SEGURO
SEGURO DE RESPONSABILIDADE CIVIL DE EXPLORAÇÃO
SUB-ROGAÇÃO
TERCEIRO
Sumário

Para determinar quem é terceiro e que, no ambito de sub-rogação, pode nessa qualidade reclamar o pagamento de indemnização por acidente, cumpre distinguir o plano contratual, que respeita às obrigações que os contraentes assumem por força do convénio, do plano da obrigação de indemnização, a que está adstricta a seguradora e de que é titular o lesado.
(Sumário do Relator)

Texto Integral

Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa

RELATÓRIO
Autora (A.): “A” – Sistemas de Engenharia Ambiental, SA.
Ré (R.): “B” – Companhia de Seguros, SA.
Alega a A. que celebrou com a R. um contrato de seguro de responsabilidade civil de exploração para garantir a sua responsabilidade até ao montante de 150.000$00 por danos materiais e corporais causados a terceiros; em 23.9.2000 ocorreu um acidente numa obra que lhe foi adjudicada numa área de serviço “C”, resultante da instalação efectuada pela A., que causou danos ao empreiteiro geral “D” e à dona da obra, “E”, tornando-se necessária a imediata execução de trabalho de reparação; tais trabalhos exigem um acompanhamento prolongado e rigoroso, cujos custos a A. tem vindo a suportar; suportou despesas no montante de € 187.723,58 até Outubro de 2003, e a “D” teve despesas que ascendem a € 17.222,25, sendo que a R. nada pagou argumentando negligencia profissional da A.; o contrato apenas exclui a responsabilidade da R. em caso de incumprimento voluntário e dolo directo ou eventual.
Concluiu pedindo a sua condenação no pagamento de € 187.723,58, mais as quantias que despesa a partir de Outubro de 2003, € 17.222,25 dos custos suportados pela “D”, custas judicias e honorários de advogado e juros sobre as quantias acima referidas, desde a data da propositura da acção e até integral pagamento. 
A Ré em contestação arguiu a incompetência territorial, a improcedência da acção porque a A. não é terceiro, antes foi quem sofreu os danos, porque não cumpriu as regras da sua actividade, montando peças erradamente e deixando outras por montar, assim dando azo ao evento, o que exclui a responsabilidade da seguradora por força do art.º 3/1/a da apólice; também a omissão de certos actos e de vigilância pelo operador da bomba e pelo dono da obra contribuíram para a extensão do derrame, sendo que aquele a que está ligado a A. provocou danos mínimos, não havendo, pois, nexo causal com o conjunto dos danos ocorridos; não está em causa a responsabilidade civil; qualquer responsabilidade directa para com a “D” e a “E” já prescreveu. Termina pedindo se declarem prescritos os direitos invocados e a acção julgada improcedente, com a sua absolvição do pedido.
A A. replicou invocando a sua qualidade de segurada, e, no mais, defendendo a improcedência das excepções, e pediu ainda a condenação da R. por litigância de má fé.
Os autos foram saneados – julgando-se procedente a excepção da incompetência territorial – os factos condensados, e depois a acção julgada, e por fim declarada procedente a excepção da prescrição e a R. absolvida do pedido.
Impugnada a decisão, o Supremo Tribunal de Justiça julgou improcedente a dita excepção.
Efectuado o julgamento o Tribunal julgou parcialmente procedente a acção e condenou a Ré a pagar à autora cento e oitenta e sete mil setecentos e vinte e três euros e cinquenta e oito cêntimos, acrescidos de juros de mora à taxa legal de 4%, desde a citação e até integral pagamento, e ainda a pagar à autora os montantes correspondentes aos trabalhos efectuados desde Outubro de 2003 e que se revelem necessários até à efectiva reparação dos danos decorrentes do acidente dos autos, a liquidar em execução de sentença.
Novamente inconformada a R. apelou formulando as seguintes conclusões:
1. A Ré “B”, ora Recorrente, foi absolvida na 1ª decisão da 1ª Instância e no acórdão da Relação que sobre ela incidiu também por outros fundamentos além do da prescrição.
2. Tendo o Supremo Tribunal apreciado e decidido somente a excepção da prescrição – único pedido, aliás, que lhe foi formulado pela A. “A” – e nada tendo dito nem decidido quanto à absolvição do pedido feito pelo acórdão da Relação, é evidente que esta absolvição permanece com efeito de caso julgado, que expressamente se invoca.
3. Por outro lado, dizendo a lei que “O TERCEIRO fica subrogado se cumprir a obrigação” o sujeito passivo dessa obrigação, nunca a pode cumprir na qualidade de terceiro se a cumpre, nunca fica subrogado por força desse cumprimento… porque ele nunca é terceiro nessa obrigação, a sua qualidade de devedor não se altera nem se transforma. É parte, não é terceiro.
4. Assim, a A. “A”, porque sujeito passivo da obrigação de indemnizar – mesmo que se tenha por provado que cumpriu a obrigação - nunca fica subrogada nos direitos do credor visto que, perante este e nessa obrigação, ela nunca é terceiro.
5. Por outro lado, ainda, dizendo o contrato de seguro, que cobre a responsabilidade civil geral do segurado, e sendo a responsabilidade civil geral a que resulta exclusivamente da lei, não se pode entender que o contrato de seguro cobre (também) a responsabilidade contratual, sendo esta a que emerge directamente do contrato celebrado pelo segurado com terceiros no exercício da sua actividade, em razão do seu cumprimento defeituoso
6. decorrendo da matéria de facto apurada que os danos causados a terceiros ( a “D”, a “E”, etc. ) – que não ao segurado “A”, que é apenas o causador dos danos e sujeito passivo da obrigação de indemnizar – foram produzidos no cumprimento defeituoso do “respectivo projecto de execução” (contrato), estão for a do âmbito da cobertura do contrato de seguro celebrado.
7. Finalmente, esses factos não constituem o causador dos danos em “responsabilidade civil geral”,  decorrente do texto e comando da lei, visto que não há preceito legal violado ou que o constitua nessa responsabilidade.
8. Do que decorre que não há assim, nem legitimidade substancial nem processual para que a A. “A” possa demandar a Ré “B”, pelo que, decidindo em contrário a decisão recorrida violou o disposto nos artºs 26 e seus números do CPC., nos artºs 426 e 427 do CCOM. e no contrato de seguro e, sobretudo, no artº 592 do CCIV.
9. Não há cobertura do contrato de seguro da responsabilidade em que, por força dos factos dos nºs 7 e 8 a fls. 264, a A. “A” incorreu, responsabilidade essa de natureza exclusivamente contratual
10. E não decorre desses factos qualquer responsabilidade civil geral que, por força directa de qualquer preceito legal, obrigue a A. “A” a indemnizar os respectivos lesados.
11. Pelo que decidindo como o fez a sentença recorrida violou o disposto nos artºs 426 e 427 do CCOM e na letra e no espírito do contrato de seguro.
Afinal pede:
a. Seja declarada a existência de caso julgado absolvendo a Ré “B”, uma vez que no seu dispositivo o acórdão do STJ não revogou o acórdão desta Relação que confirmou e decidiu a absolvição da Ré “B” do pedido.
b. Porque o acórdão do STJ apenas se limitou a conhecer e decidir da excepção da prescrição, de nada mais tendo conhecido ou decidido, designadamente da absolvição da Ré “B” feita pelas duas Instâncias anteriores.
A não se entender assim:
c. seja a A. declarada parte ilegítima e a Ré absolvida da instância;
ou, se ainda assim se não entender,
d. seja decidido que a A. “A” não se encontra subrogada nos direitos de indemnização que pretende fazer valer nesta acção ( repete-se, ela não è terceiro, não podendo nunca invocar o disposto no artº 592 do CCIV., frontalmente violado )
e. que o contrato de seguro não dá cobertura à responsabilidade contratual – que é a única que decorre dos nºs 7 e 8 da matéria de facto,
f. que, por outro lado, não existe preceito legal que, com base nesses factos, constitua a A. “A” em responsabilidade civil geral, ou derivada directamente da lei,
g. e a consequente absolvição da Ré “B” do pedido.
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A A. contra-alegou, concluindo desta sorte:
1. A absolvição da Ré do pedido constante da 1ª decisão da 1ª Instância decorre, tão só, da procedência da excepção da prescrição. Ou seja, é o seu efeito necessário e natural, por imposição legal.
2. Não se verificando a prescrição, não se poderão manter os seus efeitos, pelo que, tendo o STJ considerado que o direito da A. não se encontrava prescrito à data da propositura da acção, voltaram os autos à 1ª Instância para apreciação das questões que ficaram prejudicas pelo entendimento, errado, da 1ª decisão da 1ª Instância de que o direito da A. se encontrava prescrito.
3. A decisão do STJ e a remessa dos autos à 1ª Instância para pronúncia sobre as questões que ficaram prejudicadas, não só faz “cair” os efeitos da prescrição (absolvição do pedido), como impõe que se aproveitem todas as questões já julgadas e transitadas, como é o caso da legitimidade da A. para demandar a R. sub-rogada nos direitos dos lesados.
4. Verifica-se existir caso julgado quanto á legitimidade da A. e bem assim quanto à sua sub-rogação nos direitos dos credores, casos julgados estes inatacáveis.
5. No que respeita à cobertura do contrato celebrado entre as partes, acompanha-se, na íntegra, o entendimento e conclusões constantes da douta sentença recorrida de que os danos decorreram de uma actuação da autora abrangida pelo contrato de seguro.
6. Não consta do contrato de seguro celebrado entre as partes qualquer cláusula que exclua a responsabilidade pela inexecução ou exercício defeituoso da actividade ou profissão.
7. O contrato de seguro não exclui nenhum dos dois tipos de responsabilidade civil que a lei regula (contratual ou extra-contratual), pelo que, forçosamente, terá que abranger ambos.
8. Tendo os danos decorrido de uma actuação da autora abrangida pelo contrato de seguro, e não ocorrendo qualquer circunstância que a exclua a responsabilidade – nomeadamente, que tenha ocorrido dolo, directo ou eventual, da autora ou das pessoas por quem este seja civilmente responsável (cláusula 3ª do contrato, a fls. 99) -, concluímos, como o faz a douta sentença recorrida, que o incidente se encontra abrangido pelo objecto do contrato, devendo a Ré assumir os danos causados pelo incidente.
Finda pedindo que seja mantida a decisão de 1ª Instância, condenando-se a R. a pagar à A. os montantes da mesma constantes.
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Colhidos os vistos legais cumpre decidir.
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FUNDAMENTAÇÃO
Cumpre apreciar neste recurso se
- existe caso julgado favorável à R.;
- se verificam os pressupostos exigíveis para a condenação da R..
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São estes os factos dados por provados na 1ª instância:
A) A autora é uma sociedade que se dedica à distribuição e montagem de diversos equipamentos mecânicos e electrónicos e bem assim a consultadoria, estudos e projectos de engenharia ambiental, entre outros, tudo conforme certidão de registo comercial de fls. 21 a 24, no mais aqui dada por integralmente reproduzida;
B) A transformação da autora em Sociedade Anónima ocorreu através da deliberação de 7/12/2000, registada na Conservatória do Registo Comercial de ... em 26/2/2001;
C) No exercício da sua actividade a autora contratou com a ré um seguro de responsabilidade civil de exploração através da apólice n." 00.2.118.775, conforme consta do documento de fls. 25 dos autos, no mais aqui dado por integralmente reproduzido.
D) Nos termos dessa apólice a autora declarou transferir para a ré a sua responsabilidade até ao limite de 150.000.000$00 e abrangendo a responsabilidade civil por danos materiais e/ou corporais causados a terceiros e imputáveis à autora no exercício da sua actividade;
E) No âmbito do exercício da sua actividade foi adjudicada à autora pela sociedade “D” a obra correspondente às instalações mecânicas da área de serviço da “C” em ..., nos sentidos Norte-Sul e Sul-Norte, em que era dono da obra “E”, S.A.;
F) Em 23 de Setembro de 2000 ocorreu um incidente na referida área de serviço, no sentido Norte-Sul, resultante da instalação efectuada pela autora;
G) O incidente em causa teve origem numa fuga de produto no posto de abastecimento da área de serviço acima referida, a qual decorreu da alteração da posição original da tubagem, na ligação do ramal principal à prumada para o medidor, instalado na tubagem de gasolina sem chumbo 95, segunda ilha a contra da auto-estrada;
H) Por outro lado, em consequência de falha humana, verificou-se inexistência de respectivo detector de fugas, o qual se encontrava contemplado no respectivo projecto de execução;
I) Ocorreu um derramamento de combustível superior ao que seria expectável;
J) A autora remeteu à ré carta cuja cópia consta de fls. 36 dos autos, datada de 28 de Setembro de 2000, aqui dada por integralmente reproduzida dando, além do mais, "conhecimento que no passado dia 23 do corrente fomos contactados pelo nosso cliente Construtora “D” S.A. que nos deu conta da ocorrência de um acidente (...) dado que esta empresa possui nessa seguradora apólice em epígrafe";
L) A ré enviou à autora a mensagem constante de fls. 51 dos autos, datada de 6/9/2001, aqui dada por integralmente reproduzida, declarando que concluiu relatório sobre as causas do incidente, que se tratou de negligência profissional e que não há matéria que se enquadre nas coberturas da apólice e o processo será arquivado;
M) No exercício da sua actividade a autora contratou com a ré um seguro de responsabilidade civil de exploração através da apólice n." 00.2.118.775, conforme consta da declaração de fls. 25, aqui dada por integralmente reproduzida.
Nos termos dessa apólice a autora declarou transferir para a ré a sua responsabilidade até ao limite de 150.000.000$00, abrangendo responsabilidade por danos materiais e/ou corporais causados a terceiros e imputáveis à autora;
N) A autora deu entrada da petição inicial dos presentes autos no tribunal de ... no dia 12 de Fevereiro de 2004;
O) Logo em 23 Setembro de 2000 a autora, a “E” e a “D” tiveram conhecimento do incidente daquela data e de, pelo menos, algumas das suas consequências;
P) O referido em 9 foi provocado pela alteração da posição da instalação original da tubagem e também por inexistência de detector de fugas, que estava contemplado no projecto de execução, omissão decorrente de falha humana;
Q) O teor do acordo celebrado entre autora e ré e referido em C) é o que consta de fls. 97 a 103, aqui dado por integralmente reproduzido, nele sendo excluída as responsabilidades decorrente de incumprimento voluntário e dolo directo ou eventual;
R) A autora tem vindo a fazer no local da obra e directamente relacionados com o incidente de 23 de Setembro de 2000 reparações e acompanhamento que até Outubro de 2003 lhe custaram €I87.723,58;
S) A sociedade “D” efectuou trabalhos de reparação do sinistro no valor de €I7.222,25;
T) Entre essas reparações encontram-se as que foram imediatamente feitas após o incidente de forma a minorar as consequências gravosas do mesmo e evitar o risco de incêndio;
U) A autora efectuou esses trabalhos também a pedido da “E” S.A. com vista à reparação dos danos, por ser necessário trabalho altamente especializado para o qual a autora estava habilitada e por ser urgente o carácter da intervenção;
V) Desde Outubro de 2003 até à data a autora continuou a efectuar trabalhos de reparação e acompanhamento do local do sinistro e a suportar o consequente custo;
X) A responsabilidade assumida pela ré no acordo de seguro era a que decorre da lei e das condições gerais e particulares que constam do documento de fls. 97 e seguintes;
Y) Os riscos cobertos pela apólice são de responsabilidade civil exploração e da actividade e manutenção de equipamento electrónico de protecção ambiental;
Z) Os trabalhos realizados pela autora e referidos em E) consistiam na montagem e instalação de um sistema electrónico com componentes de protecção ambiental do qual faziam parte tubos de um sistema de tubagem de parede dupla que impede derrames e está ligado a bombas inteligentes com variador de frequência.
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I. Do caso julgado.
Defende a recorrente que foi absolvida, na 1ª sentença da 1ª instância, por vários motivos que não a prescrição, o que foi confirmado pela Relação; a A. recorreu sem formular qualquer pedido, apesar do que o Supremo Tribunal de Justiça decidiu conceder “a revista julgando-se improcedente a excepção da prescrição”, o que significa, em seu entender, que deixou em vigor a absolvição da R. do pedido, que transitou em julgado; se assim não fosse a 2ª sentença da 1ª instancia deveria conhecer todas as questões, já que, de outro modo, ficaria a R. privada de discutir questões para si relevantes como a da legitimidade substancial e processual da A. e a cobertura do contrato de seguro (de que não podia recorrer por a decisão inicial lhe ser, no fim favorável).
Apreciando e decidindo.
Dispõe o art.º 671, n.º 1, do Código de Processo Civil, que “transitada em julgado a sentença, a decisão sobre a relação material controvertida fica tendo força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 497.º e seguintes, sem prejuízo do que vai disposto sobre os recursos de revisão e de oposição de terceiro. Têm o mesmo valor que esta decisão os despachos que recaiam sobre o mérito da causa”. 
Por sua vez, o art.º 673 estipula que “a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga: se a parte decaiu por não estar verificada uma condição, por não ter decorrido um prazo ou por não ter sido praticado determinado facto, a sentença não obsta a que o pedido se renove quando a condição se verifique, o prazo se preencha ou o facto se pratique”.
Caracteriza o caso julgado a insusceptibilidade de impugnação ordinária (art.º 677), sendo “uma exigência da boa administração da justiça, da funcionalidade dos Tribunais e da salvaguarda da paz social, pois que evita que uma mesma acção seja instaurada várias vezes, obsta a que sobre a mesma situação recaiam soluções contraditórias e garante a resolução definitiva dos litígios (…) e é expressão dos valores de segurança e certeza que são imanentes a qualquer ordem jurídica” (Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 568).
Sendo, agora, uma excepção dilatória (art.º 494/i), “pressupõe a repetição de uma causa; se a causa se repete estando a anterior ainda em curso, há lugar à litispendência; se a repetição se verifica depois de a primeira causa ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário, há lugar à excepção do caso julgado. 2. Tanto a excepção da litispendência como a do caso julgado têm por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior” (art.º 497/1 e 2).
1. Repete-se a causa quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir. 2. Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica. 3. Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico. 4. Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico” (art.º 498).
O caso julgado – sem nos determos em noções e classificações que para o caso pouco importam, como a distinção caso julgado formal-material ou autoridade-excepção, ou absoluto – relativo (esta com o sentido pugnado por Castro Mendes, em Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil, 157) - pode ser visto com dimensão variável.
Assim, para Castro Mendes, o caso julgado abarca a decisão procedente, relevando os fundamentos sobremodo em sede interpretativa da decisão; já a decisão absolutória faz caso julgado por referência à causa de pedir (por ex., o caso julgado da decisão que declarou que A é proprietário de x releva de per si, independentemente da causa de pedir – v.g. aquisição derivada ou usucapião; a que declarou improcedente é vale por referência à fundamentação invocada – v.g. a compra e venda -, não impedindo que volte a ser discutida a propriedade com fundamento noutra causa, p. ex. aquisição por sucessão mortis causa).
Para Teixeira de Sousa, op. cit., 578, “não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo”. E, em sede de força acrescenta: a “eficácia de caso julgado exclui toda a situação contraditória ou incompatível com aquela que ficou definida na decisão transitada (…). Está igualmente afastado todo o efeito incompatível, isto é, que seja excluído pelo que foi definido na decisão transitada”(idem, 579).
No caso verificamos que a 1ª sentença decidiu deste modo: “pelo exposto, julgo procedente por provada, a suscitada excepção da prescrição do direito à indemnização pelo evento dos autos, ocorrido em 23.09.2000, e absolvo a R. do pedido contra si deduzido”.
Subjacente – mas não elemento constitutivo do silogismo pertinente – esteve a decisão de improcedência da alegada ilegitimidade passiva.
A 2ª instancia decidiu “julgar improcedente a apelação e confirmar a sentença recorrida nos seus precisos termos”.
Ora, foi contra a decisão de absolvição, com fundamento na aludida prescrição, que a A. se levantou, como se vê logo na introdução das suas alegações (fls. 380).
E foi tendo em conta que a absolvição se estribou na prescrição, que o mais alto Tribunal julgou “improcedente a excepção da prescrição”, não sem que antes deixasse claro que “não se verifica, pois, a invocada excepção da prescrição, ficando prejudicada a outra das subquestões enunciadas em V”.
Ou seja, atenta a conclusão exarada, nada mais havia a conhecer.
É este o sentido útil e claro da decisão, sendo certo que o principio geral de que na interpretação, em caso de duvida, se procurará o sentido mais adequado (cf. art.º 9/3 e 237, ambos do Código Civil) bastaria para impedir a recorrente de persistir na defesa de um entendimento que bem sabe não ter acolhimento no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, que redundaria na inutilidade da decisão, convertida numa mera declaração sem consequências, entendimento tão desrazoável que nem sequer se abalançou a defender quando se dirigiu àquele colendo Tribunal invocando aclaração. De resto, foi a própria ora recorrente quem, no âmbito do primeiro recurso, e bem, exarou que, “verificando-se a prescrição (…) todas as demais questões são inúteis ou indiferentes à solução da causa” (fls. 323, n.º 2).
É, pois, claro, que a decisão do Supremo não significa que a decisão das instâncias transitou; pelo contrário.
E não se diga que fica prejudicada no âmbito de questões como a legitimidade passiva.
A legitimidade passiva foi apreciada – aqui sim – na primeira decisão da primeira instância, não pertencendo ao silogismo subjacente à decisão da prescrição[1].
E não foi impugnada (art.º 682/1, Código de Processo Civil)[2].
Diga-se ainda que manifestamente a R. tem interesse em contestar, nos termos do art.º 26/3, do Código de Processo Civil, dada a forma como a A. configurou a acção.
Termos em que se conclui pela inexistência de caso julgado favorável à recorrente.
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II) Dos pressupostos da responsabilidade da R.
Alega nesta sede, em suma, a R. que
a) a A. não é terceiro, logo não está abrangida pelo seguro, nos termos do art.º 1º das condições gerais do seguro;
b) o seguro não abrange, como é o caso, o cumprimento defeituoso, nem o incumprimento, nos termos do art.º 3º/1/a das condições gerais do seguro, e nem a responsabilidade contratual.
O pomo da discórdia, para a R., da existência de sub-rogação radica no facto de, sendo a A. tomadora do seguro e segurada, não poder ser terceiro em relação a ela, seguradora.
Consequentemente seria inaplicável n.º 1 do art.º 592 do Código Civil, que dispõem que “fora dos casos previstos nos artigos anteriores ou noutras disposições da lei, o terceiro que cumpre a obrigação só fica sub-rogado nos direitos do credor quando tiver garantido o cumprimento, ou quando, por outra causa, estiver directamente interessado na satisfação do crédito” (sublinhado nosso).
O seguro, refere Moitinho de Almeida, citado por José Vasques in Contrato de Seguro, Coimbra Ed., 1999, pag. 89, é o “contrato em que uma das partes, o segurador, compensando segundo as leis da estatística um conjunto de riscos por ele assumidos, se obriga, mediante o pagamento de uma soma determinada, a, no caso de realização do risco, indemnizar o segurado pelos prejuízos sofridos”.
Interpretando-o, a chamada “teoria da transferência do risco defende que pelo contrato se transmite ao segurador o risco originariamente suportado pelo segurado, passando a caber-lhe a obrigação da realização de certa prestação subordinada à verificação de determinado evento” (idem, 92).
Ainda que não esteja totalmente correcta – a segurador só se substitui ao segurado pelas consequências patrimoniais até ao montante convencionado -, este perspectiva capta o ponto relevante nesta discussão: existe uma determinada transferência, nos termos convencionados.
No caso, a A. é a tomadora do seguro e segurada, mas os beneficiários são os terceiros lesados, que podem demandar a R. ao abrigo e nos termos do contrato de seguro.
Se são estes os titulares do direito de indemnização, então é certo que, verificado o evento e compreendendo-se os danos no âmbito da transferência operada pelo contrato de seguro, na correspondente “obrigação da seguradora realizar a prestação[3] são estes credores e não terceiros.
Argumenta no entanto a recorrente não é terceira porque é parte no contrato.
Efectivamente, o art.º 1º define o terceiro como a pessoa que sofra lesão que origine danos susceptíveis de serem reparados ou indemnizados.
Trata-se de uma definição num outro plano: o das obrigações existentes entre os contraentes no seguro.
No plano da obrigação de indemnização, porém, são seus sujeitos o lesado e a seguradora, que assumiu o risco do segurado. Não é terceiro o lesado.
Sendo assim, nada impede a sub-rogação da A. ao abrigo do art.º 592, n.º 1, do Código Civil, já que quem estava obrigada a reparar as lesadas era a R.
Com efeito, dada a sua especialização, o interesse de pelo menos uma lesada, e a natureza urgente das intervenções (de modo a minorar as consequências gravosas do evento e minorar o risco de incêndio), a A. tinha interesse directo na imediata satisfação do crédito (e a R. não é alheia a essas vantagens, visto de doutra sorte poderia ter de enfrentar consequências piores – cf. al. R, S, T, U e V dos factos provados).
Pelo que não merece censura nesta parte a sentença sub júdice.
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O segundo argumento – de que o seguro não abrange o cumprimento defeituoso, nem o incumprimento, nos termos do art.º 3º/1/a das condições gerais do seguro, cf. fls. 61, não vale mais.
É que ficou assente que (al. Q) o teor do acordo celebrado entre autora e ré e referido em C) é o que consta de fls. 97 a 103, aqui dado por integralmente reproduzido, nele sendo excluída as responsabilidades decorrente de incumprimento voluntário e dolo directo ou eventual.
Donde fica prejudicado o argumento, posto que de lado algum resulta que tenha havido incumprimento voluntário ou dolo.
A R. alega ainda que o contrato não abrange a responsabilidade contratual, já que, defende, o que está em causa na matéria de facto das al. G e H (transcrevendo-se também as F e I para melhor compreensão:
F) Em 23 de Setembro de 2000 ocorreu um incidente na referida área de serviço, no sentido Norte-Sul, resultante da instalação efectuada pela autora;
G) O incidente em causa teve origem numa fuga de produto no posto de abastecimento da área de serviço acima referida, a qual decorreu da alteração da posição original da tubagem, na ligação do ramal principal à prumada para o medidor, instalado na tubagem de gasolina sem chumbo 95, segunda ilha a contra da auto-estrada;
H) Por outro lado, em consequência de falha humana, verificou-se inexistência de respectivo detector de fugas, o qual se encontrava contemplado no respectivo projecto de execução;
I) Ocorreu um derramamento de combustível superior ao que seria expectável),
é a responsabilidade pelo cumprimento defeituoso, ou seja, contratual e não civil, ao contrário do que consagra o contrato de seguro celebrado pelas partes.
Ora, o convénio refere que os riscos cobertos são os de “responsabilidade civil exploração”, relativos à “actividade-montagem e manutenção de equipamento electrónico de protecção ambiental” (fls. 96 e 99, art.º 2º), garantindo “as indemnizações que legalmente sejam exigíveis ao segurado, como responsável pela exploração do estabelecimento (…) em consequência da actividade própria da natureza desse estabelecimento” (fls. 97). Já vimos que o terceiro é definido como a pessoa que sofra lesão que origine danos susceptíveis de serem reparados ou indemnizados (fls. 99).
Importa colocar a questão de saber se as convenções referidas excluem a responsabilidade da R. neste evento.
E a verdade é que, tendo em atenção as regras da interpretação dos contratos (art.º 236 a 238, Código Civil) não se vislumbra tal exclusão.
Acresce que reconduzir o evento aludido em G) (que não se provou resultar de falha humana, a qual existiu, sim, no referido posteriormente quanto ao detector de falhas), um evento súbito, a um mero incumprimento contratual é, no mínimo, ousado, não tendo a R. provado factos suficientes que suportem a conclusão.
E, não cabendo alterar a matéria de facto provada, sendo certo que os documentos de fls. 97, 99 e 100 corroboram a decisão do Tribunal a quo, também aqui não merece censura a douta decisão.
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Pelo que, em suma, se verificam os pressupostos que levaram à condenação da R.
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DECISÃO
Pelo exposto, o Tribunal julga o recurso improcedente e consequentemente mantém a decisão recorrida.
Custas da apelação a cargo da apelante “B”.
Notifique e registe.

Lisboa, 23 de Novembro de 2011

Sérgio Silva Almeida
Ana Paula Boularot
Lucia Sousa
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[1] Logicamente o conhecimento de excepções dilatórias, como a legitimidade, precede o de excepções peremptórias, pelo que nem teria sentido apreciar a prescrição antes das outras (cf. art.º 493, 494/e, 495, 496 e 508-A/1/b, todos do CPC).
[2] A decisão quanto à legitimidade passiva foi desfavorável à R..
[3] No dizer de José Vasques, idem, 256. E acrescenta: “a realização da prestação indemnizatória coloca a seguradora na posição de quem é obrigado a indemnizar, e o segurado-lesado na posição de demonstrar o dano, a sua relação com o sinistro, bem como a sua extensão” (idem, 257). E cita o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3.3.1989, que estipulou que “o contrato de seguro de responsabilidade civil é um contrato a favor de terceiro e assim o segurador, ao celebrar esse acto jurídico, obriga-se também para com o lesado a satisfazer a indemnização devida pelo segurado, ficando assim, aquele com o direito de demandar directamente a seguradora” (259, nota 530)