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ACÇÃO DE ANULAÇÃO
CADUCIDADE DA ACÇÃO
SUSPENSÃO DO PRAZO
INTERRUPÇÃO DO PRAZO
TRANSFERÊNCIA DO PRAZO
Sumário
Uma coisa é a suspensão ou interrupção de prazos substantivos, outra é a transferência do seu termo, quando ocorra em dia de férias ou equiparado, para o 1º dia útil seguinte. Esta última é uma hipótese prevista e regulada no art. 279/e) do CC, aplicável ao caso dos autos. (Sumário do Relator)
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo assinados:
“A” interpôs a 30/06/2010 presente providência cautelar contra “B” – Sistemas de Informação, Lda, requerendo que seja determinada a suspensão da deliberação tomada na Assembleia-geral da requerida de 21/06/2010, na qual se decidiu proceder à amortização das acções do requerente.
* A requerida veio, em sede de oposição, requerer a extinção do presente procedimento, atenta a caducidade do direito potestativo de anulação de que estes autos são dependentes, pois que o prazo de propositura da acção previsto no art. 59º/2 do Código das Sociedades Comerciais é de 30 dias e a AG teve lugar no dia 21/06/2010, não tendo a acção sido intentada até 21/07/2010.
* A 17/06/2011, foi proferido despacho julgando extinta a instância, por inutilidade superveniente, do presente procedimento, com base na invocada caducidade da acção de anulação.
* O requerente veio interpor recurso deste despacho, concluindo, no essencial, que uma coisa é a suspensão e a interrupção do prazo para a propositura da acção, que não ocorrem, outra é a transferência do prazo no caso de ele terminar num dia de férias judiciais (ou equivalente), o que foi o caso, já que o prazo de 30 dias terminava no dia 21/07/2011, dia que está incluído em férias judiciais, por força do DL 35/2010, de 15/04, que alterou o art. 143/1c) do CPC.
* A requerida contra-alegou, mantendo a sua posição de que o prazo, sendo substantivo, não se suspende nem se interrompe.
* Questão que importa solucionar: se um prazo de caducidade para a propositura de uma acção, apesar de não se suspender nem se interromper, se transfere no caso de calhar em dia de férias ou equivalente.
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Para além dos factos que constam do relatório que antecede, importa ainda considerar que foi dado como provado que a acção de anulação foi intentada no dia 19/08/2010 (sendo certo que este procedimento está apenso à esta acção desde 27/08/2010, como resulta da capa do procedimento).
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A solução defendida pela recorrente é a única aceitável, sendo que a posição contrária esquece a norma, substantiva, não processual, do art. 279/e) do Código Civil, a qual estatui: “O prazo que termine em domingo ou dia feriado transfere-se para o primeiro dia útil; aos domingos e feriados são equiparadas as férias judiciais, se o acto sujeito a prazo tiver de ser praticado em juízo”.
Ora, o Dec. Lei 35/2010, no seu artigo 2, diz expressamente que ao período compreendido entre 15 e 31/07, atribui-se os mesmos efeitos previstos legalmente para as férias judiciais. E se bem que este DL tenha sido revogado pela Lei 43/2010, de 03/09, a verdade é que se ressalvaram os efeitos já produzidos (art. 3 desta lei), ou seja, aqueles que se produziram entre 15/04 e 03/09/2010, como é o caso dos autos.
Assim, um prazo que caísse em férias judiciais (ou em períodos com os mesmos efeitos) transferia-se para o primeiro dia útil (que não seja de férias judiciais ou equivalente), o que no caso quer dizer: 01/09/2010.
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Ou seja, são duas questões completamente distintas, as da suspensão e interrupção de um prazo substantivo, que não se verificam (art. 328 do CC), e as da transferência de um prazo, cujo termo, precisamente por não se ter suspendido nem interrompido, vem a calhar num dia de férias (ou equivalente). Aquela, está regulada por uma norma. Esta por outra (art. 279 do CC).
Neste sentido, o recorrente cita, por todos, o acórdão do STJ de de 25/05/1999, publicado no BMJ 487, pág. 257, e o ac. do TRC de 17/03/1981 (27545 [que não se encontrou]).
Mas podia citar muitos outros, mais recentes e com mais propriedade, como, por exemplo, o ac. do STJ de 25/02/2009 (08S2309), o qual, embora referindo-se a outro prazo substantivo, diz: IV – O cômputo deste prazo está submetido às regras do art. 279.º do Código Civil, v.g. à sua alínea e), em nada colidindo a transferência do termo do prazo que termine em férias judiciais para o primeiro dia útil após férias nela prevista, com a insusceptibilidade de suspensão do prazo de caducidade prescrita no art. 328.º do mesmo diploma, por serem realidades distintas a suspensão do prazo de caducidade, por um lado, e a dilação ou transferência do termo desse prazo, por outro.
E este acórdão, depois de dizer que “é importante distinguir a suspensão do prazo de caducidade da transferência do termo do prazo de caducidade” passa a citar a anotação de Antunes Varela ao acórdão do STJ de 11/07/1989 (que decidiu nesse sentido e está publicado no BMJ 389, págs. 568 e segs), publicada na Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 128.º, n.º 3855, de 0/10/1995, pp. 166 e ss [especialmente págs. 177/180].:
“Em primeiro lugar, não é de uma questão de suspensão da caducidade que se trata na alínea e) do artigo 279.º do Código Civil, mas de dilação ou transferência do termo de um prazo, verificado em férias, domingo ou dia feriado, para o 1.º dia útil subsequente.
Os casos de verdadeira suspensão, seja da prescrição, seja da caducidade, têm quase sempre na sua base, como se verifica pelo simples exame das situações contempladas nos artigos 318.º e seguintes do Código Civil, situações subjectivas, de carácter pessoal, que tornam natural o não exercício do direito, afastando a ideia da negligência ou da renúncia do seu titular, ao passo que a solução ditada na alínea e) do artigo 279.º tem na sua raiz uma situação puramente objectiva, aplicável à generalidade das pessoas.
Aliás, se porventura assim não fosse e se essa dilação para a prática de um acto de exercício do direito, depois de findo o prazo da sua caducidade, tal como a alínea e) do artigo 279.º do Código Civil a prevê na sua estatuição, constituísse uma verdadeira suspensão da caducidade do direito, então aí teríamos nós um dos casos ressalvados na parte final do artigo 323.º, em que o prazo de caducidade se suspenderia, por determinação especial da lei.
Em terceiro lugar, é inquestionável que a ratio legis da norma contida na alínea e) do artigo 279.º do Código Civil e em cujo texto nenhuma discriminação se faz entre prazos de prescrição e de caducidade, se estende realmente aos próprios prazos de caducidade do direito, desde que, para afastá-la, se torne necessária a prática de qualquer acto em juízo.
Com efeito, no caso de caducidade (...), o acto que pode considerar-se essencial para afastá-la, como logo se depreende do disposto no artigo 267.º do Código de Processo Civil, conjugado com o preceito do artigo 331.º, n.º 1, do Código Civil, é a proposição da acção pelo titular do direito - e não, por exemplo, o acto da citação ou da notificação do réu (artigo 323.º do mesmo Código), que são actos já muito dependentes da actividade da secretaria judicial.
Trata-se, por conseguinte, de uma situação manifestamente compreendida na parte final do texto da alínea e) do artigo 279.º do Código Civil. E que cabe, ao mesmo tempo, sem margem para dúvidas, dentro do seu espírito.
Quais são, na verdade, as razões que induzem a lei a deslocar para o 1.º dia útil o termo (oficial) do prazo substantivo que termine de facto em qualquer dia das férias judiciais, sempre que o acto (de exercício de direito, poder ou faculdade) prestes a cair tem de ser praticado em juízo?
Primeiro, porque estando os juízes em férias, ausentes do tribunal em que exercem a sua actividade, não vale a pena (não faz sentido, não se justifica) obrigar a parte inutilmente (cegamente, abstractamente) a realizar o acto (essencial à obtenção de uma vantagem ou à prevenção de uma desvantagem) até o termo (contabilístico) do respectivo prazo, quando de antemão se sabe que o acto (não considerado urgente) nenhum seguimento prático vai ter até ao 1.º dia útil.
E esta consideração, que tanto procede para os prazos de prescrição, como para os de caducidade, pode mesmo dizer-se que vale de modo especial para os prazos de caducidade, porque em relação à prescrição há sempre a necessidade do acto posterior de citação ou notificação do réu devedor para que o prazo prescricional em curso se interrompa (artigo 267.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, e artigo 323.º do Código Civil).
Em segundo lugar, aproveitando o período de férias judiciais tanto a juízes como a advogados (que têm o mesmo direito a repouso e igual necessidade de restauração periódica de forças), pode bem suceder que a pessoa necessitada de praticar em juízo o acto destinado a impedir a caducidade do seu direito não encontre disponível, no decurso das férias judiciais, advogado que, na sua comarca, mereça a sua plena confiança no patrocínio que pretende obter.
E para quê forçar o interessado a recorrer a um advogado diferente do que ele escolheria em condições normais, se o acto não vai prosseguir regularmente, por virtude da ausência dos titulares do tribunal?
E também esta consideração, tal como a anterior, colhe, não só para os prazos de prescrição, mas também (talvez por maioria de razão) para os prazos de caducidade.»
No sentido da aplicação do art. 279 do CC veja-se ainda, sempre por exemplo, o ac. do STJ de 31/10/2006 (06A2734) e António Menezes Cordeiro, Da caducidade no direito português, Estudos em memória do prof. doutor José Dias Marques, Almedina, Jan2007, págs. 21/22, e, expressamente com referência à al. e), veja-se, por último, Coutinho de Abreu, Acção de anulação, em CSC em comentário, Vol. I, Almedina, Out2010, pág. 689.
Os acórdãos e doutrina citados em sentido contrário, pelo despacho recorrido (os acs. STJ de 11/05/98, in BMJ 487º-249; do STJ de 11/03/99, in BMJ 485º-352; do TRC de 12/12/00, in CJ-XXV-V-38; do STJ de 29/03/00, in BMJ 495º-334; e Abrantes Geraldes in Temas da Reforma do Processo Civil, Tomo IV, Procedimentos Cautelares Especificados, pg. 93) e pela recorrida (do STJ de 19/09/2002 - 02B2388; do STJ de 13/05/2004 – 04A1519; e do TRP de 21/02/2005 – 0452887; as referências à base de dados do ITIJ foram agora acrescentadas; a recorrida cita ainda o ac. do STJ de 19/04/2002, mas ele não existe e as passagens citadas são do ac. do STJ de 19/09/2002), referem-se àquela ou a outras questões e não têm relevo para esta. Aliás, nem um só deles tem qualquer posição a recusar a aplicação do art. 279/e) do CC.
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Assim, como o termo do prazo tinha sido transferido para o dia 01/09/2010 e a acção foi proposta em 19/08/2010, foi-o em tempo. Isto é, não caducou.
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Não se faz constar o sumário do acórdão do corpo do acórdão, porque, nos termos do disposto no artigo 713º, nº 7 do CPC, o sumário é exclusivamente da responsabilidade do relator. O sumário deve constar ou de uma parte prévia anterior ao inicio do acórdão, ou de uma folha solta a final do mesmo, aliás em consonância com os usos desta 2ª secção.
* Pelo exposto, julga-se o recurso procedente, revogando-se a decisão recorrida, devendo este procedimento retomar os seus regulares termos processuais.
Custas pela recorrida.
Lisboa, 23 de Novembro de 2011.
Pedro Martins (vencido quanto à questão do sumário, conforme declaração de voto que junto em separado).
Sérgio Almeida
Ana Paula Boularot (vencida confirmaria a decisão recorrida)
Declaração de voto:
A maioria do colectivo votou a retirada do sumário que constava do meu projecto de acórdão.
O sumário tinha a seguinte teor: Uma coisa é a suspensão ou interrupção de prazos substantivos, outra é a transferência do seu termo, quando ocorra em dia de férias ou equiparado, para o 1º dia útil seguinte. Esta última é uma hipótese prevista e regulada no art. 279/e) do CC, aplicável ao caso dos autos.
Para esta retirada não me foram dados outros argumentos para além dos dois que constam do texto do acórdão.
Quanto ao argumento da responsabilidade, o mesmo é exclusivamente formal. Ora, do ponto de vista formal, o que a norma diz é que o juiz que lavrar o acórdão deve sumariá-lo. Pelo que, se a norma em causa tiver aquele sentido, então quer dizer que quer o sumário quer o acórdão são da exclusiva responsabilidade do relator. Ou seja, é um argumento que prova demais: se o sumário, por ser da exclusiva responsabilidade do relator, devesse ser elaborado numa folha à parte, então também o acórdão o deveria ser…
Quanto à referência aos usos da secção tem ainda menos força, visto que parte do pressuposto – errado - de que os usos de uma secção têm força de norma jurídica. E, para além disso, tem por base uma afirmação que não corresponde integralmente à realidade, ao menos se com os usos da secção se pretende referir uma actuação uniforme da secção nesse sentido. Isto é, como não se faz qualquer restrição, com a referência aos usos, quer-se dizer necessariamente que toda a secção assim o faz. Ora, sem ter tentado averiguar qual a posição de todos os juízes da 2ª secção, deparei-me, à medida que fui lendo a jurisprudência para outros projectos que estava a elaborar, com os acórdãos do TRL de 16/07/2009 (1919/08.6YXLSB-A.L1-2) e de 30/04/2009 (1320/08-2), ambos de juízes desta secção, que tinham um sumário (embora no último caso se lhe desse o nome de conclusões) antes da parte decisória.
Posto isto, considero improcedentes os argumentos que me foram dados contra a sumarização do acórdão no corpo do próprio acórdão.
E pegando nas regras que foram referidas a propósito do que antecede, já se sabe que a elaboração quer do acórdão quer do sumário são da responsabilidade do mesmo juiz. Se isto é assim e se estas regras constam do artigo (713 do CPC) que trata da elaboração do acórdão, não se vê qualquer razão para separar o corpo do acórdão do respectivo sumário.
Quanto a razões de fundo: o sumário do acórdão deve ser entendido como a síntese das razões que levaram à decisão do recurso pelo tribunal colectivo. Essa síntese, tal como as razões do acórdão, devem reflectir a posição tomada pelo colectivo. Ora, a síntese pode estar errada. Estando errada – por não corresponder ao que foi decidido -, os outros juízes do colectivo devem poder corrigir a desconformidade da síntese com as razões do acórdão, o que só por si justifica que o sumário do acórdão faça parte do próprio acórdão, pois que de outra forma as correcções não poderiam acontecer.
Pedro Martins