INSOLVÊNCIA
PLANO DE PAGAMENTOS
Sumário

I - O artigo 256.º, n.º 4 do CIRE confere uma faculdade que o Tribunal pode ou não exercer, tendo em conta a situação patrimonial do devedor e a satisfação dos interesses dos credores, pressupondo que o julgador proceda a um juízo de razoabilidade quanto à possibilidade de esses mesmos credores ultrapassarem as divergências existentes perante a apresentação de um novo Plano de Pagamentos.
II - Trata-se, no fundo, de uma nova apreciação em que o Tribunal, face à posição expressa por todos os interessados perante o Plano de Pagamentos inicial, verifica da “probabilidade” ou não, da aprovação de um novo Plano, análise que é efectuada em termos semelhantes aos já antes expressos nos termos do artigo 255.º, n.º 1, do CIRE.
III - O poder de suprimento conferido ao Juiz do processo, nos casos em que há oposição à aprovação do Plano de Pagamentos apresentado, pressupõe que este Plano tenha sido aceite “por credores cujos créditos representem mais de 2/3 do valor total dos créditos relacionados pelo devedor (…)” – artigos 257.º, n.º 1 e 258.º, n.º 1, do CIRE.
(Sumário da Relatora)

Texto Integral

Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I. RELATÓRIO

Na acção de insolvência em que é Requerente A… veio a mesma, incidentalmente, apresentar um Plano de Pagamentos.

Notificados os respectivos credores para se pronunciarem, e após estes o terem feito, o senhor Juiz do Tribunal de 1.ª Instância proferiu decisão em que rejeitou o Plano apresentado e determinou o encerramento do incidente.

Inconformada com o assim decidido, a Requerente interpôs recurso de Apelação no âmbito do qual formulou as seguintes conclusões:

1. O presente recurso tem na sua génese o mui douto despacho que encerrou o incidente do plano de pagamentos por ter rejeitado este.
2. Ora, é com esta decisão que a recorrente não se conforma.
3. A recorrente na petição oferecida em juízo, apresentou um plano de pagamentos que contemplava o pagamento aos credores comuns de 80% da dívida em 80 meses e de 100%, nos termos contratualizados ao credor hipotecário, nos termos exigidos pelo art. 251.° do CIRE.
4. Seguiu-se a notificação aos credores nos termos do preceituado no art. 256.º, n.º 2, do CIRE.
5. Foi dada a oportunidade à recorrente para nos termos do 256.º, n.° 3 "declarar se modifica(va) ou não a relação dos créditos".
6. Não foi todavia notificada nos termos e para os efeitos do previsto no n.° 4 daquele preceito legal.
7. Foi coarctada a possibilidade de a recorrente apresentar um novo plano de pagamentos, face às alterações introduzidas pelos credores que se pronunciaram, o que inclusivamente a recorrente pediu na petição inicial apresentada em juízo.
8. Com o encerramento do incidente de aprovação do plano de pagamentos foi vedado à recorrente o exercido do contraditório face às observações dos credores e sempre com vista à obtenção de acordo para pagamento das dívidas, e que de resto teve o cuidado e cautela de pedir na sua petição inicial.
9. Acto contínuo foi proferida sentença a declarar a insolvência da recorrente. O Tribunal não exerceu o poder-dever que lhe impõe o art.º 256.º, n.º 4 do CIRE.
10. O Tribunal a quo demonstrou que ignora a realidade e a dinâmica das negociações entre devedores e credores que ocorrem no âmbito e por força do processo de insolvência, mais concretamente durante a pendência do incidente de aprovação do plano de pagamentos, chegando-se muitas vezes a pedir prorrogações de prazo, justamente em virtude dessas negociações, caindo amiúde em prorrogação de prorrogações,
11. O despacho ora em crise não se encontra fundamentado no que diz respeito ao não uso da faculdade contemplada no art.º 256.º, n.° 4 do CIRE (art. 158.º Código de Processo Civil).
12. Assim, constitui uma omissão judicial grave, e porque é nula o despacho quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, sendo que este facto encerra uma nulidade processual prevista no art.º 201.º do Código de Processo Civil ex vi art. 668.º, n.° 1, al. d) do mesmo diploma legal, a qual se argui desde já para todos os legais efeitos.
13. Tudo o exposto demonstra o desajuste da decisão recorrida.
14. Foram violados entre outros, os arts. 254.º do CIRE e art. 158.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi art. 201.º do Código de Processo Civil ex vi art. 668.° e art. 17.º do CIRE.
Conclui, assim, pedindo que o Tribunal declare a nulidade arguida com a consequente anulação da decisão recorrida e ordenada a notificação da requerente para apresentar novo Plano de Pagamento face às alterações introduzidas pelos credores que reclamaram os seus créditos., como é da mais elementar e absoluta Justiça.

III. FACTOS PROVADOS

1. A Requerente apresentou-se à insolvência, no Tribunal de 1.ª Instância, no dia 20 de Julho de 2011.
2. Apresentando no respectivo processo um Plano de Pagamentos em relação aos credores que se passam a indicar e com a indicação dos respectivos valores em dívida:

- Banco E… - € 78,00
- Banco E… - € 2.513,50
- Banco B… - € 11.682,00
- Banco B … - € 4.499,00
- Banco C… , SA - € 355,00
- Banco C… SA - € 250,00
- Banco C… SA - € 83.082,00
- Finance …., SA - € 393,00
- Banco PPF… SA - € 924,00
- Banco PPF, SA - € 3.113,50
- C… - € 8.334,00

3. Notificados para se pronunciarem sobre o Plano de Pagamentos apresentado, os credores pronunciaram-se nos seguintes termos:

- O Banco B… Sucursal em Portugal, aderiu ao Plano pedindo apenas a rectificação do valor total em dívida para € 17.354,60
- O Banco E…, aderiu ao Plano apresentado pedindo apenas a rectificação do valor total em dívida para € 6.283,09 (sendo € 4.756,06 relativo ao crédito emergente do contrato de crédito ao consumo e € 799,09 a título de crédito emergente de saldo devedor)
- A C…não aderiu ao Plano de Pagamentos apresentado por considerar que os seus interesses não se encontravam devidamente acautelados tendo ainda rectificação do valor total em dívida para € 9.687,26
- O Banco C… SA, não deu o seu acordo ao Plano de Pagamentos apresentado nem ao benefício da exoneração do passivo restante, tendo ainda procedido à rectificação do valor total em dívida para € 168.373,45
- O Banco BPF…, SA aderiu ao Plano de Pagamentos apresentado tendo ainda procedido à rectificação do valor total em dívida para € 12.263,52

4. Face à posição assumida pelos credores, a Requerente:
- corrigiu o valor em dívida nos termos indicados pela C..
- corrigiu o valor em dívida nos termos indicados pelo Banco E…, SA
- corrigiu o valor em dívida nos termos indicados pelo Banco PPF…, SA
- corrigiu o valor em dívida nos termos indicados pela C... e considerou que a recusa da mesma era imotivada assim devendo ser considerada para os efeitos do disposto no artigo 258.º, n.º 1, alínea c) do CIRE (fls. 106 e 107 dos autos)

5. No dia 06 de Outubro de 2011 foi proferido o seguinte despacho, de que a reclamante recorre:

“(…)
Compulsados os autos, verifica-se que o plano de pagamentos apresentado não foi aceite por credores que representem mais de dois terços do valor total dos créditos relacionados, o que, por seu turno, inviabiliza o suprimento de aprovação pretendido a fls. 106 e 107, que, em conformidade, se indefere.
Destarte, rejeita-se o plano de pagamentos em apreço, determinando-se o encerramento deste incidente – cfr. arts. 257.º e 258.º do CIRE.
(…)”

III. FUNDAMENTAÇÃO

O objecto do presente recurso reporta-se a saber se a não utilização, por parte do senhor Juiz do Tribunal de 1.ª Instância, do disposto no artigo 256.º, n.º 4, do CIRE, que na óptica da Apelante a impediu de apresentar um novo Plano de Pagamentos, configura-se como uma nulidade insanável cuja declaração deve ser proferida, com a consequente anulação da decisão sob recurso.

Essa invocada nulidade foi apreciada pelo Tribunal de 1.ª Instância que concluiu pela sua não verificação uma vez que o maior credor da Apelante, com créditos superiores a 2/3 daqueles que foram indicados nos autos, opôs-se ao Plano proposto, com o que se considerou estarem inviabilizadas quaisquer outras diligências.

Cumpre, assim, antes de mais, averiguar da natureza do citado artigo 256.º, n.º 4 do CIRE para se concluir se se impunha ou não o seu cumprimento, conforme pugna a Apelante.

Para o efeito, entende-se proceder à transcrição do preceito legal:

“Pode ainda ser dada oportunidade ao devedor para modificar o plano de pagamentos, no prazo de cinco dias, quando tal for tido por conveniente em face das observações dos credores ou com vista à obtenção de acordo quanto ao pagamento das dívidas”.

Desde logo, só o facto de estarmos perante o exercício de um “poder” por parte do Tribunal, nos impediria podermos afirmar a existência de qualquer nulidade por ausência de cumprimento de tal dispositivo legal. Com efeito, como podemos constatar da simples leitura do preceito, estamos perante uma faculdade que o Tribunal pode ou não exercer, tendo em conta a situação patrimonial do devedor bem como a satisfação dos interesses dos credores, pressupondo que o julgador proceda a um juízo de razoabilidade quanto à possibilidade de esses mesmos credores ultrapassarem as divergências existentes perante a apresentação de um novo Plano de Pagamentos.

Trata-se, no fundo, de uma nova apreciação em que o Tribunal, face à posição expressa por todos os interessados perante o Plano de Pagamentos inicial, verifica da “probabilidade” ou não, da aprovação de um novo Plano, análise que é efectuada em termos semelhantes aos já antes expressos nos termos do artigo 255.º, n.º 1, do CIRE.

Ora, se tivermos em conta que os valores em dívida, já após a rectificação levada a cabo pela Apelante perante valores mais elevados reclamados pelos seus credores e que esta aceitou, podemos verificar que o seu total ascende a € 214.354,92 sendo que o montante de € 178.060,71 correspondente aos credores detentores de créditos que se opõem à aprovação do Plano apresentado pela Requerente. Ou seja, os credores detentores de cerca de 90% dos créditos reclamados opõem-se
à aprovação do Plano de Pagamentos. Sendo certo que o património da Requerente não obteve quaisquer outros bens para além dos ali indicados, certo é também que não será um novo Plano apresentado que irá alterar a posição dos credores que se opõem a tal medida, face ao próprio reconhecimento da Apelante quanto ao aumento das dívidas perante os seus credores.

Por outro lado, a lei é clara quando refere que a aprovação do Plano de Pagamentos prevê que nenhum credor tenha recusado esse mesmo Plano ou que, se houver oposição, esta possa ser suprida pelo Juiz. Neste último caso, porém, tal suprimento pressupõe que o Plano tenha sido aceite “por credores cujos créditos representem mais de 2/3 do valor total dos créditos relacionados pelo devedor (…)” – artigos 257.º, n.º 1 e 258.º, n.º 1, do CIRE.

No presente caso, o que temos é um valor superior a esses 2/3, não no sentido da aprovação, mas sim, no da rejeição, o que desde logo impediria a apresentação de um novo Plano de Pagamentos por tal rejeição não ser legalmente passível de suprimento por parte do Tribunal.

Como podemos verificar, a ponderação do senhor Juiz de 1.ª Instância mostra-se adequada e ponderada, tendo-se limitado a interpretar e aplicar a lei, nenhuma censura merecendo por parte deste Tribunal.

IV. DECISÃO
Face ao exposto, julga-se improcedente a Apelação, confirmando-se a decisão proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância.
Custas pela Apelante.

Lisboa, 15 de Dezembro de 2011

Dina Maria Monteiro
Luís Espírito Santo
José Gouveia Barros