CONTRATO DE ARRENDAMENTO
DENÚNCIA
DEMOLIÇÃO PARA RECONSTRUÇÃO DE PRÉDIO
Sumário

I - Relativamente aos arrendamentos anteriores ao Regime do Arrendamento Urbano ( RAU ), aprovado pelo Decreto-Lei nº 321-B/90, de 15 de Outubro, a demolição do prédio ( ainda que para construção de novo ) só é possível nas excepcionais situações previstas no nº 2, do artº 7º, deste diploma legal, ou seja, se for necessária por força da sua degradação, incompatível com a sua reabilitação e geradora de risco para os respectivos ocupantes, devendo tais pressupostos serem atestados pelo Município, ouvida a comissão municipal ( CAM ), ou quando a demolição for considerada tecnicamente mais adequada e seja necessária à execução de plano municipal de ordenamento do território ( aqui por aplicação do nº 2, do artº 24º, do referenciado diploma legal ).
II – A demolição para construção de novo edifício ( e não a simples demolição sem nova construção ) não deverá considerar-se excluída da exigência imposta pelo artº 24º, do Decreto-lei nº 157/2006, de 8 de Agosto - que apenas confere ao senhorio a possibilidade de denúncia do arrendamento quando não se justificar, técnica e economicamente, a beneficiação ou reparação do prédio - não podendo integrar-se, no âmbito geral do conceito “ obra de remodelação e restauro profundo “.
(Sumário do Relator)

Texto Integral

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa
( 7ª Secção ).

I – RELATÓRIO.
Intentou A…, LDA. a presente acção de despejo, com forma de processo sumário, contra B…e C…, pedindo se declare a denúncia do contrato de arrendamento relativo ao rés-do-chão do prédio sito na Av. …, nº …, freguesia de …, em Lisboa.
Alega, para o efeito, que :
 É proprietária do referido prédio, sendo os Réus arrendatários do rés-do-chão.
Propõe-se demolir o prédio em causa para efectuar nova construção, pelo que pretende a desocupação do locado, através da denúncia do contrato de arrendamento, nos termos dos artºs. 1101º e 1103º do Cód. Civil e 4º a 10º do Decreto-lei nº 157/2006, de 8 de Agosto.
Disponibilizou para o realojamento dos Réus uma fracção correspondente ao …º andar do prédio sito na Rua do …, tornejando com a Travessa …, com entrada pelos nºs 4 a 6-A, em Lisboa, pelo qual será devida a mesma renda mensal devida pelo locado, renunciando ao direito de exigir a actualização da mesma.
Contestaram os Réus invocando a excepção do caso julgado e a inaplicabilidade das disposições legais invocadas pela Autora ao contrato em causa por ter sido celebrado em data anterior à entrada em vigor do RAU, concluindo pela improcedência do pedido e deduzindo pedido reconvencional, em que pedem a condenação da Autora no pagamento de uma indemnização pelas benfeitorias realizadas no locado, no valor de € 12.500,00, acrescida do valor, a liquidar em execução de sentença, das despesas com o realojamento, alegando, no entanto, que a fracção oferecida não tem condições análogas ao locado.
A Autora respondeu concluindo pela improcedência das excepções invocadas e pela sua absolvição do pedido reconvencional.
Foi proferido despacho saneador, no qual se julgou improcedente a invocada excepção do caso julgado, admitindo-se o pedido reconvencional, tendo-se dispensado a elaboração de despacho de condensação, atenta a simplicidade da matéria de facto controvertida ( cfr. fls. 101 a 105 ).
Realizou-se audiência final, tendo sido proferida decisão de facto conforme fls. 244 a 247.
Foi proferida sentença que julgou a presente acção procedente e consequentemente, declarou validamente denunciado o contrato de arrendamento relativo ao rés-do-chão do prédio sito na Av. …, nº …, freguesia de …, em Lisboa, condenando os Réus a despejar imediatamente o locado, deixando-o devoluto de pessoas e bens; condenou, ainda, a Autora a pagar aos Réus uma indemnização, a liquidar em execução de sentença, correspondente ao valor das despesas a suportar com a desocupação do locado e ao valor das benfeitorias realizadas, no valor mínimo correspondente a 24 vezes a retribuição mínima mensal garantida ( cfr. fls. 248 a 256 ).
Apresentaram os RR. recurso desta decisão, o qual foi admitido como de apelação ( cfr. fls. 301 ).
Juntas as competentes alegações, a fls. 262 a 276, formularam os RR.  as seguintes conclusões :
1ª - A sentença “a quo” aplica erradamente a lei e interpreta erradamente as posições das partes, e não se pronunciando sobre questões fundamentais, tal como o despacho saneador no que toca à excepção levantada.
2ª - Foi decidido no saneador que não havia identidade de causa de pedir porque o projecto de arquitectura apresentado não é o mesmo que esteve na base da acção proposta em 2008: mas basta introduzir alterações num projecto para que a causa de pedir seja diversa? A lei fala em que este requisito está configurado quando “procede do mesmo facto jurídico” (artigo 498º nº 4 do CPC).      
3ª- Facto jurídico não é o projecto em si que pode ter ou não alterações mas sim ser um projecto de reconstrução desse prédio independentemente das alterações que lhe venham a ser introduzidas, no andar “x” ou na varanda “y” etc.
4ª -A nosso ver não é nem pode ser assim, razão porque entendemos que o artigo 498º do C.P.C. não foi correctamente aplicado pela juíza “a quo”, devendo reconhecer-se que se verifica neste caso a excepção do caso julgado, porque todos os requisitos estão configurados.
5ª - Quanto à lei aplicável devia ter-se aplicado a lei em vigor á data do contrato ao contrário do que fez a juíza “a quo” pois trata-se de um desvio anormal ao regime dos contratos que só se justificará em casos muito especiais que não deveria ser o dos contratos de arrendamento para habitação cuja estabilidade é um requisito constitucional e legal.
6ª - Mas mesmo que se entenda que a aplicação é da lei nova - o que não se aceita mas só se admite por necessidade teórica – a verdade é que terá que ser, nesse caso, a lei em vigor à data da propositura da acção : a juíza “a quo” aplicou a lei em vigor posteriormente à data da propositura da acção, ou seja, o disposto no Decreto-lei nº 306/2009, de 23 de Outubro, que alterou o Decreto-lei nº 157/2006, de 8 de Agosto, quando a acção deu entrada em Janeiro de 2009 pelo que a lei aplicável seria o Decreto-lei nº 157/2006, de 8 de Agosto, mas sem as alterações do Decreto-lei nº 306/2009, de 23 de Outubro, claramente posterior à data da entrada da acção.
7ª - A acção foi interposta como acção de despejo ( cfr. petição inicial) para denúncia de arrendamento para “obras de demolição e construção profunda e estrutural, que obrigam à desocupação do locado” (sic. Artigo 6º da p.i.) e na Réplica a A. vem dizer que pretende não só a demolição mas também a nova edificação (artigo 7º) justificando no entanto a acção para obras de remodelação profunda e estrutural (cfr. artigo 7º) pretendendo a aplicação desse regime e não o da demolição, embora reconheça que é o que pretende e não uma remodelação (artigo 9º):Ora o regime é diverso se se pretender a demolição ou se se pretender a remodelação mesmo profunda e estrutural.
8ª - Isto é, uma coisa são obras de remodelação mesmo profunda e estrutural e outra é demolir para construir: A lei é clara ao distinguir os dois regimes, ao contrário do que fez a juíza “a quo”: ou se pretende uma remodelação ou restauro profundos ou se pretende uma demolição, sendo os regimes diversos e o que pretende a A. e aqui recorrida não é uma obra de remodelação por mais estrutural ou profunda que seja: mas sim a demolição e a construção de um prédio novo.
9ª -Por isso não faz sentido recorrer ao regime da mera remodelação, por mais profunda que queira ser mas sim ao regime da demolição para construção de um outro edifício ao contrário do que fez a juíza “a quo” que pura e simplesmente disse que “o facto de se proceder à demolição do edifício existente não implica que se esteja no âmbito da “denúncia para demolição” sem mais. A construção de novo edifício com alteração profunda da sua estrutura, implicará, naturalmente, a demolição de “velho” para edificar o “novo”, não se resumindo, no entanto à sua demolição.” (sic) e com tal asserção, e sem mais, avançou para considerar aplicável o regime da remodelação e não o da demolição.
10ª - Mas não é nem pode ser assim: se o regime é o da demolição é este que se deve aplicar e não o da remodelação, sendo certo que nesse caso poderá depois construir o novo edifício sem quaisquer problemas. Outra coisa é pretender uma remodelação ou restauro por mais profundo que seja: são coisas distintas como resulta óbvio das expressões utilizadas e dos conceitos em causa: percebe-se que assim seja: o regime das remodelações e restauros é aquele que a lei de alguma forma prefere e que justifica a recuperação do parque imobiliário. A demolição para construir outro prédio é totalmente diferente e exige garantias diversas implicando com os planos de ordenamento etc.
11ª - São por isso regimes diferentes que merecem um tratamento diferente: não se deve confundir regimes como fez a juíza “a quo” na ânsia de despejar os Recorrentes de qualquer forma utilizando um regime em vez do outro. Aplicou por isso erradamente o Decreto-lei nº 157/2006,de 8 de Agosto.
12ª - Por outro lado, o Decreto-lei nº 157/2006,de 8 de Agosto estabelece dois regimes: um para os contratos novos e outro para os contratos antigos, como é o caso dos autos a que apelidou de “Regime especial transitório”: Neste regime, a aplicar-se o que atrás se disse, só é possível a denúncia para demolição nos termos do disposto no artigo 24º desse diploma, que prevê para o caso de demolição pressupostos que conforme se alegou na Contestação não estão reunidos, não tendo a juiza “a quo” verificado esses requisitos o que gera a nulidade do artigo 668º nº1 d) do CPC e a acção deve improceder, o que para os devidos efeitos se invoca.
13ª - Por outro lado, se para evitar as dificuldades do regime da demolição (razão porque a A. não o quis aplicar na ânsia da obtenção rápida do despejo), que é o aplicável ao caso, se avançar para o regime da remodelação, como a juíza fez – o que não se aceita mas se enuncia por razões de raciocínio teórico - também a aplicação da juíza “a quo” não é a correcta aplicação da lei pois é claro que o arrendatário habitacional antigo tem direito ao realojamento: tal corresponde aliás ao referido no preâmbulo que é muito claro (quarto parágrafo): “Nos contratos habitacionais anteriores a 1990 a denúncia terá sempre como contrapartida o realojamento.”
14ª - Por isso, a questão da indemnização só se punha se o arrendatário tivesse optado pela indemnização. Neste caso não se aplica o artigo 6º como o fez a juíza “a quo” em que é necessário acordo e na sua falta aplica-se a indemnização como alternativa: aqui o realojamento é sempre a contrapartida e só não o será se o arrendatário expressamente optar pela indemnização e se pretendesse a aplicação do regime dos artigos 6º a 8º, o que não é o caso.
15ª - Na realidade, os R.R. declararam no artigo 28º precisamente para efeitos do disposto no artigo 25º expressamente que pretendem o realojamento no mesmo concelho e em condições análogas às que o arrendatários já detêm, sem prejuízo de uma indemnização pelas benfeitorias realizadas e o pagamento das despesas da mudança que não é a indemnização prevista no artigo 6º: Isto é , os ora recorrentes optaram claramente pelo realojamento e rejeitaram a indemnização do artigo 6º: que é de despesas e danos patrimoniais e não patrimoniais  o que entenderam ser diferente da indemnização por benfeitorias que alegaram na reconvenção, apenas aplicável se a A. tivesse depositado nos 15 dias seguintes à propositura da acção pelo menos 2 anos de renda, o que não sucedeu: por isso não podia a juíza “a quo” na sentença dizer que “parecia que os R.R não optaram pelo realojamento”.
16ª - Com o devido respeito pelo facto de os recorrentes terem dito que o andar para realojamento não tinha as condições análogas às que os arrendatários já detinham não decorre, nem pode decorrer que os recorrentes optavam pela indemnização porque não é aplicável neste caso o regime do artigo 6º que impõe uma alternativa: neste caso, a A. tem que garantir o realojamento, que os R.R. e aqui Recorrentes deixaram bem expresso mas em condições análogas às que os arrendatários já detinham: Isto é, se a A. não apresentou um local para realojamento nessas condições então terá que oferecer outro sob pena da acção improceder, o que seria a aplicação correcta da lei e não aquela que, de forma contrária ao dispositivo legal, a juíza “a quo” decidiu e nessa medida a juíza “a quo” violou o artigo 25º do referido diploma e interpretou incorrectamente a lei ao caso em apreço.
17ª - Aliás até para efeitos de determinação do valor da renda os arrendatários alegaram que tinham mais de 65 anos, mas tal não terá neste caso relevância efectiva porque a A. dispôs-se a manter a renda sem alteração mas uma coisa é certa: O direito ao realojamento é um direito dos recorrentes, que não têm local para onde ir, e que até expressamente o declararam pelo que devia ter sido reconhecido pela juíza “a quo”.
18ª - Por outro lado o local em causa para esse efeito apresentado pela A. não tem as condições análogas às que os arrendatários já detinham, ao contrário do que parece pretender a juíza “a quo” com a frase “ainda que numa apreciação objectiva pudesse o Tribunal concluir que as fracções possuem condições análogas”, sem qualquer fundamentação o que também viola o disposto nos artigos 659º nº 3 e causa de nulidade nos termos do artigo 668º 1. b) todos do CPC.
19ª - De facto, tal não é verdadeiro: basta atentar o que objectivamente foi referido, e não foi negado, pelos recorrentes na contestação: Artigo 33º- “para que se verifiquem condições análogas às que os R.R. detêm é necessário que o andar seja situado na mesma zona da cidade onde está o prédio onde os R.R. habitam (junto ao metropolitano), de área análoga, (incluindo o logradouro) e cujo acesso não se faça por escadas íngremes e nunca superior a um rés-do-chão porque além do mais o R. marido não tem possibilidade de subir para além de poucos degraus se estes forem largos e baixos”; Artigo 34º -“ desde logo o andar dos autos tem 10 divisões e quintal conforme caderneta predial que se junta e que aqui se dá por reproduzida para todos os efeitos, com 170m2 de área coberta e 210m2 de quintal. (Doc. Nº 6 )”; Artigo 35º -“ O andar apresentado pela A. não tem nada a ver com o que os R.R. habitam: não está na mesma zona, não tem sequer metropolitano à porta, sendo uma zona muito longe dos tratamentos do R. marido, tem apenas 5 assoalhadas com apenas 124º m2 e não tem quintal, e é num primeiro andar com escadas muito íngremes.”
20ª - Resulta pois claro que não é e está muito longe de ser um andar em condições análogas às que os R.R. detêm : Contudo isto não significa que os Recorrentes não queiram o realojamento: não são obrigados a aceitar qualquer local que a A. aceite mas apenas nos termos da lei, um alojamento em condições análogas às que os arrendatários já detinham o que, como se viu, não foi cumprido pela A. pelo que a acção devia ter sido indeferida.
21ª - Ao contrário do referido pela juíza “a quo” quando refere que “a falta de acordo não é impeditiva da procedência da acção” não se trata de acordo porque não se aplica o regime do artigo 6º por via do regime do artigo 25º, mas sim do reconhecimento do direito ao alojamento nas condições análogas às que os arrendatários já detinham pelo que ao não decidir assim a juíza “a quo” violou aquele artigo 25º e fez uma errada interpretação do regime legal aplicável do DL 157/2006, de 8 de Agosto.
22ª - Por outro lado os R.R e aqui recorrentes consideraram que não se aplicava o regime do artigo 6º, porque se assim for e se a indemnização por benfeitorias fosse alternativa, então os recorrentes certamente que prescindiriam dessa indemnização para poder ser realojados: aspecto que, a ser assim, origina uma dúvida que deveria ter sido colocada aos R.R. e aqui recorrentes de forma clara a fim de estes optarem e não resultar de uma interpretação da juíza “a quo”.
23ª - Assim, não se verificando os requisitos das condições de realojamento a acção e não pretendendo nem os R.R e aqui recorrentes – como se disse – nem a A. porque não depositou a indemnização - devia antes improceder assim se fazendo a correcta aplicação do regime legal ao caso em apreço.
24ª - Aliás, no caso de aplicação do regime dos artigos 6º a 8º -por hipótese teórica - deveria o montante da indemnização ser apurada para determinar se era de montante superior a 2 anos de renda e a sentença não é proferida sem que se mostre depositada a sua totalidade (nº 4 do artigo 8º):Ora não faz sentido que o regime dos contratos antigos seja mais gravoso para os arrendatários do que o dos contratos novos, como fez a juíza “a quo”.
25ª - Termos em que se requer a revogação da sentença e se reconheça – a aplicar-se o regime da denúncia para remodelação – o que não se aceita mas se enuncia por necessidade de raciocínio – então se reconheça o direito ao realojamento e não à indemnização.
26ª - Finalmente um último requisito deverá ser apreciado: A A. invoca como fundamento da denúncia um projecto aprovado por uma sociedade que não é a A.: ora o pressuposto dos diplomas invocados é que o projecto a invocar seja concedido a quem tem legitimidade para invocar  o direito à demolição e não de um terceiro já que, em matéria tão delicada e sensível para os arrendatários não pode ser admissível a invocação de um direito à demolição de terceiros: esta matéria, apesar de invocada não foi apreciada pela juíza “a quo” o que configura uma falta de pronúncia em violação do disposto no artigo 668º nº 1 alínea d) do CPC que gera nulidade: tal matéria é relevante pois leva a que também por esse motivo não estão configurados os pressupostos legais e devia ser liminarmente indeferida a petição.
27ª - Acresce que a autorização ou licença apresentada pela A. caduca se não for requerida no prazo de um ano a emissão do respectivo alvará nos termos do artigo 71º nº 2 do Decreto-lei nº 555/99, de 16 de Dezembro em vigor na altura e já se encontra ultrapassado o prazo de um ano ( é de 06.08.2008) pelo que o tribunal está a lidar com uma autorização de terceiro e ainda por cima caducada e também já se encontra precludida a possibilidade de renovação que é de 18 meses a contar da data da caducidade como dispõe o artigo 72º desse mesmo diploma: Nestes termos, verifica-se que também este requisito da procedência da acção – se se considerar que a autorização pode ser de um terceiro - já não está configurado pelo que a acção deverá também sempre improceder.
28ª - A sentença “a quo” não aplicou correctamente os artigos 498º nº 4 do CPC, os artigos 1101º e 1103º do Código Civil com a redacção que lhes foi dada pelo NRAU(Lei nº 6/ 2006), o Decreto-lei nº 157/2006, de 8 de Agosto, mas sem as alterações do Decreto-lei nº 306/2009, de 23 de Outubro, violando o disposto no artigo 659º nº 3 e gerando as nulidades do artigo 668º nº1,alíneas b) e d) todos do CPC.
Contra-alegou a A. apelada pugnando pela improcedência do recurso.
 
II – FACTOS PROVADOS.
Foi dado como provado em 1ª instância :
1. A Autora é proprietária do prédio urbano sito na Avenida …, nº …, em Lisboa, descrito na …ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o nº … da freguesia de …, conforme certidão junta a fls. 9-10 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
2. Por contrato celebrado entre a anterior proprietária do imóvel e o Réu marido, este recebeu em arrendamento a fracção equivalente ao rés-do-chão do prédio supra referido, pelo prazo de seis meses, com início em 1 de Maio de 1976.
3. A renda mensal actualmente em vigor em contrapartida do uso e fruição do locado é de € 57,96.
4. A sociedade “AF…, Lda”, NIPC …6, com sede no mesmo local da sede da Autora - Avenida …, , ., em Lisboa - apresentou em seu nome na Câmara Municipal de Lisboa um Pedido de Construção que visa a edificação de um novo prédio, em substituição do prédio identificado em A) e do prédio contíguo, com o nº …, que lhe pertence – este, aliás, já demolido em consequência de processo de intimação camarária para esse efeito.
5. A “AF…, Lda” foi notificada, através do ofício nº …, no âmbito do Processo nº …, da aprovação do projecto de arquitectura para a Construção, através do despacho do competente Vereador, em 06/08/2008.
6. A Autora, juntamente com a identificada sociedade “AF… LDª”, pretendem construir um edifício habitacional com comércio no piso térreo, na substituição de dois, sendo um deles o referido em A).
7. Com excepção do locado, todas as demais fracções do prédio identificado em 1. se encontram desocupadas.
8. A Autora ofereceu, para realojar os Réus, um andar pertencente à sociedade comercial “AF…, Lda.” correspondente ao primeiro andar do prédio com o nº … da Rua do …, tornejando com a Travessa …, em Lisboa.
9. O referido andar tem 124 m2 de área coberta dividida em cinco divisões assoalhadas, cozinha e duas casas de banho.
10. A Autora declara renunciar ao pedido de actualização da renda pelo novo alojamento.
11. A Autora apesar de intimada pela Câmara Municipal de Lisboa para fazer obras de conservação, nunca as fez.
12. Os Réus têm mais de 65 anos de idade.
13. O Réu possui deficiência motora com grau de incapacidade de 43%, tendo muita dificuldade em subir escadas íngremes e altas.
14. O locado tem 10 divisões e quintal, com 170 m2 de área coberta e 210 m2 de quintal.
15. Os Réus pagaram, em 6 de Junho de 1986, a quantia de Esc. 52.880$00 por obras de reparação efectuadas no prédio.
16. Os Réus remodelaram uma casa-de-banho, colocando nova canalização, louças e um tecto falso.
17. Os Réus procederam à pintura de paredes e portas.
18. Os Réus fecharam a “marquise” e colocaram alcatifa por cima do soalho.
19. Os Réus colocaram azulejos, nova canalização para água quente e fria, um lava loiça e dois armários na cozinha.
 
III – QUESTÕES JURÍDICAS ESSENCIAIS.
São as seguintes as questões jurídicas que importa dilucidar :
                 1 - Excepção de caso julgado.
2 - Nulidades da sentença arguidas pelos apelantes.
3 - Fundamento legal para denúncia do contrato de arrendamento. Regime jurídico aplicável à situação sub judice. Regime especial e transitório atenta a data do contrato de arrendamento ( 1976 ). Do direito à demolição do prédio. Diferenciação de conceitos.
Passemos à sua análise :
1 - Excepção de caso julgado.
Os apelantes invocaram que foi decidido que não havia identidade de causa de pedir porque o projecto de arquitectura apresentado não é o mesmo que esteve na base da acção proposta em 1998.
Porém,
A lei fala em que este requisito está configurado quando “procede do mesmo facto jurídico” (artigo 498º nº 4 do CPC), sendo que facto jurídico não é o projecto em si - que pode ter ou não alterações - mas sim ser um projecto de reconstrução desse prédio independentemente das alterações que lhe venham a ser introduzidas, no andar “x” ou na varanda “y” etc., pelo que o artigo 498º do C.P.C. não foi correctamente aplicado pela juíza “a quo”, devendo reconhecer-se que se verifica neste caso a excepção do caso julgado, porque todos os requisitos estão configurados.
Apreciando :
Nada há a censurar, neste tocante, na decisão recorrida, não se verificando, na situação sub judice, a excepção de caso julgado.
Com efeito,
Através das acções judiciais interpostas sucessivamente pretendeu-se a denúncia do contrato de arrendamento, pelo senhorio, com fundamento em demolição do locado para construção de novo.
Porém,
A primeira foi intentada no ano de 1998, sob a vigência da Lei nº 2088, de 3 de Junho de 1957, fundando-se na aprovação pela entidade camarária de determinado projecto de construção.
Veio a naufragar pelas seguintes ordens de razões :
a) Falta de prova por parte da A. de que o prédio se encontrasse degradado em termos de tornar necessária a demolição ou não ser aconselhável a sua reparação sob o aspecto técnico e económico, conforme o exigia o artº 1º, da Lei nº 2088, de 3 de Junho de 1957.
b) Falta de prova da existência de alvará que titulasse o licenciamento camarário invocado, o que constituía condição de eficácia da licença concedida pela respectiva entidade administrativa.
( cfr. certidão junta a fls. 255 a 257 ).
Ao invés,
A presente acção de despejo, aproveitando as alterações legislativas introduzidas no regime da denúncia do contrato de arrendamento, bem como a alegada modificação dos respectivos pressupostos legais, foi intentada à luz de um enquadramento jurídico diverso ( artsº 1101º e 1103º, do Código Civil e Decreto-lei nº 157/2006, de 8 de Agosto ), aplicável, nos próprios termos do diploma legal, aos contratos de arrendamentos constituídos em momento anterior.
Tem por base um projecto de arquitectura autónomo em relação ao anterior, não se suscitando agora qualquer problema relacionado com a ineficácia do licenciamento camarário por falta de alvará - o que esteve precisamente na base do fracasso da anterior acção.
Estas circunstâncias revelam, inequivocamente, que
As causas de pedir apresentadas - enquanto matéria de facto em que assenta a pretensão jurídica deduzida - são efectivamente diversas o que, por si só, obsta à procedência da excepção de caso julgado.
Com efeito,
Tendo o legislador alterado os pressupostos do exercício do direito de denúncia do contrato de arrendamento, afigura-se-nos perfeitamente legítima a tentativa do senhorio de, em conformidade com as novas exigências legais, procurar de novo - agora com base em fundamento que inexista antes - aquele mesmo desiderato.
Ou seja,
Havendo improcedido a anterior acção devido à ineficácia do alvará de licenciamento, não se justifica que a força da autoridade desse caso julgado fosse susceptível de coarctar ad aeternum a possibilidade do A., munido do necessário licenciamento, vir a obter o mesmo efeito jurídico, fundado em diferente condicionalismo fáctico e jurídico.
Não há caso julgado e, nessa medida, a apelação improcede neste tocante.
2 - Nulidades da sentença arguidas pelos apelantes.
Ao longo das suas alegações invocam os apelantes a ocorrência de diversas causas de nulidade da decisão recorrida, à luz do disposto no artº 668º, nº 1, do Cod. Proc. Civil.
Vejamos :
1ª - Falta de conhecimento pelo juiz a quo do regime especial transitório previsto no Decreto-lei nº 157/2006, de 8 de Agosto, atenta a data da constituição da relação locatícia em causa - alínea d), do nº 1, do artº 668º, do Cod. Proc. Civil ( artsº 33º e 34º, das alegações ).
Apreciando :
A sentença será nula se o juiz deixar de se pronunciar sobre questões que devesse conhecer ou, pelo contrário, conhecer de questões cujo conhecimento lhe estava vedado.
Nos termos do artº 660º, nº 2, do Código de Processo Civil : “ O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras. “.
In casu,
O arguente da nulidade insurge-se, no fundo, contra o enquadramento jurídico a que o juiz a quo procedeu.
Tal divergência, legitimando perfeitamente a aberta e profunda discussão quanto ao mérito do decidido, não constitui em si fundamento de nulidade da sentença.
Isto é,
A procedência da interpretação jurídica dos apelantes poderá conduzir, porventura, à modificação do decidido.
Nada tem a ver com a validade da sentença proferida.
De qualquer modo, sempre se dirá que
consta da decisão proferida em 1ª instância que “ Este diploma legal estabelece um “ Regime especial transitório “ no que se refere à denúncia por iniciativa do senhorio relativamente, nomeadamente, “ Aos contratos de arrendamento para habitação celebrados antes da entrada em vigor do RAU, aprovado pelo Decreto-Lei nº 321-B/90, de 15 de Outubro “ ( artsº 23º a 27º ), como é o caso do contrato objecto dos presentes autos. “.
Ou seja,
Não há dúvidas, inclusivamente, que o Tribunal a quo tomou em consideração o regime transitório especial cuja falta de apreciação os apelantes acusam.
Improcede, portanto, a arguida nulidade.
2ª - Falta de fundamentação quanto à consideração de que o local proposto pela A. revestia condições análogas às que os arrendatários já detinham - alínea b), do nº 1, do artº 668º, do Cod. Proc. Civil ( artº 52º, das alegações ).
Apreciando :
A norma citada dispõe a nulidade da sentença quando a mesma não especifique os seus fundamentos de facto e de direito, em correspondência com o imperativo constitucional consignado no artº 205º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa.
De qualquer forma,
Só a falta absoluta de fundamentação é fundamento da apontada nulidade da decisão e não a fundamentação meramente deficiente ou incompleta.
Por outro lado,
O juiz não está obrigado a analisar e apreciar, um por um, todos os argumentos e raciocínios que as partes entenderam desenvolver nos seus articulados.
Terá, sim, que se debruçar sobre as questões essenciais que importam a procedência ou improcedência do pedido.
Neste sentido, há que considerar que
A decisão sob recurso encontra-se suficientemente fundada de facto e de direito.
De resto,
Entendendo-se que não havia lugar ao realojamento dos inquilinos - e independentemente do mérito desta posição - não se justificava o desenvolvimento das razões que levariam a considerar que o locado proposto pela senhorio revestia condições análogas aquele que era utilizado pelos arrendatários.
Improcede, pois, a invocada nulidade.
3ª - Falta de apreciação pelo juiz a quo da questão da legitimidade da A. para invocar o direito à demolição, uma vez que o projecto aprovado pertence a uma entidade terceira - alínea d), do nº 1º, do Código de Processo Civil ( artsº 63º a 66º das alegações ).
Apreciando :
A questão suscitada reconduz-se a uma argumentação de direito - que será objecto ( se necessário ) da correspondente apreciação neste acórdão - não implicando a ausência de abordagem em 1ª instância qualquer verdadeira nulidade da decisão recorrida.  
 A arguição de nulidade improcede.
3 - Fundamento legal para denúncia do contrato de arrendamento. Regime jurídico aplicável à situação sub judice. Regime especial e transitório atenta a data do contrato de arrendamento ( 1976 ). Do direito à demolição do prédio. Diferenciação de conceitos.
A presente acção, entrada em juízo em 7 de Janeiro de 2009, visa a denúncia do contrato de arrendamento sub judice e tem como causa de pedir a edificação de um novo prédio em substituição daquele onde se insere o locado e do prédio contíguo com o nº 65 ( este já demolido em consequência de processo de intimação camarária para esse efeito ) - cfr artº 4º, da petição inicial.
Isto é,
A A., juntamente com uma outro sociedade ( AF…, Lda. ) pretendem levar a cabo obras de demolição e construção profunda e estrutural que obrigam à desocupação do locado - cfr. artº 6º, da petição inicial.
Assenta a demandante o seu pedido no disposto nos artsº 1101º a 1103º, do Código Civil que remete para a aplicação do regime consignado no Decreto-lei nº 156/2006, de 8 de Agosto.
Com efeito,
Dispõe o artº 1101º, do Código Civil :
“ O senhorio pode denunciar o contrato de duração indeterminada nos casos seguintes :
( … )
b) Para demolição ou realização de obra de remodelação ou restauro profundo. “.
Acrescenta o artº 1103º, nº 3 e 8, do Código Civil :
“ ( … )
8 - A denúncia do contrato para demolição ou realização de obra de remodelação ou restauro profundo é objecto de legislação especial. “.
Definindo e concretizando os pressupostos do direito à denúncia do contrato de arrendamento com fundamento em demolição ou realização de obra de remodelação ou restauro profundo, foi aprovado e entrou em vigor o Decreto-lei nº 157/2006, de 8 de Agosto, que dispõe no seus artsº 4º a 10º :
Artº 4º - Remodelação ou restauros profundos.
“ Nº 1 - São obras de remodelação ou restauro profundo as que obrigam, para a sua realização, à desocupação do locado.
Nº 2 - As obras referidas no número anterior são qualificadas como estruturais ou não estruturais, sendo estruturais quando originem uma distribuição de fogos sem correspondência com a distribuição anterior. “
 Artº 6º - Denúncia para remodelação ou restauro.
“ Nº 1 - A denúncia do contrato para remodelação ou restauro profundo obriga o senhorio, mediante acordo e em alternativa :
a) Ao pagamento de todas as despesas e danos, patrimoniais e não patrimoniais, suportados pelo arrendatário, não podendo o valor da indemnização ser inferior aos de dois anos de renda ;
b) A garantir o realojamento do arrendatário por período não inferior a cinco anos.
 Nº 2 - Na falta de acordo entre as partes, aplica-se o disposto na alínea a) do número anterior.
Nº 3 - O realojamento do arrendatário é feito no mesmo concelho e em condições análogas às que aquele já detinha, quer quanto ao local quer quanto ao valor da renda e encargos.
Nº 4 - A indemnização prevista na alínea a) do nº 1 tem em conta o valor das benfeitorias realizadas e os investimentos efectuados em função do locado. “
Artº 7º - Denúncia para demolição :
“ Nº 1 - O senhorio pode denunciar o contrato de arrendamento quando pretenda demolir o locado.
Nº 2 - À denúncia para demolição aplica-se o disposto no artigo anterior, excepto quando, cumulativamente :
a) A demolição seja necessária por força da degradação do prédio, incompatível tecnicamente com a sua reabilitação e geradora de riscos para os respectivos ocupantes ;
b) Os pressupostos constantes da alínea anterior sejam atestados pelo município, ouvida a comissão arbitral municipal ( CAM ). “.
Vejamos :
Não subsistem dúvidas de que o referido regime legal se aplica directamente aos contratos de arrendamento celebrados em data anterior à sua vigência - mormente ao dos presentes autos.
Neste sentido, a própria redacção do artº 23º, nº 1, alínea a), do Decreto-lei nº 157/2006, de 8 de Agosto[1], revela-se totalmente inequívoca.
Relativamente à situação factual dada por assente, temos que :
 A Autora é proprietária do prédio urbano sito na Avenida …, nº …, em Lisboa, descrito na …ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o nº … da freguesia de ….
 Por contrato celebrado entre a anterior proprietária do imóvel e o Réu marido, este recebeu em arrendamento a fracção equivalente ao rés-do-chão do prédio supra referido, pelo prazo de seis meses, com início em 1 de Maio de 1976.
 A sociedade “AF…, Lda”, NIPC …, com sede no mesmo local da sede da Autora - Avenida …, …, …, em Lisboa - apresentou em seu nome na Câmara Municipal de Lisboa um Pedido de Construção que visa a edificação de um novo prédio, em substituição do prédio identificado e do prédio contíguo, com o nº …, que lhe pertence – este, aliás, já demolido em consequência de processo de intimação camarária para esse efeito.
 A “AF…Lda” foi notificada, através do ofício nº …, no âmbito do Processo nº …, da aprovação do projecto de arquitectura para a Construção, através do despacho do competente Vereador, em 06/08/2008.
 A Autora, juntamente com a identificada sociedade “AF…LDª, pretendem construir um edifício habitacional com comércio no piso térreo, na substituição de dois, sendo um deles o referido.
Apreciando :
Cumpre notar, em primeiro lugar, que assiste razão aos apelantes quando referem ser inaplicável na situação sub judice o disposto no Decreto-lei nº 306/2009, de 23 de Outubro, que introduziu diversas alterações ao regime consagrado no Decreto-lei nº 157/2006, de 8 de Agosto.
Trata-se de um diploma que não vigorava aquando da entrada da presente acção em juízo ( em 7 de Janeiro de 2009 ), pelo que não pode ser tomado em consideração para a decisão do pleito.
O regime especial transitório constante dos artsº 23º a 46, do Decreto-lei nº 157/2006, de 8 de Agosto, distingue claramente duas situações : por um lado, as “ obras de remodelação ou restauro profundo “ ; por outro, as “ obras para demolição do prédio. “[2].
Trata-se, como facilmente se compreende, de realidades distintas, sujeitas a regimes jurídicos diversos.
Com efeito,
O acto de remodelar ou restaurar - ainda que em termos profundos - pressupõe que o prédio objecto da intervenção se mantém o mesmo, íntegro, na sua raiz e quanto aos seus elementos estruturais e constitutivos, significando, em termos vulgares, que permanece de pé, não foi abaixo.
Ao invés,
A demolição tem como pressuposto a eliminação física da edificação que, pura e simplesmente, deixa de existir, qualquer que seja a nova realidade que lhe irá suceder nesse mesmo espaço.
Tendo presente esta diferenciação essencial,
Verifica-se que,
Relativamente aos arrendamentos anteriores ao Regime do Arrendamento Urbano (RAU), aprovado pelo Decreto-Lei nº 321-B/90, de 15 de Outubro, a demolição do prédio (ainda que para construção de novo) só é possível nas excepcionais situações previstas no nº 2, do artº 7º, deste diploma legal, ou seja, se for necessária por força da sua degradação, incompatível com a sua reabilitação e geradora de risco para os respectivos ocupantes, devendo tais pressupostos serem atestados pelo Município, ouvida a comissão municipal (CAM), ou quando a demolição for considerada tecnicamente mais adequada e seja necessária à execução de plano municipal de ordenamento do território (aqui por aplicação do nº 2, do artº 24º, do referenciado diploma legal ).
Neste sentido,
A questão fulcral controvertida que se coloca nos autos reside em saber se a demolição para construção de novo edifício ( e não a simples demolição sem nova construção ) deverá considerar-se excluída da exigência imposta pelo artº 24º, do Decreto-lei nº 157/2006, de 8 de Agosto[3], integrando-se, em termos práticos, no âmbito geral da “ obra de remodelação e restauro profundo “[4].
A nosso ver, nada na lei permite sustentar tal interpretação.
Com efeito,
O regime especial e transitório previsto nos artsº 23º a 46º, do Decreto-lei nº 157/2006, de 8 de Agosto, destina-se precisamente a salvaguardar as legítimas expectativas dos arrendatários habitacionais que conservam tal qualidade desde momento anterior a Outubro de 1990.
Daí a expressão imperativa e particularmente impressiva empregue no texto legal no sentido de que “ A faculdade de demolição só existe quando…”.
O que significa que o contrato de locação que tenha a referida antiguidade só poderá ser denunciado pelo senhorio com fundamento na sua demolição se vier a ser atestado pela entidade municipal competente que a degradação do prédio é tecnicamente incompatível com a sua reabilitação, tornando-se geradora de riscos para os ocupantes.
Isto é,
Trata-se aqui de um requisito legal imperativo e incontornável.
Deverá, assim e em coerência, concluir-se que, desde que o prédio não revele um estado de degradação incompatível com a sua reabilitação, não é conferida ao senhorio a possibilidade de denunciar o contrato de arrendamento em apreço com base na sua pretensão de o demolir.
Esta afirmação será válida tanto para os casos em que o senhorio pretenda a demolição pura e simples, como para as situações - bem mais frequentes - em que a demolição se destina à reconstrução no mesmo local de um outro edifício, enquanto realidade nova e absolutamente autónoma.
Efectivamente,
Nada permite - no texto legal e em conformidade com a sua ratio legis - destrinçar uma coisa da outra.
Não há nova construção sem eliminação da antiga.
Dizer-se que não se pretende demolir o prédio porque em seu lugar se irá construir um novo constitui, obviamente, uma contradição nos seus próprios termos.
Há que demolir para voltar a construir, uma vez que dois corpos não podem ocupar simultaneamente o mesmo espaço.
Com o regime especial e transitório a lei entendeu conceder uma especial protecção aos arrendatários que foram investidos nessa qualidade em momento muito anterior ao da vigência deste novo regime, salvaguardando as expectativas que à luz do ordenamento jurídico vigente à data da constituição da relação locatícia tranquilamente acalentavam.
Note-se que,
No âmbito da vigência da Lei nº 2088, de 3 de Julho de 1957[5], com as subsequentes alterações legislativas, o senhorio podia requerer o despejo para o fim do prazo do arrendamento com fundamento na execução de obras que permitiam o aumento do número de arrendatários, ou a necessidade de demolição por degradação do prédio, em conformidade com o projecto aprovado pela câmara municipal, fazendo-o ( apenas ) contra arrendatários de prédio degradado, e cuja beneficiação ou reparação não se mostrasse aconselhável sob o aspecto técnico ou económico, a fim de proceder à sua demolição ( respectivo artº 1º e alínea a) )[6].
Se o prédio estivesse em condições de ser reabilitado, não existia, por conseguinte, direito à sua demolição, através da prévia denúncia dos contratos de arrendamentos vigentes e que incidiam sobre as respectivas fracções.
Após a vigência do RAU, o Decreto-lei nº 329-B/2000, de 15 de Outubro[7], veio introduzir a possibilidade de denúncia contra arrendatário de prédio degradado, alterando a redacção do artº 69º[8].
O carácter especial que impregna o artº 24º, do Decreto-lei nº 157/2006, de 8 de Agosto, apenas confere ao senhorio a possibilidade de denúncia do arrendamento quando não se justificar, técnica e economicamente, a beneficiação ou reparação do prédio, sendo a mesma inviável[9].
Logo,
Não havendo demonstração, substantiva e formalmente adequada, do estado de degradação do prédio em causa, não há lugar, relativamente a este contrato de arrendamento ( anterior à vigência  do RAU ), à atribuição do direito de denúncia com fundamento em demolição ( ainda que para construção de um novo edifício no mesmo espaço ).
Cumpre, portanto, concluir que,
Fora das situações taxativamente enunciadas no artº 7º, do Decreto-lei nº 157/2006, de 8 de Agosto, não é legalmente admissível a demolição do prédio - ainda que para a construção de outro -, o que se apresentava in casu como absolutamente fundamental para a titularidade do direito à denúncia do contrato de arrendamento sub judice.
Na presente acção de despejo, a A. não alegou a verificação dos mencionados pressupostos[10].
Apenas refere que foi aprovada pela Câmara Municipal competente o projecto de arquitectura para a edificação de um novo prédio, em substituição daquele onde se situa o locado, que será objecto de demolição.
Nada refere acerca do estado de degradação do mesmo prédio e a respectiva certificação pela entidade autárquica.
Pelo que, ao contrário do afirmado pela A., não estão preenchidos os fundamentos de denúncia do arrendamento em vigor.
O que, por si só, impõe, a improcedência do peticionado.
Considera-se desta forma prejudicado, por inteiramente inútil, o conhecimento das restantes questões suscitadas no âmbito da presente apelação.

IV - DECISÃO : 
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar  procedente a apelação, revogando-se a decisão recorrida e absolvendo os RR. do pedido formulado pela A..
Custas pela apelada.

Lisboa, 15 de Dezembro de 2011.

Luís Espírito Santo
Gouveia Barros
Conceição Saavedra
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[1] Onde, sob a epígrafe “ Âmbito de aplicação “ se dispõe : “ O disposto na presente secção aplica-se apenas : a) Aos contratos de arrendamento para habitação celebrados antes da entrada em vigor do RAU, aprovado pelo Decreto-lei nº 321-B/90, de 15 de Outubro ( … ) “.
[2] O Decreto-lei nº 306/2009, de 23 de Outubro ( inaplicável à situação sub judice ) alterou a redacção primitiva do artº 4º, do Decreto-lei nº 157/2006, de 8 de Agosto, no sentido de aí passar a figurar, em vez de “ obras de remodelação ou restauro profundo “, a expressão : “ obras de conservação e reconstrução “.
[3] Estabelece este preceito legal, subordinado à epígrafe “ Denúncia para demolição “ : nº 1 - “ A faculdade de demolição só existe quando se verifiquem os pressupostos do nº 2, do artº 7º, sem prejuízo do disposto no número seguinte. “ ; nº 2 - “ Existe ainda a faculdade de demolição quando esta for considerada pela município a solução tecnicamente mais adequada e a demolição seja necessária à execução de plano municipal de ordenamento do território. “. 
[4] Sustenta a A. na sua resposta à contestação que : “ …não pretende tão só a demolição do prédio onde se situa o locado, mas sim proceder à nova edificação, ou seja, a iniciativa da senhoria na presente acção justifica-se pela celebração de obras de remodelação profunda e estrutural, nos termos e para os efeitos descritos no artº 4º, do DL 157/2006. Não há que aplicar o regime da denúncia para demolição, mas sim o regime de denúncia para realização de obras, regulada nos artsº 4º a 10º, do DL 157/2006 com as especificidades previstas no artº 25º que estabelece o regime transitório aplicável ao contrato em vigor entre as partes. “ ( artsº 7º a 9º ).
[5] Que o Decreto-lei nº 157/2006, de 8 de Agosto, veio precisamente revogar ( cfr. respectivo artº 49º ).
[6] Atente-se em que foi precisamente neste sentido a decisão proferida na acção nº 546/1998, da 4ª Vara Cível, 2ª secção, a qual transitou em julgado, e onde se deixou expresso : “…pretendendo a A. demolir o edifício em apreço - de cujo R/C os RR. são arrendatários - para construir um totalmente novo, como efectivamente pretende ( facto 2.-) o pretendido despejo daqueles - que faz parte integrante da causa de pedir - só seria possível se aquele prédio se encontrasse degradado em termos de tornar necessária aquela demolição ou, então, que a sua beneficiação ou reparação não se mostrasse aconselhável sob o aspecto técnico e económico ; é o que resulta inequivocamente do artº 1º, corpo do artigo, e sua al. c) da Lei nº 2.088, de 3/6/57. ( … ) “.
[7] Refere-se no preambulo do diploma : “ Neste contexto e com o presente diploma, passa-se a prever a possibilidade de demolição de edifícios reconhecidos como irrecuperáveis pela respectiva câmara municipal, assegurando os direitos dos arrendatários, nomeadamente o seu realojamento em fogo que reúna os requisitos de habitabilidade indispensáveis, com especial protecção para os mais idosos ou cidadãos que sofram de invalidez ou de incapacidade para o trabalho. “.
[8] Sobre este ponto, vide Pinto Furtado in “ Manual do Arrendamento Urbano “, pags. 974 a 983.
[9] Se o estado de degradação do prédio tornar completamente inviável o próprio fim do contrato estamos perante uma situação de fundamento de caducidade do arrendamento. Sobre este ponte, vide Aragão Seia in “ Arrendamento Urbano “, pag. 490.
[10] É a própria A. que reconhece que “ …não alega em parte alguma da sua petição a necessidade de demolição devido ao estado de degradação do prédio. “ ( artº 12º, da resposta à contestação ).