreitada de consumo também abrange a empreitada de reparação de imóveis -, sempre adiantaremos:
O Decreto-Lei nº 67/2003, de 8 de Abril, que transpôs para o ordenamento jurídico interno a Directiva nº 1999/44/CE, de 25.05.1999, aprovada pelo Parlamento e Conselho Europeu, veio definir um regime especial para a venda e outros contratos de consumo, visando assegurar a protecção dos interesses dos consumidores nesses contratos, reconhecendo a fragilidade da sua posição contratual em confronto com os operadores económicos com quem negoceia.
Na redacção original do Decreto-Lei n.º 67/2003, o artigo 1.º, n.º 2 determinava que o seu regime legal era “aplicável com as necessárias adaptações, aos contratos de fornecimento de bens de consumo a fabricar ou a produzir e de locação de bens de consumo.”
Face a essa primitiva redacção, era entendimento comum que aquele normativo apenas se direcionava aos contratos de empreitada cuja prestação consistisse na realização duma obra de criação de coisa nova, não se aplicando aos contratos que tivessem por objecto a simples reparação, limpeza, modificação, manutenção ou destruição duma coisa já existente.
Entretanto, por introdução do Decreto-Lei n.º 84/2008, de 21.05, o artigo 1.º-A, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 67/2003, passou a ter a seguinte redacção: “O presente decreto-lei é ainda, aplicável, com as necessárias adaptações, aos bens de consumo fornecidos no âmbito do contrato de empreitada ou de prestação de serviços, bem como à locação de bens de consumo.”
Não obstante a referida alteração normativa, alguns autores, entre os quais Cura Mariano[21], persistem na defesa do entendimento de que a actual “formulação parece continuar a excluir os contratos de empreitada em que não é fornecido, produzido ou criado um bem, incidindo as obras de reparação, limpeza, manutenção ou destruição sobre um bem pré-existente, até por o regime do referido diploma está construído intencionalmente para situações em que exista a entrega dum bem a um consumidor por um profissional [...].”
Opinião contrária tem Menezes Leitão[22] para quem a actual redacção do artigo 1.º-A, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 67/2003, permite abranger não apenas a empreitada de construção, mas também a empreitada de reparação ou modificação, sob pena da alteração, significativa em termos de redacção, do preceito em causa ficar despojada de significado prático. Para este autor, “constituem precisamente referências à empreitada os n.ºs 3 e 4 do art. 2 (do citado DL 67/2003) ao referirem a falta de conformidade resultante dos materiais fornecidos pelo consumidor ou resultante da má instalação dos bens.
Ao contrário do que fazia a Directiva, que restringia a definição dos bens de consumo aos bens móveis corpóreos (art. 1 n.º 2 al. b), o regime do DL 67/2003, não exclui os bens imóveis (art. 3º n.º 2 do DL 67/2003), pelo que a empreitada de construção ou reparação de imóveis é também abrangida por este regime”.
Também na jurisprudência se tem vindo a consolidar o entendimento de que o regime do Decreto-Lei n.º 67/2003 se estende também aos contratos de empreitada de reparação de imóvel, como, entre outros, refere o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 09.02.2010[23], em que se está em causa um contrato de empreitada de reparação de um imóvel, de cujo sumário se retira: “Deve ser qualificada como empreitada de consumo o contrato celebrado por quem destina a obra encomendada a um uso não profissional e alguém que exerce, com carácter profissional, uma determinada actividade económica, a qual abrange a realização da obra em causa, mediante remuneração [...]”[24].
A aplicação deste específico regime pressupõe uma relação de consumo entre o dono da obra e o empreiteiro. Essa relação configura-se quando alguém destina a obra encomendada a um uso não profissional, sendo a obra encomendada executada por quem exerça com carácter profissional uma determinada actividade económica, onde se compreenda a realização da obra em causa, mediante remuneração (cfr. artigo 2.º, nº 1 da LDC de 24/96 e 1.º-B/a) do Decreto-Lei n.º 67/2003).
É a relação entre este sujeitos económicos, com presumida desigualdade de experiência, organização e informação entre eles, que transmuta a relação negocial entre eles estabelecida de contrato de empreitada para empreitada de consumo, justificando essa desigualdade a aplicação dum regime especial, protectivo da parte considerada mais débil: o dono da obra.
Cura Mariano[25], advogando que as pessoas colectivas não podem legalmente ser consideradas consumidores, aceita, todavia, que o “condomínio” não integra o conceito de pessoa colectiva, explicando: “O instituto da propriedade horizontal encerra um modelo de técnica jurídica de tratamento de interesses colectivos, sem recurso à criação duma pessoa jurídica de ficção […].
Se um condomínio não tem “profissão”, por não visar a prossecução de um objectivo económico, político, social, filantrópico ou recreativo pelo que não pode ser equiparado às pessoas colectivas para se afastar liminarmente a sua classificação como consumidor [...]”.
Nestas circunstâncias, segundo o mesmo autor, a qualificação do contrato como de empreitada de consumo depende do tipo de utilização das fracções que compõem esse edifício: “Se estas têm maioritariamente um destino de utilização profissional (v.g. o exercício do comércio ou indústria ou escritórios), o contrato relativo à realização das obras nas partes comuns não pode ser qualificado como uma empreitada de consumo. Mas se as fracções que integram o condomínio têm um destino maioritário não profissional (v.g. a habitação) já aquele contrato pode ser qualificado como de empreitada de consumo.”.
A factualidade apurada não esclarece, porque as partes não o alegaram, como oportunamente se deixou referido, o destino das fracções que compõem o prédio constituído em regime de propriedade horizontal, representado pelo condomínio Autor.
Visando situação paralela, escreveu-se no já citado acórdão da Relação do Porto de 08.05.2014: “Perante, esta indefinição, coloca-se a questão de saber sobre quem recaía o ónus de alegar e provar que a maioria das fracções do prédio em causa não se destinavam a utilização profissional.
Dado que o sub-tipo contratual da empreitada de consumo tem normas mais favoráveis à posição contratual do dono da obra (tendo em conta que, em condições normais, será o beneficiado com a aplicação deste regime), era sobre o R/condómino que recaía esse ónus.
Estando perante um regime especial, que afasta as regras do regime geral do Código Civil, as qualidades dos contraentes que permitem estabelecer a relação de consumo têm que se encontrar alegadas e demonstradas no processo, pelo que, desconhecendo-se a que se destinam a maioria das fracções (se estão afectas a habitação ou uso profissional) não é possível qualificar o contrato celebrado como de empreitada de consumo e aplicar-lhes as normas previstas no DL n.º 67/20032”.
Partilhando deste entendimento, e volvendo ao que nestes autos se discute, perante a indefinição, por incumprimento do ónus de alegação que sobre a Autora recaía, do destino da maioria das fracções que compõem o prédio onde a Ré efectuou obras, ter-se-á se enveredar por idêntica solução, isto é, caracterizar como contrato de empreitada a relação contratual estabelecida entre as partes, arredando a qualificação do sub-tipo contratual de empreitada de consumo, por ausência de demonstração da qualidade de consumidor do dono da obra.
2.2. Da caducidade.
Segundo o nº 1 do artigo 406º do Código Civil, que consagra o princípio pacta sunt servanda, traduzido no reconhecimento da força vinculativa dos contratos tal como foram concluídos, em relação aos contratantes, “o contrato deve ser pontualmente cumprido, e só pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contratantes ou nos casos admitidos na lei”.
E de acordo com o artigo 762º do Código Civil, “o devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado”.
O cumprimento deve, pois, ter por objecto a coisa ou o facto sobre os quais versa a obrigação.
Da celebração do contrato de empreitada emerge para o dono da obra a obrigação de pagar o preço devido, nas condições acordadas, e para o empreiteiro, a obrigação de concluir a obra, nos termos também acordados.
O cumprimento [perfeito] dessa obrigação pressupõe que a obra seja executada sem defeitos, isto é, em conformidade com o que foi convencionado ou projectado e sem vícios que excluam ou reduzam o seu valor, ou a sua aptidão para o uso ordinário ou contratualmente previsto[26].
Vícios são, no esclarecimento de João Cura Mariano[27], “anomalias objectivas da obra, traduzindo-se em estados patológicos desta, independentemente das características convencionadas”.
Os artigos 1221º a 1225º do Código Civil preveem e regulam vários direitos reconhecidos ao dono da obra em reacção a um cumprimento defeituoso da prestação a cargo do empreiteiro.
Existindo defeitos que afectem a obra, traduzem-se esses direitos/deveres, a incidirem, respectivamente, na esfera jurídica do dono da obra e na do empreiteiro, na eliminação dos defeitos, redução do preço, resolução do contrato e indemnização.
O exercício de qualquer desses direitos está, todavia, sujeito à prévia denúncia dos defeitos pelo dono da obra.
Tal como estabelece o nº 1 do artigo 1220º do Código Civil, “o dono da obra deve, sob pena de caducidade dos direitos conferidos nos artigos seguintes, denunciar ao empreiteiro os defeitos da obra dentro dos trinta dias seguintes ao seu descobrimento”.
Mas se o empreiteiro reconhecer os defeitos, esse reconhecimento equivale a denúncia, ficando, assim, o dono da obra desonerado do seu exercício, como decorre do nº 2 do referido normativo.
Dispõe o artigo 1225º, previsto para imóveis destinados a longa duração, situação em que se encaixa a execução da obra de reabilitação empreendida pela Ré no edifício da Autora:
“1. Sem prejuízo do disposto nos artigos 1219º e seguintes, se a empreitada tiver por objecto a construção, modificação ou reparação de edifícios ou outros imóveis destinados por sua natureza a longa duração e, no decurso de cinco anos a contar da entrega, ou no decurso do prazo de garantia convencionada, a obra, por vício do solo ou da construção, modificação ou reparação, ou por erros de execução dos trabalhos, ruir total ou parcialmente, ou apresentar defeitos, o empreiteiro é responsável pelo prejuízo causado ao dono da obra ou a terceiro adquirente.
2. A denúncia, em qualquer dos casos, deve ser feita dentro do prazo de um ano e a indemnização deve ser pedida no ano seguinte à denúncia.
3. Os prazos previstos no número anterior são igualmente aplicáveis ao direito à eliminação dos defeitos, previstos no artigo 1221º.
4. […]”.
De acordo com os normativos citados, o dono da obra dispõe dos seguintes prazos para exercer os seus direitos como reacção a defeitos que possa afectar o imóvel objecto de empreitada:
- um ano para exercer a denúncia, contado da data do conhecimento dos defeitos;
- um ano, a contar da denúncia, para, através da competente acção judicial, pedir a eliminação dos defeitos, e/ou a indemnização pelos danos por eles causados;
- cinco anos, contados da entrega do imóvel, devendo, dentro desse prazo, ser exercida a denúncia e proposta a acção judicial para os fins apontados[28].
Recai sobre o dono da obra o ónus da prova da efectivação da denúncia, enquanto sobre o empreiteiro recai o ónus da prova do decurso do prazo da denúncia[29].
Como é pacificamente aceite pela jurisprudência e pela doutrina, ao empreiteiro que pretenda fazer extinguir os direitos que a lei reconhece ao dono da obra por virtude da execução defeituosa da obra incumbe arguir a caducidade desse direito, invocando e provando o decurso dos prazos legalmente estabelecidos para a denúncia dos vícios e para o exercício da correspondente acção, nos termos do nº 2 do artigo 343º do Código Civil.
Sobre o dono da obra recai o ónus de alegação e prova dos defeitos que pretende que sejam eliminados, e, sendo estes não aparentes ou de surgimento evolutivo, também esse ónus abrange a data do conhecimento desses defeitos.
Com efeito, como se pode retirar do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 26.10.2010[30], “Podemos, pois, dizer – (…) – que a alegação da data do descobrimento dos defeitos é elemento constitutivo do direito do dono da obra, enquanto figurante na lide na veste de autor da acção. (…). Em boa verdade, se não lhe é indicada uma data concreta e precisa em que ocorreu a descoberta do defeito alegado, como pode ele defender-se, dizendo que o prazo já está ultrapassado?!”.
Remetendo o que se deixa exposto para a realidade factual dos autos:
Deles resulta, na parte que aqui releva, que:
10. Durante o ano de 2006, começaram a surgir problemas nas partes comuns do edifício onde ocorreu a intervenção da Ré, impeditivos do uso e fruição plenos de tais partes comuns e também de algumas das fracções autónomas.
11. A Autora interpelou a Ré para proceder à reparação dos problemas surgidos.
12. A Autora reuniu por diversas vezes com a Ré, quer na pessoa do seu representante legal, quer com os seus colaboradores directos ou subordinados, incluindo a sociedade subempreiteira contratada por aquela.
13. A Ré sempre anuiu a resolver os problemas surgidos, visitando a obra várias vezes, com tal finalidade.
14. Nos anos de 2009 e de 2011, a Ré realizou no edifício obras de correcção dos problemas, mas tais reparações não eliminaram definitivamente os problemas.
15. Após a última intervenção da Ré no edifício, em 2011, e face à manutenção dos problemas, a Autora continuou a solicitar à Ré a resolução dos problemas.
16. A Ré respondeu às interpelações da Autora através da carta que constitui o documento de fl. 39 dos autos, datada de 28/11/2011, cujo teor aqui é dado como reproduzido, destacando-se o seguinte: “Antes de mais informamos que a reclamação apresentada por V. Exas., relativa ao edifício em epígrafe, não está de modo algum esquecida pela B... e todas as reparações devidas serão corrigidas ao abrigo da garantia. (...) Realçamos que a época de chuvas que atravessamos condiciona a normal execução do trabalho pelo que esta espera teria sempre de decorrer de qualquer forma.”.
17. Em face da ausência de realização das reparações cuja execução foi prometida pela Ré, a Autora requereu a notificação judicial avulsa da Ré nos termos que constam do documento junto a fls. 43 a 50 dos autos (cujo teor aqui é dado como reproduzido), tendo a Ré sido notificada, no dia 22 de Agosto de 2012, para, “no prazo máximo de 30 dias a contar da notificação, eliminar os defeitos de obra existentes, reservando-se a Autora o direito de executar ela própria a eliminação dos defeitos ou por intermédio de terceiro por si contratado, caso a Ré não elimine os defeitos no prazo concedido, e recorrer ao Tribunal para exercer contra a Ré o seu direito a indemnização pelo incumprimento definitivo do contrato”.
18. Contudo, a Ré não procedeu aos trabalhos de reparação/eliminação dos problemas.
Tendo o termo da execução da obra ocorrido em data não concretamente apurada do final do ano de 2004 ou do início do ano de 2005 – ponto 8.º dos factos provados -, o surgimento das patologias nas partes comuns do prédio onde se deu a intervenção da Ré ocorreu no decurso do ano de 2006. Só a partir do deflagrar das anomalias delas podia a Autora ter conhecimento.
A Autora interpelou a Ré para proceder à reparação das mesmas. Desconhece-se a data em que o fez, mais uma vez por omissão de alegação.
Logrou-se, todavia, apurar que a Ré sempre anuiu a resolver os problemas surgidos, visitando a obra várias vezes, com tal finalidade, tendo, nos anos de 2009 e de 2011, realizado no edifício obras de correcção dos problemas, mas sem que tais reparações tenham eliminado definitivamente os mesmos.
Também se comprovou que após a última intervenção da Ré no edifício, em 2011, e face à manutenção dos problemas, a Autora continuou a solicitar à Ré a sua resolução, embora sem concretização da data ou datas desta(s) nova(s) interpelação(ões).
Finalmente, provou-se ter a Ré enviado à Autora a carta datada de 28.11.2011, com o conteúdo transcrito no ponto 16.º dos factos provados.
Nos termos do n.º 2 do artigo 1220.º do Código Civil, “Equivale à denúncia o reconhecimento, por parte do empreiteiro, da existência do defeito”.
Tal preceito deve ser correlacionado com o artigo 331.º do mesmo diploma legal que dispõe:
“1. Só impede a caducidade a prática, dentro do prazo legal ou convencional, do acto a que a lei ou convenção atribua efeito impeditivo.
2. Quando, porém, se trate de prazo fixado por contrato ou disposição legal relativa a direito disponível, impede também a caducidade o reconhecimento do direito por parte daquele contra quem deva ser exercido”.
Escreveu-se no acórdão do STJ de 09.07.2015[31]: “O que resulta deste n.º 2 do artigo 331.º é que, estando em causa direitos disponíveis – como é o caso – e estando fixado por disposição legal um prazo de caducidade, impede essa caducidade o reconhecimento do direito por parte daquele contra quem deva ser exercido.
[...].
“Com efeito, podem ocorrer dois tipos de reconhecimento pelo empreiteiro da existência de defeitos na obra: um, que é o mais vulgar e que se analisa num mero «acto demonstrativo da percepção dos defeitos da obra», e outro, muito menos vulgar, que é o da «assunção da responsabilidade pela verificação desses defeitos»” – CURA MARIANO, Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, Almedina, Coimbra, 4.ª ed, p. 92.
Segundo o citado AUTOR, a um e outro desses reconhecimentos há que atribuir efeitos diferentes.
Assim, no art.º 1220.º/2 é ao primeiro dos sentidos que o legislador se refere, fazendo-o equivaler à denúncia dos defeitos.
Este reconhecimento, diz CURA MARIANO (obra e local citados), «que pode ser tácito ou expresso, pode ser feito perante o dono da obra ou perante terceiro (…) apenas liberta o dono da obra de efectuar a denúncia dos defeitos, mantendo-se a obrigatoriedade do exercício dos respectivos direitos dentro dos prazos referidos nos arts 1224.º e 1225.º CC».
Ao segundo, que é e o da «assunção da responsabilidade pela verificação desses defeitos», há que atribuir efeitos muito mais extensos, pois que este, quando feito de forma inequívoca pelo empreiteiro – e ainda que este não pratique os actos equivalentes à realização do direito, por exemplo, eliminando os defeitos ou entregando obra nova – não apenas liberta o dono da obra de proceder à denúncia dos defeitos – quando, porventura, o não houvesse ainda feito – como o liberta do respeito pelo prazo de propositura da acção para fazer valer os seus direitos.
Para CURA MARIANO, perante um reconhecimento inequívoco, ainda que, porventura, não seguido de uma realização equivalente, “não há razão nenhuma para manter a protecção a uma situação de incerteza que já não se verifica pelo reconhecimento efectuado”.
Este outro mais extenso acto de reconhecimento «não determina a contagem de novo prazo de caducidade, passando o exercício desse direito a estar sujeito apenas ao prazo de prescrição ordinário».
Neste mesmo sentido se pronunciam PIRES DE LIMA E ANTUNES VARELA, (Código Civil Anotado, I, Coimbra Editora, Coimbra, em anotação ao art 331º): «O reconhecimento impeditivo da caducidade, ao contrário do reconhecimento que interrompe a prescrição, não tem como efeito abrir-se um novo prazo de caducidade: reconhecido o direito, a caducidade fica definitivamente impedida» (citando VAZ SERRA, “Prescrição e Caducidade”, BMJ n.º 118). E continuam: «O que pode acontecer é que a lei sujeite o exercício do direito a um novo prazo de caducidade (cfr. por exemplo, os art.s 916.º e 917.º) Quando tal não se verifique, o direito reconhecido passará a ficar subordinado às regras da prescrição, se se tratar de um direito prescritível».
E VAZ SERRA igualmente sustenta esse entendimento na RLJ (Ano 107.º n.º 3515, p 20 e ss.):
«Se o direito for disponível, e for reconhecido pelo eventual beneficiário da caducidade, não constitui o reconhecimento um meio interruptivo da caducidade, pois a circunstância de esse beneficiário reconhecer o direito da outra parte não tem o efeito de inutilizar o tempo já decorrido e abrir novo prazo de caducidade (como aconteceria na prescrição): o reconhecimento impede a caducidade tal como a impediria a prática de acto sujeito a caducidade. Na verdade, se o direito é reconhecido pelo beneficiário da caducidade, não faria sentido que se compelisse o titular a pedir o reconhecimento judicial do mesmo direito ou a praticar, no prazo legal, qualquer outro acto sujeito a caducidade […]. O reconhecimento impeditivo da caducidade, ao contrário do interruptivo da prescrição, não tem como efeito abrir-se um novo prazo de caducidade: reconhecido o direito, a caducidade fica definitivamente impedida, tal como se tratasse do exercício da acção judicial. Pois, com efeito, se o direito é reconhecido, fica definitivamente assente e não há já que falar em caducidade […] O reconhecimento impede a caducidade de um direito disponível porque, feito ele, seria violento e absurdo que o titular do direito tivesse, não obstante o reconhecimento do seu direito, de praticar o acto sujeito a caducidade. Assim, tratando-se de prazo de caducidade do direito de propor uma acção judicial, não seria razoável que o titular desse direito tivesse de propor a acção no prazo legal apesar de a parte contrária haver já reconhecido o direito.»
Como afirma ANÍBAL DE CASTRO (citado no acórdão deste Tribunal de 3.11.2009. proc. 4073/04.9TBMAI.P1, relator Salazar Casanova, in www.dgsi.pt)«o impedimento corresponde à efectivação do direito, não gera novo prazo, ficando o direito definido sujeito às disposições que regem a prescrição. Ou antes, esgotando-se ou exaurindo-se, com o exercício, o direito caducável, o que porventura surgir, em consequência desse exercício, ficará sujeito, não ao regime anterior, mas àquele a que houver mister recorrer-se, se for caso disso».
Conforme tem sido decidido de forma quase uniforme pelo Supremo Tribunal de Justiça, e de que é exemplo o acórdão deste alto Tribunal de 8 de Março de 2008, em www.dgsi.pt, a “(...) proposta de reparação traduz inequivocamente o reconhecimento, por parte da ré/construtora, da existência dos defeitos que se propôs eliminar. Através deste reconhecimento, muito concreto e preciso, não subsistem dúvidas sobre a aceitação dos direitos da autora, tanto para, nos termos do aludido nº 2 do art. 1220º, o fazer equivaler à denúncia como para, segundo o nº 2 do art. 331º, impedir a caducidade.
Resulta do exposto que houve da parte do réu reconhecimento dos mencionados defeitos de construção, reconhecimento traduzido em trabalhos de reparação que não deu por concluídos e, por isso, para além de um tal reconhecimento equivaler à denúncia (artigo 1220.º/2 do Código Civil), ele tem um efeito impeditivo do decurso de um prazo de caducidade para a instauração da acção destinada a exigir, após a denúncia, a eliminação dos defeitos: neste sentido: Ac. do S.T.J. de 8.3.2007, proc. 372/07 – 7ª secção (Alberto Sobrinho), Ac. do S.T.J. de 9.12.2008, proc. n.º 3507/08 – 1ª secção (Moreira Alves) Ac. do S.T.J. de 19.3.2009, proc. 09A0334 (Fonseca Ramos), Ac. do S.T.J. de 28.4.2009, proc.s n.º 3604/08 e 08B3604 – 7ª secção (Maria dos Prazeres Beleza), Ac. do S.T.J. de 14.5.2009, n.º 1905/04.5TBGDM.S1. – 6ª secção (Sousa Leite)”[32].
Face ao circunstancialismo fáctico que os autos retratam, nomeadamente ao vertido nos pontos 13.º, 14.º, 16.º dos factos provados, é inquestionável o reconhecimento pela Ré, ora recorrente, dos defeitos que afectam o edifício após a sua intervenção; esse reconhecimento, equivalendo à denúncia, sempre dispensaria a dona da obra de a efectuar, tendo, como salienta o acórdão acima transcrito, efeito impeditivo sobre o decurso do prazo de caducidade para o exercício do direito de acção para esta fazer valer os direitos decorrentes do cumprimento defeituoso da empreitada.
Era à Ré que incumbia provar que o reconhecimento dos defeitos ocorreu decorrido mais de um ano sobre seu o conhecimento por parte da Autora, para que pudesse prevalecer-se da excepção da caducidade invocada, obstando, deste modo, que à mesma fossem judicialmente reconhecidos direitos resultantes do cumprimento defeituoso da empreitada.
Não tendo satisfeito esse ónus, e considerando que “a partir desse reconhecimento, não correria novo prazo de caducidade, antes o prazo ordinário de prescrição – 20 anos (art.º 309.º do Código Civil)”[33], teria de improceder, ainda que por razões distintas das acolhidas na decisão impugnada, a excepção da caducidade [quer em relação à denúncia, quer em relação ao direito de acção].
3. Responsabilidade da Ré pelas reparações realizadas no telhado.
A sentença aqui escrutinada condenou a Ré a pagar à Autora a quantia a liquidar em momento ulterior à sentença (correspondente ao valor que a Autora suportou com a intervenção ao nível do telhado/cobertura em consequência dos defeitos ou desconformidades da obra executada pela Ré, sem que possa ultrapassar o montante de € 15.103,56).
Acautelando a hipótese de poder esta instância julgar improcedente a excepção peremptória da caducidade – como efectivamente julga -, também a Ré se insurge contra este segmento condenatório, “uma vez que não trouxe a Autora aos autos prova suficiente da existência do defeito, e é sobre o Autor que recai o ónus da prova da existência do defeito, o que não logrou provar” – conclusão XLV das alegações.
Face à matéria assente no ponto 24.º dos factos provados, onde se dá conta que, após a intervenção da Ré, o edifício apresentava problemas ao nível da impermeabilização do telhado/cobertura, mostra-se comprovada a existência do defeito que ditou a sua condenação.
Também aqui o recurso improcede.
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Síntese conclusiva: - A actual redacção do artigo 1.º-A, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 67/2003, permite abranger não apenas a empreitada de construção, mas também a empreitada de reparação ou modificação de imóveis. - A aplicação deste específico regime pressupõe uma relação de consumo entre o dono da obra e o empreiteiro. Essa relação configura-se quando alguém destina a obra encomendada a um uso não profissional, sendo a obra executada por quem exerça com carácter profissional uma determinada actividade económica, onde se compreenda a realização da obra em causa, mediante remuneração. - A qualificação do contrato como de empreitada de consumo depende do tipo de utilização das fracções que compõem o edifício constituído em propriedade horizontal. - Havendo da parte do empreiteiro reconhecimento de defeitos na execução da obra contratada, traduzido, nomeadamente, na realização de trabalhos de reparação desses defeitos, tal reconhecimento, para além de equivaler à denúncia, nos termos do n.º 2 do artigo 1220.º do Código Civil, tem um efeito impeditivo do decurso de um prazo de caducidade para a instauração da acção destinada a exigir, após a denúncia, a eliminação dos defeitos.
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Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em:
- Alterar a decisão relativa à matéria de facto em conformidade com o oportunamente exposto;
- Quanto ao mais: ainda que com distinta fundamentação, confirmar a sentença recorrida.
Custas: pela apelante.
Porto, 12 de Outubro de 2017
Judite Pires
Aristides Rodrigues de Almeida
Inês Moura
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[1] “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2013, Almedina, pág. 224 e 225.
[2] Artigos 396º do C.C. e 607º, nº5 do Novo Código de Processo Civil.
[3] Abrantes Geraldes, “Temas da Reforma do Processo Civil”, vol. II, 1997, pág. 258. Cfr. ainda, o Ac. desta Relação de Coimbra de 11/03/2003, C.J., Ano XXVIII, T.V., pág. 63 e o Ac. do STJ de 20/09/2005, proferido no processo 05A2007, www.dgsi.pt, podendo extrair-se deste último: “De salientar a este propósito, como se faz no acórdão recorrido, que o controlo de facto em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência não pode aniquilar (até pela própria natureza das coisas) a livre apreciação da prova do julgador, construída dialecticamente na base da imediação e da oralidade.
Na verdade, a convicção do tribunal é construída dialecticamente, para além dos dados objectivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, também pela análise conjugada das declarações e depoimentos, em função das razões de ciência, das certezas e ainda das lacunas, contradições, hesitações, inflexões de voz, (im) parcialidade, serenidade, "olhares de súplica" para alguns dos presentes, "linguagem silenciosa e do comportamento", coerência do raciocínio e de atitude, seriedade e sentido de responsabilidade manifestados, coincidências e inverosimilhanças que, por ventura transpareçam em audiência, das mesmas declarações e depoimentos (sobre a comunicação interpessoal, RICCI BOTTI/BRUNA ZANI, A Comunicação como Processo Social, Editorial Estampa, Lisboa, 1997)”.
[4] Anselmo de Castro, “Direito Processual Civil”, Vol. 3º, pág. 173 e L. Freitas, “Introdução ao Processo Civil”, 1ª Ed., pág. 157.
[5] Processo nº 5797/04.2TVLSB.L1-7, l1-7, www.dgsi.pt.
[6] Até porque sobre o julgador recai, como já se mencionou, o dever de fundamentar a sua convicção no que concerne ao julgamento da matéria de facto.
[7] Acórdão da Relação de Coimbra, 19.01.2010, processo nº 495/04.3TBOBR.C1, www.dgsi.pt
[8] Na expressão de Bentham, é na prova testemunhal que estão os olhos e os ouvidos da justiça…
[9] Cf. Antunes Varela, Miguel Bezerra, Sampaio e Nora, “Manual de Processo Civil”, págs. 614, 615; Manuel de Andrade, “Noções Elementares de Processo Civil”, págs. 276, 277; Anselmo de Castro, “Direito Processual Civil Declaratório”, vol. III, pág. 342.
[10] Processo nº 363/07.7TBPCV.C1, www.dgsi.pt.
[11] Artigo 388º do Código Civil.
[12] Montalvão Machado, “O Novo Processo Civil”, 2.ª ed., pág. 26 e Lebre de Freitas, “Introdução ao Processo Civil (revisto)”, págs. 53, 128 e 129.
[13] Processo n.º 180240/13.2YIPRT.P1, www.dgsi.pt.
[14] “A Ação Declarativa Comum – À Luz do Código do Processo Civil de 2013”, 3ª ed. págs. 141/2, nota 2.
[15] Cfr., entre outros, acórdão da Relação do Porto de 15.09.2014, processo n.º 3596/12.0TJVNF.P1, www.dgsi.pt.
[16] Como é bom de ver, nunca poderia ser anterior à apresentação da proposta de orçamento pela Ré no ano de 2003, constante de fls. 32 a 38, a sua intervenção [necessariamente posterior] para correcção das anomalias denunciadas quanto à execução dos trabalhos incluídos no referido orçamento.
[17] Acórdão do STJ, 27/11/2003, www.dgsi.pt.
[18] Acórdão do STJ, 16/10/2003, www.dgsi.pt.
[19] www.dgsi.pt.
[20] “Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra”, 4.ª ed., pág. 205.
[21] Obra citada.
[22] “Direito das Obrigações”, vol. III, 10ª edição, pág. 562.
[23] Processo n.º 72/08.0TBPST-L1, www.dgsi.pt.
[24] Cfr. ainda acórdão desta Relação de 08.05.2014, processo n.º 298/11.9TBPFR.P1, mencionado na sentença sob recurso.
[25] Obra citada, pág. 207, 211.
[26] Artigos 1208º e 1218º do Código Civil.
[27] “Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra”, 2ª ed. revista e aumentada, pág. 64.
[28] Cfr. Acórdão da Relação de Coimbra, de 20.11.2007, processo nº 2522/05.8TJCBR.C1, www.dgsi.pt.
[29] Cfr. Cura Mariano, ob. cit., pág. 108; e acórdão da Relação de Coimbra de 20.11.2007, processo n.º 2522/05.8TJCBR.C1, www.dgsi.pt.
[30] Processo nº 571/2002.P1.S1, www.dgsi.pt.
[31] Processo n.º 3137/09.7TBCSC.L1.S1, www.dgsi.pt.
[32] Em idêntico sentido, cfr. ainda citado acórdão da Relação de Coimbra de 20.11.2007 e acórdão do STJ de 01.10.2015, processo n.º 279/10.0TBSTR.E1.S1, www.dgsi.pt.
[33] Citado acórdão do STJ de 09.07.2015.